TEORIA DA COMPLEXIDADE E DECOLONIALIDADE

contribuições possíveis para a ciência da informação? 

Ermeson Nathan Pereira Alves[1]

Universidade Federal da Paraíba

ermesonathan@gmail.com

Edivanio Duarte de Souza[2]

Universidade Federal de Alagoas

edivanio.duarte@ichca.ufal.br

 

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Resumo

Este estudo aborda a Teoria da Complexidade e o conceito de decolonialidade como instrumentos cognitivos para orientar direcionamentos epistêmicos no campo da Ciência da Informação. Utiliza-se de pesquisa bibliográfica e exploratória para delinear os dados teóricos apresentados. Os resultados alcançados revelam uma análise crítica dos preceitos eurocêntricos do conhecimento científico, utilizando o pensamento complexo e a decolonialidade como foco analítico da colonialidade. Identifica-se que o conhecimento científico é estruturado pelos aspectos de colonialidade, patriarcado e capitalismo, os quais desdobram-se no desenvolvimento do racismo e do sexismo epistêmico. Conclui-se que tanto a teoria da complexidade quanto a decolonialidade podem ampliar o espectro epistemológico da Ciência da Informação e, consequentemente, de seu objeto de estudo, a informação.

Palavras-chave: teoria da complexidade; decolonialidade; ciência da informação; colonialidade; epistemologia.

COMPLEXITY THEORY AND DECOLONIALITY

possible Contributions to information science?

Abstract

This study addresses Complexity Theory and the concept of decoloniality as cognitive tools to guide epistemic directions in the field of Information Science. Bibliographic and exploratory research is used to outline the theoretical data presented. The results achieved reveal a critical analysis of the Eurocentric precepts of scientific knowledge, using complex thinking and decoloniality as an analytical focus on coloniality. It is identified that scientific knowledge is structured by aspects of coloniality, patriarchy, and capitalism, which, in turn, unfold in the development of epistemic racism and sexism. It is concluded that both complexity theory and decoloniality can expand the epistemological spectrum of Information Science and, consequently, its object of study, information.

Keywords: complexity theory; decoloniality; information science; coloniality; epistemology.

 

 

 

 

TEORÍA DE LA COMPLEJIDAD Y DECOLONIALIDAD

¿contribuciones Posibles para la ciencia de la información?

Resumen

Este estudio aborda la Teoría de la Complejidad y el concepto de decolonialidad como herramientas cognitivas para orientar las direcciones epistémicas en el campo de la Ciencia de la Información. Se utiliza investigación bibliográfica y exploratoria para delinear los datos teóricos presentados. Los resultados alcanzados revelan un análisis crítico de los preceptos eurocéntricos del conocimiento científico, utilizando el pensamiento complejo y la decolonialidad como enfoque analítico de la colonialidad. Se identifica que el conocimiento científico está estructurado por aspectos de colonialidad, patriarcado y capitalismo, los cuales, a su vez, se desarrollan en el racismo epistémico y el sexismo epistémico. Se concluye que tanto la teoría de la complejidad como la decolonialidad pueden ampliar el espectro epistemológico de la Ciencia de la Información y, en consecuencia, su objeto de estudio, la información.

Palabras clave: teoría de la complejidad; decolonialidad; ciencia de la información; colonialidad; epistemología.

 

1 INTRODUÇÃO

Este artigo é resultante dos trabalhos e reflexões elaborados no curso da disciplina de Estudos Dirigidos do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, no âmbito da Universidade Federal da Paraíba, no período entre 24 de agosto e 30 de outubro, totalizando 45 horas de trabalho síncrono, além das leituras individuais. A referida disciplina teve por objetivo organizar um quadro teórico representativo das principais contribuições da epistemologia e da teoria da complexidade à Ciência da Informação para a compreensão do seu objeto. O conjunto das leituras permitiu uma reflexão atenta aos fundamentos teóricos e metodológicos da Ciência da Informação (CI) e suas bases epistemológicas a partir de um conjunto de referências bibliográficas como base aos estudos sobre a Teoria da Complexidade, de Edgar Morin, bem como das Teorias Coloniais, fazendo uso da decolonialidade para pensar novos contributos epistemológicos para a Ciência da Informação no Brasil.

A partir de um conjunto de dez referências bibliográficas, delimitadas também por gênero, foram proporcionadas amplas discussões, as quais contribuíram para constituir uma disciplina de estudos dirigidos, voltada para as reflexões iniciais no campo da epistemologia em Ciência da Informação. Dessa forma, congregou-se um conjunto de autores e autoras os/as quais foram de fundamental importância para se pensar poliespitemologias capazes de ressignificar as dimensões do conhecimento que vem sendo estruturada no campo epistemológico da Ciência da Informação, pretendendo, assim, traçar um estudo exploratório na tentativa de dialogar as contribuições de duas teorias que abarcam a complexidade inserida em nossa sociedade contemporânea, sobretudo no que tange ao seu objeto de estudo, a informação.

No que tange à Teoria da Complexidade, pretende-se analisar como esta tem sido desenvolvida em termos teóricos, a partir de estudos do autor Edgar Morin, sendo este o desenvolvedor de tal teoria, para que possamos entender o quanto é preciso reelaborar as estruturas de pensamento, agora num viés de um pensamento complexo. Este, por sua vez, traz críticas ao pensamento eurocêntrico na qual tem a razão como o centro, quase como verdade absoluta, colocando-se, em muitos os casos, como universal, separando corpo e espírito.

Já no que tange à decolonialidade, o referente estudo pretende se utilizar da categoria colonial enquanto foco analítico no intuito de perceber o quanto o nosso conhecimento e, consequentemente, o quanto a epistemologia da Ciência da Informação também é calcada numa forma de conhecimento delimitada pelos parâmetros Europeu e/ou Norte Americano. Ao se utilizar da decolonialidade para refletir as práticas epistêmicas da Ciência da Informação, entendemo-la como construto necessário para se verificar o quanto a delimitação do que se constitui como ciência e do que não é ciência, influencia na elaboração do conhecimento científico simplificado, patriarcal, colonial e capitalista.

É sob essa égide analítica que este trabalho pretende traçar um diálogo de como essas teorias, ora já referidas, podem trazer contribuições para o campo da Ciência da Informação, ao entendermos que esta se configura, assim como outras ciências, no campo do pensamento simplificante, como diria Morin, bem como fortemente arraigado aos modos de pensamento coloniais.

De acordo com tais reflexões, o presente trabalho tem o seguinte problema: como a Teoria da Complexidade e a decolonialidade contribuem para pensar novas epistemologias na CI? E objetivo: compreender a Teoria da Complexidade e o conceito de decolonialidade enquanto instrumentos cognitivos em prol de direcionamentos epistêmicos na CI. 

A partir desse problema e objetivo de pesquisa, é que este trabalho delimita sua metodologia como exploratória e bibliográfica, no que se refere às fontes. O estudo exploratório permite aproximações de duas teorias na Ciência da Informação para se pensar numa poliepistemologia, bem como na verificação de suas contribuições no que se refere à epistemologia e, desdobrando-se no seu objeto de estudo, a informação. Configura-se como bibliográfica a partir de fontes já selecionadas previamente, lidas e debatidas na disciplina referida para a discussão do presente trabalho.

A importância da criação de uma dimensão de autoconsciência é destacada por Dussel, em seus Oito Ensaios sobre a Cultura Latino-Americana e Libertação (1997), quando se refere às possibilidades de superação da dominação do pensamento e das práticas coloniais, proposta aparentemente viável, a partir do reconhecimento da própria cultura, destacando-se o papel fundante da informação neste processo. A dimensão epistemológica encontra na informação uma problemática representativa de campos diferenciados, entrecruzando-se entre pressupostos e métodos de outras áreas como a filosofia, a administração, a tecnologia, a linguística, a psicologia, a sociologia e a economia, como as de maior destaque. Por outro lado, as contribuições da epistemologia também se originam da crise dos fundamentos da ciência da informação, do seu próprio objeto, ramificando-se em proposições científicas e reconhecimento do seu caráter histórico, como ciência aplicada. 

Ao valorizar o pensamento integral, pois ele permite ao homem concretizar uma meditação mais pontual, Morin fortalece a crença na superação do fracionamento do saber, para que seja possível entender a ciência da informação também em sua interação entre local e global, oferecendo uma resolução das questões existenciais integradas à contextura em que estão situadas.

 

2 A NECESSIDADE DO PENSAMENTO COMPLEXO: OUTRA EPISTEMOLOGIA POSSÍVEL?

Um ponto de reflexão inicial antes de chegar ao que se caracteriza como pensamento complexo, dialogando com as contraposições do que se apresenta enquanto pensamento simplificante, mutilante, é identificar o delineamento epistêmico construído pela ilustração do centro e norte da Europa desde os meados do século XVIII, como adverte Dussel (2015), em seu trabalho meditações anti-cartesianas.

De antemão, Dussel (2015) informa que em decorrência da depreciação de um ‘Sul da Europa’ e, a partir dele, de América Latina, sua estrutura de pensamento se concentra na dimensão da polêmica. Nesse caso, o autor trata da um sul epistemológico, como salienta Santos (2019), nesse sentido, da negação do mesmo.

No entanto, antes de adentrar no que vem a ser o Sul e o Norte epistemologicamente, Dussel (2015) afirma que a ilustração construída se constitui de três categorias que não visibilizaram a 'exterioridade' europeia: o primeiro é o orientalismo, descrito por Edward Said; o ocidentalismo eurocêntrico, construído, entre outros, por Hegel e a existência de um "Sul da Europa". Sendo este "Sul", no passado, centro da história ao entorno do Mediterrâneo (Grécia, Roma, os impérios de Espanha e Portugal) que nesse momento já se concentrava como o resto cultural, uma periferia cultural, pois para a Europa do século XVIII, no seu desenvolvimento da Revolução Industrial, todo o restante do mundo Mediterrâneo era considerado um 'mundo antigo' (Dussel, 2015).

Para reflexão desses aspectos de construção de Sul e Norte epistêmicos, o autor parte do questionamento: René Descartes foi o primeiro filósofo moderno? É a partir dessa indagação que Dussel (2015) tangencia suas reflexões ao afirmar que a modernidade surge, inicialmente, segundo a interpretação corrente de estar situada num "lugar" e num "tempo", o que o autor tenta refutar, ao pensar que o deslocamento geográfico de lugar e de tempo significa do mesmo modo o deslocamento em sentido filosófico, temático e pragmático.

A Europa, então, se configura como centro da história mundial, ou, nas palavras de Santos (2019), como Império Cognitivo, em decorrência da Revolução Industrial. Todavia, em virtude da miragem, como descrito em parágrafos anteriores, aparece aos próprios olhos ofuscados do eurocentrismo como se a Europa tivesse sido o centro da história mundial (Dussel, 2015).

Pautado nas Lições da Filosofia da História de Hegel (1970, vol. 12) que Dussel (2015) condiciona sua argumentação em relação à divisão de mundo, religião e das belezas artísticas (da arte). Para Dussel (2015), pautado em Hegel (1970, vol. 12), a história se divide em quatro momentos: 1) o mundo oriental; 2) o mundo grego; 3) o mundo romano e 4) o mundo germano. Ao esquematizar a histórica fica evidente o quadro representativo da construção ideológica completamente eurocêntrica, produzindo, dessa forma, a negação do Sul da Europa, pois é com o povo germano-cêntrico do Norte da Europa que as dinâmicas de pensamento e as relações socioculturais são produzidas.

Já na perspectiva das Lições de Filosofia da Religião, Hegel (1970), de acordo com Dussel (2015), condiciona a divisão da história em três momentos: 1) a religião natural, compreendendo religiões primitivas, chinesa, veda, budista dos persas e sírios; 2) as religiões da individualidade espiritual, ou seja, judia, grega, romana e 3) a religião absoluta, o cristianismo. O oriente sempre é infantilizado, ou seja, "dá os primeiros passos". Ou como informa Gonzalez (1984, p. 225): "(infans, é aquele que não tem fala própria, é a criança que se fala na terceira pessoa, porque falada pelos adultos)". O mundo germânico, a Europa do Norte, é o final da história (Dussel, 2015, p. 14).

Para a dimensão das artes, a história é considerada como o ideal das formas da beleza artística em três momentos: 1) ““as formas de arte simbólica” (zoroastrusmo, brahamânico, egípcio, hindu, maometano e a mística cristã); 2) "a forma de arte clássica" (os gregos romanos) e 3) "a forma de arte românica". Este último divide-se em três: a) o do cristianismo primitivo; b) o do "cavalheiresco" na Idade Média, e c) o da "autonomia formal das particularidades individuais" (que, como nos casos anteriores, é a Modernidade).” (Dussel, 2015, p. 15).

Essas divisões da história apresentam demarcadores não apenas sociais, mas intelectuais, artísticos e religiosos. No momento em que a Europa se coloca como universal, a que produz o conhecimento científico, o locus onde se representa a mais bela estética artística, reproduz, consequentemente, o inverso que é o outro, nesse aspecto como categoria analítica, como adverte Kilomba (2009). Este outro, ou este sul epistemológico (Santos, 2019) é retratado como a periferia cultural, o que precisa ser reorganizado em suas dinâmicas de produção e estruturação das formas de conhecimento, arte e religião.

Tentando não se ater muito aos fatos históricos que permitem longas discussões, Dussel (2015) localiza Descartes não como o primeiro filósofo da modernidade, tendo em vista que este é influenciado por autores de outras localidades, sobretudo dos jesuítas, centrando-se em sua subjetividade particular com estudos extremamente metódicos, na qual separava corpo e espírito. Descarte, além de se pautar num estudo metódico, também era influenciado pelo autor mexicano Antonio Rúbio (1548-1615) (Dussel, 2015). Com este autor, Descartes estudou a Lógica e a Dialética, ou seja, a parte dura da filosofia.

Ao traçar, mesmo que de modo breve, alguns marcos contextuais de como Descartes chegou a ser considerado o filósofo da modernidade, pôde-se, ao decorrer desta estrutura narrativa escrita, tangenciar as primeiras marcas identitárias constituintes do pensamento de Descartes que nega a subjetividade solipsista em contraponto à metafísica da distinção entre corpo e alma, assim como também é fortemente calcado pelo pensamento agostiniano. Há, então, por um lado, o paradigma da consciência solipsista e, por outro, a metafísica moderna, um ego individual da modernidade.

Essa dicotomia entre corpo e mente, ou seja, essa separação da subjetividade da construção do conhecimento científico, em relação a sua objetividade, permitiu, ao longo de anos, a construção e consolidação do que Morin (2000, 2005) denomina de pensamento simplificante, ou mutilante, o que permitiu ao autor desenvolver a Teoria da Complexidade, esta respaldada pela Teoria da Informação, Teoria dos Sistemas e a Cibernética. Morin é fortemente influenciado pelas concepções de Marx, sobretudo na acepção do homem genérico, em que Morin (2000) encontra a base do que considera paradigma da complexidade, na qual o homem ao mesmo tempo em que é sapiens sapiens é também descomedido.

A construção do conhecimento do sujeito se estrutura como cem por cento racional e, também, cem por cento cultural na perspectiva de Morin (2005). É nessa vertente que o autor delimita suas reflexões ao pensar que o conhecimento não se molda apenas na dimensão do racional, mas também do subjetivo, influenciado por diversas complexidades sociais, culturais, econômicas e políticas na qual este sujeito e este conhecimento se desenvolvem.

Em seu texto intitulado 'Problemas de uma epistemologia complexa', Morin (2000) afirma que a problemática da complexidade não foi percebida pela epistemologia, aqui o autor se refere à epistemologia tradicional, assim como informa Dutra (2010) e Japiassu (1932) em seus livros, assim como não foi percebida pelo que, dentro dos estudos de epistemologia, é denominado de filosofia das ciências, em que nenhuma das duas se ateve a essas questões. O autor é enfático ao ressaltar que os autores anglo-saxônicos tratavam de diversos aspectos da ciência como, por exemplo, do seu desenvolvimento, de suas certezas e da demarcação entre ciência e não ciência, mas esqueceu do problema da complexidade.

É nesse contexto que, de acordo com Morin (2000, p. 14), "damo-nos conta de que o pensamento mutilante, isto é, o pensamento que se engana, não porque não tem informação suficiente, mas porque não é capaz de ordenar as informações e os saberes, é um pensamento que conduz a ações mutilantes.". Nesse sentido, conforme o autor, o conhecimento e, consequentemente, o conhecimento científico, por separar corpo e mente se consolida na dimensão do pensamento simplificante ao acreditar na objetividade e nos dados objetivos para a consolidação de sua estrutura epistemológica. 

Nessa acepção, o conhecimento científico acreditava estar assentado sob dois fundamentos seguros: a objetividade dos enunciados científicos, objetividade verificada pela empiria, e a coerência lógica das teorias que se desenvolviam nestes dados objetivos (Morin, 2000). Ainda de acordo com Morin (2000, p.14), "[...] a epistemologia anglo-saxónica dos anos 50-60 descobriu (redescobriu) que nenhuma teoria científica pode pretender-se absolutamente certa.".

A essa égide que a ciência se estrutura, da objetividade científica, o autor salienta que a objetividade dos dados vem da observação e que esta precisa ser reconhecida e, para tal reconhecimento, precisa ser estabelecida concordância em seus resultados por observadores ou experimentadores diferentes que possivelmente possam a vir ter concepções opostas. Além disso, é preciso de instrumentos, técnicas de observação que revelem o estado de uma cultura, de uma sociedade, como também faz uso da comunicação intersubjetiva entre os observadores e experimentadores. Em síntese, quem legitima o conhecimento científico é a comunidade científica através do consenso sobre as regras do jogo, fazendo com que seja aceito ou não este ou aquele tipo de verificação e observação (Morin, 2000).

Isso significa que a comunidade científica legitima os processos de conhecimento científico, mas também precisa da sociedade, assim como da contraposição em sentido de rivalidades e conflitos entre teorias e conceitos para a sua consolidação. Cabe salientar que o que está sendo delimitado não se considera deslegitimar a ciência, mas de identificar que a mesma é condicionada por fatores sociais que, através das dinâmicas estruturais da cultura, moldam e tencionam jogos de poder e disputas de narrativas constantemente. Assim, a ciência se desmembra das relações subjetivas, quando na verdade ela é muito mais condicionada pelas relações sub e intersubjetivas nas suas produções de dados.

O que se demonstra é que as dicotomias entre corpo e intelecto foram desdobradas em pensamentos mutilantes, coloniais, patriarcais e capitalistas, como afirmado por Santos (2019). Para o autor, as relações dicotômicas do conhecimento permitiram a rigidez no campo científico, contribuindo para a manutenção de relações hierárquicas de opressão de várias ordens. Conforme assinala Gosfoguel (2016), essas estruturas de conhecimento, originárias principalmente do projeto político-intelectual de colonização da Europa, condicionaram a ciência à construção de conhecimento pautado no patriarcalismo, no colonialismo e nas relações hierárquicas de gênero, gerando o racismo/sexismo epistêmico, o que, para Morin (2000; 2005), é considerado como pensamento simplificante e mutilante.

Ao perceber a multiplicidade de perspectivas no conhecimento científico, Morin (2000, 2005) desenvolve o paradigma da complexidade, resultando na Teoria da Complexidade. Para o autor, a palavra "complexidade" muitas vezes é erroneamente vista como sinônimo de "complicação", o que não deve ser entendido de forma simplista. Nas suas próprias palavras: "[...] a complexidade não se reduz à complicação. É algo mais profundo, que emergiu várias vezes na história da filosofia. É o desafio da dificuldade de pensar, pois o pensamento é um embate com e contra a lógica, com e contra as palavras, com e contra o conceito" (Morin, 2000, p. 14).

De acordo com Morin (2004), a complexidade não se trata de algo maior ou menor do que suas partes constituintes, mas sim de uma dinâmica de pensamento diferente, não mais hierárquica, mas sim uma teia na qual todas as partes se entrelaçam para formar o todo. Assim, o todo está presente nas partes e vice-versa, assumindo uma característica não holística, mas de relações em um mesmo nível de ações e práticas.

Como exemplificação da complexidade, podem-se citar duas: 1) o holograma em sua condição tem a parte no todo e o todo igualmente na parte, em que cada ponto contém a totalidade; 2) pense num caroço de maçã, agora reflita: quantas maçãs existem dentro daquele caroço? Ao tangenciar o conhecimento nessa acepção, percebe-se que há o desdobramento da complexidade ao entender que depois de plantada ela se desenvolverá numa árvore e assim dará frutos e etc. A complexidade é essa parte que, a partir dela, forma o todo e o no todo contém a parte.

Numa dimensão mais pragmática pense agora nas disciplinas que moldam o nosso conhecimento: matemática, português, entre outras. Perceba o quanto elas são ensinadas separadamente, uma dissociada da outra sem nenhum ponto de conexão. Para o pensamento complexo, ou paradigma da complexidade, as disciplinas dialogam entre si, ou deveriam, assim como dialoga com as epistemologias do Sul (Santos, 2019), ou seja, as epistemologias de mulheres negras, da população indígena, etc., na composição do conhecimento mais amplo, menos simplificante. Isso não significa ser holístico, pode-se especificar num dado tipo de conhecimento, mas é preciso não perder a noção do todo complexo que o compõe.

Nessas condições, faz-se necessário dialogar como a Teoria da Complexidade e o paradigma da complexidade podem proporcionar epistemologicamente para a Ciência da Informação, condições necessárias para ressignificar as práticas de conhecimento científico advindos da modernidade em tempos contemporâneos, desdobrando-se em seu objeto de estudo, a informação.

Nos diálogos ocorridos durante a disciplina de Estudos Especiais, foi compreendido que uma das marcas identitárias da CI fazia uso dos estudos matemáticos como forma de analisar o fluxo informacional de transmissão da informação, dessa forma, o campo foi sendo legitimado na perspectiva que consideramos aplicada, por intermédio de práticas matemáticas. No entanto, como o seu objeto de estudo é fluido, estruturante e estruturado a todo o momento de acordo com o contexto na qual se encontra, ou seja, a informação tenciona na área a todo o momento ressignificações no campo epistêmico da CI na perspectiva de proporcionar teórica e metodologicamente condições de análise, identificamos que área se molda de forma complexa.

Nessas condições, segundo González de Gómez (2001, p. 5) a "[...] informação designa um componente principal da construção epistêmica das sociedades contemporâneas, sua definição autorizada é disputada em múltiplas arenas metadiscursivas.". Por essa caraterística, consideramos que a informação no campo da CI se relaciona com a dimensão da complexidade, através de seus desdobramentos metadicursivos.

Esses metadiscursos podem ser considerados como produtores do que a autora denomina de meta-conhecimento, expressão na qual novos projetos de interação são desenvolvidos sobre outras formas sociais de conhecimento, comunicação e informação.

De acordo com a reflexão de González de Gómez (2001, p. 13):

A ciência da informação tem utilizado, desde sua origem, algumas dessas estratégias objetivantes e objetivadoras do conhecimento, apresentando-se ora como ciência empírico-analítica, ora como meta-ciência, ainda que nos últimos anos tenha explorado, achamos que com maiores perspectivas, um pluralismo metodológico próprio das ciências sociais e de um campo interdisciplinar.

Conforme demonstra a citação, a CI tem transitado, desde os seus primórdios, entre as estratégias de objetificação do seu objeto de estudo, a partir da perspectiva de ciência empírico-analítica, como também meta-ciência. No entanto, a autora informa que há maiores perspectivas contemporaneamente de relações pluralistas em termos metodológicos próprios das ciências sociais e de um campo interdisciplinar na área, o que demonstra um indício de um campo de conhecimento dialogando com as vertentes complexas, em sentido de Morin (2000; 2005).

De acordo com essas afirmações, a informação foi pensada na ordem do previsível, do quantificável, do domínio da aplicação matemática para sua análise num dado fluxo informacional. Entretanto, as condições sócio-política e cultural vem exigindo do campo uma reformulação em termos epistemológicos que proporcionem à informação novas concepções diante de suas significações teóricas, conceituais e metodológicas. É por intermédio do pensamento complexo que a Ciência da Informação poderá reelaborar suas dinâmicas estruturais em sentido epistêmico que possibilita dar embasamento à complexidade da informação.

De acordo com González de Gómez (2001, p. 15):

Se as opções fenomenológicas se caracterizam como transcendentalistas, elas sugerem uma indagação que se encaminha à superação do dualismo objetivo-subjetivo, forma-conteúdo, indagação que dará lugar às formações do conhecimento que tem na ciência da informação um de seus desdobramentos e, na filosofia e na epistemologia, os primeiros questionamentos.

Ainda conforme a autora, as possibilidades e formas de conhecer não podem preceder à história, às formações sociais e aos seus atores gnosiológicos; "[...] a racionalidade acontece sempre como processos multiformes de racionalização".

A partir dessas reflexões, por outro modo, a CI precisa pensar sobre qual é a definição desse sujeito social que dialoga com a informação e os seus desdobramentos complexos? Além desse fato de se pensar o sujeito, é de primordial importância a CI refletir sobre as suas construções epistêmicas a fim de identificá-las como procedimento construído numa dada dinâmica social, na qual molda a sua concepção de conhecimento e o seu objeto de estudo, só assim a área compreenderá as múltiplas possibilidades que a teoria da complexidade, o paradigma complexo, enfim, a Teoria da Complexidade podem acrescentar em possíveis resoluções características da CI.

O que se pode sintetizar até o presente momento é que as bases fundacionais do pensamento, ou do modo epistemológico da CI são condicionadas pelas dinâmicas sociais que, nesse sentido, se modificam a todo o momento conforme as exigências de uma dada realidade. Nesse sentido, consideramos que a área, mesmo que de modo não explícito, relaciona-se constantemente com a complexidade sem, em muitos casos, dar conta da sua complexidade. Ou, em termos análogos, é preciso compreender o quanto as raízes de sua criação possibilitam a construção e estruturação desse todo que é a CI, ou como afirma Deleuze e Guatarri (2000) é preciso utilizar-se do pensamento rizomático.

 

3  “CUMÉ QUE A GENTE FICA?” DESCENTRALIZANDO O CONHECIMENTO

Inicialmente é preciso ressaltar que o título que encabeça essa seção faz referência ao texto de Lélia Gonzales “Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira” em que a autora tece reflexões sobre como as dimensões do racismo e do sexismo permeiam as dinâmicas do conhecimento humano. A partir dessa perspectiva, a autora afirma que o lugar em cada sujeito se localiza socialmente influencia na sua interpretação sobre o duplo fenômeno do racismo e sexismo (Gonzales, 1984). 

É a partir, também, desse recorte de gênero, raça e classe, que as teorias coloniais e, aqui, assumindo a característica da decolonialidade, identificam as relações de opressão existentes, a partir do foco analítico da colonialidade na ciência. 

É importante advertir que, no campo das reflexões em que tem a colonialidade como cerne de análises há outras denominações de pensamento e de teorias, as quais não são o enfoque deste trabalho, no entanto, salienta-se que mesmo não sendo na perspectiva da decolonialidade as outras teorias e correntes de pensamento se entrecruzam com a decolonialidade que, ora se convergem ora se distinguem, mas seguem com a mesma categoria analítica da colonialidade como o centro de análise.

Conforme essa perspectiva, e retomando a discussão proposta no artigo de Gonzales (1984), é importante destacar que a autora no decorrer de sua pesquisa enfoca as mulheres negras em relação de como elas se encontram diante das relações opressoras da colonialidade no que tange aos seus diversos aspectos culturais, sociais, mas, sobretudo, epistemológico.

Nesse contexto, a autora informa que as mulheres negras têm sido inseridas na categoria da Outridade, como afirma Kilomba (2019), ao ressaltar que as produções de mulheres negras são sempre tratadas como a outra da outra (Ribeiro, 2017). No momento em que as feministas negras assumem essa categoria da outra nos contextos epistemológicos no que se referem à construção da ciência, elas identificam que os construtos epistêmicos dessas mulheres não são aceitos como científicas por serem, como ressalta Kilomba (2019), acientíficas pelo fato da ciência considerar a separação do objeto e sujeito, sobretudo concepção advinda dos desdobramentos da modernidade.

Para os estudos decoloniais, como afirma Santos (2019, p. 265):

Desmonumentalizar os conhecimentos monumentais é uma condição prévia para a abertura de espaços argumentativos nos quais outros saberes possam mostrar o seu possível contributo para uma compreensão do mundo mais diversa e mais profunda e para uma transformação social mais progressista mais eficaz e mais amplamente partilhada.

Conforme o pensamento de Santos (2019) é preciso que o pesquisador ultrapasse, o que ele denomina de linha abissal, para o autor, é preciso ser pós-abissal, em que é preciso ‘conhecer-com’ e não ‘conhecer-sobre’. Nessa acepção, é um trabalho de autor-reflexividade e um esforço de autotransformação quase desumano para promover a humanidade.

Nessa linha de pensamento, o autor informa que as construções de conhecimento precisam ser alteradas tendo em vista serem calcadas na tríade do colonialismo, patriarcado e capitalismo e, para que ocorra essa transformação é preciso que, agora, os autores e os modos de pensamentos sejam reelaborados pelo viés da pedagogia pós-abissal, em que permite a interculturalidade entre os diversos modos de conhecimento.

Nas palavras do autor: “Conhecer-com exige, nessas circunstâncias, que as diferenças sejam transformadas em oportunidades de inteligibilidade intercultural.”. Ou, como afirma Davis (2016) em Mulheres, raça e classe, precisa-se pensar as nossas diferenças como fagulhas criativas que possibilitem interligar lutas e assumir o desafio de conceber ações que possibilitem destravar valores democráticos de valores capitalistas.

Indo mais adiante, Santos (2019, p. 252) ressalta que o ‘conhecer-com’ não se trata de eliminar as diferenças visuais, mas de criar alguma inteligibilidade recíproca que permitam a ecologia de saberes visuais, possibilitando alianças e articulações “[...] capazes de fortalecer as lutas contra a dominação.”.

Conforme essa explanação é interessante compreender quando Kilomba (2019), respaldada em Spivak (1995), indaga sobre a questão “Pode a subalterna falar?”, à qual em seguida informa que não, não é possível para a subalterna falar ou recuperar a voz já que “[...] sua voz não seria escutada ou compreendida pelos que estão no poder. Nesse sentido, a subalterna não pode, de fato, falar.” (Kilomba, 2019, p. 47).

Novamente nesse contexto até o que se tem apresentado, é interessante perceber o quanto o conhecimento científico é construído e perpassado pelas dimensões de raça, gênero e classe em que, na maioria das vezes, pela academia, não é perceptível em suas práticas discursivas orais e escritas. Ao retomar a artista interdisciplinar Kilomba (2019, p. 50, grifo da autora) tangencia a sua estrutura de pensamento na perspectiva de afirmar que “[...] o centro acadêmico, não é um local neutro. Ele é um espaço branco, onde o privilégio de fala tem sido negado para as pessoas negras.”. Ainda conforme essa afirmação, a autora adverte que o espaço acadêmico tem proporcionado formalmente a construção da Outra/o inferior, colocando as africanas/os em subordinação absoluta ao sujeito branco.

É preciso salientar que, quando se trata de pesquisas no campo das feministas negras essas, por sua vez, tangenciam seus olhares da colonialidade pela perspectiva de gênero, raça e classe, nesse sentido, é por esse motivo que Kilomba (2019) e Ribeiro (2017) tencionam falas em relação aos construtos epistemológicos invisibilizados de mulheres negras nas dinâmicas das academias, pois, como ressalta Ribeiro (2017) quando lhe é negada a capacidade de sujeito lhe é negada a capacidade de fala, de humanidade e, consequentemente, segundo Kilomba (2019), lhe é negada todas as dimensões sociais, culturais e políticas de fala.

Já nas dimensões geográficas e de acordo com o pensamento de Grosfoguel (2016, p.25), “A inferiorização dos conhecimentos produzidos por homens e mulheres de todo o planeta (incluindo as mulheres ocidentais) tem dotado os homens ocidentais do privilégio epistêmico de definir o que é verdade, o que é a realidade e o que é melhor para os demais.”. Na qual corrobora com o pensamento de Kilomba (2019) ao advertir que é a epistemologia que “[...] determina que questões merecem ser colocadas (temas), como analisar e explicar um fenômeno (paradigmas) e como conduzir pesquisas para produzir conhecimentos (métodos) (...)” e, nesse sentido, define não apenas o que é o conhecimento verdadeiro, mas também determina em quem acreditar e em quem confiar.

É corroborado entre as autoras/es até então citadas/os que as que as instituições produzem o racismo/sexismo epistêmico, assim como desqualifica outros conhecimentos e outras vozes críticas diante dos projetos imperiais/coloniais/patriarcais que regem o sistema-mundo (Grosfoguel, 2016; Kilomba, 2019).

De acordo com Dussel (2015, p. 16) "Aceitar o que o Outro diz como verdadeiro significa um ato prático, um ato de fé no Outro que pretende dizer algo verdadeiro, e isso,” Dussel (2016) respaldado em Las Casas (1942), porque o entendimento é o princípio do ato humano em que se localiza a raiz da verdade.

Diante dessa conjectura, pode-se advertir, então, que uma vez que há uma lógica genocida da conquista, ou desse ego conquiro, nas palavras de Dussel (2015), nas relações de forças epistemológicas, compreende-se o que Santos (2010) denominou de 'epistemicídio', ou seja, a destruição de conhecimentos que, consequentemente, está ligada à destruição de seres humanos. 

Nesse jogo de forças, salienta Santos (2019) que há um Sul epistemológico dentro de cada espaço geográfico, ou seja, as tensões entre o Norte e o Sul epistemológicos não se concentram apenas nas composições geográficas da Europa e do Norte global, assim, há relações de Sul e Norte epistêmicos em cada região do globo o que, em consequência, produz o epistemicídio de conhecimentos historicamente subalternizados.

Na perspectiva da decolonialidade há relações de forças que permeiam diversas categorias dentre as quais são enfocadas por Santos (2019), Grosfoguel (2016) e Dussel (2015), em que são atravessadas pelos espaços geográficos de poder entre Norte e Sul. Nos estudos decoloniais, a perspectiva analítica tem direcionado seus trabalhos em espaços da América do Sul e em países Caribenhos, ao entender que há relações de opressões entre eles e o pensamento que se coloca como universal, ou seja, a Europa e o Norte global.

Esta estrutura narrativa escrita tem apresentado que as autoras e autores até então, tem discutido a desconstrução do mito "ego" que produz conhecimento "imparcial", dando a ideia de conhecimento como produto de uma abstração da subjetividade humana em relação aos critérios utilizados para validação de conhecimentos, sobretudo produzidas nas universidades ocidentalizadas. O que se tem apresentado é que as autoras e autores não corroboram com o projeto político europeu da divisão de sujeito-objeto, objetividade, entendida como neutralidade, desse lugar da imparcialidade nas produções de conhecimento na ciência.

E que este cerne do lugar da “neutralidade” ao invés de produzir conhecimento menos colonial e mais inclusivo, reafirma as relações opressoras de colonialidade, patriarcalismo, capitalismo e racismo/sexismo epistêmico. Esse lugar do universalismo idolátrico do tradicional pensamento ocidental masculino e branco-cêntrico inaugurado, sobretudo por Descartes em 1637, têm sido constantemente no imaginário da ciência se configurado como o locus de estruturação de opressão colonial que provoca uma “limpeza” étnica e o epistemicídio cultural.

É importante destacar que a presente seção não pretendeu esgotar o tema, tendo em vista que diversas discussões ainda foram deixadas de fora por motivos de extensão deste trabalho e de seu foco de análise, mesmo que de modo não objetivo, foi destacado como a decolonialidade tem estruturado as suas concepções diante das configurações que, historicamente, vem sendo produzidas e reproduzidas pelo Sul pautadas no pensamento Europeu que, em síntese, concentra-se num conhecimento produzido por homens brancos heteronormativos e, em alguns casos patrimonializados.

Cabe destacar que a decolonialidade concentra seus estudos epistemológicos em relação aos aspectos geopolíticos nas quais há a subalternização que não é apenas epistêmica, mas também em relação às falas, aos corpos, a cultura desses/as outros/as que são sempre falados/as por esse outro/a universal. Além disso, a decolonialidade também faz uso de outros modos metodológicos, como adverte Santos (2019), em suas produções de conhecimento, tendo em vista que o mesmo provém da ordem da coletividade, por isso, fala-se em conhecimento produzido coletivamente, no entanto, este debate não foi o foco de discussão da presente pesquisa, mas que é importante ser destacado.

Em síntese, a decolonialidade, bem como as feministas negras têm produzido outras possibilidades de pensar o conhecimento e, sobretudo, o conhecimento científico tendo em vista a não separação de sujeito-objeto entendo que ambos se entrelaçam, bem como proporciona lugar de fala aos grupos étnicos e de pensamentos que vêm sendo historicamente subalternizados, silenciados e invisibilizados e, nas palavras de Gonzales (1984, p. 225) "[...] o lixo vai falar, e numa boa.".

 

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A metodologia empregada nesta pesquisa foi delineada sob uma abordagem distinta da tradicional na academia, abordando os procedimentos adotados não de acordo com os tipos de métodos e procedimentos convencionalmente estabelecidos, mas sim detalhando a aplicação de cada instrumento de análise.

Quanto às fontes utilizadas, este estudo adota uma abordagem bibliográfica, com fontes pré-selecionadas a partir da disciplina de Estudos Dirigidos e escolhidas com base em critérios destinados a sua utilização futura em outras obras, bem como no desenvolvimento da tese correlata a esta temática. Além disso, foram incluídos teóricos selecionados para a composição da disciplina e para enriquecer os debates em torno das temáticas da complexidade, bem como representantes da vertente decolonial, reconhecendo a importância de narrativas historicamente marginalizadas.

No que diz respeito ao procedimento bibliográfico, foram examinadas as dimensões de gênero e etnia nas produções científicas, particularmente na área da Ciência da Informação, com base em estudos previamente discutidos e selecionados durante a disciplina. Nesse contexto, foram consideradas de forma constante as contribuições do pensamento de feministas negras, embora não pertençam especificamente ao campo da Ciência da Informação, devido à sua relevância na análise do colonialismo, patriarcado e capitalismo, e suas interações com o racismo/sexismo epistêmico.

A abordagem exploratória deste estudo, embasada nas concepções da Teoria da Complexidade e em consonância com a decolonialidade, busca explorar questões epistemológicas nas bases fundamentais da Ciência da Informação, visando identificar outras perspectivas que dialoguem com as dinâmicas contemporâneas de pensamento e informação.

O emprego da complexidade e da decolonialidade como conceitos e categorias analíticas foi fundamental para examinar a realidade na qual a Ciência da Informação está inserida, permitindo a identificação de outras formas epistemológicas nas quais o pensamento complexo, aliado à decolonialidade, desvenda e desafia as estruturas vigentes.

A análise exploratória deste estudo abrange amplamente as teorias tanto da complexidade quanto da decolonialidade, evidenciando sua presença nas práticas discursivas desde os estágios iniciais da Ciência da Informação. Identifica-se que a área está intrinsecamente ligada a uma realidade na qual aspectos sociais, políticos e econômicos moldam suas teorias, paradigmas e conceitos, configurando o que se pode entender como a epistemologia da Ciência da Informação. Nesse contexto, a pesquisa exploratória permitiu uma aproximação cuidadosa sem, no entanto, definir uma posição conclusiva sobre os diálogos entre ambas as teorias.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo analisou como o pensamento complexo pode contribuir para ponderar novas possibilidades epistemológicas, nas quais o todo não suplanta as partes, assim como as partes não suplantam o todo, mas coexistem em uma espécie de teia na qual todos juntos cumprem uma função para se alcançar o todo, em que este todo não é maior que as partes e vice-versa.

Além de dialogar sobre a complexidade no campo da Ciência da Informação e verificar possibilidades de diálogos e contribuições, o artigo também se utilizou de perspectivas decoloniais. Essas perspectivas ponderam sobre o quanto a ciência está calcada em um pensamento eurocêntrico, que se desdobra em ser colonial, patriarcal e capitalista, proporcionando o desenvolvimento do racismo e do sexismo epistêmico, no qual outras possibilidades de narrativas são ocultadas frente ao que se apresenta como o pensamento universal europeu.

Traçar, mesmo que de modo exploratório, as concepções da complexidade e da decolonialidade atreladas à Ciência da Informação possibilitou verificar outras epistemologias que contribuem para pensar o objeto científico do campo, ou seja, a informação, e analisá-lo sob a perspectiva de relações opressoras de pensamento.

A Teoria da Complexidade, assim como as vertentes de análise da decolonialidade, permitiram identificar o quanto a Ciência da Informação estabelece jogos de força no campo científico e como esta é cooptada por um conjunto discursivo do que se estabelece como ciência e método científico. Além disso, foi identificado que a Ciência da Informação tem, timidamente, atentado aos aspectos da colonialidade em práticas científicas.

Por fim, salienta-se que o referido estudo não esgota a temática em pauta e que é preciso, constantemente, rever os modos epistemológicos em que a Ciência da Informação vem se estruturando, a fim de não reproduzir mais as características coloniais arraigadas desde a origem do pensamento moderno europeu.

 

 

REFERÊNCIAS

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SANTOS, Boaventura de Sousa. O fim do império cognitivo: a afirmação das epistemologias do Sul. Autêntica, 2019.



[1] Doutorando em Ciência da Informação (UFPB). Mestre em Ciência da Informação (UFPE), autor do livro Banzo: a saudade que mata, pela editora Frutificando, Rio de Janeiro.

[2] Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba (PPGCI/UFPB) e da Universidade Federal de Alagoas (PPGCI/UFAL). Professor do curso de Biblioteconomia e de Pós-Graduação em Ciência da Informação Universidade Federal de Alagoas. Doutor em Ciências da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais.