INVESTIGANDO O SUJEITO (DIGITAL)
proêmio à pesquisa em uma teoria crítica
Jackson da Silva Medeiros [1]
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
jmedeiros@ufrgs.br
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Resumo
A crescente utilização de plataformas digitais baseadas em algoritmos tem transformado profundamente as dinâmicas de poder e de controle. Esses sistemas automatizados conformam comportamentos em consonância com as lógicas neoliberais que, para além da vigilância, modulam subjetividades, reconfigurando as noções de sujeito. Argumenta-se a necessidade de repensar as formas tradicionais de análise crítica, abrindo espaço para investigações sobre como o poder incide na constituição dos sujeitos através das tecnologias digitais que, enquanto dispositivos técnicos e políticos, reconfiguram o sujeito a partir da potencialização das formas contemporâneas de controle. Dessa forma, partindo da noção da teoria crítica, como aportada pela Escola de Frankfurt, advoga em favor de abordagens ligadas às mutáveis práticas sociais, devendo ser revisitadas para não lograr a repetição de construtos criados e utilizados contextualmente, gerando falhas argumentativas ligadas à própria velocidade social imposta pela aceleração do capitalismo.
Palavras-chave: Filosofia da informação. Sujeito. Subjetividade. Teoria crítica.
INVESTIGATING THE (DIGITAL) SUBJECT
a preamble to research in critical theory
Abstract
The increasing use of algorithm-based digital platforms has profoundly transformed the dynamics of power and control. These automated systems shape behaviors in accordance with neoliberal logics that, beyond surveillance, modulate subjectivities, reconfiguring notions of the subject. The need to rethink traditional forms of critical analysis is argued, opening space for investigations into how power affects the constitution of subjects through digital technologies that, as technical and political devices, reconfigure the subject by enhancing contemporary forms of control. Thus, starting from the notion of critical theory, as contributed by the Frankfurt School, it advocates for approaches linked to changing social practices, which should be revisited to avoid repeating constructs created and used contextually, generating argumentative flaws linked to the very social speed imposed by the acceleration of capitalism.
Keywords: Philosophy of information. Subject. Subjectivity. Critical theory.
INVESTIGANDO AL SUJETO (DIGITAL)
un preámbulo a la investigación en teoría crítica
Resumen
El creciente uso de plataformas digitales basadas en algoritmos ha transformado profundamente la dinámica del poder y el control. Estos sistemas automatizados moldean comportamientos de acuerdo con lógicas neoliberales que, más allá de la vigilancia, modulan las subjetividades, reconfigurando las nociones de sujeto. Se argumenta la necesidad de repensar las formas tradicionales de análisis crítico, abriendo espacio para investigar cómo el poder afecta la constitución de los sujetos a través de las tecnologías digitales que, como dispositivos técnicos y políticos, reconfiguran al sujeto al potenciar las formas contemporáneas de control. Así, partiendo de la noción de teoría crítica, según la contribución de la Escuela de Frankfurt, se aboga por enfoques vinculados a las prácticas sociales cambiantes, que deben revisarse para evitar la repetición de construcciones creadas y utilizadas contextualmente, generando falacias argumentativas relacionadas con la propia velocidad social impuesta por la aceleración del capitalismo.
Palabras clave: Filosofía de la información. Sujeto. Subjetividad. Teoría crítica.
1 INTRODUÇÃO
Minhas investigações têm se orientado pela compreensão de como a informação, longe de se reduzir a um dado neutro ou a um mero fluxo comunicacional, atua como instância estruturante das formas sociais e culturais, modulando dinâmicas de poder que encontram na linguagem e em sua materialidade o terreno de sua eficácia. Trata-se, portanto, de analisar os modos pelos quais a informação participa da constituição do sujeito, sobretudo por meio de mecanismos de controle das subjetividades que se intensificam no horizonte dos ambientes digitais. Nesse contexto, torna-se necessário elaborar um pensamento capaz de habitar a zona instável de fronteira entre a crítica filosófica das modalidades modernas de subjetivação e os dispositivos técnico-discursivos característicos do presente digital, sabendo que a intensificação do uso de plataformas digitais mediadas por algoritmos não apenas inaugura novas formas de gestão da informação, mas sobretudo reconfigura os próprios regimes de constituição do sujeito com sistemas que operam como dispositivos de poder que excedem a vigilância clássica e se instalam em uma lógica de modulação contínua, de ajuste de preferências que orientam condutas e delimitam campos de visibilidade.
Sob o horizonte neoliberal, a subjetividade passa a ser interpelada não pela imposição de normas fixas, mas pela incorporação de dinâmicas de otimização permanentes, nas quais cada indivíduo é simultaneamente consumidor, produtor e objeto de cálculo, fazendo com que a noção de sujeito emerja como efeito de processos calculados que organizam a experiência pelo delinear dos modos de reconhecimento e da instauração de formas sutis de sujeição. Dessa maneira, a arquitetura digital não apenas espelha, mas fabrica novas modalidades de subjetivação, tornando o sujeito inseparável das tramas técnicas, políticas, sociais, econômicas, éticas, estéticas etc. que o constituem.
O sujeito não pode ser pensado como uma substância anterior à linguagem, tampouco como uma instância que dela se distancia para constituir-se de fora. O sujeito, entendo, se configura precisamente na linguagem enquanto efeito das condições e das disposições que permitem sua emergência composta por práticas discursivas. A subjetividade não se apresenta como dado originário ou essência interior, mas como atualização de formas que a linguagem disponibiliza, sempre em relação a um outro. É na linguagem que o indivíduo se converte em sujeito, marcando sua posição na ordem simbólica.
Essa inscrição na linguagem implica reconhecer que a subjetividade é ao mesmo tempo singular e estruturada. Singular porque cada ato atualiza de modo irrepetível a apropriação das formas da linguagem, estruturada porque tais formas excedem a vontade ou a consciência de quem as utiliza. O sujeito, assim, não se constitui nem em um plano puramente consciente nem em uma esfera totalmente inconsciente, mas, sim, no entrelaçamento de ambos onde a interpelação o situa em um campo de posições disponíveis e das práticas discursivas que delimitam a experiência. Pensar o sujeito na linguagem é, portanto, compreender que sua existência não é anterior ao discurso, mas depende da historicidade que o torna possível, articulando identidade e alteridade, interioridade e exterioridade, em uma dinâmica constitutiva incessante.
O objetivo deste trabalho é introdutório e elementar, argumentando a necessidade de repensar as formas tradicionais de análise crítica, abrindo espaço para investigações sobre como o poder atua na constituição dos sujeitos através das tecnologias digitais que, enquanto dispositivos técnicos e políticos, reconfiguram o sujeito ao intensificarem formas contemporâneas de controle. Não é pretensão aqui lançar mão de aspectos intensivos de propostas teóricas, mas enxergar possibilidades de trabalhar com aspectos que permitam construir uma ideia de uma teoria crítica na contemporaneidade.
A construção do texto está articulada em seções, mas a ideia é que possam servir de maneira introdutória à pesquisa que está sendo desenvolvida. Considero importante que as partes (seções) possam ser consideradas ao mesmo tempo uma construção inacabada de um projeto de pensamento e independentes na sua forma, podendo ser lidas de maneira separada para instrução mínima.
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Não há dúvida que a busca da compreensão sobre constituição do sujeito tem longa história na Filosofia. Em Platão, o sujeito é essencialmente imortal e racional, dividido entre corpo e alma, com a alma sendo o verdadeiro centro do sujeito. Aristóteles, por sua vez, tratou o sujeito em termos mais concretos e imanentes, ligado à ideia de substância e à busca da virtude e da realização pessoal. Na modernidade, René Descartes inaugura a noção de sujeito autônomo e racional com capacidade de pensar, “Cogito, ergo sum” estabelece o sujeito como centro da certeza e do conhecimento. Locke e Kant seguem essa linha, com Kant posicionando o sujeito como comandante da experiência cuja estrutura cognitiva organiza o mundo.
No século XIX, a constituição do sujeito passa a ser questionada em termos históricos e sociais. Hegel introduz a dialética do senhor e do escravo, ou como a subjetividade se desenvolve por meio do reconhecimento mútuo e do conflito intersubjetivo. Já Marx propõe que as condições materiais e as relações de produção moldam o sujeito, introduzindo uma leitura materialista da subjetividade. Nietzsche também faz essa crítica ao sujeito essencial, defendendo que o “eu” é uma construção histórica resultante de forças contingentes e não de uma identidade fixa.
Pensando com Wittgenstein, especialmente em Investigações Filosóficas, o sujeito pode ser compreendido a partir de rupturas com as concepções tradicionais que concebiam o “eu” como entidade metafísica, fixa e centralizada na interioridade da consciência. Wittgenstein também rejeita a noção cartesiana de um sujeito cognoscente autônomo, deslocando o foco para as práticas de linguagem dentro de jogos de linguagem em contextos sociais compartilhados que o situa em regras e normas reguladoras do uso da linguagem como uma forma de vida, deixando claro que a subjetividade se constitui de maneira intersubjetiva com a necessidade de ir além de definições, indo ao encontro de valores e juízos (§242). A constituição do sujeito é, dessa forma, um compromisso contínuo com as práticas discursivas e as interações mediadas pela linguagem.
A Teoria Crítica estabelece exame contundente ao conceito de sujeito moderno ao argumentar que a razão instrumental, característica do capitalismo avançado, transforma o sujeito em objeto de dominação. Adorno e Horkheimer desafiam a ideia de uma subjetividade autônoma ao apontar que o sujeito sob o capitalismo se torna passivo, conformado por uma racionalidade técnica e dominado por uma cultura de massas que reifica a experiência. A noção de sujeito passa a ser compreendida em termos de alienação, ideologia e fetichismo de mercadoria, apoiados em Marx. A Teoria Crítica, assim, questiona a possibilidade de uma subjetividade emancipada dentro das estruturas de poder do capitalismo, mostrando como as forças de dominação atuam para conformar e dissolver a autonomia do sujeito a partir de mecanismos que impedem conflitos.
Nos anos seguintes do século XX inicia-se uma desconstrução da ideia de sujeito essencial. Indo ao encontro do papel das estruturas de poder e ideologia na formação do sujeito, Louis Althusser assevera que a constituição do sujeito se dá através da interpelação, como apresenta em Sobre a reprodução e, em especial, em Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado. Althusser argumenta que o sujeito é formado a partir de mecanismos ideológicos que institucionalmente o convocam a se reconhecer sujeito dentro das estruturas políticas, sociais e econômicas existentes, não podendo se apresentar como autônomo ou livre, mas, sim, constituído pelas ideologias dominantes que o moldam e o posicionam nas relações de produção. Argumenta ainda que a ideologia tem uma função material na medida em que age através das instituições e suas práticas, dos aparelhos ideológicos, criando subjetividades que garantem a reprodução das condições materiais de produção. A noção de interpelação é crucial, pois revela como o sujeito é sempre já-sujeito de uma construção ideológica a partir de uma configuração do inconsciente, impossibilitando uma concepção de subjetividade livre das determinações políticas.
Judith Butler, influenciada por Foucault, intensifica a crítica sobre a noção de identidade estável e essencial, sobretudo no que tange ao gênero e à sexualidade. Em Problemas de Gênero, argumenta que o gênero não é uma identidade fixa, mas prática performática, ou seja, o resultado de atos repetidos que consolidam a aparência de uma identidade essencialmente fixa. A performance de gênero, por exemplo, é uma resposta às normas regulatórias que preexistem ao sujeito, com subjetividades continuamente produzidas e reiteradas em conformidade com discursos sociais. Com isso, Butler, seguindo a lógica foucaultiana, aponta que o sujeito não precede a norma, afirmando que a subjetividade é o efeito das normas que estruturam o campo social. O conceito de performatividade é central na teoria butleriana, pois isso compõe a ideia que as identidades não são ontologicamente determinadas, mas politicamente constituídas. Por esse viés, a subversão é possível na medida em que a repetição das normas nunca é perfeita, abrindo espaço para formas alternativas de subjetividade que resistem e redefinem os padrões estabelecidos. Butler ainda enfatiza o caráter precário e contingente da subjetividade que está sempre em processo de ser constituída e desconstruída.
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A Teoria Crítica, tal como formulada pela Escola de Frankfurt, constitui-se menos de um corpo doutrinário coeso e mais como um espaço de orientação crítica filosófica e sociológica com recusa da naturalização das formas históricas de dominação como instância emancipatória. Sua origem está ligada ao Instituto para Pesquisa Social em 1923, em Frankfurt, sob a direção e orientação marxista ortodoxa de Carl Grünberg. A partir de 1930 há uma inflexão mais filosófica e interdisciplinar sob a liderança de Max Horkheimer, marcando o início do projeto teórico que buscou reelaborar o legado marxiano à luz das transformações do capitalismo avançado, da ascensão dos regimes totalitários e instrumentalização técnica da vida cotidiana.
Em Teoria Tradicional e Teoria Crítica, Horkheimer estabelece distinção entre uma razão teorética desvinculada de análise das condições sociais e uma razão crítica que reconhece o aparato histórico do social e sua função transformadora. Uma teoria crítica, nesse sentido, não suporta a separação entre sujeito e objeto, nem o conhecimento da práxis, como aportado na teoria tradicional. Em oposição ao positivismo científico e à ilusão de neutralidade do conhecimento, uma teoria crítica assume o compromisso com a emancipação humana, fazendo da crítica uma forma de resistência à instrumentalização da razão.
É nesse contexto que a indústria cultural aparece como o modo privilegiado pelo qual a racionalidade instrumental penetra na esfera da cultura. O termo “indústria cultural” não designa apenas o conteúdo produzido no cinema, no rádio, na música popular, entre outros, mas também uma forma de organização sistêmica da sensibilidade. A cultura deixa de ser vivida como expressão ou como mediação simbólica para tornar-se mercadoria, capturada pelas lógicas da reprodução técnica capitalista, fazendo com que sua estrutura racional não liberte o sujeito, mas, sim, adestre-o, ajustando seus afetos e desejos às exigências da produção com passividade que ocupa o lugar da reflexão.
A indústria cultural não é uma deformação da cultura, mas sua racionalização de acordo com os imperativos do capital que visam a construção de um “ser humano médio” que escamoteia a homogeneização sistemática da experiência, convertendo a cultura em uma tecnologia de subjetivação que se apresenta sob a forma de uma ideologia que desbaratina a negatividade que caracteriza a arte enquanto estranhamento e desestabilização, colocando a cultura na ordem dominante vigente, ou seja, a razão como dominação de tal maneira que a própria ideia de crítica se torna estranha e a liberdade é confundida com a possibilidade de escolhas previamente autorizadas.
Walter Benjamin, nas teses Sobre o conceito de história, busca romper com o tempo homogêneo e vazio da historiografia positivista, deslocando a Teoria Crítica para o campo da linguagem. No campo da subjetividade, Erich Fromm articula psicanálise e crítica social para compreender os mecanismos internos de adesão à dominação. Em O medo à liberdade, diagnostica que o sujeito moderno, privado dos referenciais simbólicos tradicionais, experimenta a liberdade não como potência, mas como angústia e desamparo, levando à busca de proteção em estruturas autoritárias. A “fuga da liberdade” é, nesse sentido, uma espécie de alienação. Já Herbert Marcuse situa o diagnóstico crítico ao propor que no capitalismo tardio o sujeito é capturado por uma lógica conformista que lhe retira as potências de resistência. Em A ideologia da sociedade industrial, denuncia a ideologia da sociedade tecnológica como produtora de um falso consenso que suprime o pensamento negativo, promovendo a pacificação das contradições sociais por meio da racionalidade técnica, da publicidade e do consumo. Dessa maneira, o presente é naturalizado como inevitável.
Jürgen Habermas, representante da segunda geração da Escola de Frankfurt, propõe uma reconstrução da razão em termos intersubjetivos, deslocando o foco da dominação para a possibilidade da emancipação por meio da linguagem. Em Teoria do Agir Comunicativo, Habermas fundamenta a ideia de que os sujeitos são capazes de alcançar consensos racionais baseados na força dos melhores argumentos. O mundo da vida, nesse esquema, torna-se o espaço simbólico onde os horizontes de sentido são continuamente renegociados e a crítica se orienta pela normatividade imanente à própria linguagem. Axel Honneth amplia esse projeto ao articular a Teoria Crítica com a teoria do reconhecimento, concebendo a luta por reconhecimento como eixo normativo das reivindicações de justiça nas sociedades contemporâneas. Em Luta por reconhecimento, sustenta que as patologias sociais decorrem de formas de desrespeito que impedem o desenvolvimento da identidade individual, propondo uma crítica social fundada nas experiências morais de injustiça.
Como é possível perceber pelo breve elenco mostrado, respeitando as designações muitas vezes já apresentadas na literatura como Teoria Crítica sendo algo vinculado à Escola de Frankfurt, a entendemos, seguindo Nobre (2004), como um campo já preexistente à Escola, sendo permanentemente renovada e exercitada e não estando atrelada a um conjunto delimitado de teses ou autorias, nem mesmo à obra de Marx – originária do pensamento crítico – como acabada, mas, sim, a construir em virtude do próprio tempo que a análise crítica se situa. Realizar uma espécie de fechamento seria redutor e impróprio em relação a um objetivo da própria Teoria Crítica, a emancipação. Isso permite compreender a estrutura e seus efeitos organizadores sobre a vida social, desvelando formas históricas de distribuição do poder e configuração política, bem como mecanismos de reprodução ideológica operados por instituições.
A Teoria Crítica emerge como uma abordagem que visa questionar estruturas de poder e de dominação que permeiam a sociedade. Diferentemente da teoria tradicional, busca transformação emancipatória com capacidade crítica radical às formas de opressão geradas pelo capitalismo, pelo Estado e pela cultura. Ao investigar como o sistema econômico e as formas de racionalidade instrumental criam condições de alienação da vida cotidiana, pensa a racionalidade técnica como não neutra e com interesses específicos.
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Embora haja necessidade de fidelidade às intenções originais, uma teoria, um método e uma verdade são sempre epistemologicamente vinculadas ao caráter histórico, fazendo com que a abordagem esteja ligada às mutáveis práticas sociais, devendo ser revisitadas para não lograr a repetição cega de construtos criados e utilizados contextualmente, gerando falhas argumentativas ligadas à própria velocidade social imposta pela aceleração do capitalismo.
A própria construção social e do sujeito estão engendradas em condições culturais (sociais, políticas, econômicas, éticas, estéticas etc.) de uma época e do regime social vigente. Rosa (2022) argumenta que não seria a compreensão de uma pretensa essência humana que possibilitaria pensar uma teoria crítica, mas, sim, aquilo que os sujeitos consideram vida boa, com atenção às estruturas, instituições e ações que constituem uma formação social, sendo tarefa da teoria crítica a identificação e análise de leis e de forças que governam essas formações.
Cabe aqui dizer que uma investigação das práticas sociais e do sujeito não pode ser metodologicamente concebida como uma mera descrição da realidade – ainda que a descrição faça parte do processo – que a naturalizaria a partir de leis universais e generalizáveis a qualquer contexto. Pelo contrário, constitui-se como um campo de sentidos e práticas historicamente construídas que não possibilita a elaboração de instrumentos analíticos fixos ou com rigidez conceitual e metodológica sustentada, antes, pela mobilização de um conjunto de noções conceituais continuamente ressignificadas, orientadas pela finalidade de aprofundar a compreensão do objeto em sua complexidade na atuação enquanto prática mutável.
Isso é colocado como uma crítica aos fundamentos fixos do saber, denominada como pós-fundacionalismo. Ao contrário do fundacionalismo clássico, que procura um ponto a partir de onde uma verdade pode ser percebida, e do antifundacionalismo, que tende à negação de qualquer possibilidade de fundamentos estruturais, o pós-fundacionalismo propõe uma via intermediária e admite a necessidade de referenciais teóricos, mas reconhece seu caráter contingente, histórico e discursivamente construído, implicando que toda tentativa de fixação é sempre provisória e política, onde a ideia de fundamento passa por uma constante reinscrição como efeito de articulações hegemônicas. Trata-se, dessa maneira, de um regime de pensamento que recusa tanto ao dogmatismo da origem quanto ao relativismo absoluto, sustentando uma ontologia contingente.
No plano da subjetividade, os desdobramentos dessa virada são igualmente decisivos. A desconstrução do sujeito moderno, concebido como unidade racional, autotransparente e anterior ao mundo, cede lugar à concepção de sujeito como efeito de práticas discursivas, institucionais e históricas onde a problematização do sujeito moderno, entendida no horizonte pós-estruturalista, encontra em Michel Foucault uma das formulações mais influentes. Para o francês, o sujeito não é uma substância originária que se expressa no mundo, mas um efeito de práticas discursivas e dispositivos de poder-saber que, em sua positividade, produzem modos de ser e de pensar, sendo um efeito do poder enquanto atua como suporte. Assim, práticas de subjetivação não apenas limitam a ação dos indivíduos, mas também possibilitam formas específicas de experiência de si, vinculadas a regimes de verdade que definem o que pode ou não ser dito, pensado ou vivido em determinada conjuntura histórica.
Essa concepção situa a subjetividade como algo continuamente constituído e regulado, sendo o sujeito atravessado por relações de poder que, longe de apenas repressivas, atuam produtivamente na constituição de identidades, saberes e corpos. Isso implica compreender a subjetividade como um processo sempre inacabado, inscrito em práticas históricas concretas e inseparável das condições materiais e discursivas de sua emergência.
Judith Butler retoma essa noção ao enfatizar que a constituição do sujeito se dá por meio da performatividade da linguagem, permitindo estabelecer distanciamento da ideia de identidade como essência ou substância para propô-la como efeito de atos performativos. Inspirando-se em John Austin, Jacques Derrida e Michel Foucault, Butler argumenta que a identidade não preexiste aos atos que a enunciam, mas se constitui pela repetição ritualizada de normas sociais, sendo que o sujeito não é algo que se “é”, mas algo que se “faz” em constante reinscrição da prática discursiva.
Diferentemente da performance do desempenhar um papel cênico onde há um sujeito anterior que escolhe encenar papéis, a performatividade, pelo contrário, não assume um sujeito anterior ao ato, isto é, o sujeito é produzido na própria materialidade da repetição normativa e a identidade aparece como efeito, como se tivesse sempre estado lá, quando na verdade é continuamente produzida e reinscrita. Essa perspectiva converge com a crítica foucaultiana ao mostrar que a subjetividade é inseparável de práticas de normatização e poder, permitindo à Butler introduzir a dimensão da iterabilidade em que todo ato performativo depende de repetição e abre espaço para deslocamentos, falhas e resistências.
Ainda que constituído dentro de normas, o sujeito nunca é plenamente capturado por elas, o que implica um campo de possibilidades para a rearticulação de identidades e para a transformação política. Nesse quadro, a subjetividade pode ser compreendida como espaço de disputa constituído pela tensão entre normatização e resistência, entre sujeição e possibilidade de reinscrição. O sujeito não desaparece, como por vezes sugeriram interpretações mais radicais do pós-estruturalismo, mas é reconceituado como efeito relacional e contingente, sempre atravessado pela historicidade dos discursos e pela materialidade das práticas. O pós-fundacionalismo, nesse ponto, mostra sua relevância ao não admitir um fundamento último da subjetividade, tampouco se tratando de um vazio absoluto. A subjetividade emerge de fundamentos sempre provisórios, contingentes e disputados, reinscritos em práticas políticas e sociais que configuram o campo do possível.
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No que diz respeito a algoritmos, estes precisam ser escrutinados em seus funcionamentos técnicos e políticos. Na vertente técnica, algoritmos funcionam como uma sequência de instruções definidas para realizar tarefas em sistemas. No nível mais básico, funcionam por processos lógicos que analisam dados de entrada e aplicam regras preestabelecidas para produzir resultados, funcionando de forma mecânica com decisões construídas a partir de uma lógica binária que traduz informações em categorias, limitando a complexidade das interpretações a comandos programáveis. No entanto, seu funcionamento técnico vai além de meros cálculos, podendo agir por aprendizado de máquina em sistemas que reconhecem padrões em dados históricos, aprendendo e se adaptando a novas informações sem intervenção humana direta, não apenas automatizando decisões, mas também criando previsões e estabelecendo comportamentos futuros. Esse processo técnico é a base para o funcionamento político, pois, ao manipularem dados, algoritmos não apenas descrevem contextos, mas também o transformam ativamente, modelando a atuação humana no sistema e no mundo.
Do ponto de vista político, algoritmos têm papel central na modulação de subjetividades porque medeiam estruturas que intervêm na sociedade e que a partir da organização de categorias influenciam a formação do sujeito. Ao processarem informações, disseminam formas materiais de ideologias, além de reforçar ou silenciar discursos e de exercer controle por meio da manipulação de desejos e de emoções não apenas espelhando a realidade, mas a construindo ao moldar preferências, opiniões e comportamentos, criando “câmaras de eco” que reforçam posições dominantes, favorecendo a manutenção do status quo, representando uma forma de poder na qual o controle não é mais exercido por meio de repressão visível, mas por uma modulação invisível do comportamento humano.
Dessa maneira, é possível dizer que algoritmos exercem uma espécie de psicopolítica, uma forma contemporânea de governamentalidade do neoliberalismo onde o poder se exerce sobre a psique dos sujeitos explorando afetos e desejos em vez de impor coerção visível (Han, 2018), jogando com a pretensa liberdade do sujeito que, na verdade, é coordenada por mecanismos digitais atuantes de maneira invisível e eficiente, capazes de explorar o inconsciente e o transformar em objeto de análise e de controle, conduzindo o sujeito (algorítmico e neoliberal) não mais pela coerção, mas pela exploração a si mesmo em nome do capital, tornando-se cúmplice de sua própria sujeição, um “empreendedor de si”.
No âmbito desse regime de informação, o poder não reside mais na posse dos meios de produção tradicionais, mas no acesso aos dados que permitem vigiar, controlar e realizar prognósticos e modelagem de comportamentos (Han, 2018) com dados e análises como instrumentos de uma lógica que expande a exploração dos indivíduos em mercadoria (assim como os dados), gerindo um controle sutil sobre o comportamento, o desejo e a subjetividade.
Olhando esse tema a partir da ideia de interpelação de Althusser, algoritmos, ao registrarem e categorizarem dados, colocam os sujeitos em formas de comportamento, determinando normas de reconhecimento e os constituindo em termos de previsibilidade e de repetição, performando identidades moldadas e reforçadas por padrões dominantes. A repetição de atos cria normas que categorizam os sujeitos como consumidores, reforçando ações que apontam para uma erosão da agência dos sujeitos, os quais estão presos a redes invisíveis de controle.
No mundo digital, o desejo por reconhecimento e visibilidade é mediado pelos algoritmos que funcionam como interpeladores althusserianos, moldando subjetividades ao oferecer oportunidades de reconhecimento enquanto reforçam relações de subordinação. Esse processo é intensificado no regime de informação vigente pela ilusão de liberdade e participação enquanto plataformas ocultam a natureza disciplinar e controladora dos algoritmos, fazendo com que o sujeito internalize normas e se torne cúmplice de sua própria sujeição.
Essa investigação parece ser importante porque, como Althusser trabalha, está ligada à psicanálise de maneira estratégica, permitindo avançar na concepção materialista do inconsciente e da subjetivação. Para Althusser, a ideologia funciona de modo similar ao inconsciente freudiano, estruturando práticas dos sujeitos sem que estejam plenamente conscientes disso, fornecendo elementos capazes interpelar os indivíduos como sujeitos por meio da categoria sujeito com ilusão de autonomia e unidade, quando na verdade explica como o sujeito ideológico é sempre dividido e constituído em uma relação de alienação com o simbólico.
Para Althusser, a ideologia é próxima ao inconsciente, tornando-a igualmente estruturante e inescapável, fazendo com que o sujeito não seja possuidor de autonomia completa ou uma interioridade estável, mas uma construção da subjetividade sempre efeito das relações ideológicas. Nesse ponto há algo em Althusser que pode ser compreendido para um passo em prol de uma teoria crítica, a saber, a ausência de um “eu” fundante, fazendo com que a interpelação seja um processo incompleto e que não consegue interpelar o sujeito em sua completude, havendo sempre resistência, um ponto de não-identificação que abre espaço para a crítica, principalmente quando visto pelo âmbito do real como aquilo que resiste à simbolização completa, permanecendo fora da ordem simbólica e, portanto, impossível de ser totalmente integrado.
Por outro lado, é possível apontar a precariedade do sujeito nesse contexto. A exposição constante à vigilância algorítmica cria um ambiente em que a autonomia e a liberdade são progressivamente minadas, onde o sujeito é reduzido a dividuais, como explica Deleuze, e que implica em uma desumanização do sujeito que se torna apenas mais um recurso a ser explorado através da lógica algorítmica que repete padrões e cria formas de exclusão, pois aqueles que não se encaixam nos parâmetros normativos estabelecidos pelos algoritmos acabam sendo invisibilizados ou descartados.
Os algoritmos não apenas refletem o mundo gerenciado pela coleta de dados, mas participam ativamente na construção de um regime político que organiza poder, controle e subjetividade pelo regime de informação existente, excedendo relações econômicas e sociais tradicionais, mas, principalmente, pelas formas de vigilância e controle algorítmico que atuam por meio da contínua captura e monetização dos rastros digitais, transformando cada ato, interação ou decisão em oportunidade para a extração de valor. O sujeito, ao invés de ser interpelado por aparelhos ideológicos ou por dispositivos disciplinares visíveis, agora é interpelado por fluxos de dados e informações que, apresentados como neutros, modulam condutas e práticas, tornando-os peças funcionais em um sistema de vigilância totalizante. O poder, a ideologia, não são assim vistos como repressão, mas como algo que se infiltra nos mecanismos psíquicos, constituindo o sujeito de autoexploração e produto dos algoritmos que modulam seus comportamentos e desejos.
Algoritmos estabelecem uma organização da realidade social segundo lógicas de visibilidade, acessibilidade e previsibilidade que estruturam aquilo que o sujeito pode ou não experimentar. Não há aqui a interpelação onde o sujeito é chamado a se reconhecer em um enunciado (“ei, você aí”, no clássico exemplo de Althusser), mas, sim, uma interpelação automatizada, maquínica, sem rosto e que pré-define percursos, ofertas, vínculos e modos de ser e de agir. Trata-se, portanto, de uma ideologia colocada na linguagem e a partir dela, agindo de maneira múltipla na constituição do sujeito, afetando o comportamento.
Esse diagnóstico dialoga com Adorno e Horkheimer quando observam a instrumentalização da razão e a rendição da subjetividade à racionalidade técnico-instrumental comandada pelo neoliberalismo. No entanto, o que se produz é positividade traduzida em desintegração da autonomia, colapsando qualquer capacidade de crítica e de resistência em um paradoxo onde o sempre atuar conduz a uma passividade sobre o que é político. O poder algorítmico, invisível e imperceptível na maioria dos casos, manifesta-se tanto no nível da produção de comportamentos quanto no nível da constituição psíquica e normativa dos sujeitos.
Buscando conectar essas compreensões à atualidade, é incontornável considerar o sujeito envolto no digital sendo constantemente interpelado por esses algoritmos que, ao selecionar o que o indivíduo consome, ao delimitar comportamentos aceitos, ao disseminar aquilo que é certo e o que é errado, participam ativamente de sua subjetivação. Nessa estrutura, a ideia de uma possível autonomia é atropelada pelos condicionamentos impostos pela filtragem, categorização e hierarquização de dados, exercendo uma forma de poder invisível, modulando experiências e relações sociais.
O imperativo de uma teoria crítica contemporânea, que envolva a mediação algorítmica, não emerge apenas da constatação de que os algoritmos participam ativamente da estruturação da experiência social contemporânea, mas se funda, antes, no reconhecimento de que os algoritmos, ao se tornarem mecanismos automatizados, se articulam como verdadeiros regimes de verdade, cujos efeitos extrapolam em muito os domínios da técnica ou da eficiência operacional. O que está em jogo, portanto, é uma profunda reconfiguração das condições de possibilidade do saber, da ação e da subjetivação, o que, como compreendo, demanda desnaturalização, deslocamento e enfrentamento.
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O que busco é trazer a lume problematizações e possibilidades de tratamento político dos algoritmos que podem revelar múltiplas camadas de sujeição que atravessam o sujeito. Entendo que essa dinâmica evidencia uma mutação na própria constituição do sujeito, uma vez que este é formado na e pela linguagem por meio de normas que o precedem e que regulam sua inteligibilidade. A performatividade do sujeito, nesse quadro, não é uma expressão de uma essência prévia, mas o efeito reiterado de um regime discursivo normativo. Ao transpor esse arcabouço para o contexto da mediação algorítmica, torna-se evidente que os algoritmos atuam como instâncias de performatividade normativa, definindo parâmetros pelos quais o sujeito é reconhecido, classificado e valorado. O que antes era enunciado por meio de normas discursivas explícitas, agora se efetiva em sistemas de decisão automatizados manipulados em bancos de dados massivos, constituindo um novo tipo de interpelação, a algorítmica.
Louis Althusser, ao desenvolver o conceito de interpelação ideológica, mostrou como os aparelhos ideológicos de Estado produzem sujeitos por meio do reconhecimento de suas posições na estrutura social. Na era digital ocorre a transposição desse mecanismo para uma lógica maquínica onde a ideologia já não precisa dizer seu nome, pois atua de forma silenciosa por meio de classificações algorítmicas, inferências estatísticas e automatismos comportamentais, instaurando identidades a partir da probabilidade e da categorização técnica. A identificação do sujeito com sua representação algorítmica torna-se, assim, um dos modos mais potentes de submissão contemporânea e sua naturalização um dos efeitos mais eficazes da ideologia atual.
Ao ser tomado por esses dispositivos que colocam à disposição funções cognitivas, afetivas e sociais, o ser humano transforma a si mesmo. Quando quando a capacidade de pensar, decidir e agir é substituída por automatizações, há significativa perda da autonomia e da capacidade crítica. Compreender e empreender uma teoria crítica capaz de olhar esse quadro e realizar análises e propostas condizentes com o momento e o espaço visa constituir um modo emancipatório de ser no mundo.
REFERÊNCIAS
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