CONTRIBUIÇÕES MARXISTAS PARA A PRÁXIS BIBLIOTECÁRIA

Laís Lupim Santos Gomes[1]

Universidade Federal do Espírito Santo
laislupim@gmail.com

Gleice Pereira[2]

Universidade Federal do Espírito Santo

gleiceufes@gmail.com

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Resumo

A pesquisa examina o impacto da práxis marxista na Biblioteconomia e na Ciência da Informação através de uma abordagem metodológica que combina pesquisa bibliográfica e análise de conteúdo. A metodologia de pesquisa bibliográfica envolveu a consulta sistemática e crítica de fontes como periódicos especializados, obras de referência e estudos relevantes disponíveis em bases de dados acadêmicas como Brapci, Scielo e Capes, além de publicações de renomados autores das áreas de Filosofia e Ciências Sociais. Os resultados da pesquisa destacam a importância da práxis marxista na transformação dos serviços de informação e na gestão de unidades de informação, especialmente no contexto biblioteconômico, enfatizando a democratização do conhecimento e a promoção da igualdade de acesso a informação. Além disso, evidenciam o papel dos profissionais da informação na promoção da democracia cultural e na mitigação das disparidades sociais, reforçando a necessidade de uma abordagem crítica que não apenas facilite o acesso à informação, mas também reconheça e aborde as dinâmicas de poder subjacentes. Conclui-se que a práxis marxista oferece um arcabouço teórico robusto para a compreensão crítica e a transformação das práticas profissionais na Biblioteconomia e Ciência da Informação, potencializando o papel dos profissionais da informação como agentes de mudança social. Nesse sentido, a pesquisa contribui não apenas para o desenvolvimento teórico dessas áreas, mas também para a prática profissional voltada para objetivos sociais mais amplos, alinhados com os princípios da justiça e da equidade na disseminação e acesso à informação na sociedade contemporânea.

Palavras-chave: práxis marxista; práxis bibliotecária; democratização da informação.

MARXIST CONTRIBUTIONS TO LIBRARY PRACTICE

Abstract

The research examines the impact of Marxist praxis on Library Science and Information Science through a methodological approach that combines bibliographic research and content analysis. The bibliographic research methodology involved systematic and critical consultation of sources such as specialized journals, reference works, and relevant studies available in academic databases like Brapci, Scielo, and Capes, as well as publications by renowned authors in Philosophy and Social Sciences. The research findings highlight the significance of Marxist praxis in transforming information services and managing information units, particularly in the library context, emphasizing the democratization of knowledge and the promotion of equal access to information. Additionally, they underscore the role of information professionals in fostering cultural democracy and mitigating social disparities, reinforcing the need for a critical approach that not only facilitates access to information but also recognizes and addresses underlying power dynamics. It is concluded that Marxist praxis provides a robust theoretical framework for the critical understanding and transformation of professional practices in Library Science and Information Science, enhancing the role of information professionals as agents of social change. In this sense, the research contributes not only to the theoretical development of these fields but also to professional practice aimed at broader social goals aligned with principles of justice and equity in the dissemination and access to information in contemporary society.

Keywords: marxist praxis; librarian praxis; democratization of information.

CONTRIBUCIONES MARXISTAS A LA PRÁCTICA BIBLIOTECARIA

Resumen

La investigación examina el impacto de la praxis marxista en la biblioteconomía y las ciencias de la información a través de un enfoque metodológico que combina la investigación bibliográfica y el análisis de contenido. La metodología de investigación bibliográfica implicó la consulta sistemática y crítica de fuentes como revistas especializadas, obras de referencia y estudios relevantes disponibles en bases de datos académicas como Brapci, Scielo y Capes, además de publicaciones de autores de renombre en las áreas de Filosofía y Ciencias Sociales. Los resultados de la investigación resaltan la importancia de la praxis marxista en la transformación de los servicios de información y la gestión de unidades de información, especialmente en el contexto bibliotecario, enfatizando la democratización del conocimiento y la promoción del acceso igualitario a la información. Además, destacan el papel de los profesionales de la información en la promoción de la democracia cultural y la mitigación de las disparidades sociales, lo que refuerza la necesidad de un enfoque crítico que no sólo facilite el acceso a la información, sino que también reconozca y aborde las dinámicas de poder subyacentes. Se concluye que la praxis marxista ofrece un marco teórico sólido para la comprensión crítica y la transformación de las prácticas profesionales en Bibliotecología y Ciencias de la Información, potenciando el papel de los profesionales de la información como agentes de cambio social. En este sentido, la investigación contribuye no sólo al desarrollo teórico de estas áreas, sino también a la práctica profesional orientada a objetivos sociales más amplios, alineados con los principios de justicia y equidad en la difusión y acceso a la información en la sociedad contemporánea.

 

Palabras clave: práxis marxista; práxis bibliotecária; democratización de la información.

1  INTRODUÇÃO

A ciência da informação vem evoluindo ao longo dos anos e se adaptando às mudanças sociais e tecnológicas. Ela envolve uma série de competências e habilidades que têm um impacto direto na forma como as pessoas interagem com o conhecimento. É uma área multidisciplinar que abrange aspectos tecnológicos, sociais, políticos, culturais e educacionais. Nesse sentido, é fundamental entender como diferentes abordagens teóricas podem influenciar a prática profissional e a gestão de serviços de informação.

Portanto, buscar-se-á, nesta pesquisa, por meio de um levantamento bibliográfico, discutir à luz da literatura de Biblioteconomia e Ciência da Informação, como a práxis marxista pode ser um diferencial na concepção e na prática dos serviços de informação e na gestão de unidades de informação. Serão explorados aspectos teóricos que envolvem a perspectiva crítica da informação, considerando não apenas seu acesso e uso, mas também as relações de poder, a democratização do conhecimento e as questões sociais e econômicas subjacentes. Essa análise visa contribuir para uma compreensão mais ampla e crítica do papel dos profissionais da informação na sociedade contemporânea, destacando possíveis interfaces entre a teoria marxista e a prática biblioteconômica.

Portanto, buscar-se-á aprofundar o entendimento da práxis marxista como uma práxis também bibliotecária, considerando que um dos objetivos fundamentais da Biblioteconomia é garantir que as informações sejam acessíveis a todos, promovendo a inclusão e a igualdade de acesso à cultura, à educação e ao conhecimento. Defende-se que, ao adotar uma práxis socialmente consciente, os profissionais de Biblioteconomia desempenham um papel crucial na promoção da democracia, da diversidade cultural e na mitigação das desigualdades de acesso à informação.

Por meio da colaboração com outras disciplinas e da adaptação constante às necessidades em evolução da sociedade, a Biblioteconomia e a Ciência da Informação têm um papel importante na construção de comunidades informadas, engajadas e capacitadas. Portanto, acreditando no poder da interdisciplinaridade, utilizou-se não apenas autores e especialistas na área de Ciência da Informação, mas também da Filosofia, Sociologia e Pedagogia, para a construção desta etapa.

Essa abordagem integrada permite uma compreensão mais ampla e crítica das dinâmicas da sociedade, da democratização do conhecimento e das questões sociais e econômicas que afetam o acesso à informação. Ao incorporar essas perspectivas diversas, a pesquisa busca promover práticas mais inclusivas e equitativas, alinhadas com os princípios de justiça social e igualdade, fortalecendo assim o papel dos profissionais da informação como agentes de mudança positiva na sociedade contemporânea.

 

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A presente pesquisa se caracteriza enquanto uma pesquisa exploratória, que utiliza o levantamento bibliográfico como método de levantamento de dados. De acordo com Gil (1999), a pesquisa exploratória tem como principal finalidade desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias, tendo em vista a formulação de problemas mais precisos. Logo, formulou-se para esta pesquisa, a seguinte questão: De que maneira a práxis marxista pode ser um diferencial na concepção e na prática dos serviços de informação e na gestão de unidades de informação?

Para isso, realizou-se um levantamento bibliográfico acerca da temática nas principais bases de dados da ciência da informação, sendo elas levantamento bibliográfico realizado nas principais bases de dados da CI, tais como: Base de Dados de Periódicos em Ciência da Informação (Brapci), a Biblioteca Eletrônica Científica Online (Scielo), portal de Periódicos da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Anais do Congresso Brasileiro de Biblioteconomia e Documentação (CBBD), além de obras de autores reconhecidos nas áreas de Filosofia e Ciências Sociais, dada a natureza multidisciplinar desta pesquisa.

Para análise dos textos selecionados, foi utilizado a metodologia de análise de conteúdo, que Bardin (1977, p. 42) define como

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos e objectivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

Em outras palavras, a análise de conteúdo busca extrair significados e padrões das mensagens analisadas, permitindo aos pesquisadores entender não apenas o que está sendo comunicado explicitamente, mas também inferir informações sobre os contextos sociais, culturais e históricos em que essas mensagens foram produzidas ou recebidas. Isso pode incluir a identificação de temas principais, a frequência de certos elementos, as intenções por trás da comunicação, entre outros aspectos relevantes para a pesquisa em questão.

 

 

3 FILOSOFIA DA PRÁXIS

Quando se fala de práxis, é necessário analisar não apenas a etimologia da palavra, mas também seu sentido filosófico. Segundo o Dicionário online Oxford, sua origem vem do grego prâksis, eōs que significa “ação, conduta”. No contexto filosófico, a práxis vai além da simples ação, englobando um processo de reflexão crítica sobre a ação, integrando teoria e prática para transformar a realidade social. É através da práxis que os conceitos abstratos se concretizam em ações concretas que buscam mudar as estruturas sociais injustas e promover a emancipação humana.

A práxis, sob a perspectiva de Karl Marx (1845), é um conceito central que representa a interação dinâmica entre teoria e ação transformadora na busca pela mudança social. Para o autor, ao realizar suas críticas a  Feuerbach, defendia que a filosofia tradicional tendia a se concentrar apenas na  interpretação do mundo, enquanto o objetivo da práxis era transformá-lo.

Isso pode ser observado na Tese 4 de Marx (1845) sobre as Teses de Feuerbach, na qual ele critica a abordagem restrita à crítica teórica da religião. Feuerbach argumenta que a religião surge da alienação humana, projetando características humanas essenciais em uma divindade externa e separando o mundo real de um ideal religioso. Ao desvendar a origem humana da religião e resolver sua base mundana, ele propõe desmascarar essa ilusão.

No entanto, Marx contesta que entender apenas a base mundana não é suficiente. Ele aponta que essa base mundana, como a família terrena, está intrinsecamente em contradição consigo mesma. Argumenta ainda que essa contradição leva a uma autonomização dessa base, perpetuando uma divisão entre as condições reais e ideais da vida humana. Para Marx, após criticar teoricamente essas contradições, é crucial uma transformação prática revolucionária. Isso significa não apenas compreender, mas também agir para eliminar as contradições através de mudanças sociais e políticas radicais. Assim, a crítica não deve se restringir a desvendar a origem da religião, mas buscar transformar as estruturas sociais que perpetuam a alienação, promovendo uma verdadeira revolução na sociedade (Marx, 1845).

A práxis marxista não se limita à compreensão teórica da sociedade, mas enfatiza a necessidade de transformação prática. Marx e Engels (2009) sustentam que as ideias e instituições sociais não são apenas reflexos abstratos, mas emergem diretamente das condições materiais concretas da vida humana. As relações de produção, particularmente, são fundamentais nesse contexto, pois determinam não só a organização econômica da sociedade, mas também moldam as ideologias que legitimam e perpetuam as estruturas de poder existentes.

Assim, a análise crítica da sociedade capitalista não se restringe à sua superestrutura ideológica, mas se aprofunda na base econômica que sustenta essa estrutura. A luta de classes, oriunda das contradições entre as relações de produção e as forças produtivas, é vista como o motor da mudança histórica. A práxis revolucionária, portanto, visa não apenas compreender as condições sociais e econômicas, mas também transformá-las radicalmente, criando uma nova ordem social onde as relações de produção sejam democráticas e justas, libertando a humanidade das formas de alienação e exploração que caracterizam o capitalismo.

A teoria marxista é construída sobre uma base materialista histórica dialética. A dialética representa a contradição e a mudança como elementos centrais da evolução da história e da sociedade (Gadotti, 2001). Dessa forma, a sociedade capitalista, por exemplo, é caracterizada por contradições inerentes entre as classes sociais, como a burguesia e o proletariado. Essas contradições,  por sua vez, criam tensões e conflitos que impulsionam a mudança social.

No entanto, a mudança social não acontece espontaneamente, ela requer uma ação consciente e organizada. Aqui é onde a práxis desempenha um papel fundamental, que implica em agir de acordo com a compreensão das leis e contradições da sociedade, a fim de promover uma transformação revolucionária.

Marx e Engels (2009) estabelecem sua base teórica para a práxis, argumentando que a atividade prática dos indivíduos na produção e na interação social molda não apenas as ideias, crenças e instituições de uma sociedade, mas também sua estrutura fundamental. Eles afirmam que a vida material é a base de todas as formas de atividade social e de todas as representações teóricas. Isso significa que a maneira como as pessoas produzem e trocam bens materiais não só determina a organização econômica da sociedade, mas também influencia profundamente a mentalidade, as relações sociais e as instituições que surgem em resposta a essas condições materiais.

A produção e a interação social não são apenas atividades econômicas, mas processos sociais e históricos que constroem e transformam continuamente as estruturas sociais. Assim, a análise marxista não se limita a descrever o funcionamento das economias, mas busca compreender como esses processos materiais e sociais podem ser conscientemente transformados para alcançar uma sociedade mais justa e igualitária.

A práxis não se limita a uma ação imediata, mas  deve estar enraizada em uma análise crítica profunda da realidade social. Isso significa que a teoria não pode ser dissociada da prática, ou seja, elas são intrinsecamente interligadas. Através da análise teórica, os indivíduos podem compreender sua posição no sistema capitalista, identificar as forças que os oprimem e vislumbrar um futuro emancipado (Marx, 2011).

Além disso, a práxis revolucionária é fundamental para a transformação da sociedade, Engels e Marx enfatizam a importância da luta  de classes e da ação coletiva do proletariado para derrubar o sistema capitalista. Os autores afirmam que:

[...] Os comunistas rejeitam dissimular as suas perspectivas e propósitos. Declaram abertamente que os seus fins só podem ser alcançados pelo derrube violento de toda a ordem social até aqui. Podem as classes dominantes tremer ante uma revolução comunista! Nela os proletários nada têm a perder a não ser as suas cadeias. Têm um mundo a ganhar (Marx; Engels, 2017, p. 56).

Entretanto, a práxis marxista não se resume apenas a protestos e manifestações, mas também à construção de um movimento consciente e organizado que busca a transformação radical das estruturas sociais. Para Marx, a práxis revolucionária é um ato coletivo e sistemático que visa não apenas resistir às injustiças existentes, mas também abolir a exploração do homem pelo homem. Essa transformação envolve não apenas a crítica das condições sociais e econômicas vigentes, mas também a construção de alternativas concretas e viáveis para uma sociedade mais justa e igualitária.

Ela busca estabelecer uma ordem socialista onde as relações de produção sejam democráticas e orientadas pelo bem comum, onde a solidariedade substitua a competição e a exploração, e onde a justiça social seja garantida a todos os membros da sociedade. Em vez de apenas reagir às crises e desigualdades, a práxis marxista propõe um projeto de transformação estrutural, baseado na participação ativa e consciente dos trabalhadores e de todos aqueles que são oprimidos pelo sistema capitalistaPortanto, podemos compreender que uma das características da práxis, é a interação constante entre teoria e ação prática na busca pela transformação  social.

As obras de Marx fornecem insights valiosos sobre como a atividade prática das massas trabalhadoras pode ser um motor para a mudança revolucionária em direção a uma sociedade mais igualitária e justa. A relevância da práxis marxista permanece como um ponto crucial para compreender e refletir  sobre as lutas e aspirações por mudanças sociais em diferentes contextos históricos. No contexto da ciência da informação, a práxis marxista pode ajudar a entender como as estruturas de informação são moldadas pelas relações de poder e interesses econômicos dominantes, pois a produção e distribuição de informações não são neutras, mas refletem e perpetuam as desigualdades sociais e econômicas existentes.

Para Vasquéz (2011, p. 35) o conhecimento comum da práxis, como mera atividade prática, “[...] tem de ser abandonada e superada para que o homem possa transformar de forma criadora, isto é, revolucionariamente, a realidade”. Logo, é necessário que o indivíduo compreenda que suas atividades não são neutras, nem isentas de intenções, nem da própria política. Isso é especialmente relevante para o profissional da informação, cuja práxis não se limita apenas à organização e disseminação de informações, mas também à promoção da democratização do acesso ao conhecimento e à conscientização social.

Ao selecionar quais informações disponibilizar, como organizar coleções e como facilitar o acesso, esses profissionais influenciam diretamente a forma como o conhecimento é percebido e utilizado pela sociedade. Adotar uma práxis consciente implica não apenas na realização de tarefas técnicas, mas também na reflexão constante sobre o impacto social e político de suas decisões e ações profissionais.

O entendimento comum de práxis como uma mera prática  coincide com o pensamento da produção capitalista e economistas burgueses, onde a prática precisa ser produtiva, e como produtiva entende-se a produção de valor ou mais-valia. Portanto, a ideia geral de práxis enquanto prática é meramente a realização de uma atividade que gere lucro para a burguesia (Vasquez, 2011).

Tendo como objetivo exclusivo a produção de valor, o sistema social vigente desenvolve formas de trabalho onde o indivíduo é desumanizado, e os trabalhadores tratados como mercadoria, explorados visando a maximização dos lucros. Além disso, atividades onde o objetivo final não é o lucro, mas principalmente o desenvolvimento social, são vistas como desinteressantes, sem  valor prático.

Um exemplo dessa desvalorização é o próprio espaço das bibliotecas, onde esta é vista como um “[...] espaço não produtivo, que não gera riquezas, ao contrário, consome parte do orçamento, visando apenas ao entretenimento de setores alfabetizados da sociedade e relegado a um plano secundário na divisão social do trabalho” (ALMEIDA JUNIOR, 2013, p. 73).

Vasquéz (2011, p. 36) afirma que, para haver o desenvolvimento das aspirações práticas do indivíduo comum, desenvolve-se “[...] um trabalho destinado à deformação, à castração ou ao esvaziamento de sua consciência política”, visto que não se torna interessante haver sujeitos conscientes de sua real situação dentro da sociedade, pois isso poderia acarretar um desmantelamento de sua política exclusivamente voltada para a produção de capital financeiro.

Em concordância a este fato, Konder (1992, p. 102) afirma que, na medida em que a burguesia passa a dominar os instrumentos que são fundamentais para desenvolver e estruturar o seu modo de produção capitalista, o saber voltado exclusivamente para a produção material vai ganhando destaque, enquanto os saberes intelectuais e políticos são vistos como improdutivos, e economicamente injustificáveis.

Logo, entende-se que a biblioteca, por ser um espaço voltado para o desenvolvimento intelectual, educativo e social, é vista apenas como um gasto dentro das instituições, existindo apenas quando a obrigatoriedade em  legislação vigente, ou, o que é mais comum, nem isso. Incentivar o desenvolvimento da consciência política e social nos indivíduos, poderia acarretar no questionamento da existência do status quo social.

Tendo em mente que a práxis busca a união da teoria e da prática, tendo a função social das atividades como lócus, é necessário entender acerca da função social da pessoa bibliotecária, e seu posicionamento na sociedade e na comunidade em que atua. O profissional não é apenas um guardião de livros e documentos, mas um mediador ativa entre o conhecimento e os indivíduos. Sua função transcende a simples gestão de acervos, envolvendo também a promoção do acesso igualitário à informação e o empoderamento dos usuários para que se tornem cidadãos críticos e participativos.

Nesse sentido, a práxis bibliotecária implica em ações que não só atendem às demandas informacionais, mas também respondem às necessidades sociais e culturais da comunidade. Isso envolve desde a seleção de materiais que representem a diversidade de pensamentos e experiências até a organização de eventos e programas educativos que estimulem o aprendizado contínuo e o engajamento cívico. A práxis bibliotecária não se limita ao cumprimento de deveres profissionais, mas se estende a um compromisso ético e social de promover a igualdade de acesso ao conhecimento e fortalecer os laços comunitários através da informação e da educação.

A função social da Biblioteconomia tem sido um tema amplamente debatido. Jesse Shera já explorava esse tema nos anos 1970, argumentando que independentemente do propósito da biblioteca e do bibliotecário, ambos devem atender às necessidades da sociedade (Shera, 1977). O autor defendia o diálogo com a Epistemologia Social, com objetivo de que os serviços e funções da biblioteca tivessem o foco na sociedade, pois é necessário que “[...] o homem possa alcançar melhor compreensão do universo no qual se encontra” (Shera, 1977, p. 11), e isso precisa ser o principal interesse do profissional da informação.

Nesse contexto, a práxis bibliotecária se manifesta como a materialização desse compromisso social. Ela não se restringe apenas à organização e disseminação de informações, mas se engaja ativamente na transformação da realidade social através do acesso democrático ao conhecimento. A práxis implica em práticas e ações que não apenas refletem as necessidades da comunidade, mas também as transformam de maneira positiva.

Ao adotar uma abordagem baseada na práxis, o profissional da informação não apenas responde passivamente às demandas por informação, mas também assume um papel proativo na promoção da educação, inclusão e justiça social. Isso inclui desde programas de alfabetização informacional até iniciativas que valorizam a diversidade cultural e o respeito aos direitos humanos dentro do ambiente bibliotecário.

A práxis na Biblioteconomia não se limita ao aspecto técnico ou administrativo, mas se estende a um compromisso ético e político de contribuir para uma sociedade mais informada, igualitária e empoderada. O profissional da informação, ao colocar em prática os princípios da práxis, não apenas facilita o acesso ao conhecimento, mas também fortalece o tecido social ao promover uma participação ativa e crítica dos cidadãos na construção do conhecimento e na busca por um mundo mais justo e sustentável.

Portanto, para compreender plenamente como o profissional da informação alcança seus usuários, é essencial reconhecer que essa interação é permeada por intenções e não é neutra. Nesse sentido, é crucial explorar e entender o conceito de Práxis Bibliotecária.

 

4 PRÁXIS NA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

No âmbito da Ciência da Informação e da Biblioteconomia, Targino (1997) trata da práxis bibliotecária, definindo o termo como o um conjunto de atividades realizadas pelo indivíduo, com o propósito de estabelecer as bases fundamentais para a sobrevivência da sociedade. Em termos mais concretos, a práxis bibliotecária compreende a formulação e execução de estratégias por parte dos profissionais, voltadas para o progresso humano e sua relevância no contexto social.

Os bibliotecários não se limitam simplesmente a organizar livros e documentos, mas desempenham um papel crucial na democratização do acesso à informação e no fortalecimento da consciência crítica. Ao facilitar o acesso equitativo à informação, promover a alfabetização informacional e fomentar o debate público, os bibliotecários contribuem para capacitar indivíduos e comunidades a participar ativamente na vida política, social e cultural. Essa atuação pode desafiar estruturas de poder existentes, questionar desigualdades e promover mudanças que visem à construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.

Portanto, a práxis bibliotecária, inspirada nos princípios da práxis marxista, não apenas se concentra na gestão de recursos informacionais, mas também busca engajar-se ativamente na transformação social, defendendo o acesso universal ao conhecimento e promovendo a igualdade de oportunidades educacionais e culturais para todos. Para que esse agir transformador seja possível, o profissional da informação precisa estar em um processo constante de construção e desconstrução do seu ser, e consequentemente de sua própria práxis, pois este precisa agir de forma objetiva, consciente e prática. Este processo de autoreconstrução é constante, pois estamos lidando com uma sociedade que se transforma continuamente.

Quando discute-se práxis, é essencial entender que ela se torna genuinamente prática quando reconhece sua função social. A capacidade humana de transformar e moldar o mundo de maneira consciente é o que distingue os seres humanos. Portanto, a práxis verdadeira emerge quando reconhece seu potencial revolucionário, permitindo que uma classe lute pela emancipação social de outras classes (Targino, 1997).

É necessário entender a biblioteca enquanto uma instituição viva, que desempenha um papel crucial na promoção do aprendizado. Quando se fala sobre biblioteca enquanto “estrutura viva”, refere-se sobre a dinâmica, a adaptabilidade, e a constante interação que os bibliotecários possuem com seus usuários, e isso mostra como este ambiente possui um poder para transformar o indivíduo, pois esta possui uma riqueza incontável de informação e conhecimento.

Portanto, é importante que o bibliotecário entenda sua posição enquanto agente transformador, pois ele pode ser um importante instrumento de democratização da informação, pois sua práxis envolve educação, desenvolvimento cultural, além da possibilidade de desenvolvimento da comunidade em que se insere.

Cysne (1993) argumenta que toda práxis é uma forma de atividade, mas nem toda atividade constitui uma práxis. Isso porque a práxis não se limita simplesmente à execução de tarefas, mas refere-se a uma atividade específica e consciente que não só enriquece o trabalho e a teoria envolvidos, mas também promove o desenvolvimento do próprio sujeito que a realiza.

Nesse sentido, a práxis implica uma reflexão crítica sobre a ação realizada, buscando não apenas transformar o contexto externo, mas também aprimorar o entendimento e a consciência do agente transformador. Enquanto os indivíduos participam ativamente na práxis, eles não apenas aplicam conhecimentos teóricos, mas também os testam e os modificam através da prática.

A práxis é mais do que apenas realizar atividades, é um processo de aprendizado contínuo e de desenvolvimento pessoal e coletivo. Ao integrar teoria e prática de maneira dinâmica e reflexiva, a práxis capacita os indivíduos a agirem de forma mais informada, eficaz e ética em suas atividades profissionais e sociais, contribuindo para transformações positivas tanto no ambiente de trabalho quanto na sociedade em geral.

O bibliotecário, através de sua ação prática, revela sua função social em sua manifestação mais essencial, uma vez que sua função está direcionada de modo específico ao progresso da sociedade e ao desenvolvimento do indivíduo dentro dela. Sem essa ênfase no indivíduo, o propósito do bibliotecário perde seu significado e acaba por se dissolver em meio à burocracia dominante.

Nesse sentido, compreende-se que toda prática profissional somente se torna uma práxis profissional quando essa assume sua função social. Por meio da práxis, o homem cria, reproduz, transforma seu mundo e a si mesmo (Targino, 1997). Portanto, cabe a biblioteca, por meio do bibliotecário, revelar sua função social, deixando clara sua posição enquanto um centro de informação organizado, e a serviço da comunidade.

Além disso, fornecer informação de qualidade é um pilar essencial para a liberdade do invidivíduo, e para o funcionamento de uma sociedade realmente democrática. Ela não só auxilia na capacitação das pessoas para tomadas de decisões de forma consciente, como também desempenha um papel fundamental na formação de opiniões e no engajamento cívico.

Em concordância a isto, Varela (2007) afirma que liberdade não é apenas  uma questão de escolha entre várias opções, mas “[...] a capacidade de autodeterminação para pensar, querer, sentir e agir. [...] ser sujeito é construir- se e construir-se como ser capaz de autonomia, numa relação tal que as coisas e os demais não se ofereçam como determinadoras” (Varela, 2007, p. 73).

Logo, o acesso a informação é um direito que envolve comunicação, participação, direito a construção de pensamentos e opiniões de forma individual, exercendo sua cidadania de forma plena, sem que um indivíduo ou uma instituição seja resolutivo para seu pensamento final. A cidadania plena implica em requisitos essenciais, tais como possuir uma consciência crítica, responsabilidade tanto individual quanto coletiva, aptidões para tomar decisões e agir de forma proativa, assim como ser capaz de acolher e conviver harmoniosamente com diversas opiniões e perspectivas, e também de desenvolver alternativas criativas para solucionar desafios. Em resumo, estar preparado para exercer autonomia, assumir responsabilidades e se engajar de maneira efetiva nas mudanças necessárias para o avanço do país, rejeitando, assim, qualquer forma de alienação, dependência ou cultura consumista (Varela, 2007).

Portanto, a prática bibliotecária voltada para a ação permite que os espaços de atuação profissional do bibliotecário e do cientista da informação sejam reconhecidos não apenas como locais de acesso à informação, mas também como centros culturais e pontos de interação social, adaptando-se às diversas realidades sociais, culturais, educacionais e tecnológicas. A prática desses profissionais é um fator distintivo para o funcionamento eficiente desses espaços.

A Práxis Bibliotecária não se limita a um conjunto de práticas técnicas, mas abrange um compromisso ético e político em responder às necessidades informacionais da sociedade de maneira inclusiva e transformadora. Ao adotar uma abordagem baseada na Práxis, o profissional da informação não apenas facilita o acesso ao conhecimento, mas também atua como agente de mudança social. Ele desempenha um papel vital na promoção da alfabetização informacional, na defesa da diversidade cultural, na facilitação do acesso equitativo à informação e no fortalecimento da participação cidadã. Dessa forma, a Práxis Bibliotecária não apenas enriquece os serviços de informação oferecidos, mas também se posiciona como um diferencial social significativo. Ela não só responde às demandas da comunidade, mas também as desafia e as transforma.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio desta pesquisa, explorou-se como a práxis marxista pode influenciar a concepção e prática dos serviços de informação e gestão de unidades de informação, principalmente no que se refere as bibliotecas, enfatizando a importância da análise crítica da informação, incluindo suas relações de poder, democratização do conhecimento e questões sociais e econômicas subjacentes.

Além disso, o texto explora a filosofia da práxis marxista, que não se limita à compreensão teórica da sociedade, mas enfatiza a transformação prática por meio da ação coletiva e consciente. A práxis marxista, inspirada nas obras de Marx e Engels, destaca a importância da análise das condições materiais e das relações de produção como fundamentais para a compreensão das estruturas sociais e para a promoção de mudanças revolucionárias. A análise crítica da sociedade capitalista, segundo Marx, não deve apenas desvelar suas contradições, mas também buscar transformá-las através de uma práxis revolucionária orientada para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Ademais, compreendeu-se a concepção de práxis dentro do contexto bibliotecário, argumentando que as bibliotecas, frequentemente vistas como espaços não produtivos na lógica capitalista, desempenham um papel essencial na formação de uma consciência crítica e na democratização do acesso ao conhecimento. A função social da Biblioteconomia, segundo Jesse Shera (1977), é destacada como crucial para atender às necessidades da sociedade e promover uma melhor compreensão do mundo. Logo, a práxis bibliotecária não apenas proporciona acesso à informação, mas também atua como um agente de transformação social, desafiando as estruturas de poder existentes e contribuindo para uma sociedade mais informada, engajada e igualitária.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Mestranda no PPGCI/UFES. Bacharel em   Biblioteconomia (UFES). ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9839-5543

[2] Doutora em Ciência da Informação (UFMG).  Professora no PPGCI/UFES.  ORCID:  https://orcid.org/0000-0001-5099-112X