REVISITANDO A NOÇÃO DE CONHECIMENTO NA COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO

contribuições da Epistemologia Social

 

Ana Maria Mendes Miranda[1]

Universidade Estadual de Londrina

anamirandamm@gmail.com

Adriana Rosecler Alcará[2]

Universidade Estadual de Londrina

adrianaalcara@gmail.com

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Resumo

Este artigo tem como objetivo refletir sobre a compreensão de conhecimento no âmbito da competência em informação, e traçar relações e contributos da noção de conhecimento desenvolvida pelos autores da Epistemologia Social.  Metodologicamente, o presente estudo trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva, cujo método é uma revisão narrativa que pretende estabelecer um espaço para reflexão inicial sobre a compreensão de conhecimento no campo da competência em informação. Quanto aos resultados entendemos que o acesso aos conhecimentos socialmente acumulados, influencia o processo de aprendizagem, sendo determinado por fatores sociais, políticos e econômicos, que definem a viabilidade desse acesso. Concluímos com uma proposta de compreensão social do conhecimento para estudos da competência em informação, baseados na Epistemologia Social.

Palavras-chave: conhecimento social; conhecimento coletivo; CoInfo.

REVISITING THE NOTION OF KNOWLEDGE IN INFORMATION LITERACY

 contributions from Social Epistemology

Abstract

This article aims to reflect on the understanding of knowledge within the scope of information literacy and to establish relationships and contributions from the notion of knowledge developed by authors of Social Epistemology. Methodologically, this study is an exploratory-descriptive research, employing a narrative review as its method, intending to create a space for initial reflection on the understanding of knowledge in the field of information literacy. Regarding the results, we understand that access to socially accumulated knowledge influences the learning process and is determined by social, political, and economic factors that define the feasibility of this access. We conclude with a proposal for a social understanding of knowledge for studies in information literacy, based on Social Epistemology.

Keywords: social knowledge; collective knowledge; information literacy.

 

 

 

 

 

 

 

REVISITANDO LA NOCIÓN DE CONOCIMIENTO EN LA ALFABETIZACIÓN INFORMACIONAL

aportes de la Epistemología Social

Resumen

Este artículo tiene como objetivo reflexionar sobre la comprensión del conocimiento en el ámbito de la alfabetización informacional y establecer relaciones y aportes de la noción de conocimiento desarrollada por los autores de la Epistemología Social. Metodológicamente, se trata de una investigación exploratoria-descriptiva, cuyo método es una revisión narrativa que busca establecer un espacio para la reflexión inicial sobre la comprensión del conocimiento en el campo de la alfabetización informacional. En cuanto a los resultados, entendemos que el acceso al conocimiento socialmente acumulado influye en el proceso de aprendizaje, estando determinado por factores sociales, políticos y económicos que definen la viabilidad de dicho acceso. Concluimos con una propuesta de comprensión social del conocimiento para estudios sobre alfabetización informacional, basada en la Epistemología Social.

Palabras clave: conocimiento social; conocimiento colectivo; alfabetización informacional.

1 INTRODUÇÃO

“É, pois, o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” - Dermeval Saviani

A informação se apresenta como parte do desenvolvimento das mais diversas atividades humanas, seja relacionada a aspectos materiais, econômicos, culturais ou sociais. A informação se converte em um recurso em disputa na medida em que permite, a partir dela reconhecer e nomear a realidade, e dessa forma, apresentar visões de mundo, identidades, demandas, posicionamentos e disputas de poder que envolvem esse contexto. “Este fato se acentua especialmente nas sociedades que têm se caracterizado pela ampla produção e consumo da informação e pela sua penetração intensa em distintas esferas da vida.” (Martins, 2015, p. 8).

Ponderamos que o acesso à informação se apresenta como um caminho para a conscientização dos sujeitos sobre sua condição na sociedade. Essa possibilidade, encontra-se atrelada aos processos de aprendizagem, na elevação da educação e no acesso das pessoas a participação pública. Para Pellegrini, Vitorino e Herrera (2021) esses processos podem contribuir para ampliação das mudanças nos padrões de acesso e controle sobre os recursos materiais, tais como terra, água, dinheiro; recursos intelectuais como conhecimento, informação e tecnologia. Assim como, aos recursos ideológicos, que se referem às condições de gerar, propagar, sustentar crenças, normas, valores, atitudes, entre outros. Esses recursos estão presentes nos meios de comunicação, no mercado de trabalho, entre outras estruturas que reforçam e sustentam as relações de poder existentes na sociedade.

É nesse contexto de relevância da informação, que a Ciência da Informação reclama estudos acerca da competência em informação. Esta é conceituada, na perspectiva da Association of College and Research Libraries (ACRL), como um conjunto abrangente de habilidades que inclui a busca por informações, a compreensão de sua produção, o uso da informação na criação de novos conhecimentos, assim como a participação ética em comunidades de aprendizagem (ACRL, 2016).

Para De Lucca e Vitorino (2020) e Melo et al. (2021), a competência em informação emerge inicialmente vinculada a uma perspectiva cognitiva, referindo-se ao indivíduo habilidoso e, posteriormente, se desenvolve sob a uma ótica social, incorporando abordagens que contemplam o domínio social e cultural da informação. Nesse ínterim, Vitorino (2016) indica que concepções contemporâneas da temática têm sido desenvolvidas imbricadas aos contextos ambientais, sociais, ideológicos, econômicos e culturais, nos quais a informação é utilizada. Essas abordagens, segundo a autora, promovem uma concepção mais ampla de competência em informação “[...] fundamentada em uma compreensão das comunidades e práticas das quais os usuários são uma parte.” (Vitorino, 2016, p. 428).

Com o desenvolvimento destes estudos, voltados para abordagens sociais, ou seja, que consideram aspectos contextuais intervenientes aos processos de acesso e apropriação da informação, se mostra também relevante revisitar compreensões iniciais do campo, no sentido de ampliar noções centrais da competência em informação, como as habilidades, a informação e o conhecimento. Para entendermos essa competência em informação, mais ampla e contextualizada, é essencial que estejamos cientes de que a criação e o compartilhamento da informação e do conhecimento ainda se encontram na mão de pequenos grupos, tendo seu acesso dificultado para maior parte da população. Evidenciamos que nesse cenário, de descaso com fatores importantes da formação dos sujeitos, a competência em informação não pode ser plenamente desenvolvida, visto que sozinhos os profissionais da informação e educadores, não têm condições de suprir todos os aspectos essenciais à formação e desenvolvimento crítico.

Para contribuir nesse sentido, focamos, nesta pesquisa, na noção de conhecimento para a competência em informação. Existem diversas lentes por meio das quais é possível olhar o fenômeno do conhecimento nos estudos da Ciência da Informação e, a partir disso, convocamos a Epistemologia Social, para pensar sobre o conhecimento em uma perspectiva coletiva no contexto da competência em informação. Shera (1972, p. 112) aponta que a Epistemologia Social busca ampliar os estudos sobre aspectos intelectuais, transitando dos processos individuais para os coletivos. Essa abordagem considera a sociedade, a nação e a cultura, bem como a maneira como esses grupos assimilam e interpretam a totalidade dos estímulos que atuam sobre eles. Assim, o foco está na “[...] produção, fluxo, integração e consumo de todas as formas de pensamento comunicado em todo o tecido social.”

Posto este debate, nos questionamos como é possível relacionar a noção de conhecimento coletivo da Epistemologia Social com a competência em informação? Para responder essa pergunta, buscamos refletir sobre a compreensão de conhecimento no âmbito da competência em informação, e traçar relações e contributos da noção de conhecimento desenvolvida pelos autores da Epistemologia Social. 

 

2 CAMINHOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Metodologicamente, o presente estudo trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva, cujo método é uma revisão narrativa, que pretende estabelecer um espaço para reflexão sobre a compreensão de conhecimento no campo da competência em informação, sem que haja pretensão de esgotar as fontes de informação existentes sobre o assunto.

Cabe mencionar desta forma, que se realizou um levantamento bibliográfico buscando textos que trabalhassem a relação entre a competência em informação e a Epistemologia Social, ou a perspectiva de conhecimento coletivo na competência em informação. Esta pesquisa foi realizada em 2024, na Base de Dados em Ciência da Informação (Brapci), na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD), no Google Acadêmico e na Scielo, com termos que relacionassem as duas temáticas, sem recorte temporal. Apenas dois textos foram recuperados nesse sentido - Anderson e Johnston (2016) e Nord (2019). Sendo esses resultados incipientes aos debates que se pretende realizar neste estudo, foi realizado um levantamento intencional de textos sobre a Epistemologia Social, com enfoque para reflexões sobre conhecimento coletivo; assim como um levantamento de estudos teórico-conceituais da competência em informação que fossem aderentes ao objetivo desta pesquisa.

A partir destes textos, escolhidos intencionalmente para atender as reflexões empreendidas neste escrito, foi realizada a leitura integral e estabelecidas relações sobre as concepções de conhecimento em ambos os campos, em uma proposta de revisão narrativa. Nesse sentido, vale mencionar que segundo Rother (2007) uma revisão narrativa é um tipo de revisão da literatura que oferece uma visão geral e síntese de um tema, sem seguir uma metodologia rigorosa. Ela serve para contextualizar o conhecimento existente, discutir diferentes perspectivas, facilitar a compreensão de forma acessível e identificar tendências e direções futuras na pesquisa.

 

3 HISTÓRICO E CONCEITOS EM COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO

É em um contexto marcado por reorganizações industriais, econômicas e da ordem capitalista, que o americano Paul Zurkowski apresentou o termo information literacy pela primeira vez no relatório “The Information Service Environment Relationships and Priorities”, sinalizando a relevância de um programa universal de educação e de information literacy voltado para o setor industrial. Conceitualmente, o termo information literacy foi apresentado como um conjunto de habilidades para tornar indivíduos mais autônomos em relação a identificação de necessidade, de busca e de uso de informação na atuação industrial (Silva, 2021).  Para Kapitzke (2003), a concepção de informação de Zurkowski originou um modelo de competência em informação centrado em técnicas instrumentais para solucionar problemas, tal modelo reforçou uma visão da informação como recurso neutro na aprendizagem.  

No Brasil, o termo information literacy foi utilizado pela primeira vez nos anos 2000 e sua tradução se consolidou como competência em informação. O cenário brasileiro reflete uma realidade internacional, visto que as concepções iniciais sobre a competência em informação indicavam uma transição de uma abordagem focada no domínio técnico para outra voltada à flexibilidade mental e às condições cognitivas necessárias para o aprender a aprender (Hatschbach, 2002). Argumentava-se que o desenvolvimento da competência em informação resultaria em indivíduos que adotam uma postura proativa diante do aprendizado, reconhecendo a incerteza e buscando a aquisição, assimilação e consolidação do conhecimento (Dudziak, 2001, p. 64).

Além disso, a competência em informação passou a ser associada, sobretudo, a habilidades essenciais, como o uso da biblioteca, técnicas de estudo e capacidades cognitivas superiores. Entre essas, destacam-se a resolução de problemas, a aprendizagem autônoma e contínua, a formulação de questionamentos e a aplicação do pensamento lógico (Belluzzo, 2003; Caregnato, 2000). Para Belluzzo (2001), tais habilidades visavam proporcionar autonomia intelectual, permitindo a iniciativa e a tomada de decisões, além do domínio cultural, lógico e psicológico.

Essas abordagens iniciais estavam fortemente relacionadas a concepções cognitivas de aprendizagem, que enfatizaram principalmente a assimilação individual do conhecimento e o desenvolvimento de habilidades mentais para processar, compreender e aplicar informações de forma autônoma. Enright (2013) e Gregory e Higgins (2013), argumentam que por muito tempo a competência em informação desenvolveu pesquisas sob uma compreensão individualista, onde os aspectos psicocognitivos de cada sujeito são majoritariamente responsáveis pelo desenvolvimento de habilidades e competências que permitem a esse indivíduo lidar com a informação e se apropriar do conhecimento.

Sobre isso, Correa e Castro Junior (2018) defendem que desde o surgimento da information literacy e das suas primeiras pesquisas, nós caminhamos de uma perspectiva baseada nas teorias cognitivas, cuja compreensão é que o indivíduo competente em informação seria aquele com condições de utilizar as tecnologias e os conhecimentos na resolução de problemas no ambiente de trabalho, para uma perspectiva, que além das habilidades operacionais e técnicas, entende que o desenvolvimento da competência em informação é resultado de ações coletivas que estruturam os conhecimentos, os valores e as crenças por meio da interação social.

Além disso, em cenário internacional, Addison e Meyers (2013) agruparam as definições de competência em informação em três categorias, a saber: I) um conjunto de habilidades; II) uma maneira de pensar ou; III) um fenômeno ou prática social. Tais categorias permitiram visualizar a progressão das definições e conceitos da competência em informação de 1974 até 2013. Os autores identificam que as primeiras definições se baseavam em habilidades, e na sequência pela introdução de modelos cognitivos, que influenciaram na mudança das definições, passaram de um conjunto de habilidades, para a competência em informação como uma forma de pensar. A inclusão da Teoria Crítica em conjunto com os debates das teorias sociais, trouxeram definições da competência em informação como prática social, cada uma dessas abordagens evidencia novos olhares e aspectos a serem pesquisados no campo da competência em informação.

Podemos identificar que uma noção cognitiva da competência em informação vem sendo superada à medida que as pesquisas sobre competência em informação passaram a adotar perspectivas mais sociais e críticas. No entanto, a compreensão dos processos de acesso ao conhecimento ainda não aparece nas pesquisas plenamente desenvolvidas sob outras abordagens. Ainda entre as definições mais presentes nos estudos brasileiros, a competência em informação é compreendida como a condição do sujeito de mobilizar seus conhecimentos prévios para ajudá-lo a agir em uma situação, possibilitando a ele habilidades que o permitem identificar sua necessidade de informação, buscar a informação necessária, avaliá-la e utilizá-la de maneira eficaz e eficiente, considerando os fatores econômicos, legais e éticos implicados no processo (Gasque, 2013). Ou ainda, como um processo contínuo de interação e internalização de fundamentos conceituais, atitudinais e de habilidades para a compreensão da informação e de fatores relacionados a ela, assim como para a geração de novos conhecimentos e de possibilidades para seu uso (Belluzzo, 2005). Interpreta-se nestes termos a competência em informação como este

[...] processo contínuo de internalização de fundamentos conceituais, atitudinais e de habilidades necessário à compreensão e interação permanente com o universo informacional e sua dinâmica, de modo a proporcionar um aprendizado ao longo da vida. (Dudziak, 2001, p. 143)

Alguns fatores se destacam nas definições mais recorrentes da literatura brasileira, como o desenvolvimento dos indivíduos por meio da promoção da competência, o aprendizado ao longo da vida, a formação de diferentes conjuntos de habilidades e a internalização de fundamentos conceituais. É nesse último aspecto que nos concentraremos, pois entendemos que ele se relaciona diretamente com a noção de conhecimento nos estudos sobre competência em informação. Ao considerar o conhecimento como um processo de internalização de conceitos, sem reconhecer que sua aquisição ocorre, antes de tudo, por meio da apropriação das condições formadas socio-historicamente e objetivadas na cultura material, corre-se o risco de atribuir ao conhecimento uma perspectiva estritamente cognitiva, como se ele se limitasse à modificação das estruturas mentais dos indivíduos.

            Compreendemos que abordagens mais recentes da competência em informação têm reivindicado uma compreensão mais social para temática. Na esteira dessas reflexões, Silva (2021, p. 53) evidencia que o potencial da competência em informação extrapola então o mero desenvolvimento de habilidades ou a internalização de conceitos, alcançando contribuições mais amplas como “[...] amenizar situações de vulnerabilidade social, de facilitar o preenchimento de lacunas do conhecimento, multiplicar o acesso à informação e melhorar a qualidade de vida das pessoas [...] (Silva, 2021, p. 53). Para Zaatar (2020, p. 8) a competência em informação “[...] abrange as experiências solidárias e coletivas vivenciadas nas dinâmicas de aprendizagem que acontecem em diferentes contextos e temáticas no curso das atividades da vida.”

            As mudanças no entendimento sobre competência em informação mostram que abordagens focadas exclusivamente na formação individual podem ser insuficientes para abranger as questões contextuais e estruturais que permeiam os estudos atuais. Assim, essa competência não se restringe à formação cognitiva dos indivíduos, nem apenas ao desenvolvimento de habilidades individuais ou ao processo biopsicológico de apropriação da informação e do conhecimento. Pelo contrário, está intrinsecamente ligada a fatores mais amplos que influenciam o acesso à informação e ao conhecimento. Nesse sentido, não basta defender a formação de habilidades de forma isolada; é fundamental considerar os processos sociais que envolvem a aprendizagem, a informação e o conhecimento.

 

4 CONHECIMENTO COLETIVO: UMA PROPOSIÇÃO DA EPISTEMOLOGIA SOCIAL

Em 1952, Egan e Shera publicaram o artigo intitulado “Foundations of a Theory of Bibliography”, onde debatem os fundamentos para uma teoria da Bibliografia e identificam uma lacuna no cenário disciplinar desse campo, cujo preenchimento seria realizado com uma nova disciplina, a qual eles dão o nome de “Epistemologia Social”. Egan e Shera (1952, p. 132) indicam que, a assim chamada Epistemologia Social, engloba o estudo dos processos pelos quais “[...] a sociedade como um todo busca alcançar uma relação perceptiva ou compreensiva com o meio ambiente total, mental-físico, psicológico e intelectual.” Desta maneira, a Epistemologia Social eleva o conhecimento da vida intelectual do indivíduo, para o nível da sociedade, nação ou cultura (Egan; Shera, 1952).

Para Egan e Shera (1952, p. 132-133), essa nova disciplina seria fundamentada por quatro suposições básicas: 1) o indivíduo pode entrar em uma relação de saber sobre o seu ambiente imediato, ou parte da totalidade de seu ambiente com o qual ele possui contato; 2) os registros do conhecimento desenvolvidos pela humanidade permitem que o indivíduo possua aproximadamente um mesmo tipo de relação com a parte do ambiente total que está além da sua experiência imediata, mas é capaz de compreendê-la, pois os simbolos culturais e linguísticos presentes nos registros permitem que essa experiência não imediata também se torne sua experiência; 3) coordenando distintos conhecimentos de um conjunto de indivíduos, a sociedade pode conhecer mais do que o indivíduo sozinho, ou a soma de seus conhecimentos com os demais; 4) a ação social, refletindo a ação intelectual coletiva, consegue ultrapassar a ação individual, pois os seres humanos encontram-se em um ambiente amplo e complexo, que não pode ser totalmente compreendido individualmente.

Podemos entender assim, que os seres humanos são capazes de realizar uma síntese intelectual de seu ambiente, e esse ambiente através dos registros pode incluir a experiência imediata e a experiência mediada pelos signos, e assim, eles podem apreender a realidade através dos signos apropriados, visto que sozinhos não poderiam apreender tantos aspectos quanto a sociedade coletivamente.

Silva (2014, p. 175) argumenta que a constituição da Epistemologia Social, pretende reduzir a distância entre o pensamento e a ação, a teoria e a prática, a intuição e o empirismo, a fundamentação técnica e a social. De maneira que seja possível investigar os sistemas sociais em sua plenitude intelectiva e psíquica, visando assim, o desenvolvimento de concepções para construção do conhecimento. Sobre isso, o autor disserta que a Epistemologia Social “[...] levanta a hipótese relacional entre experiência – ser socialmente – historicidade, considerando que a partir das experiências humanas atuais e anteriores é possível estabelecer interações que permitam a formação de um conjunto mais consistente para construção do conhecimento.

Em complemento, Shera (1972) advoga que a Epistemologia Social, pretende compreender os processos pelos quais a cultura, a sociedade ou um grupo atinge coletivamente um estado de conhecimento. Para Silva (2014) a Epistemologia Social,

[...] promove uma fundamentação de cunho teórico ao processo de produção do conhecimento que interliga o conhecimento individual/físico e o conhecimento social/institucional que modificam estruturas e instituições sociais como forma de compreender a superação da percepção gnosiológica à fundamentação epistemológica do conhecimento [...]. (Silva, 2014, p. 177)

Desta maneira, a Epistemologia Social se caracteriza como um campo do conhecimento sobre o próprio conhecimento, pois preocupa-se por um lado com o conhecimento científico produzido, e pelo outro com “[...] o conjunto de conhecimento gnosiológicos – materiais e sociais – que regem as relações sociais e promovem base epistemológica a produção do conhecimento constituindo um viés teórico-empírico.” (Silva, 2014, p. 177).

Além das contribuições realizadas por Egan e Shera, autores como Fuller também lançam mão de reflexões acerca da Epistemologia Social. Para o autor essa disciplina seria um “[...] movimento intelectual [...] que tenta reconstruir os problemas da epistemologia uma vez que o conhecimento é considerado intrinsecamente social.” (Fuller, 1999, p. 801 apud Zandonade, 2004, p. 827). Além desses fatores relevantes no campo da epistemologia, algo nos é essencial na obra de Fuller. O autor entende a Epistemologia Social como um desenvolvimento filosófico desde Kant e a relaciona com a “sociologia do conhecimento”.

Nesse contexto, o autor discute a ambiguidade do termo "conhecimento" nas línguas anglófonas. Isso ocorre porque, em comparação com outras línguas europeias, as palavras inglesas know e knowledge abrangem um campo semântico amplo demais para propósitos filosóficos, como argumenta Fuller (2001). Em inglês, knowledge – traduzido como "conhecimento" – refere-se tanto aos objetos da consciência quanto ao conhecimento científico, assim como na língua portuguesa. Dessa forma, entendemos o conhecimento tanto como os processos cognitivos pelos quais ele é assimilado, quanto como um conjunto material, coletivo e social que envolve a ciência e a cultura humana.

Nesse sentido, a Epistemologia Social busca entender o conhecimento a partir de suas condições culturais, coletivas e simbólicas, destacando seu papel na mediação da realidade e na construção da compreensão humana, seja ela imediata ou mediata. É essa concepção de conhecimento que adotamos para fundamentar nossas reflexões sobre a competência em informação.

5 UMA NOÇÃO DE CONHECIMENTO COLETIVO PARA A COMPETÊNCIA EM INFORMAÇÃO

Quando falamos da competência em informação dentro desse debate epistemológico, nos apoiamos em De Lucca e Vitorino (2020, p. 22), que consideram que esta é um “[...] movimento social e científico, que investiga os processos referentes à busca, ao acesso, à avaliação, à comunicação e ao uso da informação”. Enquanto movimento científico, a competência em informação é investigada, sobretudo no campo da Ciência da Informação, a partir dos problemas relacionados à busca e seleção de informações, em fontes formais e informais, em um contexto de sobrecarga informacional. Tais aspectos são evidenciados quando se busca mutuamente compreender, descrever ou analisar situações informacionais individuais ou coletivas.

As autoras também entendem que há relações entre o desenvolvimento da competência em informação e da Ciência da informação, sendo que ambas se relacionam à revolução tecnológica e à sobrecarga informacional. Nesse contexto, as investigações realizadas no âmbito da competência em informação, em grande parte do seu desenvolvimento científico, sofreram influências teórico-epistemológicas da Ciência da Informação, que desde sua origem tem realizado um profundo debate sobre seus aspectos teóricos, metodológicos e epistemológicos.

De Lucca e Vitorino (2020, p. 36) indicam que a competência em informação envolve “[...] as habilidades (relacionadas ao acesso), conhecimentos (relacionados à avaliação), atitudes (relacionados à aplicação da informação no dia a dia), e, ainda, já a incorporação de, a agregação de valores relacionados com a utilização da informação [...]”. A concepção de competência em informação apresentada pelas autoras tem lastro teórico por grande parte dos estudos brasileiros sobre a temática (Vitorino; Piantola, 2020), sobretudo baseadas na definição de Dudziak (2001, p. 143), aqui já citada, de que a competência em informação é um “[...] processo contínuo de internalização de fundamentos conceituais, atitudinais e de habilidades necessário à compreensão e interação permanente com o universo informacional e sua dinâmica”.

Kapitzke (2003), ao analisar a competência em informação e a aprendizagem em bibliotecas, argumenta que o conhecimento era tradicionalmente concebido como um conjunto de fatos, proposições ou habilidades inerentes aos indivíduos. No entanto, a aplicação de teorias socioculturais e sociológicas revela que o conhecimento e a aprendizagem vão além das mentes individuais, sendo mais adequadamente compreendidos como fenômenos socialmente distribuídos entre pessoas e tecnologias, ultrapassando as limitações individuais.

Entendemos, conforme as construções teóricas realizadas neste escrito, a importância de diferenciar as concepções do que é conhecimento para cada corrente de pensamento. Nos estudos iniciais da competência em informação, identificamos uma forte tendência à compreensão do conhecimento como aspecto individual, que trata do processo de internalização de conceitos pela estrutura cognitiva dos sujeitos. Vale mencionar, que estas definições clássicas que conceituam a temática, e tendem a apresentar o conhecimento desta perspectiva, ainda são referenciadas em diversas produções do campo. Salientamos que ela tem fortes relações com as próprias teorias efervescentes no campo da Ciência da Informação durante o final do século 20, momento em que a competência em informação tinha seus debates ampliados.

Evidenciamos a relevância desses estudos para compreender processos de aprendizagem dos sujeitos frente à informação. No entanto, entendemos que é necessário ampliar as compreensões de conhecimento de forma a atender abordagens mais contemporâneas da competência em informação. A partir dos debates realizados pelos estudos da Epistemologia Social, podemos refletir sobre outras perspectivas de conhecimento que podem figurar o cenário de estudos da competência em informação.

Advogamos que, ao interpretar o conhecimento como um fator coletivo e social, conforme proposto por Egan e Shera, e ao considerar o campo da Ciência da Informação como aquele responsável por estudar esse conhecimento e os caminhos que ele percorre na sociedade, colocamos a competência em informação em um patamar mais abrangente de reflexão sobre seus processos. Isso também proporciona uma noção de conhecimento mais ampla, alinhada aos debates mais contemporâneos da área.

Assim, ao afirmar que a competência em informação envolve a "internalização de conceitos" (Dudziak, 2001), e relacionar esse processo ao "conhecimento", é necessário considerar as duas concepções de conhecimento apresentadas por Fuller:

I)              A internalização é um processo cognitivo e individual, que ocorre na mente dos sujeitos e resulta na alteração de suas estruturas cognitivas quando em contato com a informação;

II)            Para que os conceitos sejam internalizados, é preciso que sejam registrados, organizados e compartilhados, configurando-se como um conhecimento socialmente construído e validado.

Essas duas abordagens semânticas distintas sobre a palavra "conhecimento" nos permitem compreendê-lo, inicialmente, como o processo de internalização mencionado por Dudziak (2001), que ainda ressoa nos estudos sobre competência em informação. Contudo, também entendemos que, ao considerar a dimensão social do conhecimento – na qual os conceitos só podem ser internalizados por meio de sua socialização –, o conhecimento registrado e socializado influencia os processos de internalização, assim como é por eles influenciado. Em sentido semelhante, Barité (2001, p. 45) advoga que a

[...] construção do conhecimento é um fenômeno individual, mas seu resultado, que também é chamado de ‘conhecimento’ pode ser socializado. O conhecimento, portanto, também pode ser definido como ‘a acumulação social do saber humano em todas as suas expressões, isso é, o saber ou conhecimento efetivamente socializado’.

Essas duas formas podem exprimir a compreensão dúbia do termo conhecimento em nossa língua, mas entendemos que ambas são essenciais para uma plenitude dos estudos no campo da competência em informação. Ademais, amarramos a segunda concepção ao papel social historicamente reconhecido das unidades e profissionais da informação, sobretudo bibliotecas e bibliotecários, que, antes mesmo do surgimento da Ciência da Informação, ou da competência em informação, já se colocavam como defensores da democratização do acesso à informação e ao conhecimento.

Neste contexto, a competência em informação se apresenta não como somatória de aspectos cognitivos, individuais e subjetivos apenas, mas como um movimento que direciona esses fatores para o acesso ao conhecimento socialmente construído e organizado, ampliando o papel do profissional da informação, como aquele que auxilia na construção das condições necessárias para busca, seleção e apreensão de informações e conhecimentos em um universo amplo e complexo, cujo acesso a esses recursos não são equitativos.

Em reforço a nosso argumento, recorremos novamente a Shera (1972) quando pondera que a invenção da imprensa, e o “[...] crescimento do ideal democrático tornaram o problema do conhecimento e sua relação com o processo de comunicação muito mais complexo, complexidade esta que foi intensificada pelo crescimento do próprio conhecimento.” (Shera, 1972, p. 114). De acordo com o autor, é nosso papel, como profissionais e pesquisadores do campo da informação, nos preocupar com como o conhecimento é coordenado, integrado e colocado em funcionamento, já que ainda se apresentam como um campo de investigação pouco explorado.

Complementar a isso, Ramos (2003) ao refletir sobre a competência, considera que o processo de aprendizagem totalizante possui duas dimensões: uma subjetiva, relacionada aos próprios processos de mobilização e articulação de conhecimentos, habilidades e valores para a ação sobre situações concretas; e uma objetiva, voltada ao acesso e apreensão do conjunto de conhecimento e relações que estruturam e explicam a realidade. Sobre essas dimensões, reforçamos que a primeira se associa às características intervenientes aos sujeitos e, incentivadas pelo meio, podem ser direcionadas a ação, e a segunda diz respeito aos conhecimentos necessários para a compreensão do real. Em sentido semelhante, Brisola e Romeiro (2018, p. 77) ponderam que a inserção de uma compreensão crítica da competência em informação “[...] só existe na relação dialética entre objetividade e subjetividade.”

Essa perspectiva permite refletir que, ainda que habilidades sejam relevantes para buscar, localizar e selecionar informações, e as atitudes, para a mobilização do sujeito para utilizar de forma consciente a informação, é o acesso à produção social de conhecimento construído pela humanidade e disponibilizado de maneira desigual no sistema capitalista, que auxilia no desenvolvimento de condições cognitivas e intelectuais para analisar e agir sobre aspectos mais complexos da sociedade, tais como questões políticas, éticas, sociais e econômicas. Oddone (2007, p. 109), ao pensar a Epistemologia Social, reflete sobre isso ponderando que

[...] antes de acreditar que nossa maior ou menor capacidade de aprender e de criar se deve principalmente às habilidades cognitivas que nos são inatas, é preciso reconhecer que na verdade essa capacidade decorre primeiramente do trabalho daqueles que, antes de nós, em uma sequência gradual e crescente de complexidade, inventaram e disponibilizaram modos e técnicas eficazes de pensar, de estudar, de usar essas habilidades cognitivas para guardar – em nossa memória, em nossos hábitos ou em repositórios de recursos que trazemos sempre à mão – conhecimentos que nos ajudem a dominar nosso meio ambiente e a sobreviver com tranquilidade.

Desse modo, as atividades cognitivas são mediadas por ações históricas e socialmente construídas, assim como por um conjunto de artefatos aperfeiçoados com o passar do tempo. A disponibilidade ou não desses artefatos ou dessas condições sociais afetam a quantidade e qualidade daquilo que o indivíduo pode apreender.  Assim, mais do que aspectos individuais que dependem apenas do nosso intelecto, da nossa intenção, vontade, atitude e deliberação, conhecer e aprender são ações sociais, ou ainda, ações socialmente constituídas e determinadas (Oddone, 2007).

Assim, nosso olhar para a competência em informação entende inicialmente que independente de suas habilidades individuais, o acesso aos conhecimentos socialmente construídos e organizados, tal como acesso amplo, irrestrito e democrático à informação, são aspectos essenciais para que de fato os sujeitos possam buscar e se apropriar da informação de maneira plena. Nesse sentido, nos utilizamos do argumento de Saviani (2019) de que o conjunto dos conhecimentos de base científica e filosófica, mais do que apenas as habilidades, assumem papel essencial na formação dos sujeitos.

Inferimos nesse ponto, que uma competência em informação que compreende o conceito de conhecimento apenas de uma perspectiva cognitiva e individual, deixa de lado aspectos relevantes que influenciam o processo de busca e uso da informação, e que, portanto, não podem refletir completamente a realidade do contexto informacional em que estão postos os sujeitos.

Nord (2019) e Anderson e Johnston (2016), ao estabelecerem uma relação direta entre a competência em informação e a Epistemologia Social, destacam que o processo de formação dos sujeitos não passa apenas pela formação de habilidade relevantes, mas é preciso ter condições de apreender uma gama de fatores sociopolíticos que se imbricam em nossa realidade.  Tais questões trazem debates essenciais à luz da Epistemologia Social, tais como o processo de escolarização formal, domínio de categorias conceituais, aplicação de conceitos abstratos e etc.

Também, De Lucca e Vitorino (2020, p. 42), refletindo a partir de Capurro (2003, p. 1), argumentam que, ao ser observada sob uma perspectiva intersubjetiva, a competência em informação reconhece o conhecimento como "informativo" apenas quando analisado em relação a um pressuposto previamente conhecido e compartilhado com outros. Nesse contexto, as autoras situam os estudos contemporâneos sobre competência em informação, e suas abordagens teóricas e metodológicas, dentro de um campo social de estudos da Ciência da Informação. Elas argumentam ainda que "O paradigma social da competência em informação se manifesta em pesquisas de natureza interpretativa, como, por exemplo, aquelas associadas às correntes subjetivistas e fenomenológicas" (De Lucca; Vitorino, 2020, p. 37). A partir da reflexão das autoras, evidenciamos uma abordagem do conhecimento sob uma perspectiva contextualizada, que vai além da concepção cognitiva.

Acrescentamos neste ponto, que é reconhecido o esforço dos estudos contemporâneos da competência em informação de olhar para os processos de aprendizagem de uma perspectiva não individualista, e, sobretudo, contextualizada a grupos e comunidades. No entanto, ao nos desbruçarmos sob uma concepção coletiva de conhecimento, a questão extrapola um olhar contextualizado aos sujeitos informacionais, e trata-se antes, de uma compreensão epistemologica de conhecimento, cujas concepções de aprendizagem são profundamente modificadas quando se tem em conta a complexidade das relações sociais e materiais imbuídas ao processo da competência em informação.

Neste sentido, Egan e Shera (1952) defendem que o conhecimento humano é moldado tanto pela experiência individual quanto pela coletiva, sendo essa interação mediada por instrumentos como registros escritos, bibliografias e sistemas de comunicação (González de Gómez, 2009). Essa visão, que associa intrinsecamente a produção e a disseminação do conhecimento ao contexto social e à materialização em registros, amplia a compreensão de conhecimento até então explicitada nos estudos de competência em informação, e direciona para uma noção de conhecimento mais condizente com as propostas contemporâneas do campo. Desta forma, entendemos que a ampliação da competência em informação em seus estudos críticos e sociais, torna notória a necessidade de revisitar conceitos estabelecidos em sua gênese, e estabelecer noções que façam mais sentido com os estudos atuais sobre a temática.

Tendo em vista esse panorama, identificamos que a competência em informação sob uma perspectiva social, pode considerar fatores relacionados à distribuição e acesso ao conhecimento, na mesma medida em que pondera sobre questões relacionadas às habilidades individuais. Assim, quando falamos de conhecimento relacionado a competência em informação, estamos falando desses processos de internalização individuais de conceitos, mas estamos também falando de processos sociais e coletivos, que sempre se apresentaram como pontos chaves para a Biblioteconomia, Documentação, Arquivologia e Museologia, e, atualmente, são centrais também aos estudos da Ciência da Informação, e, portanto, extensivos à competência em informação.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa proposta neste escrito foi refletir sobre a compreensão de conhecimento no âmbito da competência em informação, e traçar relações e contributos da noção de conhecimento desenvolvida pelos autores da Epistemologia Social.  Isso não significa finalizar  o debate sobre um aspecto central para a Ciência da Informação – o conhecimento –, mas abrir espaço para conjugar as compreensões de conhecimentos difundidas na Ciência da Informação, e que podem estruturar debates profícuos no âmbito da competência em informação. Advogamos que novas pesquisas e debates sejam realizados nesse contexto, de maneira a contribuir com as proposições desenvolvidas em âmbito teórico e prático da competência em informação.

No mais, defendemos que a Epistemologia Social abre caminhos teóricos que nos permitem vislumbrar possíveis contribuições da competência em informação para a concepção social do campo da informação. Podemos inferir, que tal contribuição se relaciona com o acesso à informação e ao conhecimento e se calca em uma concepção coletiva e humanista do campo, que nos viabiliza superar concepções cognitivistas e individualistas sobre o processo de interação com o conhecimento, projetando compreensões teórico epistêmicas do conhecimento enquanto registros socioculturais.

Vale pontuar que ainda há poucos debates sobre uma concepção de conhecimento social no campo da competência em informação. E que os estudos se pautaram majoritariamente no conhecimento como um processo cognitivo, e que é possível expandir o olhar para compreender esse fenômeno também de uma perspectiva coletiva. Ademais, entendemos que os processos que envolvem a busca e o uso da informação, possuem sim fatores cognitivos, psicológicos e subjetivos que vão torná-los uma experiência específica para cada sujeito. No entanto, para além disso, devemos considerar as tecituras sociais, econômicas, políticas e culturais que incidem sobre a informação e o conhecimento. Ao pensar sobre como os sujeitos lidam com o universo informacional e seus processos, é preciso considerar que estamos em um modo de produção específico, cujo modelo reflete nas formas de distribuição e acesso à bens, serviços, educação, cultura e conhecimento.

Indicamos, desta forma, que os processos de aprendizagem formal, ou seja, o acesso ao conhecimento e a formação de habilidades ainda são majoritariamente desenvolvidos em instituições como escolas e bibliotecas, instituições essas que têm condições desiguais – a depender de sua localização, país, público alvo, repasses estatais – de ofertar acesso aos recursos educacionais, culturais e tecnológicos, condicionando o processo de aprendizagem a fatores sociais, políticos e econômicos que permitem ou não acesso a esses recursos. Esses aspectos podem e devem ser considerados quando falamos de habilidades, atitudes e, sobretudo, de conhecimento. Tripé esse, que sustenta nossos estudos e práticas acerca da competência em informação, e que está sempre estabelecido em um contexto mais amplo e desigual, que é o modelo socioeconômico a que estamos submetidos. Assim sendo, é emergente a relevância de pensarmos o desenvolvimento da competência em informação ancorado nessas compreensões coletivas.

 

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[1] Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Docente do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

[2] Doutora em Psicologia pela Universidade São Francisco (USF). Docente do Departamento de Ciência da Informação e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

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