A Competência em Informação no enfrentamento ao plágio no ambiente acadêmico

 

Jussara Borges[1]

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 jussara.borges@ufrgs.br

 Helena Harthmann[2]

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

helenaharthmann96@gmail.com

Susane Barros[3]

Universidade Federal da Bahia

coordeditorialedufba@gmail.com

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Resumo

Este artigo discute a competência em informação frente ao plágio no meio acadêmico. Reflete sobre as causas do plágio, como o pouco incentivo para que estudantes produzam conteúdos autorais e a ausência de políticas institucionais que orientem tais produções. Como resposta a este contexto, o artigo sugere uma educação para a autoria a partir da competência em informação. A competência em informação, entre outros, promove uma relação saudável entre as pessoas e o universo informacional. Assim, o objetivo é discutir de que forma a promoção da competência em informação contribui para o combate ao plágio acadêmico e a constituição da autoria. O método envolve levantamento bibliográfico em bases de dados da área de Ciência da Informação e construção argumentativa na qual os conceitos de plágio e competência em informação são relacionados. Os resultados incluem um guia demonstrativo de como a competência em informação pode ser empregada na produção de trabalhos acadêmicos e orientações para professores reconhecerem e evitarem o plágio. O trabalho conclui que as competências geradas no âmbito da relação entre indivíduos e informação podem beneficiar a construção de autoria e ser um elemento eficaz no combate ao plágio.

Palavras-chave: competência em informação; plágio no meio acadêmico; autoria.

 

 

 

 

INFORMATION LITERACY IN COMBATING PLAGIARISM IN THE ACADEMIC ENVIRONMENT

Abstract

This article discusses information literacy in the face of plagiarism in academia. It reflects on the causes of plagiarism, such as the little incentive for students to produce authorial content and the absence of institutional policies that guide such productions. As a response to this context, the article suggests an education for authorship based on information literacy. Information literacy, among others, promotes a healthy relationship between people and the information universe. Thus, the objective is to discuss how promoting information literacy contributes to combating academic plagiarism and establishing authorship. The method involves bibliographical research in databases in the area of Information Science and argumentative construction in which the concepts of plagiarism and information literacy are related. The results include a demonstrative guide on how information literacy can be used in the production of academic work and guidelines for teachers to recognize and avoid plagiarism. The work concludes that the skills generated within the relationship between individuals and information can benefit the construction of authorship and be an effective element in combating plagiarism.

Keywords: information literacy; plagiarism in academia; authorship.

 

COMPETENCIA INFORMATIVA EN LA LUCHA CONTRA EL PLAGIO EN EL ENTORNO ACADÉMICO

Resumen

Este artículo analiza la alfabetización informacional frente al plagio en el mundo académico. Se reflexiona sobre las causas del plagio, como el poco incentivo de los estudiantes para producir contenidos de autor y la ausencia de políticas institucionales que orienten dichas producciones. Como respuesta a este contexto, el artículo sugiere una educación para la autoría basada en la alfabetización informacional. La alfabetización informacional, entre otras cosas, promueve una relación sana entre las personas y el universo de la información. Así, el objetivo es discutir cómo la promoción de la alfabetización informacional contribuye a combatir el plagio académico y establecer la autoría. El método implica una investigación bibliográfica en bases de datos en el área de las Ciencias de la Información y una construcción argumentativa en la que se relacionan los conceptos de plagio y alfabetización informacional. Los resultados incluyen una guía demostrativa sobre cómo se puede utilizar la alfabetización informacional en la producción del trabajo académico y pautas para que los docentes reconozcan y eviten el plagio. El trabajo concluye que las habilidades generadas dentro de la relación entre los individuos y la información pueden beneficiar la construcción de la autoría y ser un elemento eficaz en el combate al plagio.

Palabras clave: alfabetización informacional; plagio en el mundo académico; autoría.

 

1 INTRODUÇÃO

A prática de plágio ocorre com frequência no meio acadêmico e tem merecido atenção de investigadores que procuram entender o fenômeno e buscar caminhos para evitá-lo (Silva, 2008). Grande parte da literatura aponta como motivações para o plágio a postura ética, o desconhecimento das regras de citação ou ainda o contexto produtivista no qual vivemos (Silva, 2008). Existem autores (Howard, 1995), entretanto, que defendem que o plágio poderia ser visto como uma oportunidade pedagógica. Há também estudos em linguística aplicada apoiados na perspectiva bakhtiniana que defendem que o grau de ineditismo esperado varia de acordo com o contexto, desde que possamos assumir que de fato incorporamos discursos alheios (Bazerman, 2010), o que é próprio do ciclo da comunicação científica. A intertextualidade na escrita acadêmica pode gerar falta de clareza sobre o conceito e os tipos de plágio.

Pesquisa feita pela Unicamp comprovou que pelo menos 87% dos alunos que chegam à universidade não sabem o que é plágio[4], tornando assim o risco de cometê-lo muito maior . Além disso, no Brasil, são poucas as instituições de ensino superior que possuem uma política de integridade científica ou orientações documentadas para evitar o plágio. Pesquisa realizada por Krokoscz (2011) revelou que o plágio em instituições de ensino superior no Brasil estava sendo enfrentado de forma muito incipiente. O autor identificou as abordagens de plágio nas três melhores universidades nos cinco continentes e no Brasil.[5] Das três universidades brasileiras selecionadas, apenas uma tinha em seu site documentos com orientações contra o plágio.

Entretanto, as instituições de ensino superior brasileiras carecem não apenas de documentos voltados para a prevenção do plágio e integridade científica. Tratar a questão envolve a adoção de políticas e práticas. É necessário que as instituições construam diretrizes educativas e punitivas porque a punição não deve ocorrer sem antes instruir e mostrar o que se espera de um estudante de graduação em termos de escrita acadêmica. As universidades precisam tomar para si a responsabilidade de acolher verdadeiramente os estudantes que chegam do ensino médio pouco familiarizados com o ambiente e as demandas acadêmicas. Esse acolhimento passa necessariamente pelo desenvolvimento da escrita acadêmica, sobretudo se pensarmos no processo de ampliação do número de vagas no ensino superior que gerou uma convivência de estudantes e professores de origens diversas com experiências também diversas e por vezes conflituosas. Existem disputas no espaço acadêmico que passam despercebidas por muitos da comunidade porque a universidade sempre foi um espaço de letramentos institucionalizados e valorizados e essa diversidade do público traz também letramentos não valorizados e de culturas locais para esse espaço.

Esse cenário sócio-histórico e cultural é agravado com a emergência de tecnologias mais sofisticadas de produção de conteúdos, como o ChatGPT, que reacendeu a discussão quanto às questões de autoria. Embora as tecnologias também ofereçam ferramentas para identificar o plágio, o cerne da questão parece ser mais de cunho ético e social, pois a honestidade deve ser tratada como um princípio no ambiente acadêmico que produz conhecimento. É importante que as pessoas compreendam o que é plágio e como evitá-lo, mas igualmente importante é investir numa educação para a autoria, na qual a competência em informação promova uma relação saudável e criativa com os conteúdos, onde, por exemplo, os estudantes se sintam motivados e seguros para produzir informação autoral, assegurando que a informação compartilhada seja precisa e confiável.

Educar para a autoria, portanto, passa pela promoção da competência em informação. Essa competência diz respeito à convergência de conhecimentos, habilidades e atitudes para uma relação útil, saudável e proveitosa com o universo informacional: conhecer fontes confiáveis; fazer buscas significativas; selecionar conteúdo relevante, verdadeiro e adequado às necessidades informacionais; relacionar esse conteúdo entre si e com os referenciais prévios para produzir nova ou renovada informação, creditando corretamente as fontes utilizadas.  Observe-se que todas essas competências envolvem formas de construir e fortalecer a autoria, pois perpassam estágios de compreensão de como um texto é construído, qual o valor de uma informação correta, além do exercício da escrita que, por sua vez, também envolve entender o que é uma paráfrase, como fazer uma citação e como acrescentar sua voz ao conhecimento.

Assim, o objetivo deste artigo é discutir de que forma a promoção da competência em informação contribui para o combate ao plágio acadêmico e constituição da autoria. Em outras palavras, o problema da pesquisa é como a competência em informação pode contribuir, não só para se conhecer sobre citar e referenciar fontes, mas também para promover uma postura crítica, autoral e criativa quanto à produção de conhecimento? Para tanto, foi realizada uma coleta de dados para compreender como a competência em informação e o plágio são tratados no meio acadêmico. Tais informações têm como finalidade apresentar estratégias e também recomendações para fortalecer a competência em informação e prevenir o plágio no meio acadêmico. 

O levantamento bibliográfico para elaboração desta pesquisa foi feito em abril de 2022, em bases de dados da área da Ciência da Informação, sendo elas: Base de Dados de Periódicos em Ciência da Informação (BRAPCI), Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Repositório Digital da UFRGS (LUME).  Os termos de busca foram: plágio acadêmico, competência em informação e autoria. As seções seguintes do artigo apresentam os principais conceitos - plágio e competência em informação - e suas conexões.

 

2 O PLÁGIO NO MEIO ACADÊMICO

Com a diversidade de ferramentas disponíveis na internet, o plágio se tornou mais fácil de ser cometido e de ser detectado, sobretudo se os trechos copiados forem originários de publicações disponíveis na internet, ainda que em outros idiomas. Apesar de maior facilidade na detecção de plágio atualmente, a relação que muitas pessoas têm com a propriedade intelectual do que está disponível na internet é muito diferente da relação que elas têm com outras mídias, como livros, jornais e revistas. As pessoas tendem a utilizar material disponível na internet como se não fossem protegidos por direitos autorais. É como se ignorassem o valor do trabalho intelectual do que não está materializado como um produto físico. No entanto, as universidades, como maiores desenvolvedoras de pesquisa e produtoras de conhecimento científico, devem valorizar o trabalho intelectual dando suporte à sua comunidade no que diz respeito ao desenvolvimento de competência em informação, estimulando o uso ético da informação.

Além de ser cada vez mais comum que os estudantes copiem e colem texto de fontes on-line sem citar devidamente o que foi pesquisado, há também no ambiente acadêmico a prática de compra e venda de trabalhos prontos em diversos sites (Bonette; Vosgerau, 2010). Geralmente essas práticas são identificadas pelos professores na leitura dos textos pelos diferentes padrões de escrita percebidos ou por meio do uso de softwares de verificação de similaridade, como salientam Galvão e Luvizotto (2012). Em ambos os casos há um comprometimento de aprendizagem, pois a função da apresentação de um trabalho escrito é a aquisição de conhecimento por meio do exercício da pesquisa, da seleção e da escrita. O estudante aprende com a escrita a construir seu discurso e a se manifestar sobre assuntos em sua comunidade de prática de forma a se sentir pertencente a ela.

No caso da compra e venda de trabalhos prontos há um agravante: o próprio autor está abrindo mão de seus direitos morais, ou seja, seus direitos pelo reconhecimento da obra. E se não há a figura do reclamante pela autoria, não há o que ser feito juridicamente, a questão é principalmente moral e ética. O direito autoral divide-se em moral e patrimonial, sendo o primeiro perpétuo, pois o autor não deixa de ser autor de uma obra nem mesmo após sua morte. Já o último, refere-se à exploração comercial da obra, o que pode ser negociado com terceiros por um período de tempo acordado, além de ser transmissível aos herdeiros. No entanto, na legislação brasileira, 70 anos após a morte do autor, a obra entra em domínio público. Isso significa que apesar de não caber mais aos herdeiros a exploração comercial da obra, o uso fraudulento ou a violação dos direitos morais deve ser defendida por seus herdeiros. Ou seja, as obras em domínio público, se plagiadas, são passíveis de aplicação das medidas cabíveis (Goulart, 2009).

Ainda sob o ponto de vista jurídico, de acordo com Zanini (2017), o direito autoral inclui dois aspectos: o positivo e o negativo. De forma positiva, de acordo com o art. 24, II, da Lei 9.610/98[6], significa que o autor tem o direito de exigir que sua obra seja publicada com seu nome e não pode ser mudado ou apagado em respeito à sua memória. A forma negativa significa que se alguém se passar como o autor de uma obra que não é sua, o verdadeiro autor tem o direito de reclamar e proteger sua obra. Embora a Lei 9.610/98 não defina o que é plágio, nela consta a definição de autor como “[...] pessoa física, criadora de obra literária, artística ou científica” (Brasil, 1998). O plagiário, portanto, pode ser considerado como a pessoa física reprodutora ou copiadora de obra literária, artística ou científica.

De acordo com o Blog da Biblioteca de Engenharia da UFRGS[7] (2021) “[...] plágio é valer-se de ideias e conceitos já publicados em uma obra sem mencionar a fonte no trabalho acadêmico. É usar conteúdo produzido por outra pessoa e colocá-lo como se fosse de sua autoria”.  Nessa perspectiva, o plágio significa a violação dos direitos morais enquanto a contrafação - reprodução não autorizada de uma obra - significa a violação dos direitos patrimoniais. Ou seja, quando a obra é plagiada o autor deixa de ser reconhecido e quando ela é reproduzida sem autorização o autor deixa de ser remunerado. É digno de nota, portanto, que a noção de plágio está intimamente ligada à noção de autoria, já que a ausência de uma implica a presença da outra. Possivelmente, muito da dificuldade de escrita e consequentes incidências de plágio resultam de uma concepção de autoria equivocada porque muitas pessoas entendem que autor é um ser iluminado que cria uma obra a partir do nada e com isso se sentem incapazes de formular seus textos.

Devido a essa visão individualista da figura do autor ainda viva no imaginário social e à natureza complexa e multifacetada do plágio, abordagens diversas são requeridas, já que práticas aceitas em determinado contexto são condenadas em outro. Pennycook (1996), pesquisador da área da linguística aplicada, questiona o uso do termo plágio, seu significado e a necessidade de refletir sobre questões subjacentes ao conceito em si. O autor adota a expressão empréstimo textual porque considera o termo plágio inadequado, carregado de sentidos e sócio-historicamente situado. Ele cita termos adotados por outros autores para lidar com os sentidos negativos que o termo carrega, como patchwriting, plágio intencional e não intencional e intertextualidade transgressiva e não transgressiva (Pennycook, 2016). Para o autor:

Parte do problema aqui reside no uso do termo plágio como se descrevesse alguma prática claramente definível. O que tenho tentado mostrar aqui, pelo contrário, é que por detrás deste termo desajeitado podem estar escondidas inúmeras preocupações diferentes e, por isso, apesar das exigências que tal reflexividade possa fazer ao nosso tempo, acredito que cabe a nós, como professores, desenvolver uma compreensão da complexidade das questões envolvidas na aprendizagem de línguas e no empréstimo textual [...] Estou sugerindo, portanto, que muitas das formas como abordamos o suposto plágio são pedagogicamente doentias e intelectualmente arrogantes. Não é adequado observar simplesmente, por um lado, que os alunos ‘copiam’ ou que, por outro lado, necessitam de aprender práticas de escrita académica. Ambas as observações são trivialmente verdadeiras, mas insuficientes em termos de consciência da diferença cultural e de auto-reflexividade sobre as práticas às quais aderimos (Pennycook, 1996, p. 227).

Portanto, na visão de Pennycook (1996), a discussão sobre plágio precisa considerar desde o uso do termo até uma análise do contexto sobre como o plágio é abordado, que para ele deve relacionar aprendizagem, texto e memória, além de atentar para a diversidade cultural. A cultura oriental, por exemplo, é visualmente orientada considerando que seu alfabeto é composto por ideogramas, isto é, caracteres que representam ideias ou conceitos. Isso requer uma forma de aprender diferente do que temos na cultura ocidental porque o processo de aprendizagem ocorre através da memorização pelo fato de a linguagem ser representacionista. 

Para além dos aspectos culturais, é importante entender de que maneira o plágio vem acontecendo no contexto atual. Em redes sociais como o TikTok, por exemplo, circulam maneiras de burlar os softwares verificadores de similaridade por estudantes. Esse tipo de conteúdo, além de incentivar os estudantes a cometer plágio, inclui algumas técnicas que podem confundir as ferramentas (Quadro 1). Nessa perspectiva, percebemos que de fato a discussão precisa ser muito mais ampla e envolver muitos atores sociais porque o que está em jogo, além do processo de aprendizagem, é a formação de crenças e valores.

 

Quadro 1 -  Maneiras de burlar softwares verificadores de similaridade

Mudar a ordem das palavras ou substituir algumas palavras por sinônimos, como o Smodin[8].

Usar tradutores automáticos.

Copiar e colar trechos curtos.

Usar sites que disponibilizam trabalhos acadêmicos prontos, como o “Trabalhos Feitos[9]”.

Usar Inteligência Artificial para produção de textos, como o “ChatGPT”[10].

Fonte: Síntese das autoras (2023).

Na opinião de Jacobsen (2017), há consenso entre especialistas e gestores acadêmicos de que o problema tem origem no início da formação do aluno, principalmente a partir do ensino médio. Muitas vezes o plágio ocorre por falta de preparo do aluno, que não sabe como fazer citações e referências corretamente tampouco compreende o conceito de autoria (Jacobsen, 2017), além de que é “frequente os plagiadores não terem consciência de   que estão a plagiar, por desconhecerem os fundamentos exatos dessa prática” (Terra; Moreira; Gomes, 2021, p. 743).

A falta de preparo do aluno é de fato um ponto sensível, pois ingressar no ensino superior exige o conhecimento de práticas que não lhe eram acessíveis no ensino médio. Além disso, o aluno passa a ter contato com gêneros textuais que não conhecia até então, mas é tratado pelos professores como se já devesse conhecer. Fenômeno denominado por Lillis (1999) como prática do mistério. Consiste em uma visão equivocada de que a escrita acadêmica é conduzida por convenções explícitas e acessíveis a qualquer estudante que inicia os estudos de graduação. A passagem do ensino médio para o ensino superior é um momento que requer atenção e acolhimento para que o aluno se sinta pertencente à instituição na qual acaba de ingressar e para que se sinta também parte de uma nova comunidade de prática. Permanecer na universidade hoje requer um conjunto de ações que apoiem o estudante não apenas financeiramente, mas também social, emocional e culturalmente.  Nesse ambiente ele será convocado também a fazer a passagem para a autoria e a reconstruir sua identidade (Machado, 2007). Outro ponto bastante importante abordado por Pennycook (1996) diz respeito à hipocrisia tanto por parte de professores quanto por parte de instituições na defesa pela originalidade. Muitos professores em sala de aula reproduzem textos sem indicar as fontes, embora aceitem o “[...] discurso disponível para professores formados na tradição ocidental que sublinha a centralidade da originalidade e da criatividade.” (Pennycook, 1996, p. 217). No entanto, esse discurso parece ser válido somente para as produções dos alunos. Ele cita o que considera o melhor exemplo de hipocrisia publicado no The New York Times em junho de 1980. 

A Universidade de Stanford disse hoje que soube que a seção do manual de seus professores assistentes sobre plágio foi plagiada pela Universidade de Oregon. Stanford emitiu um comunicado dizendo que as autoridades do Oregon admitiram que a seção de plágio e outras partes de seu manual eram idênticas ao guia de Stanford. As autoridades do Oregon pediram desculpas e disseram que revisariam seu guia.[11]

A partir do exposto nesta seção, é possível entender que o fenômeno do plágio precisa ser amplamente debatido, sobretudo em relação às noções de originalidade e criatividade, afinal, o que é ser original hoje? Escrever hoje é muito diferente de escrever antes das tecnologias digitais de informação e comunicação e da rede mundial de computadores. Esse novo contexto requer o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes no âmbito acadêmico e profissional a fim de combater o plágio e desenvolver a voz autoral como resultado da apropriação da informação pertinente para o sujeito dentro de seu contexto. Um dos caminhos é implementar programas de incentivo à competência em informação para combater o plágio de forma eficaz.

 

3 COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO VERSUS PLÁGIO  

A proposta desta seção é elucidar a competência em informação, bem como as medidas que podem ser tomadas para evitar e combater a prática do plágio a partir dessas competências. A competência em informação, de acordo com o Glossário de Conceitos InfoComunicacionais é:

[...] a capacidade de saber quando e como acessar a informação, de compreendê-la, analisá-la e sintetizá-la, empregando critérios para avaliá-la e usá-la com o objetivo de resolver um problema, possuindo a habilidade de conectar esta informação com outras e gerar conhecimento. (Borges, Brandão; Barros, 2022, p. 248)

Portanto, na medida em que o indivíduo se sente seguro para identificar dentro do universo informacional somente o que realmente precisa, ele passa a reconhecer fontes confiáveis e se torna ativo no uso da informação. Em outras palavras, o indivíduo deixa de ser alvo da sobrecarga informacional e passa a assumir a decisão de sua “dieta informacional”. Com essa perspectiva crítica e seletiva, torna-se natural perceber o valor de um conteúdo e qual será o trabalho necessário para gerá-lo.

A competência em informação é crucial para localizar informação pertinente, acessar fontes confiáveis, para fazer uso ético da informação e para desenvolver habilidades de escrita baseadas em fontes. No contexto acadêmico, ela pode ser vista também como estratégica para a prevenção do plágio ao tempo que é basilar para a constituição da autoria porque sem essas competências as práticas de leitura e escrita não adquirem criticidade e maturidade. O desenvolvimento de competências em informação envolve pelo menos três atores: o estudante, o professor e a instituição de ensino.

Do ponto de vista do estudante, que ao entrar no ensino superior precisa reconstruir sua identidade, o guia demonstrativo a seguir (Quadro 2), contempla algumas características vinculadas à produção textual científica amparada pela competência em informação que são também orientações de como se comportar nesse ambiente. O quadro foi elaborado a partir do levantamento bibliográfico, procurando conjugar as melhores práticas de competência em informação direcionadas à redação científica e ao desenvolvimento de trabalhos autorais.

Quadro 2 -  Guia demonstrativo da competência em informação na utilização de fontes em trabalhos acadêmicos

Integridade acadêmica

É importante citar corretamente as fontes, pois isso demonstra que você está fazendo seu trabalho de forma transparente, ética e honesta, creditando estudos anteriores e evitando o plágio.

Validação de argumentos

Usar fontes confiáveis e citá-las corretamente passa credibilidade aos seus argumentos e ajuda a construir uma boa sustentação para a sua pesquisa.

Conhecimento

Usar as fontes confiáveis e citá-las corretamente permite que você aprenda com os especialistas no assunto e se beneficie das descobertas e conhecimentos já existentes, sem precisar cometer plágio.

Comunicação

Citar corretamente quais são suas fontes permite que outros possam encontrar e ler as fontes que você usou, facilitando a comunicação e o diálogo sobre o assunto.

Reputação

Usando fontes confiáveis e citando corretamente as fontes utilizadas em trabalhos acadêmicos, pode ajudar a construir uma reputação positiva como um pesquisador ético.

Fonte: Síntese das autoras (2023).

 

A partir do Quadro 2, entende-se que a competência na utilização de fontes é fundamental para garantir a qualidade e também a precisão dos trabalhos acadêmicos. É essencial que os acadêmicos desenvolvam tais competências a fim de entender os princípios éticos e regras que regulamentam o uso de informações e conteúdos para garantir a qualidade do seu trabalho. O foco na produção escrita se destaca porque no contexto da universidade a linguagem escrita tem uma centralidade para a interação e integração às convenções que os estudantes precisam conhecer e compreender, seja no ambiente acadêmico ou posteriormente no mercado de trabalho.

A partir das informações contidas no Quadro 2, foi elaborado um guia complementar (Quadro 3) descrevendo formas de se obter informações para evitar o plágio no meio acadêmico e sua importância contextual.

Quadro 3 - Informando-se a fim de evitar o plágio no meio acadêmico

Compreender o conceito de plágio:

É importante entender o que é o plágio e como ele pode ocorrer, para que seja possível identificá-lo e evitá-lo.

Seguir as normas e regulamentos da instituição:

É importante estar ciente das normas e regulamentos da instituição em relação ao plágio.

Aprender sobre as normas de citação e referência:

É fundamental saber como citar e referenciar corretamente as fontes usadas em um trabalho acadêmico, para que não haja confusão entre o que é original e o que é de outros autores.

Utilizar ferramentas de detecção de plágio:

Existem diversas ferramentas online que podem ser usadas para verificar se um trabalho contém plágio, como o Turnitin, Quetext, Grammarly e Copyscape.

Acessar fontes confiáveis:

É importante usar fontes confiáveis e atualizadas ao pesquisar para um trabalho acadêmico, a fim de garantir que as informações obtidas sejam precisas e confiáveis.

Participar de programas de extensão, formação acadêmica e iniciação científica:

As ações de iniciação científica e extensionista são oportunidades são excelentes oportunidades para aprender sobre o plágio e as normas de citação e referência, e para se familiarizar com as ferramentas de detecção de plágio.

Buscar orientação de professores:

Os professores podem ser bons recursos para responder perguntas e prestar as devidas orientações sobre como evitar o plágio em trabalhos acadêmicos.

Fonte: Síntese das autoras (2023).

Do ponto de vista dos professores ou orientadores foram elaboradas algumas dicas (Figura 1) que podem tornar o diálogo mais tranquilo com o estudante, de maneira que não o desestimule a seguir com sua pesquisa, dando bom exemplo e explicando como fazer uma pesquisa confiável. Essas dicas são também formas de auxiliar os estudantes na passagem para a autoria, como aponta Machado Netto (2007), pois em geral tanto na educação básica como na educação superior o exercício da escrita é pouco demandado e, quando acontece, dificilmente é acompanhado de instruções claras quanto às expectativas em relação à tarefa. O estudante fica sem saber que resultados o professor espera que ele alcance e embora isso possa parecer algo simples, na verdade é carregado de detalhes que ficam subentendidos. Algumas vezes, na educação superior, o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) é umas das poucas oportunidades que o estudante tem para se expressar, gerando insegurança e instabilidade nessa etapa final. Um ponto sensível no desenvolvimento da escrita é a falta de retorno do professor em relação à tarefa porque o estudante não sabe se atendeu às expectativas ou onde precisa melhorar.

Figura 1 - Dicas para professores conhecerem e evitarem o plágio.

Fonte: Síntese das autoras (2022).

É fundamental que o professor ou orientador compreenda que desenvolver a escrita acadêmica é processual, ou seja, o estudante em sua trajetória acadêmica passa necessariamente por etapas para constituir-se como autor. O estudante precisa de orientação e encorajamento para encontrar a “sua voz” autoral.

Assim, promover a competência em informação pode ser um passo fundamental no combate ao plágio. Nessa perspectiva, cabe às instituições de ensino, como indicam Vitorino e Piantola (2011), a implementação de programas de promoção de competência em informação, para que os alunos possam desenvolver as habilidades necessárias para acessar e dominar as novas tecnologias de forma ética. Independentemente do nível de ensino é a implementação de programas desse tipo é uma necessidade premente considerando o contexto no qual tecnologias de inteligência artificial generativas ampliam ainda mais os desafios de uma educação para a autoria, uma educação verdadeiramente emancipadora.

 

5 CONCLUSÃO

O plágio é um problema crescente no meio acadêmico, pois muitos estudantes chegam à universidade sem uma noção mínima do sentido e da importância do que seja a produção autoral. Muitos tampouco sabem que é ilícita a prática do “copia e cola” sem citar as fontes, ou ainda podem preferir não incluir os créditos para ganhar reconhecimento por aquela citação. Outros acabam por cometer plágio por causa da falta de preparo para fazer citações e referências corretamente, seja pela sua base educacional ou por desconhecerem os fundamentos exatos dessa prática. Técnicas para burlar detectores de plágios são compartilhadas nas redes sociais, e aumenta a oferta de serviços de redação de trabalhos acadêmicos, bem como a disponibilização de trabalhos pré-prontos para serem usados ​​como referência ou até mesmo para serem entregues como trabalhos originais. Esse cenário é reflexo de uma educação mais preocupada com resultados do que com processos.      

A competência em informação pode representar um caminho de resistência ao plágio ao fortalecer a capacidade do estudante para encontrar fontes confiáveis, para citar corretamente e para entender os princípios éticos e as regulamentações sobre o uso de informações e conteúdos. A competência em informação ainda estimula a confiança do estudante para perceber que também tem algo a contribuir na construção do conhecimento.

Em suma, a competência em informação pode favorecer uma postura crítica, autoral e criativa quando à produção do conhecimento, na medida em que incentiva o estudante a refletir sobre o seu papel e responsabilidade perante o mundo. O estudante compreende que ele não é um mero reprodutor de conteúdos, mas que pode muito mais: tem imanente o poder de criar, e com isso recriar-se e ao seu contexto.

REFERÊNCIAS

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SUPOSTO plágio de candidata a dirigir Suprema Corte agita política mexicana. [S. l.]: UOL, 2022. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2022/12/26/suposto-plagio-de-candidata-a-dirigir-suprema-corte-agita-politica-mexicana.htm  Acesso em: 06 fev. 2023.

VITORINO, Elizete Vieira; PIANTOLA, Daniela. Dimensões da competência informacional (2). Ciência da Informação, Brasília, DF, v. 40 n. 1, p. 99-110, jan./abr., 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ci/v40n1/a08v40n1.pdf.  Acesso em: 15 jan. 2023

ZANINI, Leonardo Estevam. Notas sobre o plágio e a contrafação. Revista Doutrina, n. 81. Disponível em: https://revistadoutrina.trf4.jus.br/index.htm?https://revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao081/Leonardo_Estevam_Zanini.html. Acesso em: 07 fev. 2023.

 

Agradecimentos:

Esta pesquisa recebe apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (Fapergs).

 

 

 

 

 



[1] Jussara Borges é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas (UFBA), mestre em Ciência da Informação (UFBA e bacharel em Biblioteconomia (UFRGS). É bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq e docente na Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

[2] Bacharela em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pós-graduanda em Perícia em Propriedade Intelectual e Inovação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

[3] Doutoranda em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Professora do Instituto de Ciência da Informação e diretora da Editora da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

 

 

[4] Disponível em: https://veja.abril.com.br/educacao/pesquisa-87-dos-alunos-chegam-a-universidade-sem-saber-o-que-e-plagio/. Acesso em: 06 fev. 2023.

[5] O autor utilizou o Webometrics Ranking of World Universities, elaborado pelo Cybermetrics Lab, do Conselho Superior de Pesquisas Científicas, na Espanha, para selecionar as instituições participantes da pesquisa.

[6] Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10628066/artigo-24-da-lei-n-9610-de-19-de-fevereiro-de-1998. Acesso em: 06 fev. 2023.

[7] Disponível em: encurtador.com.br/jkBDR. Acesso em 06 fev. 2023.

[8] Disponível em: https://smodin.io/pt/automaticamente-reescreva-texto-em-portugues-gratuitamente. Acesso em 06 fev. 2023.

[9] Disponível em: https://www.trabalhosfeitos.com. Acesso em 06 fev. 2023.

[10] Disponível em: https://chat.openai.com/chat Acesso em 06 fev. 2023

[11] Tradução livre de: “Stanford University said today it had learned that its teaching assistants’ handbook section on plagiarism had been plagiarised by the University of Oregon. Stanford issued a release saying Oregon officials conceded that the plagiarism section and other parts of its handbook were identical with the Stanford guidebook. Oregon officials apologised and said they would revise their guidebook.”