O PAPEL DA CINEMATECA PERNAMBUCANA NA SALVAGUARDA DO PATRIMÔNIO AUDIOVISUAL

um estudo sob a ótica da preservação e do acesso

Ronaldo da Silva Santos[1]

Universidade Federal de Pernambuco

ronaldoddt@gmail.com

Daniela Eugênia Moura de Albuquerque[2]

Universidade Federal de Pernambuco

danielaeugenia@outlook.coP

 

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Resumo

O objetivo desta pesquisa consiste em demarcar as contribuições da Cinemateca Pernambucana da Fundação Joaquim Nabuco na preservação e no acesso de acervos audiovisuais, a fim de compreender como a instituição desenvolve métodos e técnicas para salvaguardar e difundir o patrimônio audiovisual pernambucano, desenvolvido a partir dos Ciclos de cinema presente na história da produção audiovisual no estado. Acerca dos procedimentos metodológicos, trata-se de uma pesquisa do tipo qualitativa com fins exploratórios e meios bibliográficos. Como técnica de coleta de dados utilizou-se do método de entrevista semiestruturada com os funcionários da Cinemateca Pernambucana e as análises dos dados foram por meio da análise pragmática da linguagem. Como resultado, verifica-se que a Cinemateca, no âmbito da preservação, desenvolve estratégias como arquivamento no servidor, geração de cópia de segurança e backup em fitas LTO, a fim de garantir a existência, a longo prazo, dos filmes pernambucanos. Quanto ao acesso, a instituição mantém como foco o desenvolvimento e a formação de público, por meio da prática educativa, além da difusão cinematográfica por meio do seu portal oficial. Conclui-se que a Cinemateca Pernambucana é um equipamento cultural, memorial e educativo essencial, tanto no apoio à cadeia produtiva audiovisual, quanto na preservação digital dos documentos audiovisuais representativos do cinema pernambucano e na sua difusão, proporcionando o desenvolvimento da cultura cinematográfica no estado.

Palavras-chave: preservação audiovisual; cinema pernambucano; Cinemateca Pernambucana; multimeio.

 

THE ROLE OF THE CINEMATECA PERNAMBUCANA IN SAFEGUARDING AUDIOVISUAL HERITAGE

a study from the perspective of preservation and access

Abstract

The objective of this research is to delineate the contributions of Cinemateca Pernambucana of the Fundação Joaquim Nabuco in the preservation and access to audiovisual collections, in order to understand how the institution develops methods and techniques to safeguard and disseminate the audiovisual heritage of Pernambuco, developed through the cinema cycles in the state’s audiovisual history. Regarding the methodological procedures, this is a qualitative research with exploratory purposes and bibliographic means. The data collection technique involved semi-structured interviews with the staff of Cinemateca Pernambucana, and the data analysis was carried out through pragmatic language analysis. As a result, it is evident that the Cinemateca, in the scope of preservation, develops strategies such as server archiving, generating backup copies, and LTO tape backups to ensure the long-term existence of Pernambuco films. Regarding access, the institution focuses on the development and education of the audience through educational practices, in addition to cinematic dissemination through its official site. It is concluded that the Cinemateca Pernambucana is an essential cultural, memorial, and educational facility, both in supporting the audiovisual production chain and in the digital preservation of representative audiovisual documents of Pernambuco cinema, contributing to their dissemination and fostering the development of cinematic culture in the state.

Keywords: audiovisual preservation; Pernambuco's cinema; Cinemateca Pernambucana; multimedia.

EL PAPEL DE LA CINEMATECA PERNAMBUCANA EN LA SALVAGUARDIA DEL PATRIMONIO AUDIOVISUAL

un estudio desde la perspectiva de la preservación y el acceso

Resumen

El objetivo de esta investigación es delimitar los aportes de la Cinemateca Pernambucana de la Fundación Joaquim Nabuco en la preservación y acceso a los acervos audiovisuales, con el fin de comprender cómo la institución desarrolla métodos y técnicas para salvaguardar y difundir el patrimonio audiovisual pernambucano, desarrollados a partir de la Ciclos de cine presentes en la historia de la producción audiovisual en el estado. En cuanto a los procedimientos metodológicos, se trata de una investigación cualitativa con fines exploratorios y medios bibliográficos. Como técnica de recolección de datos, se utilizó el método de entrevista semiestructurada con empleados de la Cinemateca Pernambucana y el análisis de los datos se realizó a través del análisis pragmático del lenguaje. Como resultado, parece que la Cinemateca, en el ámbito de la preservación, desarrolla estrategias como el archivo en el servidor, la generación de copias de seguridad y el respaldo en cintas LTO, con el fin de garantizar la existencia a largo plazo de las películas pernambucanas. En cuanto al acceso, la institución mantiene su enfoque en el desarrollo y formación de una audiencia, a través de la práctica educativa, además de la difusión cinematográfica a través de su portal oficial. Se concluye que la Cinemateca Pernambucana es un equipamiento cultural, memorial y educativo esencial, tanto en el apoyo a la cadena de producción audiovisual como en la preservación digital de los documentos audiovisuales representativos del cine pernambucano y en su difusión, asegurando el desarrollo de la cultura cinematográfica en el estado.

Palabras clave: preservación audiovisual; cine pernambucano; Cinemateca Pernambucana; multimedia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

Criada em 25 de março de 2018, a Cinemateca Pernambucana da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) é a principal instituição de memória destinada para a salvaguarda do cinema produzido no estado. Trata-se de uma importante ferramenta de preservação e disseminação da história do cinema pernambucano, uma vez que por meio das atividades realizadas pela cinemateca, há a possibilidade da manutenção da integridade documental representativa do cinema e o acesso de uma diversificada gama de filmes disponíveis para o público que podem ser acessados por meio do portal oficial da instituição. A cinemateca define como seu objetivo a “coleta, catalogação, preservação, formação e difusão das produções do cinema pernambucano” (Cinemateca Pernambucana, c2018). Além disso, mantém o seu foco na preservação e no acesso em matriz digital das obras audiovisuais, cooperando para o acesso à informação artística e cinematográfica no estado de Pernambuco.

Paul Otlet (1937) define o documento enquanto suporte que carrega a informação a partir de três elementos constitutivos que são: materiais (forma), elementos gráficos (textual, imagético) e os elementos intelectuais (conteúdo). Desse modo, compreendendo esta definição e o diálogo com López Yepes (1997), que pensa o documento enquanto instrumento de cultura e de conhecimento, estabelece-se o documento audiovisual a partir desses princípios, no qual a junção dos elementos gráficos de imagem e de som, simultaneamente, comunica a informação artística por meio das imagens em movimento, proporcionando cultura e conhecimento, a partir do consumo cinematográfico.

A dimensão da salvaguarda dos documentos audiovisuais se dá a partir da sua consideração enquanto patrimônio, compreendendo a importância dos produtos culturais advindos do cinema para a história e cultura do país, promovendo a continuidade da memória coletiva. À vista disso, preservar os filmes produzidos em Pernambuco importa a partir das concepções de garantia de uma cultura cinematográfica no estado e, a Cinemateca Pernambucana enquanto instituição de memória, é o meio pelo qual torna-se possível este propósito.

Portanto, este trabalho parte do seguinte problema de pesquisa: Quais as contribuições da Cinemateca Pernambucana para a preservação e o acesso dos acervos audiovisuais?

O objetivo geral deste trabalho consiste em demarcar as contribuições da Cinemateca Pernambucana da Fundação Joaquim Nabuco na preservação e no acesso de acervos audiovisuais.

Os objetivos específicos são: 1) Analisar a trajetória da Cinemateca Pernambucana da Fundação Joaquim Nabuco na preservação e no acesso dos acervos audiovisuais; e 2) Identificar as ferramentas e estratégias utilizadas para a preservação e o acesso do acervo audiovisual por meio da experiência dos profissionais na área de Conservação, Preservação, Restauração e Tecnologia da Informação da Cinemateca Pernambucana.

 

2 PRESERVAÇÃO AUDIOVISUAL E A CINEMATECA PERNAMBUCANA

Apesar da maioria dos estudos de preservação manterem o foco nos documentos bibliográficos, dado que trata-se de um tipo documental com grande longevidade histórica, os processos de preservação não se limitam apenas aos documentos textuais. As mudanças com relação às outras tipologias documentais se dá a partir das especificidades das atividades de preservação que cada objeto necessita, assim, os documentos audiovisuais, a partir dos tipos de materiais utilizados na sua produção, se apresentam diante de procedimentos específicos para a manutenção da sua integridade.

À vista disso, a Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA) (2016) no seu plano nacional de preservação audiovisual, apresenta a seguinte definição para o conceito: “[...] o conjunto dos procedimentos, princípios, técnicas e práticas necessários para a manutenção da integridade do documento audiovisual e garantia permanente da possibilidade de sua experiência intelectual”. Na mesma linha de pensamento, Edmondson (2017) trata a preservação visando o acesso permanente das obras a partir da aplicação das operações de cuidados para com o material trabalhado. Para o autor, o processo de preservação não possui um fim em si, mas visa as possibilidades de acesso do material, mantendo a continuidade da sua função social através dos tempos. Isto posto, é nessa perspectiva que a questão do acesso está inserida. Parte-se da concepção de que o acesso não está isolado da preservação, mas um é parte do processo do outro e possuem uma relação de interdependência.

É, portanto, no que a ABPA chama de possibilidade de sua experiência intelectual que mora o acesso. A preservação audiovisual é o ponto inicial para se pensar o cinema enquanto informação artística que está sendo consumida pelo público a partir dos circuitos de exibição. Entretanto, as problemáticas do acesso manifestam-se na realidade material brasileira, quando há a percepção de que um quantitativo expressivo de filmes que representam a memória e a história do cinema brasileiro não estão presentes para o consumo cultural dos indivíduos, seja por problemáticas no entorno da preservação audiovisual ou por serem considerados filmes perdidos.

A iniciativa da criação de uma cinemateca para o estado de Pernambuco se dá em um contexto de percepção de que a grande produção cinematográfica local, formada a partir dos ciclos constitutivos da história do cinema pernambucano (Ciclo do Recife, Ciclo do Super 8 e  Novo Cinema Pernambucano), carecia de um espaço memorial para preservar e difundir seus produtos culturais, principalmente, no formato digital.

A instituição mantém como seu foco principal a preservação digital dos documentos audiovisuais, propondo a disseminação do cinema pernambucano pelo país, por meio da disponibilização dos filmes no seu portal, em relação contratual com os detentores dos direitos das obras. Assim, há a possibilidade das produções pernambucanas terem maior circulação em diferentes camadas da sociedade, de forma rápida e acessível. O acervo audiovisual da Cinemateca Pernambucana conta com mais de 400 obras disponíveis no portal, o que inclui vários períodos da história do cinema pernambucano, abrangendo para séries e programas de TV[3].

Além da documentação fílmica, é importante elencar a diversidade das tipologias documentais representantes do cinema. Trata-se do que Menezes (2019, p. 86) chama de “materiais correlatos textuais, iconográficos, objetos relacionados à obra audiovisual, contextualizando suas formas de produção e apresentação”. Acerca desses materiais, a Cinemateca Pernambucana possui no seu acervo “roteiros, cartazes, fichas de produção e fotografias" (Cinemateca Pernambucana, c2018), bem como figurinos e objetos de cena. Esses objetos, portanto, também fazem parte da representação memorial do cinema, uma vez que são produtos gerados a partir do fazer artístico cinematográfico. Os figurinos, objetos de cena e equipamentos usados na captação de imagens e sons, também são documentos e contam histórias dos filmes por eles representados.

Quanto ao seu espaço físico, cabe aqui uma apresentação dos ambientes internos da Cinemateca para conhecimento das atividades desenvolvidas e ofertadas por meio da mediação ao público externo. Localizada no Campus Gilberto Freyre da Fundação Joaquim Nabuco, no bairro de Casa Forte, o espaço físico da cinemateca é dividido em três salas principais, além de uma administrativa. Trata-se das salas Almery Steves, Geneton Moraes Neto e Mauro Mota. Os nomes são de importantes figuras para a história do cinema pernambucano, o que denota o compromisso que a Cinemateca tem em resgatar e marcar esses nomes como uma forma de manter viva a história do cinema em Pernambuco.

A sala Almery Steves é o primeiro espaço da Cinemateca Pernambucana. Um local amplo para pesquisa, cursos e convivência, no qual o público é recepcionado e têm a disposição outros serviços, como uso de computadores para acessar filmes que só estão disponíveis para acesso na Cinemateca e um pequeno acervo com livros nas temáticas de história, linguagem e estética do cinema pernambucano, bem como diversos roteiros de filmes pernambucanos que podem ser consultados no espaço.

A sala Geneton Moraes Neto é um espaço para projeção dos filmes disponíveis na Cinemateca Pernambucana. Por se tratar de um equipamento cultural que tem forte presença no desenvolvimento e formação de público, propor um ambiente destinado para exibição e mediação de obras e aventar debates, sejam eles estéticos ou históricos, de determinados filmes produzidos no estado é, também, um modo de desenvolvimento de cultura cinematográfica local, assim como foram e continuam sendo os cineclubes: espaços políticos e pedagógicos.

Por fim, temos a sala Mauro Mota, uma extensa galeria de exposição dos objetos representativos da memória audiovisual pernambucana. Trata-se de um espaço de visualização dos aparatos cinematográficos, contemplando diversas etapas do processo artístico contidos no fazer cinematográfico e da exibição. Como por exemplo, equipamentos de filmagem, projeção, figurinos, cartazes, objetos de cinema e até mesmo objetos das salas de cinema.

O espaço abriga redomas com câmeras antigas, como por exemplo a super-8, diversos cartazes de filmes pernambucanos da contemporaneidade, figurinos como do filme Joaquim (2017), de Marcelo Gomes e objetos de sala de cinema, como os assentos do Cine Albatroz, uma das mais importantes salas de cinema do Recife, inaugurada na década de 1950, no bairro de Casa Amarela.

A preservação e exibição de objetos como os assentos do Cine Albatroz evidencia o caráter adotado pela Cinemateca enquanto um lugar de memória para o cinema pernambucano por diferentes perspectivas e, neste caso, pelo viés das salas de cinema. Com o fechamento do Albatroz e a sua transformação em Igreja Universal do Reino de Deus (Trindade et al., 2005) — fenômeno também abordado em tela, como visto em Retratos Fantasmas (2023) —, tornou-se perceptível que a manutenção dos objetos que sobreviveram ao seu desmonte é também uma forma de manter viva a história dos cinemas de rua, espaços que já foram tão fortes culturalmente na cidade do Recife e que hoje tornaram-se retratos fantasmas.

 

 

 

 

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Acerca dos procedimentos metodológicos, trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa. Quanto aos fins, define-se enquanto exploratória e relativamente aos meios, trata-se de uma pesquisa bibliográfica. As técnicas de coleta de dados foram realizadas em duas etapas: 1) o levantamento bibliográfico e documental, incluindo o portal oficial da Cinemateca Pernambucana; 2) A entrevista semiestruturada. Para o desenvolvimento do referencial teórico, além dos materiais impressos, buscou-se fontes de informação nas temáticas de preservação audiovisual nas seguintes bases: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), Scopus, Base de Dados Referenciais de Artigos e Periódicos em Ciência da Informação (Brapci), Web of Science, Portal Brasileiro de Publicações e Dados Científicos em Acesso Aberto (Oasisbr).

Optou-se aqui pela entrevista semiestruturada em razão da maior flexibilidade que essa técnica pode proporcionar (Michel, 2015). Assim, houve a possibilidade de explorar diversas temáticas com os profissionais da cinemateca, a fim de coletar dados que elucidem as questões pautadas na pesquisa.

O convite para a entrevista se deu através da primeira visita presencial ao local para o desenvolvimento da pesquisa. Houve um acordo verbal com os funcionários para o aceite da entrevista e o posterior agendamento para a marcação da data e horário. A formalização do convite foi realizada por meio do e-mail da instituição, no dia 15 de fevereiro de 2024, e teve seu agendamento marcado para o dia 21 de fevereiro de 2024.

Foi criado um roteiro de entrevista e um quadro de preparação, no qual apresenta o objetivo, a pergunta e o propósito da pergunta. As perguntas do roteiro tiveram como principal base, as temáticas abordadas no referencial teórico da pesquisa. Foram feitas 10 perguntas, divididas nos eixos de preservação e acesso. A entrevista contou com dois participantes: Entrevistado A e Entrevistado B.

As perguntas foram feitas para os dois participantes ao mesmo tempo e aquele que se sentisse apto, responderia a pergunta e os outros poderiam complementar a fala ou trazer diferentes perspectivas. Assim, foi possível realizar uma conversa com mais fluidez. Para registro da conversa e posterior transcrição, a entrevista foi captada por meio do gravador de um aparelho celular e com consentimento dos entrevistados.

Importante salientar que esta pesquisa não necessitou de submissão ao Comitê de Ética em Pesquisa, dado que, durante o processo, não foram utilizados dados sensíveis dos entrevistados. Portanto, a pesquisa está em conformidade com o inciso VII do Art. 1º, parágrafo único da resolução 510, de sete de abril de 2016 do Comitê de Ética, no qual trata das exceções para registro e avaliação no sistema CEP/CONEP: “VII – pesquisa que objetiva o aprofundamento teórico de situações que emergem espontânea e contingencialmente na prática profissional, desde que não revelem dados que possam identificar o sujeito” (Conselho Nacional de Saúde, 2016, p. 2).

A análise da entrevista foi feita por meio da definição e arranjo das categorias analíticas, segundo o método de análise pragmática da linguagem a partir de Mattos (2005), no qual o autor divide em 5 fases: 1) Recuperação (Transcrição); 2) Análise do significado pragmático da conversação (contexto, pergunta-resposta); 3) Validação (significado das perguntas validadas pelo entrevistado); 4) Montagem da consolidação das falas; e 5) Análise de conjuntos (busca de outros significados nas falas).

 

4 PRESERVAÇÃO E ACESSO NA CINEMATECA PERNAMBUCANA

A primeira questão a ser levantada acerca de uma cinemateca que realiza exibições de filmes é pensarmos de que maneira essas obras chegam até a instituição. Quais os procedimentos adotados? Sobre a forma que a Cinemateca Pernambucana encontrou para obter e exibir obras, eis o relato acerca do trabalho desenvolvido:

O acervo da cinemateca, acho que eu preciso começar dizendo, que ele não é adquirido, ele é cedido. E aí os realizadores, os produtores, os detentores dos direitos autorais assinam um termo em que autorizam que esse material entre no nosso acervo. Quando eles topam ceder e concordam com o termo e tal, a gente escreve um documento de cessão, onde fica estabelecido o que a gente pode fazer. (Entrevistado A).

O primeiro ponto a ser destacado nessa questão inicial é a diferenciação que o entrevistado traz quanto ao processo de chegada das obras na instituição. Essa elucidação de que as obras não são adquiridas e sim cedidas por meio de termo de autorização, nos ajuda a compreender de que maneira este acervo é formado. As obras não passam a fazer parte da instituição, mas são cedidas a partir de cláusulas que permitem a exibição dos filmes.

Aliado a isso, outra questão central acerca da chegada das obras são os critérios estabelecidos pela Cinemateca Pernambucana para selecionar um filme para compor o seu acervo audiovisual.

Quanto aos critérios, a gente costuma tentar com que esses filmes atendam a pelo menos três desses critérios que eu vou ler para você agora: ter relevância histórica ou técnica para a cinematografia do estado; ter o formato mínimo de H264, no caso do digital; ter participado ao menos de três festivais; ter sido premiado por alguma lei de incentivo; ter sido exibido comercialmente; ter pelo menos 50% de pernambucanos na equipe; ter tido repercussão midiática (Entrevistado A).

Observa-se uma lista extensa de critérios, mas que são muito bem definidos. Alguns critérios de destaque são os de formato digital, exibição comercial e os 50% de pernambucanos na equipe. O primeiro porque demarca o foco da Cinemateca Pernambucana em priorizar filmes em digital, visando a exibição no portal. O segundo evidencia a preocupação da Cinemateca em perceber a importância da circulação do filme na cadeia de exibição e, por fim, a equipe formada por pernambucanos nos ajuda a propor perspectivas do que, conceitualmente, é um filme pernambucano. Discussão que já foi proposta por Nogueira (2009), quando questiona quais os critérios e os limites para definição de um cinema pernambucano.

O tópico de exibição dos filmes na Cinemateca está inserido em contextos que vão além da liberação que os realizadores podem oferecer a partir do termo de cessão. Cabe salientar que a Cinemateca preza pela gratuidade na exibição da obra, entretanto, algumas obras, principalmente as mais recentes, também precisam desenvolver a sua vida comercial.

A gente no momento dá prioridade ao digital e, especificamente, para longas. O que é, inclusive, um desafio. Assim, porque os longas dos últimos vinte anos que a gente pode dizer que foram finalizados em digital em uma boa qualidade, a maioria deles tem acordo com o streaming, por exemplo. E então aí eles ficam restritos ao acesso local, porque aqui a gente não quer rivalizar com a vida comercial desses filmes (Entrevistado A).

Neste contexto, a instituição demonstra uma preocupação com a vida comercial que o filme pode desenvolver, principalmente no contexto brasileiro, em que a concorrência com o cinema Hollywoodiano e as problemáticas de cota de tela tornam o processo desafiador. Por outro lado, a instituição também expressa o desejo de tornar esses filmes públicos com acesso irrestrito, entretanto, podem acabar se deparando com pedidos de exclusividade por parte dos streamings. Todavia, a Cinemateca tem a possibilidade de contornar a situação, uma vez que tem por definição ser um espaço educativo com objetivos na difusão cultural do cinema pernambucano.

Para chegar no processo de exibição desses filmes, é importante questionarmos de que forma é feita a migração para a matriz digital — tendo em vista que é o foco da Cinemateca — para compreendermos o trabalho desenvolvido de exibição do filme no portal, por exemplo.

Não, não é feito aqui. Rolou sim a digitalização, feita pela Cinemateca, de umas obras. Mas foi no momento de implementação da Cinemateca, que foram os filmes de Geneton Moraes Neto. Foi contratada uma empresa, mas não foi feita aqui, foi feita fora. A gente não dispõe ainda de uma estrutura de digitalização e de restauro. (Entrevistado B).

Essa questão nos coloca diante do ponto central de trabalho da Cinemateca Pernambucana. Não se trata de uma cinemateca que dispõe de todos os produtos e serviços que uma instituição deste tipo tem a oferecer, porém estabelece objetivos que estão mais próximos de seu alcance. Neste caso, a Cinemateca não se propõe a ser um espaço de digitalização e restauração de filmes — o que não significa que não almeja desenvolver esses serviços —, mas, neste momento, opera por meio de outros trabalhos, como o de difusão, por meio da exibição fílmica.

Uma vez que a questão dos filmes em matriz digital foi colocada em pauta, foi importante também pôr em questão o tema das mídias físicas. Sobre a fisicalidade do documento audiovisual no espaço da Cinemateca Pernambucana, nos foi relatado o seguinte:

A gente recebe, mas esse serviço está pausado, porque a gente recebeu eles enquanto a gente estava em um outro espaço que tinha mais estrutura, mais espaço físico mesmo para guardar essas coisas. Quando a gente mudou para cá, esse acervo foi hospedado no CEHIBRA, que é a Coordenação-Geral de Estudos da História Brasileira, que fica em Apipucos. É um setor da Fundação Joaquim Nabuco. (Entrevistado A).

Perante esse relato, diante da conversa, nos surgiu uma nova pergunta: vocês pensam que, futuramente, seria interessante a Cinemateca desenvolver algum trabalho com esses filmes? Pode ser de digitalização ou algum outro.

Com certeza, com certeza! Tem alguns filmes, inclusive, que a gente está com a película guardada e até tem uma versão digital, mas está muito em baixa ou está eternamente com a legenda embutida em inglês ou algo do tipo. Um dos sonhos da Cinemateca é poder, não só receber esse material, como também digitalizá-lo da melhor maneira. (Entrevistado A).

Nesse contexto, podemos perceber que a Cinemateca possui sim interesse em desenvolver outros projetos, principalmente no que tange à digitalização, mas que ainda não possui os meios necessários. A nossa hipótese é que a Cinemateca Pernambucana ainda está na sua gênese, pois conta com apenas cinco anos de existência até o momento desta pesquisa. Portanto, esses trabalhos ainda estão por vir, apesar de ser evidente que, em pouco tempo de trabalho, a Cinemateca já consegue ter um importante impacto na difusão cinematográfica pernambucana.

Nesta circunstância, cabe também compreendermos os métodos e as técnicas de preservação digital que a Cinemateca adota para a sobrevivência do seu acervo fílmico. Uma vez que a instituição possui um vasto acervo audiovisual, em ambiente digital, com mais de 400 obras, busca-se assimilar quais os procedimentos de preservação digital estão sendo aplicados para garantir a sobrevivência dessas obras a longo prazo. Nessa questão, a Cinemateca Pernambucana utiliza da seguinte estratégia:

Os filmes hoje são arquivados no nosso servidor e o backup deles é feito em fitas LTO, uma cópia de segurança e dois backups. O servidor fica aqui no espaço físico e para garantir que se tiver algum acidente, para que esse material não se perca, essas LTO são guardadas em outros endereços. Periodicamente se faz o backup desse material. (Entrevistado A).

A Cinemateca adota uma postura preservacionista que demonstra conhecimentos específicos de preservação, como por exemplo, na utilização da fita LTO. Pode-se dizer que hoje é um suporte físico que garante maior longevidade do que dos suportes de armazenamento tradicionais, como os HD’s. É perceptível também um esforço dobrado para realizar armazenamento e backup, dado que utiliza de processos repetitivos, mas necessários, como a constante troca das fitas LTO.

Nesse sentido, os métodos e estratégias adotadas pela Cinemateca garantem que os filmes pernambucanos possam ter um maior tempo de vida, tendo em vista os desafios da obsolescência tecnológica, em um contexto de rápido crescimento das tecnologias digitais. Assim, não basta apenas dispor dos filmes no ambiente digital — o que facilita a sua difusão —, mas também propor estratégias que garantam o legado digital dessas obras.

Abordado os processos de preservação audiovisual na Cinemateca Pernambucana, em complemento, importa-nos compreender os processos de difusão desses filmes, seguindo a mesma linha dos eixos de preservação e acesso, compreendendo-os enquanto atividades complementares do processo de preservação audiovisual. Portanto, o que foi colocado em pauta no segundo momento da entrevista, foram questões voltadas para a construção do site, formação de público e o impacto da Cinemateca Pernambucana na cultura cinematográfica do estado.

A primeira abordagem foi tentar compreender de que maneira o portal oficial da Cinemateca Pernambucana foi desenvolvido para, posteriormente, podermos analisar o seu funcionamento na difusão dos filmes que lá estão disponíveis.

O site foi desenvolvido por um programador contratado que, além de desenvolver a interface, tipo a cara do site e como que se navega dentro dele, também fez um sistema que faz com que essa interface dialogue com o nosso servidor local. Então o site foi construído para atender essa necessidade específica. (Entrevistado A).

O ponto nos coloca de volta na temática da dimensão da Cinemateca enquanto um espaço que ainda está em processo de desenvolvimento. Por se tratar de um aparelho cultural ainda pequeno, em comparação com outras cinematecas, como a brasileira, por exemplo, não dispõem de uma diversificada gama de profissionais que podem desenvolver trabalhos em diferentes áreas da sua estrutura organizacional. Portanto, o aparelho cultural não conta com profissionais da área de Tecnologia da Informação e Comunicação para colaborar com a construção do site, isso, desse modo, é suprido com a utilização de recursos para contratação de profissionais, como um programador, por exemplo. Por outro lado, há grande mérito no trabalho desenvolvido pelos colaboradores da Cinemateca, dado que realizam um trabalho fundamental na difusão cultural do cinema, formação de público e no desenvolvimento de uma cultura cinematográfica local, apesar do baixo número no quadro de funcionários.

Para a continuidade do tópico de acesso, foi posto em pauta temas relativos ao público frequentador da cinemateca e as maneiras de divulgação para apresentar o trabalho desenvolvido pela instituição e para angariar novos públicos.

Basicamente redes sociais. Assim, a nossa participação em eventos externos, a nossa colaboração com obras audiovisuais, a gente quer que os realizadores cheguem pra gente, e a gente quer colaborar e a gente só pede que botem o nosso nomezinho nos créditos. Porque assim as pessoas veem a gente e vão descobrindo que existe e vão atrás. Mas assim, a maior parte dessa divulgação, eu acredito que a gente nunca fez uma pesquisa para entender de onde vem esse público, mas eu acredito que a maior parte venha de redes sociais (Entrevistado A).

A divulgação por meio de redes sociais, principalmente com o uso do Instagram, tornou-se um fenômeno amplamente consolidado na era do desenvolvimento tecnológico (Secotti, 2020). A FUNDAJ, compreendendo esse fenômeno, também marca presença no uso das redes sociais, compreendendo-as enquanto ferramenta de comunicação institucional, não só no perfil principal da instituição, mas de todos os seus equipamentos culturais. Nesse sentido, a hipótese do Entrevistado A, ao colocar grande parte da sua construção de público no uso de redes sociais como ferramenta, possui sustentação.

Por outro lado, a Cinemateca também conta com outras maneiras de construção e consolidação de público. Há uma ponte entre a instituição e os realizadores que faz com que o público procure seu trabalho na Cinemateca e, consequentemente, conheça o espaço e o trabalho desenvolvido. Aliado a isso, há uma consolidação de público por meio das parcerias com escolas e universidades que agendam visitas, como relatado pelos entrevistados:

No caso das visitas no espaço físico, principalmente no período letivo, dentro do ano letivo, a gente divulga com os professores. Está aberto, vários professores já conhecem, já trazem, semestralmente, as turmas, porque eles já vieram antes, a gente já fez vários convites para eles virem conhecer o espaço e trazerem as turmas (Entrevistado B).

Há também esse contato da gente com as escolas, com os professores que estão fazendo esse trabalho, porque muitas das escolas, principalmente as integrais, eles estão colocando eletivas e muitas vezes entra de cinema, entra de cultura pernambucana e termina que isso entra na grade deles. (Entrevistado B).

As visitas das instituições de ensino são um meio importante de construção de público, porque estão sempre em constante crescimento, dado que a cada novo semestre, uma nova turma, um novo público. A Cinemateca e as instituições de ensino acabam por desenvolver um elo movidos pela prática educativa. As escolas e as universidades encontram na Cinemateca Pernambucana um espaço educativo no qual seus alunos têm a experiência de desenvolvimento e construção de conhecimento sobre a cultura e o cinema pernambucano.

No âmbito do virtual, a Cinemateca difunde os filmes produzidos ao longo de um século em Pernambuco por meio do seu portal oficial. Nesse contexto, coloca-se em questão a avaliação por parte dos entrevistados, quanto à organização do site desenvolvido para exibição de filmes. Aqui o foco é mantido no acesso à informação, abordando, principalmente, os pontos de organização do acervo audiovisual, pensando na posterior recuperação da informação.

Atualmente, a gente tem três maneiras de filtragem organizadas lá. Uma é através dos diretores, a outra é uma lista geral e outra por ordem alfabética. A gente está organizando e planejando uma reestruturação, mas que pode levar ainda algum tempo. Cada uma delas, no momento, tem algumas limitações. A lista geral traz de fato uma lista geral, todos os 406, eu acho, filmes. Não só filmes, peças audiovisuais! Porque a gente também tem séries pernambucanas, a gente também tem Making-of. Os clipes, no momento, estão desativados (Entrevistado B).

O site da Cinemateca, na atualidade, passa por um processo de planejamento de reestruturação, portanto, alguns pontos debatidos quanto a sua organização, fazem parte de projetos futuros que a instituição visa desenvolver. A possibilidade de três maneiras para realizar filtragem que facilitam o acesso ao filme já é um avanço, principalmente no tange a uma criação de lista de diretores, dado que há grande parte da cinefilia que foi desenvolvida nas concepções de política dos autores, isto é, parte-se de uma concepção no qual o diretor é o autor do filme. Esse fenômeno foi amplamente debatido na França e no Brasil nos anos 1950 e 1960 (Bernardet, 1994). Nesse contexto, a listagem facilita as pesquisas voltadas para a autoria das obras e, principalmente, contribui para pesquisas que buscam conhecer autores formadores do Cinema Pernambucano.

O processo de reestruturação do site parte, principalmente, da identificação de problemáticas que estão no entorno da organização da informação. Como o site foi construído a partir de um espelhamento do servidor local, isso acaba por estabelecer algumas limitações e dificuldades, como por exemplo na criação de novas categorias para filtragem.

A gente tem trailer e outros suportes, outras categorias. Nos diretores, a lista dos diretores não está com todas as pessoas que são diretores, porque algumas obras não são intituladas por diretor, e aí isso dificulta um pouco, porque, às vezes, a obra só entra com o nome da produtora. Eles não identificam o diretor daquela obra e termina que ela não reflete no site. Porque como o Entrevistado A falou, o sistema foi planejado para refletir as coisas que entram na catalogação dos filmes. Então se ele não está catalogado com um nome de um diretor, porque não tem, porque a produtora não colocou, ele não vai aparecer do outro lado. Isso é uma coisa que a gente está planejando como otimizar. Então existe sim mais de uma forma de ver os filmes e acessá-los (Entrevistado B).

Essa é uma problemática muito comum identificada na descrição de documentos audiovisuais. Os conflitos teóricos quanto à autoria de uma obra não se limitam só no campo da teoria do cinema, visto que, como exemplificado, também marca presença na prática da catalogação. Há obras que vão estabelecer a sua autoria com a utilização de termos como autor, realizador, criador, dentre outros. Porém, também é comum vermos a reivindicação da autoria por parte das produtoras. Esses entraves podem ser enfrentados a partir do desenvolvimento de uma política de catalogação, no qual estabelece diretrizes para lidar com impasses identificados no processo.

Todavia, a Cinemateca também reflete nas possibilidades de resolução e aplicações que seriam valorosas para a organização do site, como mencionado pelos entrevistados:

Pensando também no que a gente gostaria e o que a gente entende como necessidade. Eu acho que as abas para essas categorias por filme, série, clipes, making-of, de isso poder ser separado, seria muito legal também. Isso também faz parte dos nossos planos. Inclusive, por não ter essa separação, a gente não consegue colocar, por exemplo, fotos do making-of, a gente não consegue colocar outros documentos de produção que foram autorizados para serem divulgados, a gente não consegue colocar, mas em breve… (Entrevistado A).

A adição de novas categorias seriam aplicações que supririam as necessidades da Cinemateca em adicionar mais documentos representativos do cinema pernambucano ao site e, além disso, contribuiria para o acesso à informação artística no âmbito do digital. Aliado a isso, outra questão que contribui para esse acesso são as definições dos padrões de metadados, neste caso, voltado para os documentos audiovisuais. Foi, portanto, por essa perspectiva que surgiu uma nova indagação durante a entrevista. Foi perguntado para os entrevistados sobre o uso de padrões de metadados para o acesso à informação audiovisual mantida no site.

No geral, a gente segue os créditos do próprio filme ou a ficha técnica que o diretor passou. São as duas maneiras que a gente usa. Existem sim ajustes de acordo com cada ficha técnica, no modo como ela é escrita, sei lá, o realizador só colocou que ele é realizador, então ele só entra lá como realizador, ele não vai entrar como outras coisas. A gente tenta meio que manter a escolha dos diretores (Entrevistado B).

Percebe-se que a Cinemateca Pernambucana não utiliza de padrões de metadados como o  MPEG-7 ou EN15744, como abordado por Schiessl (2015) e Oliveira (2016), mas de uma estratégia que encontra nas chamadas fichas técnicas — disponibilizadas nos créditos dos filmes cinematográficos — um padrão de metadados aplicados na descrição dos filmes no portal da instituição. Essas fichas carregam uma gama extensa de metadados motivados, principalmente, pelo documento audiovisual ser um produto gerado a partir do trabalho coletivo. Lima (2016) nos explica, ao abordar as características do registro bibliográfico do documento audiovisual, que por ser produto advindo de um trabalho de equipe, seu registro carece de campos como diretor, produtor, atores, roteirista, dentre outros.

Uma das maiores dificuldades no desenvolvimento dos trabalhos para o acesso aos documentos audiovisuais são as descrições dos assuntos. O estabelecimento de temáticas para os registros bibliográficos já nos demonstra que carece de um trabalho subjetivo e minucioso e com a documentação audiovisual essa problemática torna-se mais aparente. Uma das soluções seria adicionar metadados para definição de gênero cinematográfico, entretanto, seriam definições que apresentariam questões conflitantes, dado que nem todo filme se encaixa em gêneros específicos pré-estabelecidos, como por exemplo os filmes experimentais, que não seguem padrões narrativos como conhecemos no cinema canônico.

Em face do exposto, reconhece-se que a estratégia da Cinemateca Pernambucana em utilizar das fichas técnicas já disponibilizadas pelos realizadores dos filmes, porém propondo possíveis adaptações, foi uma boa maneira de auxiliar os trabalhos de descrição do documento audiovisual e prover o acesso à informação fílmica, dado que as informações contidas nas fichas técnicas expandem as possibilidades de acesso à obra audiovisual.

Nesse contexto, foi posto em questão para os entrevistados a sua visão pessoal quanto à importância de se conhecer a história do cinema produzido em Pernambuco.

Primeiro que conhecer a nossa história é importante em qualquer aspecto da vida, assim, a história de todas as organizações humanas. E pensando o audiovisual hoje em dia, como essa parte tão importante na construção da identidade e da subjetividade dos indivíduos, só adiciona mais uma camada na importância de entender a história do audiovisual que a gente faz aqui. (Entrevistado A).

No relato do Entrevistado A nos deparamos com uma posição de reconhecimento da magnitude que é a tomada de conhecimento da nossa própria história em diferentes vertentes. Isso importa na medida em que esse processo faz parte da nossa identificação enquanto indivíduos pertencentes a uma determinada cultura que produz e consome arte. E isso, portanto, se expande para o campo do cinema, dado que o processo artístico e seus produtos acabam por desenvolver imagens, sons e movimentos representativos da nossa cultura e da nossa história. Como pontuado por Jesus (2021, p. 354): “a força do cinema reside na beleza tecnológica das imagens em movimento ao registrarem o testemunho de uma época numa determinada sociedade”. Essa força também se amplifica para a representação de outros processos culturais, como vimos na relação entre o cinema pernambucano e o movimento manguebeat nos anos 1990.

Ademais, é importante pontuar a posição de propor o nosso cinema, como bem mencionado pelo Entrevistado A. Mostrar a existência de nosso cinema é uma das formas de lutar contra a dependência cultural que o Brasil possui para com o cinema norte-americano. Esse é um processo histórico já discutido por Paulo Emílio Sales Gomes (1996), quando o autor nos traz a perspectiva de que essa problemática se explica por uma questão de subdesenvolvimento de um país colonizado como o nosso.

Eu penso muito quando a gente recebe as turmas, os meninos menorzinhos e até os do ensino médio e de faculdade, é muito comum eles só pensarem no cinema como o cinema norte-americano. Eles ficam “eu não sabia que tinha essas câmeras aqui no Recife, eu não sabia que essas coisas aconteciam aqui”. Então, tipo, a gente está em um espaço, a gente tentar resgatar essa memória, é importante para possibilitar o acesso de quem não tem. É importante para valorizar mesmo que a gente pode fazer e que a gente pode ter acesso (Entrevistado B).

O primeiro passo é lutar por uma demarcação do nosso cinema e isso se dá pela difusão, no qual a expansão da circulação do cinema local atinge outras camadas que ainda estão na limitação artística proposta pela indústria cultural norte-americana. Não se trata, consequentemente, de substituição de um pelo outro, aplicação de juízo de valor ou que algum merece ser visto em detrimento de outro, mas de um processo de luta por um espaço que, historicamente, nos foi negado.

Nessa perspectiva, chegamos ao desfecho da entrevista com a última pergunta pondo em pauta, na visão dos entrevistados, qual o papel da Cinemateca na cultura cinematográfica pernambucana?

Eu acho que é isso, assim, como nossos filmes muitas vezes ficam limitados ao circuito de festival, a quantidade de pessoas que conseguem acessar esses filmes é muito mais limitada do que um filme comercial tradicional. A primeira coisa que me vem à mente quando eu penso pra que a Cinemateca existe e como ela impacta a ideia de audiovisual, é isso, assim, guardar essa história e, principalmente, torná-la acessível. (Entrevistado A).

O primeiro impacto da instituição na cultura cinematográfica pernambucana se dá no processo de acesso a filmes que não estão na circulação tradicional da cultura audiovisual. A Cinemateca tem um compromisso para com esses filmes, por uma questão de continuidade da sua existência, por meio da sua exibição para o mundo. Isso garante, por exemplo, que esses filmes sejam uma referência local para os indivíduos, como pontuado pelo entrevistado. Para além das referências estrangeiras que estão incutidos na nossa cultura, que o filmes pernambucanos possam ser um instrumento de representação, seja por pôr em tela o sertão nordestino, como em A História da Eternidade (2014), de Camilo Cavalcante, ou a vida urbana em Recife, como em O Som ao Redor (2012) e Aquarius (2016), de Kleber Mendonça Filho.

Pensando em mercado de produção audiovisual e a importância da Cinemateca, eu acho muito importante que a gente exista como apoio para os realizadores, para se por acaso eles queiram imagens de arquivo, acaso eles precisem dialogar com um filme de outro realizador e a gente estar aqui como ponte. (Entrevistado A).

A conexão desenvolvida entre a Cinemateca Pernambucana e os realizadores acaba por desenvolver um elo pela preservação, no qual o futuro do cinema pernambucano passa a reconhecer o cinema desenvolvido no seu passado e os referenciam como forma de manutenção da sua história. A guarda dos documentos audiovisuais históricos do cinema pernambucano promove essa retroalimentação da cultura local e isso é levado para o mundo, por meio dos festivais nacionais e internacionais de cinema. Nesse sentido, a Cinemateca é a ponte que cria essa conexão, sendo um espaço de guarda e transmissão dessa memória.

A gente vê o tempo todo realizadores chegando aqui e falando “eu não consegui guardar meu filme, eu só tenho essa versão que eu salvei, por acaso, no Youtube, doze anos atrás, e é a única coisa que eu tenho, não tenho salvo em outro lugar”. E aí muitas vezes a gente chega e fala ok, tudo bem, a gente vai resgatar essa versão aqui e a gente procura uma outra maneira de trazer de volta essa cópia. (Entrevistado B).

A preservação audiovisual na cultura cinematográfica brasileira durante muitos anos se pautou no fenômeno da guarda caseira desses documentos. O que ocasionou, portanto, na perda de diversos filmes, em decorrência da falta de tratamento adequado para com esses materiais. A Cinemateca Pernambucana, por não desenvolver ainda trabalhos com os documentos audiovisuais em suporte físico, tem o papel na preservação digital desses filmes. Essa preservação ocorre, principalmente, por meio da difusão, a partir da exibição no portal da instituição.

Diante disso, os entrevistados complementam o relato, ainda na temática do papel e o impacto da Cinemateca Pernambucana na cultura cinematográfica local e a relação com os realizadores pernambucanos:

Obviamente, no ideal, se essa pessoa tivesse tido acesso à uma estrutura que pudesse ser o apoio dela para colocar esse material e daqui a algum tempo quando eles conseguissem fazer versões melhores, se a Cinemateca existisse nesse tempo, seria mais fácil. Como a gente não pode voltar no tempo, a gente pode agora estar aqui e dizer que a gente existe enquanto esse espaço e a gente pode ser esse apoio (Entrevistado B).

Os entrevistados reconhecem que a Cinemateca Pernambucana impacta na cultura do estado de diferentes maneiras, seja na conexão criada com os realizadores, no resgate da memória dos filmes considerados perdidos, ou na referência para o desenvolvimento de novos cineastas. Sobre este último, o Entrevistado A finaliza:

É importante na formação de novos cineastas. Que eles tenham uma referência do que já passou, sabe? Que eles entendam o caminho que a gente trilhou até chegar aqui, até alcançar, tipo, a liberdade e a autonomia que a gente tem hoje ou mesmo o que a gente deixou, o que a gente perdeu ao longo desse tempo. Então, além de formação de público, além de suporte à cadeia produtiva, essa de formação de novos profissionais da área, sabe? Eu acho que é isso (Entrevistado A).

Propor o cinema desenvolvido ao longo da história dos ciclos pernambucanos como uma referência para novos cineastas é um dos principais impactos da Cinemateca no meio cultural em Pernambuco. Esse propósito é uma das maneiras de demarcar o que o cinema pernambucano produziu no passado e que produz na atualidade. São posições que visam divulgar para o mundo a nossa capacidade produtiva dentro da cadeia audiovisual, seja pela linguagem, pela estética, pela demarcação do seu passado ou sua continuidade no presente.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Cinemateca Pernambucana surge por iniciativa da Fundação Joaquim Nabuco para ser um equipamento cultural atualizado com a conjuntura do desenvolvimento tecnológico. Isso é evidenciado, por exemplo, com a dupla presença da instituição, tanto na construção de um espaço físico memorialístico e educativo, quanto no desenvolvimento de um portal no ambiente digital, no qual a difusão do cinema pernambucano alcança novos públicos.

Isto posto, o que temos é a identificação de equipamento cultural de apoio à cadeia produtiva audiovisual pernambucana que, nas instalações físicas, desenvolve iniciativas educativas e de guarda da documentação memorial do cinema pernambucano, como objetos de cena, figurinos, câmeras antigas, projetores e roteiros. As práticas educativas partem da mediação da história do cinema e da produção audiovisual pernambucana em parcerias com escolas e universidades, no qual todo semestre garantem novos alunos para as visitas técnicas. Esse processo aliado a presença nas redes sociais e o apoio a novos realizadores pernambucanos foram as maneiras que a Cinemateca Pernambucana encontrou de formar e desenvolver novos públicos e divulgar o trabalho realizado pela instituição.

Por outro lado, no ambiente virtual, a instituição marca maior presença, propondo a exibição de diversos filmes pernambucanos, séries e programas televisivos. Aliado a isso, o portal desenvolvido também oferece uma base, no qual podemos ter acesso ao registro de diversos objetos do patrimônio audiovisual pernambucano. Desse modo, apesar da Cinemateca Pernambucana propor importantes iniciativas nas suas instalações físicas, como constatado anteriormente, compreendemos com essa pesquisa que a força motriz do equipamento cultural está no acesso. Assim, desenvolvem métodos e estratégias de preservação digital, como a geração de cópia de segurança e armazenamento por meio das fitas LTO, a fim de que esses filmes continuem vivos para a manutenção da continuidade da nossa história e da nossa memória posta em tela.

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[1] Bibliotecário formado pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE (2019-2024).

[2] Doutoranda e Mestra no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Pernambuco (PPGCI-UFPE).

[3] Disponível em:  https://cinematecapernambucana.com.br/. Acesso em: 16 abr. 2024.