TERÊNCIO, TERTULIANO E AGOSTINHO

 um olhar para a África romana

 

Francisco Antonio de Vasconcelos[1]

Universidade Estadual do Piauí

franciscoantonio_vasconcelos@yahoo.com.br

Luiz Ayrton Silva Furtado[2]

Universidade Estadual do Piauí

layrtonfuntado@aluno.uespi.br

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Resumo

Com este trabalho, pretendemos trazer contribuições para ampliar o conhecimento sobre a participação do continente africano na construção do pensamento ocidental. Assim, consideramos o evento histórico da relação entre Roma e a denominada África do Norte, focando em três escritores africanos da referida região: Terêncio, Tertuliano e Agostinho. Os dois primeiros eram cartagineses, o último nasceu em Tagaste. Para uma melhor compreensão desses autores, e da importância do pensamento e obra de cada um deles, consideramos o fato de que cada um viveu em um contexto histórico próprio: Terêncio (século II a.C.) numa Cartago que se negava a ser subjugada pela República Romana; Tertuliano (século II-século III d.C.) conheceu uma Cartago anexada ao Império Romano; Agostinho de Hipona (354-430 d.C.) experimentou a dissolução do referido Império. Estes três intelectuais africanos, cada um a seu modo, deixaram suas fortes marcas no pensamento que nos ensinaram a chamar de ocidental.

Palavras-chave: pensamento africano; Terêncio; Tertuliano; Agostinho; África Romana

TERENCE, TERTULLIAN AND AUGUSTINE

a look at roman Africa

Abstract

Abstract: With this work, we intend to contribute to expanding knowledge about the participation of the African continent in the construction of Western thought. Thus, we consider the historical event of the relationship between Rome and the so-called North Africa, focusing on three African writers from that region: Terence, Tertullian and Augustine. The first two were Carthaginians, the last was born in Tagaste. In order to better understand these authors, and the importance of the thought and work of each of them, we consider the fact that each one lived in a specific historical context: Terence (2nd century BC) in a Carthage that refused to be subjugated by the Roman Republic; Tertullian (2nd century-3rd century AD) knew a Carthage annexed to the Roman Empire; Augustine of Hippo (354-430 AD) experienced the dissolution of that Empire. These three African intellectuals, each in their own way, left their strong marks on the thought that we have been taught to call Western.

Keywords: African thought; Terence; Tertullian; Augustine; Roman Africa.

 

 

 

 

 

TERENCIO, TERTULIANO Y AGUSTÍN

una mirada al África romana

Resumen

Con este trabajo pretendemos aportar contribuciones para ampliar el conocimiento sobre la participación del continente africano en la construcción del pensamiento occidental. Así, consideramos el acontecimiento histórico de las relaciones entre Roma y el llamado Norte de África, centrándonos en tres escritores africanos de la citada región: Terencio, Tertuliano y Agustín. Los dos primeros eran cartagineses, el último nació en Tagaste. Para una mejor comprensión de estos autores, y la importancia del pensamiento y obra de cada uno de ellos, consideramos el hecho de que cada uno vivió en su propio contexto histórico: Terencio (siglo II a.C.) en una Cartago que se negaba a ser subyugada por la República Romana; Tertuliano (siglos II-III d.C.) conoció una Cartago anexionada al Imperio romano; Agustín de Hipona (354-430 d.C.) vivió la disolución del citado Imperio. Estos tres intelectuales africanos, cada uno a su manera, dejaron sus fuertes huellas en el pensamiento que nos enseñaron a llamar occidental.

Palabras clave: pensamiento africano; Terencia; Tertuliano; Agustín; África romana.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 Considerações iniciais

A nossa intenção aqui é, sobretudo, conhecer melhor o pensamento africano ligado ao encontro histórico e secular entre parte do Norte da África e Roma. Assim, olhamos para os três escritores africanos analisados em nosso artigo, bem como para os seus respectivos mundos (três momentos da relação de Roma com a África do Norte) com o interesse tanto em ampliar a compreensão que atualmente se tem dos processos de elaboração do conhecimento produzido por intelectuais africanos quanto em divulgar esse conhecimento.

Terêncio (195 a 185-159 a.C.), nascido no século II antes de Cristo, na cidade de Cartago (ainda não subjugada à Roma), foi um dos principais nomes da literatura latina, desempenhando um papel ativo no denominado Círculo de Cipião (grupo composto majoritariamente por aristocratas romanos e intelectuais gregos, patrocinado por Cipião Emiliano).

Tertuliano (155 a 160-230 ou 240 d.C.), também nasceu em Cartago (na África Proconsular, uma das províncias romanas mais abertas ao Cristianismo), cidade há séculos dominada por Roma. Considerado o pai da teologia cristã do Ocidente, foi o primeiro grande autor da literatura cristã escrita em latim. Ele teve uma boa formação clássica, conhecendo bem ambas as línguas, o latim e o grego. Estudou em Roma, formou-se em retórica e se tornou advogado. Homem inteligente, de espírito forte, escreveu contra tudo e contra todos, por assim dizer. Proveniente de um ambiente familiar pagão, converteu-se ao Cristianismo em idade adulta. Convertido, Tertuliano se voltará contra a civilização romana na qual havia crescido. Finalmente, as principais fontes sobre a vida desse pensador são o De viris illustribus, de São Gerônimo, e o conjunto da obra escrita por Tertuliano (Canali, 2002, v. 3).

O nosso terceiro autor, Agostinho (354-430 d.C.), também era africano, de uma cidadezinha situada aproximadamente a 220km de Cartago, chamada Tagaste (na Numídia setentrional)[3]. Em sua vida, ele viu o Império Romano se desintegrando. De fato, no ano de 395 d.C., Agostinho assistira à divisão do império em dois (Ocidental e Oriental), e, menos de cinquenta anos depois de sua morte, o Império Romano Ocidental caiu diante das tropas do líder germânico Odoacro no ano de 476 d.C.

Por fim, sobre Cartago, considerando a sua história antes de ter sido conquistada pelos romanos, por enquanto, merece ser destacado ainda que:

Durante quase oito séculos, isto é, até 146 a.C. – data da sua conquista e destruição por Roma – Cartago desenvolveu tal influência, principalmente pelo seu comércio, que a língua púnica estendeu-se desde Cartago à Gades, e mesmo além de Tingis. A sua língua sobreviveu à sua existência, pois ainda era falada na época de Santo Agostinho em Hipona (Paula, 1974, p. 85).

Vejamos a partir de agora, de modo mais aprofundado, cada um desses três autores africanos mencionados, cujas histórias de vida se ligam à história de Cartago.

 

2        Terêncio e Tertuliano

2.1 Terêncio Afer

A principal fonte sobre a vida e a obra de Terêncio é o escritor romano Suetônio (Canali, 2002, v. 1). Publius Terentius Afer, o primeiro escritor latino procedente da África, tem o seu local de nascimento conhecido, mas não se sabe com exatidão precisar o ano. Foi levado para Roma como escravo do senador Terêncio Lucano, que passou ao nosso escritor o seu nome e, sem muita demora, também a liberdade, pois percebera a inteligência e os dotes artísticos do poeta, aliás bastante influenciado pela cultura grega. O seu interesse por ela, o levou a fazer uma viagem para a Grécia. Ao retornar, veio a falecer na famosa localidade grega denominada de Lago Estínfano (bem presente na mitologia grega) provavelmente no ano de 159 a.C. Não se sabe ao certo se o poeta morreu por conta do próprio naufrágio ou por causa de uma tristeza profunda, por haver perdido no acidente as suas novas poesias, reelaboradas a partir das comédias do poeta grego Menandro (Del Col, 2009).

Terêncio nos deixou seis comédias: Andria, Hecyra, Heautontimorumenos, Eunuchus, Phormio, Adelphoe, escritas entre 166 e 160 a.C. Todas elas fazem parte das chamadas fabulae palliatae (Comédias Paliatas), isto é, ambientadas na Grécia, com argumento e personagens gregos, buscando recriar a Comédia Nova Grega.

Em sua comédia Heautontimorumenos (O Punidor de si mesmo), apresentada no ano de 163 a.C., encontramos a famosa frase “Homo sum, nil humani a me alienum puto[4]. Trata-se de uma obra bastante inovadora em relação à ideia de humanitas[5], ponto alto em Terêncio, autor que tinha a intensão de levar o seu público a pensar, dando à sua obra a função de educadora do homem. “Acrescente-se que, como as de Menandro, as sentenças de Terêncio não apenas são recomendáveis por sua precisão e nitidez, mas também por sua concisão e elegância, por sua carga de experiência, por seu tino e por sua humanitas” (Del Col, 2009, p. 34).

Além disso, deve ser sublinhado que Terêncio mostra o alto nível de suas qualidades como escritor no tocante à análise psicológica que ele fez de suas personagens. Em suas comédias, Terêncio estava focado muito mais em representar os sentimentos e o caráter das personagens do que no entrelaçamento dos eventos e da própria ação (Canali, 2002, v. 1). De fato, nesse autor, encontramos uma novidade bastante significativa, isto é, uma maneira anticonvencional de lidar com os seus personagens, contribuindo para levá-lo a produzir uma comédia estática (e não motora), preocupada em educar e fazer pensar.

Em suas obras, utilizava o Prólogo para acusar, defender, prendendo a atenção do espectador/leitor. Nele, o autor se defendia, por exemplo: da acusação que alguns lhe faziam de não ser o verdadeiro autor dos escritos, mas apenas o emprestador do próprio nome para personalidades como Lélio menor e Cipião Emiliano (que seriam os verdadeiros autores das comédias); de plagiar Menandro; de usar excessivamente a técnica da contaminatio (enxertar elementos de uma peça grega em suas próprias); além disso o acusavam de não ter a capacidade de fazer rir (Calboli, 1993)[6].

Na verdade, Terêncio faz parte do período de maturidade da literatura latina. Nele, “já estamos diante de textos caracterizados por uma excepcional riqueza e perfeição artística” (Bettini et al., 1996, p. 3). Este seu refinado desenvolvimento técnico, somado ao conteúdo inovador de sua produção artística, ajuda a explicar a influência que esse cartaginês exerceu, ao longo do tempo, sobre os mais variados escritores. Júlio César, Quintiliano, Dante, Petrarca, Erasmo, Montaigne, Molier apreciavam a Terêncio. Vejamos alguns testemunhos: Lúcio Afrânio, o principal nome da comoedia togata (escrita em latim e ambientada no mundo romano) o considerava incomparável a qualquer outro autor; o filósofo e político Túlio Cícero, destacando o uso suave e agradável que Terêncio fazia do latim, dizia que este fora o único a ter sido capaz de converter para o latim um autor grego do porte de Menandro; do mesmo modo, Júlio César destacou o estilo pura de Terêncio (Bettini et al., 1996)[7].

 

 

2.2 Tertuliano de Cartago

O seu nome completo era Quintus Septimius Florens Tertullianus. Como indicamos anteriormente, não se tem certeza quanto à data exata nem de seu nascimento nem de sua morte. Os séculos que separam os dois ilustres escritores cartagineses produziram e trouxeram uma novidade para a região, isto é, uma nova religião, o Cristianismo. Aliás, deve ser destacado que o responsável pelo início da literatura cristã em latim foi Tertuliano mesmo.

Além disso, segundo já mencionamos acima, esse autor é considerado o pai da teologia cristã ocidental. Como cristão, Tertuliano começa a escrever para fazer a defesa do Cristianismo contra as calúnias dirigidas a eles pelos pagãos. Contudo, embora tenha se destacado na luta contra as heresias, ele mesmo aderiu ao montanismo. Note-se que “um ramo exacerbado do montanismo foi a ceita dos tertulianistas, fundada por Tertuliano e ainda ativa em Cartago no século V” (Canali, 2002, v. 3, p. 537).

Do conjunto da obra escrita por Tertuliano, foram conservados trinta e um textos, que podem ser divididos em três grupos: a) as obras apologéticas: com uma dupla função, defender o Cristianismo e apresentar uma primeira exposição da doutrina cristã, com destaque para Ad nationes (obra em dois volumes) e o Apologeticum (a principal obra de Tertuliano), ambas publicadas em 197 d. C.; b) as obras éticas e dogmáticas: trata-se de escritos direcionados aos cristãos. Dentre elas merecem destaque o De spectaculis (contra os jogos), o De oratione, o De baptismo e o De paenitentia (as três tratando dos respectivos dogmas e sacramentos), o De cultu feminarum (sobre o uso de vestimenta modestas), o De corona (sobre a incompatibilidade entre o Cristianismo e o serviço militar); c) obras anti-heréticas: por exemplo, o De praescriptione haereticorum (uma refutação geral às heresias), o Adversus Martionem (contra as teses defendidas por Marcião de Sinope) (Canali, 2002, v. 3).

Sobre o estilo de Tertuliano, é preciso reconhecer que esse pensador era um mestre da palavra, sabia utilizar o idioma com maestria e objetividade. Na verdade,

Ele levou à dignidade literária o particular universo expressivo dos cristãos, no formato em que se achava na linguagem viva da comunidade, isto é, recheado de helenismo, termos técnicos, readaptações semânticas de antigas palavras, novidades morfológicas e sintáticas correntes, comuns no latim vulgar. Ao mesmo tempo, escreveu com absoluta liberdade e com total domínio de todos os níveis e de todos os registros (Bettini et al., 1996, p. 973).

Trata-se de um escritor, sem dúvida alguma, bastante criativo no uso da língua latina. São atribuídas a ele centenas de novas formações de palavras entre verbos, substantivos, adjetivos, advérbios. De fato, a alquimia linguística elaborada por Tertuliano, traz como resultado um estilo “[...] bastante equilibrado, rico em jogos de palavras, efeitos e figuras, numa tensão constante entre o patético e o sublime” (Bettini, et al., 1996, p. 973)

Na apologética latina, além da defesa do cristianismo, tem-se também um ataque ao paganismo. Nesse sentido, o nosso apologista faz questão de mostrar a distância existente entre os pagãos e os cristãos: ele dirige sobejamente contra “[...] os pagãos as acusações de um estilo de vida imoral e de uma religiosidade absurda e cruel, para exaltar ao contrário a pureza e a bondade da conduta e da espiritualidade cristãs” (Bettini et al., 1996, p. 968-969).

Esse pensador colocou as bases sobre as quais se assentarão as discussões teológicas nas gerações seguintes. Discutiu temas como Trindade, Cristologia e Mal no mundo. Sem dúvidas, Tertuliano foi uma figura realmente significativa para o desenvolvimento de uma literatura cristã na África, desenvolvida durante os séculos iniciais do Cristianismo (Lagouanère; Fialon, 2015). O seu vigor, perceptível na forma e no conteúdo de sua produção, atraí os mais variados escritores, estabelecendo diálogos epistêmicos. Um desses intelectuais foi Agostinho de Hipona, por exemplo, sobre a temática do pecado original (Chaïebe, 2015), sobre o sono (Genovese, 2009), sobre a natureza e a graça (Rivière, 1922) ou a respeito da alma (Lagouanère, 2015).

Tertuliano afirma o triunfo da fé sobre a razão. Para ele, esta era representada principalmente pela filosofia grega, especialmente, pela corrente do gnosticismo. “Mas, ao mesmo tempo, o pensamento grego, partindo de Platão, [...] elaborava um novo caminho racional para conquistar o divino: o neoplatonismo” (Bettini et al., 1996, p. 941). Muito tempo vai passar e, no ano de 386, teremos a conversão de Agostinho ao Cristianismo. Para que ela ocorresse, dentre outras coisas, dois fatos foram importantes: Agostinho ter participado de um círculo de pensadores neoplatônicos e ter lido Plotino, o principal representante dessa corrente (Bettini et al., 1996).

 

3 Agostinho de Hipona, um africano

Com Terêncio, estivemos no início do processo que, passando por Tertuliano, nos levaria a Agostinho e seu mundo.  Terêncio é um cartaginês que vivencia a tomada de Cartago pelos romanos, morre à época de sua destruição por conta da terceira Guerra Púnica. Por sua vez, Tertuliano é um cartaginês que viveu numa Cartago romanizada. Finalmente, Agostinho, nascido em Tagaste, vai morar e estudar numa Cartago há séculos reconstruída, como uma Fênix há muito tempo renascida das cinzas. Mas o mundo de Agostinho de Hipona está desabando.

Esta crise, tanto sob o aspecto individual quanto sob o aspecto histórico, perpassa o corpus augustinianum. Há de se sublinhar que o conjunto das reflexões presentes ali gira em torno de três temas principais: a alma, o mal e a história. Trata-se de um corpus realmente vastíssimo, sendo possível agrupar essas obras do seguinte modo: escritos autobiográficos (o grande destaque são as Confessiones); obras filosóficas e pedagógicas (são deste grupo, por exemplo, o Contra Academicos, o De libero arbitrio[8] e o De Magistro[9]); obras polêmicas (dentre outras temos o De baptismo e o De natura et gratia)[10]; textos de exegese bíblica – é possível observar aqui uma evolução no método hermenêutico utilizado por ele: “[...] de uma inclinação inicial ao uso da alegoria rumo a uma escrita mais atenta a valorizar o significado literal” (Roncoroni, 2001, p. 782); escritos teológicos e doutrinais (por exemplo o De Trinitate); escritos morais (a título de ilustração mencionamos o De bono coniugali e o De sancta virginitate); finalmente, os escritos apologéticos (destaquemos aqui o De civitate Dei, um texto iniciado em 413 e concluído em 427, portanto depois da invasão de Alarico à Roma no ano de 410) (Roncoroni, 2001).

Pode-se dizer que as bases, quer do pensamento teológico quer do pensamento filosófico medievais, foram postas por Santo Agostinho (Roncoroni, 2001). Ao perguntar nos Soliloquia (uma obra em dois livros, nos quais temos diálogos que o autor estabelece consigo mesmo) o que interessa à sua filosofia realizar e ao dar como resposta que o objetivo do pensamento filosófico elaborado por ele é simplesmente conhecer Deus (e a alma humana, considerando que o ser humana foi criado por Deus), Agostinho define como objeto material da Filosofia aquele que era o objeto material específico da Teologia, assim o escritor cria vínculos fortíssimos entre essas duas ciências ao propor uma nova relação entre fé e razão, indicando o Norte para o pensamento do período subsequente, a Idade Média. Na verdade,

Agostinho é um dos maiores e originais escritores latinos. [...] Inventou um gênero literário de profunda e dramática eficácia: a autobiografia interior. Foi modelo de espiritualidade por toda a Idade Média, mediador autoral entre o antigo e o moderno no Humanismo, mestre de inquietude no Renascimento, companheiro de viagem, confidente, amigo de crentes e incrédulos em todo tempo (Bettini et al., 1996, p. 1095).

É lugar comum que o filósofo grego Platão exerceu uma considerável influência sobre Agostinho de Hipona. Contudo, vale lembrar que essa ascendência pode ser classificada em direta e indireta. Exemplos desta última são as contribuições da filosofia platônica que chegaram até Santo Agostinho através da leitura dos textos de Cícero (filósofo influenciado por Platão)[11] ou por meio da leitura dos neoplatônicos Plotino[12] e Porfírio. O neoplatonismo desperta o pensador de Tagaste para procurar uma verdade incorpórea. Quanto ao contato direto com o pensador grego, é preciso refletir um pouco sobre a capacidade de Santo Agostinho em ler os autores gregos no original.

A respeito da relação de Agostinho com a língua grega, sabe-se que ele a estudou, igualmente é notório que a sua aproximação do referido idioma foi penosa. Na pequena Tagaste, ocorreu o aprendizado dos primeiros elementos do grego e, posteriormente, começaram os estudos de literatura helênica na cidade de Madaura[13]. No primeiro capítulo do livro L'evolution intellectuelle de Saint Augustin: Du manichéisme au néoplatonisme, temos a seguinte descrição do percurso da formação intelectual do Doutor Africano: “[...] ocorreu de maneira quase contínua. No entanto, podemos distinguir três principais períodos: iniciado na cidade africana de Tagaste, continuou na cidade vizinha de Madaura, para terminar na grande cidade de Cartago” (Alfarig, 1918, p. 1).

Nas Confissões, ele mesmo nos informa que amava o latim e odiava a língua grega, mencionando a dificuldade que tivera para aprender essa língua estrangeira (o grego). Entretanto, não se deve simplesmente concluir a partir dessas falas do Doutor Africano que ele, na idade adulta, não foi capaz de ler os autores gregos no original. “A amarga lembrança destes dolorosos começos não deve, portanto, levar-nos a supor que esse desgosto pelo grego persistiu em Agostinho, de modo a dificultar o uso de textos escritos nesse idioma” (Salaville, 1922, p. 388).

Contudo, talvez não seja incorreto afirmar que, de fato, o principal nome de toda a patrística dominava a leitura da língua grega, pois “Ele recorreu constantemente, de modo especial nos seus tratados dogmáticos e polémicos, ao testemunho dos Padres Orientais, ao mostrar repetidamente que ele estava lendo-os no original e não em uma simples tradução” (Salaville, 1922, p. 388-389). Além disso, considere-se que Valério, o antecessor de Agostinho na sede episcopal de Hipona, de quem Santo Agostinho fora bispo auxiliar (e pelas mãos do qual foi ordenado sacerdote e sagrado epíscopo, em 391 e 395 respectivamente), era grego. Finalmente, na obra Adversus Julianum, Santo Agostinho, reportando-se a um escrito de Basílio, afirma expressamente preferir ele mesmo fazer a tradução do referido texto do bispo de Cesaréia (Salaville, 1922)[14].

Outro aspecto central no pensamento elaborado por Agostino de Hipona é o tema do mal no mundo. Antes de se converter, ele teve uma experiência no movimento maniqueísta, para o qual existem dois princípios dualistas e eternos, o bem (Aura-Masda, associado à luz, à alma, ao espírito) e o mal (Arimã, associado à escuridão, ao corpo, à matéria). Convertido ao Cristianismo e afastado do maniqueísmo, ele discutirá muito seriamente o tema do pecado. No final, embasado na metafísica, ele descreverá o pecado como o nada, isto é, a ausência de ser. O pecado é a própria negação do ser, pois a ação pecaminosa é a negação do bem. Vejamos:

O pecado é o nada: esta afirmação tem como consequência que “fazer o mal” é, em certo sentido, não fazer nada. Esta tese, eminentemente paradoxal em relação à nossa experiência da maldade e injustiça, está no cerne da moralidade de Santo Agostinho e é explicada em termos ontológicos: o Bem é o Ser; o Mal, é o não-ser (Laurent, 2010, p. 9).

A visão de Agostinho sobre o pecado está diretamente relacionada com as suas reflexões a respeito de como deve ser a relação do homem com o mundo. Um aspecto a ser considerado nessa discussão é o platonismo presente em Agostinho, que serve de referência importante para a sua filosofia moral. Observemos:

A distinção entre uso e prazer é frequentemente utilizada por Agostinho para expressar a diferença entre um modo de vida moralmente bom e um modo de vida moralmente mau. [...] Assim, o homem virtuoso no sentido cristão não é apenas aquele em quem a razão domina as paixões, mas aquele que usa das temporalia em vista das aeterna (KOCH, 2010, p. 21).

Conforme falamos anteriormente, o Doutor Africano viveu em um mundo que estava em ruínas, sobre as quais um novo mundo (a Idade Média) já estava sendo construído. Nesse processo, o nosso pensador desempenhou um papel relevante, como intelectual e como autoridade cristã. É inegável que o Império Romano estava em crise desde muito antes de Agostinho. Diante disso, Santo Mazzarino, em seu livro O fim do mundo antigo (1991) indaga a respeito de qual teria sido o elemento responsável pela mudança histórica que pôs fim ao mundo antigo e fez surgir o medieval. “A opinião do próprio Mazzarino é ressaltada quando ele reafirma que os cristãos eram a ‘grande minoria criativa’ e a construção nova que edificaram deu sua estrutura à história da nova época” (Corassin, 1993, p. 279).

A verdade é que, o Cristianismo não apenas chegou ao controle desse novo mundo, mas a referida religião ajudou a construí-lo. Nele, a Idade Média, na medida em que a Igreja vai impondo a sua agenda (preenchendo o vácuo deixado pelo fim do Império Romano Ocidental), vai sendo estabelecida uma nova percepção acerca do ser humano, marcadamente religiosa.

A respeito dessa transição entre dois mundos, vale conferir a passagem abaixo que nos traz a perspectiva agostiniana:

“É hora de sermos prensados” (Enarratio in Psalmos, 136, 9, apud Brown, 2005, p. 362). Terra de oliveiras, o norte africano era propício à imagem, que resume a interpretação agostiniana sobre o saque de Roma: as catástrofes da época representavam a prensagem de toda a humanidade. Da mesma forma, ele justificava a “catástrofe controlada” da coerção dos donatistas por parte dos católicos. A humanidade necessitava de disciplina, e Deus, enquanto pai severo, “[...] açoita o filho a quem acolhe” (Sermo 296, 10, cf. Epistola 99, 3, apud Brown, 2005, p. 363). Mas a prensagem resultaria, finalmente, na liberação do bom azeite (Magalhães, 2019, p. 2).

Novo mundo, nova educação. Agostinho de Hipona a propõe, vinculando-a a uma antropologia caracterizada pela ideia de homem como criatura de Deus, sem o qual esse homem nada é. Aqui, fica claro que Agostinho, pensador tão importante para a Filosofia da História, é a materialização da própria história em movimento.

 

4 Considerações finais

Em uma República Romana que sublinhava o aspecto coletivo do homem, Terêncio ressalta em suas personagens o ser humano como individualidade. Mas para que possamos compreender melhor essa atitude do poeta africano, precisamos complementá-la com outro aspecto também presente em Terêncio, ou seja, os novos valores da Humanitas é a base sobre a qual ele propunha um novo estilo de vida, contraposto àquele elitista que estava vigente na República, defendido pelo conservadorismo de Catão (o Velho). “Em Terêncio, a nobreza da alma não se identifica com a de sangue ou da riqueza, pois também os escravos e as prostitutas frequentemente têm um valor ético e se mostram capazes de gesto de generosidade e de espírito de sacrifício” (Canali, 2002, v. 1, p. 168).

Quanto a Tertuliano, ele é desses escritores que venceram o tempo. A sua obra se mantém despertando interesse ou incomodando ainda na atualidade. Um filósofo como Michel Foucault, aparentemente tão distante do escritor africano, não a deixa passar desapercebida (Lagouanère, 2015). Esse vigor se explica parte pela forma, parte pelo conteúdo da produção desse cartaginês, mas também pela própria personalidade de Tertuliano. A respeito de seu caráter, consideremos:

Quem sabe se este cartaginês não traz na sua polêmica contra o bispo dos bispos a antiga hostilidade de sua terra natal contra Roma, como um combatente africano contra as guerras púnicas. A sua natureza é indubitavelmente aquela de um combatente, ou mesmo de um guerreiro. As suas armas são intelectuais e retóricas, mas a violência polêmica com as quais ele a usa não deixa nada a desejar àquela de quem leva consigo a espada e a bandeira contra os seus inimigos (Canali, 2002, v. 3, p. 554).

Para David Wilhite, o ser africano é um traço importante do Tertuliano teólogo; de acordo com Brisson, ele será a própria encarnação da africanitas; sendo possível compreendê-lo somente considerando as suas feições africanas, segundo Monceaux; ele exerceu influência sobre figuras africanas importantes como Cipriano, Lactâncio e o próprio Agostinho; finalmente, Tertuliano será um autor presente no período medieval e, no período renascentistas, através dos humanistas (Lagouanère, 2015).

Por fim, deve ser considerado que Agostinho nasceu e cresceu em um ambiente bastante singular, resultado da interação multissecular de três bases culturas: a númida, a fenícia e a romana. A chegada dos romanos à região de Cartago levou aos poucos a um sincretismo religioso, caracterizado pela identificação das divindades líbias e fenícias com as principais divindades romanas (Alfarig, 1918). Esse ambiente sincrético contribuiu para o desenvolvimento do Cristianismo na região, de modo que, na época de Agostinho, os cristãos (embora fossem uma minoria) representavam um número considerável na dinâmica cidade de Cartago, mas estavam divididos em dois grupos principais, os Católicos e os Donatistas (Alfarig, 1918). Ora, é a religião que será o vetor utilizada para a propagação de suas ideias, deste africano que se tornou um dos autores mais influentes e, efetivamente, um dos mais importantes no Ocidente.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

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[1] Prof. Associado I da Universidade Estadual do Piauí (UESPI); tem Graduação e Mestrado em Filosofia; Especialização em Língua e Literatura Latina; Doutorado em Educação e Pós-Doutorado em Ciências da Religião; membro do Núcleo de Estudos, Extensão e Pesquisas Educacionais (NEEPE); desenvolve as seguintes linhas de pesquisa: Religião e Política; Habermas e Educação; Filosofia Africana.

[2] Acadêmico do curso de Licenciatura Plena em História da Universidade Estadual do Piauí (UESPI).

[3] Em Tagaste, a língua dos fenícios (o púnico) fora conservada, sendo falada “[...] ainda correntemente ali na época de Agostinho” (Alfarig, 1918, p. 3). Informo que está e as demais traduções que aparecerem neste artigo foram feitas por mim.

[4] Sou homem, nada do que é humano considero ser alheio a mim.

[5] Nela se percebe a influência da formação grega que o nosso escritor cartaginês recebera.

[6] Talvez a maior parte das críticas dirigidas contra Terêncio tenham vindo dos catonianos, ou seja, de pessoas ligadas a Catão (o Velho), político romano que bradava contra a influência do mundo grego, e de tudo aquilo que não pertencia ao Mos maiorum (a tradição romana). Trata-se de uma figura importante para o desencadeamento da terceira Guerra Púnica (149-146 a.C.). É dele a famosa frase “Carthago delenda est” (Cartago deve ser destruída). De fato, a vitória de Roma resultou na destruição da célebre cidade africana. Posteriormente, porém, o mundo viu a cidade destruída ressurgir dos escombros, forte e influente.

[7] Estas colocações de Maurizio Bettini a respeito de Cícero e César, tornam-se mais esclarecedoras, quando acrescidas das reflexões de Juan Del Col (2009, p. 28-30).

[8] Escrita no caminho de seu retorno para África.

[9] Publicada em Tagaste.

[10] Escritas pelo autor em seu continente natal.

[11] A leitura do livro perdido de Cícero, Hortentius, aproxima o jovem Agostinho da filosofia, mas o afasta da leitura das Sagradas Escrituras. Tempos depois, em Milão, o contato com o bispo Ambrósio (autor influenciado pelo neoplatonismo) reconduziu Agostinho para a leitura dos textos bíblicos.

[12] Para Plotino e, em geral, para a corrente neoplatônica a busca filosófica consistia numa verdadeira introspecção, reservada para poucos, isto é, os sábios. Ao contrário, na visão de Agostinho de Hipona, embora a busca da verdade também se trate de algo ligado à vida interior, trata-se de algo à disposição de todo o gênero humano.

[13] Cidade fundada pelos fenícios no século V a.C. Os romanos assumiram o seu controle no final do século I a.C. Com o passar do tempo, será cede de uma diocese cristã. O lugar também ficou celebre por sua “schola”, por onde muitos passaram buscando instrução.

[14] Sobre a capacidade de Santo Agostinho ler em grego, eu divirjo de Alfarig, que afirma ter o próprio Agostinho dito: “que ele era incapaz de ler um livro inteiro escrito nessa língua” (Alfarig, 1918, p. 18). Para provar esta sua informação, Alfarig cita o livro III, 1 do De Trinitate, escrito pelo Doutor Africano. Entretanto, ali Agostinho não diz exatamente isso que Alfarig nos contou, mas apenas destaca a sua dificuldade com a língua grega. Nas palavras do próprio Agostinho, temos: “[...] graecae autem linguae non sit nobis tantus habitus, ut talium rerum libris legendis et intelligendis ullo modo reperiamur idonei” (Augustinus, III, 1, p. 868) [se, porém, não temos tanta prática no uso da língua grega para sermos considerados capazes de ler e compreender os livros que tratam desses assuntos]. Além disso, ao longo do De Trinitate, Santo Agostinho recorre algumas vezes à língua grega, argumentando e contra-argumentando. Ocasiões em que ele emprega com frequência a expressão “quae graece appellatur” (Augustinus, I, 6, p. 828) [que em grego se diz] ou expressões equivalentes.   

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