radicalismo e crise sistêmica em tempos de desinformação, pós-verdade e economia das plataformas
André Januário da Silva[1]
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Valéria Cristina Lopes Wilke[2]
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
valeria.wilke@unirio.br
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Resumo
No contexto contemporâneo, à primeira vista, a estrutura do fenômeno desinformativo pode parecer estar sendo constituída, em grande parte, em torno de um novo tipo de ordenamento político-ideológico materializado pela ascensão de blocos de extrema-direita, que se organizam em todo o mundo; eles têm utilizado a desinformação e o clima de toxicidade, ódio e acirramento para sustentarem ações e discursos disseminados, sobretudo em redes infodigitais. Desse modo, o mercado das Big Techs e o novo modelo de negócios do capitalismo de plataformas se tornaram dispositivos elementares para o sucesso desse novo ordenamento ideológico como modelo viável de sociabilidade e governança. Por outro lado, defendemos que a estrutura profunda desse fenômeno não pode ser deslocada do processo histórico de desenvolvimento corporativo das mídias e da indústria da informação. Os meios de produção do momento atual do capitalismo são essenciais para que a cosmovisão de mundo ultra-radical imponha suas determinações ideológicas como modelo possível e necessário para diferentes sociedades mundo afora. A extrema-direita tem buscado estabelecer padrões de comportamento social e governança, e, embora, tragam consigo aspectos particulares de acordo com as regionalidades específicas de cada contexto onde surgem, têm em comum, o fato de comungarem com o mesmo movimento antissistêmico e radical que as particulariza. Esse movimento, interdependente a nosso ver, encontra bases nas próprias contradições do capitalismo contemporâneo. Tendo esse contexto como pano de fundo para nossas análises trazemos aqui o conceito de jihadismo desenvolvido pelo cientista político Benjamin Barber (2003), buscando tecer um estudo crítico sobre a relação do capitalismo vigente com os diferentes radicalismos que eclodem no mundo. Outrossim, valemo-nos das considerações da antropóloga Letícia Cesarino (2022) e seu estudo crítico sobre essa nova ordem antissistêmica e suas ameaças a existência democrática no mundo. Concluímos que as imposições do capitalismo global travestido de Globalização, tem contribuído para produzir acirramentos que se constituem como verdadeiros paradoxos entre a promessa de ambiência democrática via consumo e a planificação e padronização imposta por esse imperativo socioeconômico a diferentes regiões, etnias, religiões, culturas e povos ao redor do mundo.
Palavras-chave: Desinformação. Crise sistêmica. Radicalismo.
THE WORLD OUT OF ALIGNMENT
radicalism and systemic crisis in times of disinformation, post-truth, and the platform economy
Abstract
In the contemporary context, at first glance, the structure of the disinformation phenomenon may seem to be largely constituted around a new type of political-ideological order materialized by the rise of far-right blocs, which are organizing themselves around the world; they have used disinformation and a climate of toxicity, hatred, and exacerbation to support actions and discourses disseminated, especially in digital infonetworks. In this way, the Big Tech market and the new business model of platform capitalism have become elementary devices for the success of this new ideological order as a viable model of sociability and governance. On the other hand, we argue that the deep structure of this phenomenon cannot be separated from the historical process of corporate development of the media and the information industry. The means of production in the current capitalist era are essential for the ultra-radical worldview to impose its ideological determinations as a possible and necessary model for different societies worldwide. The far-right has sought to establish patterns of social behavior and governance, and although they bring with them particular aspects according to the specific regionalities of each context where they emerge, they have in common the fact that they share the same anti-systemic and radical movement that distinguishes them. This movement, interdependent in our view, finds its basis in the very contradictions of contemporary capitalism. With this context as a backdrop for our analyses, we present here the concept of jihadism developed by the political scientist Benjamin Barber (2003), seeking to weave a critical study on the relationship between current capitalism and the different radicalisms that are emerging in the world. Furthermore, we draw on the considerations of the anthropologist Letícia Cesarino (2022) and her critical study of this new anti-systemic order and its threats to democratic existence in the world. We conclude that the impositions of global capitalism disguised as globalization have contributed to producing exacerbations that constitute true paradoxes between the promise of a democratic environment through consumption and the planning and standardization imposed by this socioeconomic imperative on different regions, ethnicities, religions, cultures, and peoples around the world.
Keywords: Disinformation. Systemic crisis. Radicalism.
UN MUNDO DESCONECTADO
radicalismo y crisis sistémica en tiempos de desinformación, posverdad y la economía de las plataformas
Resumen
En el contexto actual, a primera vista, la estructura del fenómeno de la desinformación podría parecer constituida en gran medida por un nuevo tipo de orden político-ideológico materializado por el auge de bloques de extrema derecha, que se organizan en todo el mundo. Estos bloques han utilizado la desinformación y un clima de toxicidad, odio y exacerbación para respaldar acciones y discursos difundidos, especialmente en las redes digitales. De esta manera, el mercado de las grandes tecnológicas y el nuevo modelo de negocio del capitalismo de plataformas se han convertido en instrumentos fundamentales para el éxito de este nuevo orden ideológico como un modelo viable de sociabilidad y gobernanza. Sin embargo, sostenemos que la estructura profunda de este fenómeno no puede separarse del proceso histórico de desarrollo corporativo de los medios de comunicación y la industria de la información. Los medios de producción en la actual era capitalista son esenciales para que la cosmovisión ultrarradical imponga sus determinaciones ideológicas como un modelo posible y necesario para las distintas sociedades del mundo. La extrema derecha ha buscado establecer patrones de comportamiento social y gobernanza, y si bien estos patrones presentan aspectos particulares según las particularidades regionales de cada contexto en el que surgen, comparten el mismo movimiento antisistémico y radical que los distingue. Este movimiento, interdependiente a nuestro juicio, se fundamenta en las propias contradicciones del capitalismo contemporáneo. Con este contexto como telón de fondo para nuestros análisis, presentamos aquí el concepto de yihadismo desarrollado por el politólogo Benjamin Barber (2003), con el fin de realizar un estudio crítico sobre la relación entre el capitalismo actual y los diferentes radicalismos que emergen en el mundo. Asimismo, recurrimos a las reflexiones de la antropóloga Letícia Cesarino (2022) y su estudio crítico de este nuevo orden antisistémico y sus amenazas a la existencia democrática en el mundo. Concluimos que las imposiciones del capitalismo global, disfrazadas de globalización, han contribuido a exacerbar situaciones que constituyen verdaderas paradojas entre la promesa de un entorno democrático a través del consumo y la planificación y estandarización impuestas por este imperativo socioeconómico a diferentes regiones, etnias, religiones, culturas y pueblos del mundo.
Palabras clave: Desinformación. Crisis sistémica. Radicalismo.
1 INTRODUÇÃO
Quais são os limites entre a realidade factual e as narrativas que permeiam a história? É comum a crença de que a história é o reflexo de uma realidade registrada em documentos, livros e outros suportes que remontam o passado da humanidade. Do ponto de vista epistemológico, a história não pode ser compreendida como um simples espelho do passado, mas como uma construção narrativa fundamentada em vestígios documentais e memorialísticos e interpretada à luz de paradigmas teóricos e contextos socioculturais específicos.
Revisões críticas ao papel da historiografia na manutenção de narrativas hegemônicas alinhavadas aos interesses do Estado e das elites não são uma novidade, nem no campo científico, e nem na sociedade como um todo. Entretanto, na atual conjuntura, o que temos visto é algo que ultrapassa essa questão. Não se trata mais de revisionismo ou de disputa discursiva em torno de fatos e significados históricos, mas de uma nova realidade onde se ignoram os fatos, se desprezam os elementos consagrados que atribuem verdade e credibilidade à realidade dos fatos, e se busca constituir referentes totalmente avessos à ordem democrática e a aquilo que entendemos como próprios à diversidade que compõe o sistema social.
Nesse contexto temos visto um novo tipo de fenômeno paradoxal: a ascensão de forças políticas e sociais que, sob o signo da desordem, instauram novas formas de ordem. Logo, o que na aparência pode ser notado como caótico ou desordenado – a disseminação em massa de desinformação, a mobilização de redes de ódio, as releituras distorcidas de fatos históricos – operam como estratégias sistemáticas para desestabilizar consensos fundamentais instituídos na Modernidade, corroendo as bases da democracia, a partir dos próprios alicerces que a sustentam.
Neste ensaio, a partir de uma compreensão dialética de sistema, defenderemos que aquilo que tem se apresentado como desordem, seja ela social ou informacional, é, em realidade, um modo alternativo de ordem, que busca redefinir, a partir de uma lógica de desestabilização social das instituições, os referentes sociais, tais como, a democracia, a ciência, a política, a liberdade de expressão, a cultura, a história. Essa estratégia, típica dos radicalismos emergentes do presente, desafia não apenas as instituições, mas também corrói os critérios de produção de sentidos sobre as coisas do mundo, pelas quais definimos a realidade, a racionalidade, a cultura e a sociedade como um todo, elementos fundamentais para a composição do ser social coletivo e sua cosmovisão de mundo.
Nesse sentido, a compreensão de Gregory Bateson (1987) acerca dos sistemas de comunicação - não apenas como meios de transmissão de informação mas como dispositivos que estabelecem padrões de feedback (retroalimentação) e que podem levar à homeostase ou à mudança abrupta -, foi retomada e desenvolvida por Anthony Wilden (1980) e Letícia Cesarino (2022), na abordagem entre ordem/desordem e organização sistêmica; esses dois teóricos são fundamentais por fornecerem chaves analíticas para o entendimento dessa dinâmica. Por outro lado, o radicalismo, esse sintoma comportamental vivenciado na atualidade, já havia sido apontado, há quase trinta anos, por Benjamin Barber (2003), que indicava que o modo de organização do capital travestido de globalização tendia a acirrar os radicalismos em uma espécie de jihad (entendida no Ocidente como guerra santa) dos descontentes. Para o autor, a promessa de diversidade e democracia do mercado global mascarava o reducionismo econômico e a homogeneização mercantil, os quais geravam o clima de desespero e desesperança, tão bem explorado pela cultura do terrorismo. Esse movimento não se restringia aos radicais do islã, mas também à cristandade ou a qualquer outro tipo de grupo que se sentisse ameaçado e ressentido pelas pautas e práticas da economia global.
Com isso, temos, no atual contexto, uma disputa que não se dá apenas no campo institucional, mas, sobretudo, no campo semiótico e informacional. A compreensão dosmecanismos pelos quais a desordem se torna ordem é fundamental e incontornável para buscar saídas para o fortalecimento da ordem democrática e do combate aos perigos que a ameaçam.
Cabem aos sistemas sociais, entendidos aqui como redes dinâmicas de produção de sentidos e não como estruturas estáticas, responder a esse desafio com estratégias que combinem regulação, educação e reforço dos valores democráticos, sob pena de que essa aparente desordem planejada se torne o novo paradigma de governança e vivência social, uma ameaça que aflige toda a humanidade.
2 DESORDEM INFORMACIONAL OU DESORDEM SOCIAL?
Nos últimos anos, os limites da democracia liberal vêm sendo cada vez mais testados. As contradições, próprias do sistema capitalista, tornam-se cada vez mais aparentes na atual vigência do capital. Nela, perspectivas de produção discursiva contra-hegemônicas tornaram- se mais palatáveis e acessíveis ao grande público, uma vez que, a economia das plataformas e seu modus operandi, propiciaram a fabricação de conteúdos mais dinâmicos e com pouco custo de reprodução. Nesse contexto, tais mecanismos têm sido enxergados como dispositivos que alavancam a dita “desordem informacional”. Desinformação travestida de fake news ou teoria da conspiração, por exemplo, parecem cada vez mais constituírem-se como elementos fundamentais para a promoção da desordem social, do estado de desorientação, de acirramentos ideológicos e inculcação ante o manancial de informações contraditórias que circulam nas diferentes mídias e povoam o debate público.
Nesse sentido, entendemos que essa conjuntura antissistêmica não significa propriamente uma ausência de estrutura concreta, mas uma forma de organização contra- hegemônica, com vistas a tornar-se hegemônica e que se constrói a partir da negação/demonização dos princípios vigentes. Em muitos casos podemos constatar a apropriação desses princípios para subvertê-los de dentro das próprias instituições sociais que os legitimam, um bom exemplo é a liberdade de expressão tão evocada pelos grupos radicais de ultradireita. Com isso, torna-se necessário que façamos uma breve digressão sobre a relação ordem-desordem na organização dos sistemas sociais com vistas à sustentação de nossa ideia.
Em sua trajetória na problematização dos fenômenos infocomunicacionais e seus efeitos na vivência social, Dantas (2022) tem buscando entender a relação ordem/desordem, a partir da função que a informação produz como matéria que estabelece ação, se configurando, portanto, como movimento da matéria. O autor discute as relações sistêmicas, tomando a informação como virada de chave que tende a produzir ordem ou alguma forma de organização, um item indispensável para a sobrevivência de qualquer sistema. Nesse sentido, traz a baila o conceito de entropia e neguentropia. Segundo ele, a segunda lei da termodinâmica estabelece que a entropia é uma tendência universal dos sistemas, premissa que vale tanto para o Sistema Solar quanto para os sistemas humanos, ou seja, tudo tende a desordem nos processos espontâneos. Em contrapartida, a tendência de reversão a entropia, dar-se o nome de neguentropia, propriedade que atua como contraponto a tendência entrópica, ou seja, onde os sistemas tendem a se organizar, contrariando o sentido natural da entropia e desordem.
É nesse sentido que a informação é entendida como processo físico-químico natural que se revela essencial para a sustentação da vida, ou seja, para estabelecer a ordem sistêmica, seja ela fisiológica ou social.
[ ] imaginemos um animal predador em uma savana africana: um guepardo, por exemplo. Ele está deitado, parece dormir, à sombra de uma árvore. Em algum momento, levanta-se e começa a se deslocar na direção de um grupo de gazelas nas proximidades. O que aconteceu? Durante o tempo em que ele aparentemente descansava, seu organismo seguia funcionando, ou seja, trabalhando no sentido físico-químico-biológico da expressão: seus sistemas sanguíneo, respiratório, digestivo, neurológico, seus sentidos de olfato, audição etc. permaneciam ativos, lentamente consumindo as energias acumuladas em seu corpo. Após algumas horas, a energia necessária para manter o corpo funcionando começou a faltar. [...] Por meio da visão, do olfato, da audição, da sensibilidade dos bigodes e pelos, isto é, dos sentidos, ele põe em forma o ambiente: não em uma forma qualquer, mas em uma forma precisa que orientará sua ação na direção do alimento. [ ] Vindas do cérebro, “ordens” chegam a seus músculos pelo sistema nervoso; o animal se aproxima da vítima e, subitamente, dispara em alta velocidade atrás da presa. [...] Ao deitar-se depois de alimentar-se, o corpo do animal dispunha de certa capacidade para fornecer trabalho. Ou seja, havia nele energia acumulada suficiente para manter seus sistemas trabalhando. [...] Os sinais que transitam pelo sistema nervoso do animal acionando e movimentando seus sentidos, músculos e ossos são pulsos eletroquímicos. É matéria processando energia. Contudo, nesse caso, essa matéria-energia está possibilitando pôr em forma seu corpo e, por meio dele, todo o ambiente à volta, visando extrair energia livre do ambiente para repor a sua. Essa específica forma teleonômica de trabalho é definida como informação (Dantas, 2022, p. 18-19).
Dantas aponta que o problema de todo organismo neguentrópico é extrair o máximo de rendimento de suas ações, com vistas à garantia de sua sobrevivência. Sendo assim é que seres humanos, por meio de todos os seus sentidos e sua complexa capacidade de cognição que inclui seus artefatos tecnológicos, são capazes de recortar, ou constituir leituras padrões de eventos distintos do fundo do ambiente, onde diferenciam os eventos que orientarão suas ações. É nesse sentido que vale a máxima batesoniana, de que a informação será a diferença que produz alguma diferença em um evento posterior. “Assim palavras ou imagens que usamos em nossas relações sociais são manifestações de matéria-energia que selecionamos e codificamos para representar o mundo em que vivemos e nos possibilita agir e interagir nesse mundo (Dantas, 2022, p. 23). Com isso, nossas formas de representar o mundo sejam por palavras, gestos, imagens ou sons, são manifestações significantes cujos significados e significações medeiam nossas ações e permitem que possamos construir ou reconstruir o mundo à nossa volta.
É possível compreender a relação entre sistema e antissistema a partir do binômio entropia/neguentropia, pois a informação, não é dado passivo, mas matéria dinâmica que incide sobre o sistema como uma chave reguladora, capaz de orientar ações e decisões. No atual estado das coisas a desinformação tem agido como um tipo específico de informação que, ao reorganizar signos, discursos e formas narrativas, busca subverter a produção de sentidos sociais. Assim, a desinformação opera como o elemento fundamental na lógica antissistêmica: não destrói a ordem propriamente, ou pelo menos a ordem como um todo, mas instaura outra, sustentada por lógicas de manipulação que corroem os referentes históricos, políticos e culturais que estruturam e fundamentam as sociedades modernas e democráticas.
Bateson (1987), ao discutir a natureza da comunicação, enfatizou que o ruído corresponde a interferências que dificultam ou anulam a transmissão de sentidos. Contudo, reiteramos que a desinformação não se reduz a esse conceito de ruído. Longe de ser um acidente ou falha comunicacional, a desinformação massiva produzida na atualidade, constitui uma forma de informação dotada de intencionalidade, cujo objetivo é reorganizar narrativas, reconfigurar referentes e instaurar um padrão alternativo de ordem.
A desinformação a qual nos referimos é aquela que vem operando como fundamento da lógica antissistêmica: utiliza-se da própria lógica comunicacional para corroer consensos e significados compartilhados. Trata-se, portanto, de um processo neguentrópico às avessas – isto é, que produz coerência e estrutura, mas a serviço de uma racionalidade que desestabiliza os fundamentos das sociedades vigentes. Assim, compreender a desinformação como elemento chave da lógica antissistêmica implica reconhecer que sua eficácia reside não no caos, mas na instauração de uma ordem alternativa – construída a partir da manipulação de signos e da ressignificação da história. Tal ordem paralela coloca em risco a noção de realidade compartilhada, desafiando a racionalidade, a civilidade e a diversidade de grupos que compõem a sociedade como um todo.
Como fundamento do antissistema, a desinformação não atua no vazio, mas dentro de circuitos sociais tecnológicos, culturais, políticos e econômicos muito bem estruturados. O que na aparência se apresenta como ruído ou acaso é, na realidade, produto de estratégia coordenada, que utiliza, por exemplo, a lógica das redes infodigitais para disseminar afetos, mobilizar ressentimentos e consolidar novas ordens simbólicas.
Nesse sentido, este cenário não pode ser reduzido à noção de information disorder, entendida como desordem informacional provocada por falhas ou ruídos no processo comunicativo. Mais uma vez evocamos Bateson (1987) para assinalar que o ruído corresponde a interferências contingenciais que dificultam a transmissão de sentido, mas não instauram por si mesmos novos padrões de ordem, a menos quando absorvidos a lógica do sistema. A desinformação, diferentemente, constitui-se como matéria informativa intencional, capaz de evocar novas relações de sentido e orientar ações no mundo social. Assim, opera não como falha, mas como estratégia, produzindo coerência em torno de narrativas alternativas que reconfiguram referentes históricos, políticos e culturais. Letícia Cesarino (2022) mostra que essa lógica é particularmente evidente nas plataformas infodigitais, onde a circulação de conteúdos falsos ou manipulados mobiliza afetos e crenças preexistentes, reforçando polarizações e consolidando ecossistemas de sentido. A desinformação, portanto, não deve ser compreendida como desordem, mas como ordem paralela, dotada de racionalidade própria, cujo objetivo é corroer os fundamentos da Modernidade e tensionar os marcos da democracia contemporânea.
É nesse sentido que se delineia um novo contexto sociopolítico sustentado por aquilo que poderíamos chamar de “equivalência de absurdos”. Sob o pretexto da liberdade de expressão ou da ideia de uma polarização simétrica, abre-se espaço no debate público – seja nos meios de comunicação, seja nas casas legislativas – para comparações e reivindicações que, em condições de racionalidade democrática, seriam impensáveis. Exemplos disso são a equiparação entre democratas e defensores de golpe de Estado, a formulação do chamado “racismo reverso” ou a defesa do “direito de ser LGBTfóbico” como se constituíssem manifestações legítimas de liberdade individual. O mecanismo em jogo é a normalização do absurdo: ao repetir tais enunciados, mesmo que inicialmente percebidos como dissonantes ou irracionais, vai-se corroendo a fronteira entre o aceitável e o inaceitável, até que o absurdo passe a figurar como possibilidade viável no horizonte social.
Álvaro Vieira Pinto (2005), ao refletir sobre o papel da tecnologia e da consciência, já alertava que a alienação social se intensifica quando instrumentos de comunicação são utilizados não para promover criticidade, mas para reproduzir narrativas hegemônicas de dominação. A circulação de absurdos travestidos de argumentos legítimos constitui justamente esse processo de alienação: ao invés de formar sujeitos críticos, as tecnologias comunicacionais operam como veículos de obscurecimento da realidade. Anthony Wilden (1980), por sua vez,
ao tratar da dialética sistema/antissistema, mostrou como forças antissistêmicas frequentemente se utilizam da própria lógica do sistema para corroê-lo internamente. No caso contemporâneo, a desinformação e os discursos absurdos funcionam como antissistema que se vale da retórica democrática — em especial, da noção de liberdade de expressão — para legitimar práticas e valores que, em última instância, desestabilizam a própria democracia.
Esse duplo movimento — de alienação tecnológica e de subversão sistêmica — ajuda a compreender como a normalização do absurdo se consolida como estratégia política. Não se trata de meras falas isoladas, mas de um projeto discursivo que visa reconfigurar os referentes sociais fundamentais da Modernidade, instaurando uma ordem paralela em que a racionalidade democrática é progressivamente esvaziada.
A normalização do absurdo, contudo, não se limita ao campo da opinião pública ou da retórica parlamentar: ela se projeta também sobre o terreno da memória coletiva. É nesse ponto que se torna evidente a dimensão revisionista das narrativas extremistas, que não apenas relativizam valores democráticos no presente, mas procuram reconfigurar o passado de modo a legitimar sua visão de mundo. Ao reinterpretar eventos históricos, minimizar violências estruturais ou inverter papéis entre vítimas e algozes, tais discursos instauram um processo de corrosão da memória social. Nesse sentido, o revisionismo histórico aparece como uma extensão lógica da equivalência dos absurdos: se tudo pode ser dito em nome da liberdade de expressão, também tudo pode ser reinterpretado, inclusive os fundamentos históricos que sustentam a sociedade.
Mais do que simples manipulações de fatos, trata-se da construção de uma narrativa alternativa, que ao circular no espaço público, busca reconfigurar a própria memória coletiva. Nesse ponto, a análise de Letícia Cesarino em O mundo do avesso (2022) é central para compreender o fenômeno. Segundo ela, vivemos um contexto de crise no qual valores e instituições modernas — como a ciência, a democracia representativa e os direitos fundamentais — são sistematicamente deslegitimados em favor de explicações simplificadas, afetivas e personalistas. Cesarino mostra que esse processo é intensificado pela digitalização da política, em que as plataformas infodigitais se tornam o principal meio de circulação de narrativas. A arquitetura algorítmica dessas plataformas privilegia conteúdos de forte apelo emocional, ampliando a visibilidade de discursos revisionistas e fortalecendo ecossistemas informacionais que operam de maneira relativamente autônoma em relação à esfera pública tradicional. Assim, a crise não é apenas institucional ou política, mas também epistemológica: está em disputa a própria definição do que é “real” e do que deve ser reconhecido como legítimo.
Nossa abordagem aqui não busca enaltecer as democracias liberais como regimes plenos e infalíveis, nem tampouco busca construir uma análise acrítica sobre elas, mas reconhecer que este modelo democrático em curso é uma conquista construída por meio de embate e luta social, sobretudo, para o Brasil que viveu uma ditadura cívico-militar de 21 anos, tem sua história contemporânea marcada por violência social e golpes de Estado e outrora foi uma colônia marcada por séculos de escravidão. Assim sendo, restabelecer a democracia, o direito ao voto e a produção de uma Constituição mais inclusiva e participativa são conquistas, e estas, na atualidade, estão sendo seriamente ameaçadas.
A crise contemporânea da democracia não é um problema apenas do Brasil, pois tem sido evidenciada em todo mundo. Ela não se configura apenas como colapso institucional, mas como processo de reconfiguração das formas de vida social e das condições de produção da verdade. Como observa Cesarino (2022), o que temos visto é a inversão das categorias fundamentais da experiência social. Nesse mundo do avesso, as narrativas alternativas buscam se sobrepor aos consensos basilares da Modernidade. Como vimos, essa inversão é segundo ela aprofundada pela digitalização e pelo protagonismo das redes infodigitais no cotidiano dos cidadãos de diferentes regiões mundo afora. Esse tem sido o principal problema que caracteriza a crise na atual conjuntura, pois se constitui como principal meio de desestabilização do espaço público e das novas formas de subjetivação política que tem levado a busca dos radicalismos como saída possível para os problemas sociais.
Assim, nessa rápida inversão de círculo histórico, processos antiestruturais que no mundo pré-digital eram excepcionais – a radicalização política, as teorias da conspiração – vão se difundido pelo sistema, fazendo proliferar paradoxos e oscilações entre seus extremos. A crise torna-se permanente e sua resolução passa por um duplo processo: por um lado, tentativas de conter um colapso do sistema preexistente e, por outro, disputas existenciais em torno de quem assumirá a vanguarda da mudança. (Cesarino, 2022, p. 16-17).
Cesarino é assertiva ao apontar que radicalizações políticas e teorias da conspiração, e aqui incluiríamos a desinformação, não são fenômenos exclusivos de uma realidade atravessada pelas infovias, mas é nela que eles deixam de ser excepcionais para se tornar recorrentes no cotidiano dos sistemas sociais. Essa leitura é contextualmente importante porque muitas das propostas analíticas, do atual estado das coisas, têm deslocado esses problemas do curso do processo histórico, o que pode levar a leituras errôneas e deslocadas da realidade, a de que estes seriam fenômenos e problemas exclusivos do mundo pós internet. A história está farta de exemplos, e essa pesquisa trouxe alguns deles, que vão de encontro a essa falsa crença.
A ponderação que fazemos aqui é que cada vez mais, esse universo infodigital, tem expandido sua lógica para as mídias tradicionais, que por sua vez, não tem se negado em ceder cada vez mais, espaço para os promotores e defensores dos processos antiestruturais. Tem sido cada vez mais comum seja no ambiente da mídia televisiva, seja no ambiente da mídia jornalística, encontrar matérias, colunas e abordagens que privilegiam e dão espaço a retórica do antissistema, sob a pretensa justificativa de que seria necessário “ouvir os dois lados”. Em outros casos o fazem, apenas por estarem cada vez mais inclinadas a ceder aos radicalismos.
3 O RADICALISMO COMO CONTRADIÇÃO DO CAPITAL-INFORMAÇÃO
Nessa seção vamos problematizar como o atual estágio do capital não apenas tem sido um meio essencial para o estabelecimento desse cenário, como também, tem se tornado um dispositivo impulsionador dessa nova face da extrema-direita em todo o mundo. Objetivamente, a extrema-direita tem explorado com sucesso a economia das plataformas infodigitais para disseminar discursos de ódio, teorias da conspiração, valores ideológicos e campanhas de desinformação com o intuito de atacar adversários contrários à sua visão de mundo e alavancar candidaturas políticas com sucesso. Por outro lado, as Big Techs têm obtido lucros significantes com esse tipo de radicalismo visto que para elas, esse ambiente de acirramento e toxicidade gera engajamento cotidiano e consumo deliberado, dois elementos vitais, para a tríade de sustentação da sociedade das plataformas: datificação, comodificação e seleção, conforme Poell (et. al, 2020). Tais condições de produção favoreceram a formatação de uma sociedade de plataformas, onde o tráfego social é cada vez mais canalizado por um ecossistema global de plataformas on-line, esmagadoramente corporativo, conduzido pela programação algorítmica e alimentado por meio de coleta sistemática e monetização de dados dos usuários conectados.
Seguindo pesquisas em estudos de software, na área de negócios e na economia política, compreendemos plataformização como a penetração de infraestruturas, processos econômicos e estruturas governamentais de plataformas em diferentes setores econômicos e esferas da vida. E a partir da tradição dos estudos culturais, concebemos esse processo como a reorganização de práticas e imaginações culturais em torno de plataformas (Poell, et al., 2020, p. 5).
A datificação diz respeito à conversão em dados de qualquer interação ou ação on-line. A comodificação é a transformação da atividade de navegação, ou seja, dos dados fornecidos pelos usuários, em mercadoria a ser negociada. Por fim, a seleção é o que permite a filtragem, pelas plataformas, da atividade dos usuários por meio de algoritmos, bem como a influência dos usuários sobre a visibilidade e a disponibilidade dos serviços dispostos nas redes (Poell, et al., 2020). Não é difícil imaginar que dadas às condições de produção aqui expostas, esteja sendo constituído certo habitus informacional que molda, dentre outros aspectos, o imaginário social, a cidadania e as práticas de vivência, segundo os interesses das grandes corporações infocomunicacionais, a fim de que sejam essenciais para a manutenção da engrenagem desse sistema. Fundamentalmente, esse tipo de habitus não está alicerçado na ética do cuidado e da responsabilidade, na educação dialógica como prática da liberdade, nos valores da democracia e na emancipação social dos sujeitos, mas segue apenas a cartilha mercadológica voltada para a acumulação do capital.
O habitus informacional pode ser entendido, nesse contexto, como as disposições permanentes que fazem com que um determinado sujeito se apresente como produtor, emissário e usuário de diferentes tipos de informação. Com isso, é necessário que ele transite, com um mínimo de desenvoltura, pelos locais de armazenamento informacional, pelos processos de recuperação da informação relativos ao usuário, de significação da informação e pelas técnicas e tecnologias envolvidas. Nesse sentido, ele está ligado ao nível educacional e ao capital cultural, constituindo-se como um conjunto de habilidades para lidar com os diferentes tipos de informação, especialmente aquelas oriundas dos espaços infodigitais, no contexto dos dispositivos infocomunicacionais e da miríade de aplicativos próprios da economia das plataformas. Portanto, essas disposições têm sido consideradas como aquelas que visam ser desenvolvidas pela educação midiática e/ou pelo letramento digital. Tendo esse contexto como pano de fundo para nossas análises trazemos aqui um importante trabalho crítico desenvolvido pelo cientista político Benjamin Barber (2003), Jihad vrs McMundo. Morto em 2017, Barber teceu importantes estudos analíticos sobre a relação do capitalismo dos fins do século XX com os diferentes radicalismos que eclodiam no mundo, premeditando alguns fatos e acontecimentos que estariam por vir. Para Barber, as imposições do capitalismo global travestido daquilo que entende como uma “nova onda” denominada por Globalização, acabariam por produzir acirramentos que se constituiriam como verdadeiros paradoxos entre a promessa de ambiência democrática via consumo e a planificação e padronização imposta por esse imperativo socioeconômico a diferentes regiões, etnias, religiões, culturas e povos ao redor do mundo.
Inspirado no fundamentalismo islâmico, Benjamin Barber (2003) agrega ao termo jihad, todo e qualquer movimento tribalista, fundamentalista ou identitário que busca resistir ou contrapor-se a homogeneização cultural e política promovida pela globalização. Desse modo, o conceito de jihad empregado pelo autor não se restringe apenas ao islamismo. Ele o utiliza de modo mais amplo, a fim de englobar qualquer reação regional, em qualquer lugar do mundo que valorize suas tradições, a sua cultura específica e a autonomia de seu povo, ante aquilo que consideram como uma ameaça a sua existência, ainda que para isso recorram a modelos violentos e tendências autoritárias.
No que concerne o conceito de Mcmundo, este, se refere ao próprio movimento da globalização em si mesmo. Utilizando como referência a rede de fast food McDonald’s, Mcmundo simbolizaria a globalização econômica e cultural, especialmente naquilo que se refere aos valores e produtos do capitalismo ocidental, englobando marcas, hábitos, padrões de consumo e de homogeneização cultural próprias da nova vigência do capitalismo. Essa tendência a padronização cultural, que promove com eficiência a interconexão global através da cultura de consumo e da penetrabilidade de modelos, sobretudo, os estadunidenses, frequentemente, entram em choque com as diversidades culturais ao redor do mundo e ao entendimento de democracia real, uma vez que a promessa de bem estar social quase nunca é cumprida. Ao assujeitarem diferentes povos e regiões a viverem e produzirem de acordo com essa realidade prometida acaba por dinamitar costumes e realidades locais, gerando um confronto inevitável que tem suas raízes fincadas nas contradições do próprio modelo capitalista implementado.
Ao propor uma análise dialética sobre a relação entre a jihad e o Mcmundo, Barber (2003) apontou que, embora esses movimentos aparentemente contraditórios nos pareçam antagônicos, se constituem como forças que se complementam e vão de encontro à vivência democrática. Ele não os enxergava com bons olhos, pois percebia que ambos se constituem como ameaças à democracia. Se os perigos da jihad se encontram no radicalismo, no autoritarismo e no exclusivismo, os do Mcmundo se apresentam na transformação de cidadãos comuns em meros consumidores despersonalizados que tendem a enfraquecer suas próprias tradições, identidades e realidades locais. Trocando em miúdos, é como se o autor nos apontasse que o Mcmundo e a produção socioeconômica globalista que ele representa se constituíssem como uma fábrica de jihadistas. Com isso, esses dois movimentos se completariam e estariam destinados a levar o mundo democrático a um colapso irreversível.
São muitos os exemplos que corroboram com esse raciocínio. Discursos que outrora estariam à margem ou teriam menor propensão a divulgação e popularização midiática são, agora, poderosos produtos articulados em plataformas como o Youtube, Facebook e X (Twitter), gerando alta rentabilidade aos mesmos. As evidências são claras e estão presentes no modo como essas plataformas dispõem seus algoritmos e toda sua cadeia de programação e produção, priorizando conteúdos sensacionalistas e polarizados que alimentam o extremismo, acabando por criar verdadeiras câmaras de eco. Estamos diante de um poderoso megafone da globalização digital que viabilizou o ressurgimento dos particularismos violentos. Ao privatizarem o debate público democrático em suas plataformas, as Big Techs, substituem os referentes das instituições democráticas por sua lógica privatista e mercadológica.
Se outrora a relação promíscua das Big Techs com a extrema-direita mundo afora estava dada em seu modus operandi econômico de produção, agora, elas já não escondem mais a alarmante fusão perversa entre o seu modelo infodigital de Mcmundo e a jihad. Essas empresas multinacionais, que em busca de lucro e acumulação de capital, incentivaram os tribalismos perigosos que enfraquecem as democracias, agora compõem o núcleo de governança de líderes autoritários pelo mundo. Marck Zuckeberg, do Facebook e Elon Musk, da plataforma X, fizeram parte da campanha vitoriosa de Donald Trump em 2024, com a qual o líder republicando retornou à Casa Branca para um segundo mandato presidencial nos EUA. Até o presente momento, Trump, tem se mostrado muito mais radical que em seu primeiro mandato, implementando caçadas desumanas a imigrantes, cerceando o direito ao contraditório em veículos de imprensa e interferindo no pensamento científico promovido em universidades tradicionais, advertindo-as com ameaças e aplicações de cortes de verbas, dentre outras medidas.
Musk, que no atual governo Trump, ocupou o cargo de secretário do Departamento de Eficiência Governamental (Doge, sigla em inglês), a fim de dar conselhos para o presidente estadunidense sobre onde cortar gastos públicos, tentou interferir pessoalmente nas últimas eleições parlamentares da Alemanha. Após tecer diversos elogios ao partido de extrema-direita alemão, Alternativa para Alemanha (AFD), e sua líder Alice Weidel, Musk publicou artigo de opinião para o jornal alemão Welt Am Sonntag, defendendo a candidatura da mesma e atacando os partidos de centro e esquerda daquele país (Al Jazeera, 2025). Às vésperas das eleições que definiriam o parlamento alemão, e que, portanto, teria interferência direta na escolha do chanceler do país, Musk, participou por videoconferência no último evento de campanha da AFD. Desse modo, o polêmico conselheiro de Trump não hesitou em se envolver totalmente na campanha eleitoral do país que representa a maior economia da Europa. É preciso levar em conta que apoiar a extrema-direita de uma nação, que outrora foi o berço do partido nazista, tem um peso significativo nos tempos atuais.
‘Vamos pessoal, vamos! Lutem por um grande futuro para a Alemanha!’, disse o magnata ao participar por videoconferência de um comício recente do partido, que está em segundo lugar para as eleições parlamentares de domingo. [...] ‘É bom ter orgulho da cultura alemã, dos valores alemães, e não perdê-los em algum tipo de multiculturalismo que dilui tudo’, disse ele a uma multidão animada em Halle, cidade no leste da Alemanha que já foi comunista e agora é um reduto do partido (UOL, 2025, s/p).
Tomando como análise os diferentes grupos radicais do islamismo, Barber (2003) argumentou que o ponto de encontro entre eles, sejam oriundos da África árabe ou do Oriente Médio, residia no fato de que em todos eles, a democracia Ocidental, e, sobretudo, a modernização são consideradas corruptoras e moralmente incompatíveis com seus valores. Desse modo, o Mcmundo representaria uma maneira de propagação eficaz para a disseminação desses valores rejeitados, e é por isso que ele deveria ser ferozmente combatido. No caso desses novos grupos de extrema-direita que surgiram no mundo como a AFD, o bolsonarismo e o trumpismo, as similaridades e rejeições comuns se assemelham muito com as do jihadistas, pois os ultra-radicais do Ocidente temem a modernização tanto quanto temem a democracia que os rege, uma vez que atribuem a ela, uma série de impedimentos que cerceiam seus valores de mundo e aquilo que denominam como liberdade. O curioso é que o mesmo capitalismo que os nutre, é aquele que eles responsabilizam por suas agruras, tais como a alardeada agenda woke, que abrangeria um conjunto de políticas públicas e questões sociais voltadas para a reparação de desigualdades de classe, igualdade racial, feminismo e direitos LGBTQIA+, dentre outros.
4 A SOMBRA DE UM VELHO RADICALISMO
As atuações da extrema-direita na atualidade, seja pela retórica ou pelas ações públicas cada vez menos democráticas, têm alimentado diferentes células de grupos radicais, agregando- os para si, bem como, se constituem como alternativas e medidas de contensão aos avanços do Mcmundo. Uma vez que o Mcmundo representa o globalismo, o multiculturalismo e o liberalismo econômico, tornando-se responsável pela dissolução de fronteiras culturais e econômicas, sua penetrabilidade é uma ameaça direta aos principais valores do jihadismo ocidental, traduzidos através do tradicionalismo, nacionalismo radical, valores conservadores e identidades nacionais rígidas. Líderes como Donald Trump, Jair Bolsonaro, Viktor Orbán, Giorgia Meloni, Marine Le Pen e Javier Milei, representam uma reação jihadista ocidental identitária, contra um mundo globalizado, e, portanto, desfigurado pela suposta perda de soberania nacional. É desse modo que retóricas como o: “Make America Great Again” (MAGA), de Donald Trump, ou o: “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos” de Bolsonaro, são sínteses de uma tentativa de recuperação de uma identidade “pura” das ameaças culturais e morais do Mcmundo.
Os dogmas do Capitalismo Ocidental entram em choque com os ressentimentos de cidadãos que formam um eleitorado cada vez mais alienado e descrente das instituições democráticas que sustentam o Estado. É nesse contexto que se apegam a discursos messiânicos de líderes extremistas que prometem modelos de ruptura, mas que, no entanto, bebem na fonte do discurso neoliberal: Estado mínimo, desburocratização a serviço da desregulamentação de leis trabalhistas e previdenciárias e a eliminação de políticas públicas de inclusão social. Os mercados, os financistas e as elites por sua vez, aderem a esse tipo de liderança, pois, em suma, as enxergam como um mal necessário, uma vez que estabelecem políticas públicas do seu interesse. O paradoxo da crença no Estado mínimo é que um Estado fraco serve muito pouco aos interesses do capital, pois ainda que o capitalismo o veja como um entrave a seus objetivos é nele que a política ainda é feita e é através dos seus subsídios que giram os negócios do capital. Como aponta Barber (2003), sem um poder regulador não há futuro para o capitalismo.
Se as considerações de Barber nos possibilitam compreender esses movimentos ultra- radicais contemporâneos como manifestações jihadistas ocidentais, elas também apontam para um antigo fenômeno político e cultural manifestado no alvorecer do século XX, estamos aqui nos referindo ao fascismo e suas diferentes ramificações. Sabemos que a abordagem jihadista de Barber (2003) não se refere apenas ao fundamentalismo religioso, mas a qualquer movimento reacionário, tribal e identitário que resiste ao avanço nivelador da globalização, denominada por ele como McMundo. Nesse sentido, se a jihad é uma resposta emocional, irracional e violenta ao sentimento de desintegração social e cultural provocado pelo McMundo e sua lógica de modernidade globalizante, ela possui paralelo direto com a ascensão dos fascismos no final século XX.
Assim como os movimentos jihadistas contemporâneos, os fascismos históricos emergiram em contextos de crise, onde o medo da perda de identidade cultural/nacional deu a tônica para seu desenvolvimento. Se no século XX a industrialização desenfreada, a crise econômica e o contexto da Primeira Guerra Mundial contribuíram para que a massa populacional se sentisse desamparada e pronta a abraçar o radicalismo emergente, hoje temos um fenômeno aparente em relação à globalização, ao desenvolvimento tecnológico e ao multiculturalismo. A necessidade de conjurar monstros e inimigos comuns também é uma similitude que não pode ser ignorada. Se outrora o judeu e o comunista eram as principais ameaças que precisavam ser combatidas, temos na atualidade o imigrante, a cultura woke, os globalistas e o Islã como potenciais ameaças mundo afora. Desse modo, os sentimentos evocados pelos grupos radicais contemporâneos como pureza, tradição, ordem, pátria e pretensa liberdade contrastam com seu modus operandi que revigoram autoritarismos, sentimentos hipernacionalistas, ódio e violência dirigidas a grupos específicos, assim como fizeram os fascistas do passado.
Para Robert Paxton, historiador estadunidense de 93 anos, considerado um dos maiores especialistas e estudiosos do tema, governos autoritários como o de Donald Trump, têm cada vez mais apresentado sinais convergentes com as características dos fascismos históricos. Embora num primeiro momento o pesquisador mostrasse ressalvas quanto ao uso do termo fascismo, ele mudou de opinião após ver a alarmante escalada das ações do governo Trump e de sua ressonância em diferentes atores da sociedade estadunidense. Em entrevista concedida a jornalista Elizabeth Zerofsky do New York Times, publicada no Brasil pelo jornal Folha de São Paulo, Paxton afirmou que o rótulo agora não só era possível como necessário, mais especificamente referindo-se ao episódio de invasão ao Capitólio apontou que:
O “incentivo aberto de Trump à violência cívica para reverter uma eleição cruza uma linha vermelha”, ele continuou, “o rótulo agora parece não apenas aceitável, mas necessário.” [ ] Cauteloso, mas direto, ele me disse que não acredita que usar a palavra seja politicamente útil de qualquer forma, mas confirmou o diagnóstico. “Está surgindo de baixo de maneiras muito preocupantes, e isso é muito parecido com os fascismos originais. É a coisa real. Realmente é.” Paxton disse que o que viu no 6 de Janeiro continuou a afetá-lo; tem sido difícil "aceitar o outro lado como concidadãos com queixas legítimas". Isso não quer dizer, ele esclareceu, que não haja queixas legítimas a serem feitas, mas que a política de abordá-las mudou. Ele afirma acreditar que o trumpismo tenha se tornado algo que "não é obra de Trump, de uma maneira curiosa",. "Quero dizer, é, por causa de seus comícios. Mas ele não enviou organizadores para criar essas coisas; elas simplesmente germinaram". [ ] O poder de Trump, sugeriu Paxton, parece ser diferente. “Parece ter uma base social muito mais sólida, que nem Hitler nem Mussolini teriam tido” (Zerofsky, 2024, s/p).
Autor de A anatomia do Fascismo (2023), Paxton expôs a características básicas para identificar e personalizar os diferentes movimentos fascistas que surgiram no alvorecer do século XX, entretanto, o autor chamou a atenção para o fato de que embora possuíssem elementos muito comuns, eles tinham características muito específicas, próprias da cultura e regionalidades de onde surgiram. Segundo o autor, é comum a crença de que o fascismo foi um movimento singular, e muito disso, não deriva apenas do radicalismo partilhado entre as diferentes manifestações fascistas surgidas na história, mas particularmente em virtude das alianças que ocorreram na Segunda Guerra Mundial entre Adolf Hitler, Benito Mussolini e o Regime de Vichy[3], na França ocupada pelos nazistas. O antissemitismo marca indelével do nazismo alemão, não era propriamente uma questão para o fascismo de Mussolini, “o regime que inventou a palavra fascismo – a Itália de Mussolini – mostrou poucos sinais de antissemitismo até completar 16 anos no poder” (Paxton, 2023, p. 26). A bem da verdade, muitos proprietários de terra e industriais judeus forneceram auxílio financeiro a Mussolini nos primeiros tempos de fascismo italiano. Para o autor, o fascismo não é um fenômeno histórico estático, há nele uma plasticidade camaleônica que deriva das condições de produção de seu tempo, estando, portanto, sujeito a conjunturas locais e realidades nacionais muito particulares. Dito isso, Paxton (2023) apontou duas características fundamentais que atravessaram todas as manifestações fascistas surgidas ao longo da história: movimento político próprio da cultura de massa e viés antiesquerdista.
4.1 FASCISMO E CULTURA DE MASSA.
Há grande diversidade de casos nacionais que caracterizam os diferentes regimes fascistas, entretanto, todos eles ascenderam a partir das massas. Trata-se de um fenômeno da Modernidade ocasionado pela democratização política a partir do sufrágio universal, ou seja, quando ocorreu a inserção das massas no eleitorado. Assim como caracteristicamente está ligado à cultura de urbanização e industrialização que propiciaram novos tipos sociais de coletividade, como organização de trabalhadores e grandes comícios. Por fim, os meios de comunicação de massa como jornais, rádios e principalmente a propaganda foram dispositivos fundamentais para seu surgimento. O fascismo:
Transformou a prática da cidadania e do gozo dos direitos e deveres constitucionais na participação em cerimônias de massa de afirmação e conformidade. Reformulou a relação entre o indivíduo e a coletividade, de forma que o indivíduo não tivesse qualquer direito externo ao interesse comunitário (Paxton, 2023, p. 28).
O fascismo também depende de sua capacidade de mobilização das massas, e é assim, portanto, que recorre a elementos emocionais e performáticos como modus operandi de penetrabilidade em diferentes públicos. Homogeneizar pessoas e pensamentos distintos é a garantia de seu sucesso. Com isso, passam a utilizar os artifícios do medo, do ódio e do ressentimento como armas para a crença em sua retórica de promessa de restauração da grandeza nacional. Uma vez que esse sentimento de pertencimento coletivo é estimulado, quase sempre de modo irracional, apelam para a produção de grandes símbolos, imagens, rituais e slogans que visam atingir e manipular grandes públicos. Em suma, o fascismo está intrinsecamente alinhado à cultura de massa, sem a qual não pode existir nem se legitimar. Sua capacidade de mobilizar e converter diferentes grupos em um único rebanho doutrinado depende dos meios de comunicação de massa, que recorrem a símbolos coletivos capazes de funcionar como identificadores comuns entre os indivíduos e em torno de uma liderança carismática. Essa liderança, por sua vez, busca comunicar-se diretamente com o povo, dispensando aparentemente a mediação das instituições, e recorrendo a recursos performáticos que produzem a falsa impressão de proximidade. Nesse sentido, atuar como um performer ou astro da cultura de massa é uma característica essencial de um líder fascista.
Expoentes do jihadismo ocidental, Jair Bolsonaro e Donald Trump apresentam-se como figuras carismáticas, antissistêmicas e moralizadoras, mobilizando amplamente os meios de comunicação – especialmente as redes infodigitais e o mercado das plataformas, equivalentes contemporâneos do rádio e da imprensa controlada nos regimes fascistas do século XX. A retórica simplificada, os slogans de forte apelo emocional – como “Deus, Pátria, Família e Liberdade” ou “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, no caso de Bolsonaro, e “Make America Great Again”, no caso de Trump – somados à construção de inimigos internos e externos, tais como imigrantes, jornalistas, minorias sociais, esquerdistas e comunistas, são indícios concretos do uso instrumental das emoções coletivas, por meio do medo, do ressentimento e do ódio — marcas centrais da atuação fascista, segundo Paxton (2023). Tal como os fascistas clássicos, ambos cultivam o culto à força, ao autoritarismo e ao nacionalismo, transformando suas figuras em ícones midiáticos que encenam o poder como espetáculo.
4.2 FASCISMO E VIÉS ANTIESQUERDISTA
O antiesquerdismo é, segundo Paxton (2023), uma característica essencial para entender o fascismo. Embora, os primeiros movimentos fascistas ostentassem desprezo pelos valores burgueses, atacando o capitalismo financeiro com quase a mesma veemência que atacavam os socialistas, uma vez no poder, os partidos fascistas pouco fizeram para cumprir suas ameaças anticapitalistas. Nesse âmbito, os fascistas vieram muito mais a socorro do capitalismo em crise, dando-lhe sustentação ao sistema vigente de concentração de capital e manutenção da hierarquia social. Apesar do discurso inicial contra as elites econômicas e em defesa de um suposto "interesse popular", os regimes fascistas mantiveram intacta a ordem capitalista vigente, preservando a propriedade privada, os grandes conglomerados industriais e a estrutura de classes. Na prática, o fascismo aliou-se às elites econômicas, utilizando o aparato estatal para reprimir movimentos operários e fortalecer o poder do capital — revelando, assim, seu caráter profundamente conservador e antirrevolucionário. Em suma, adotaram discursos populares e antielitistas para conquistar apoio das massas, especificamente da classe média e dos setores empobrecidos da sociedade, enquanto mantiveram a aliança com as elites econômicas.
A luta fascista não se restringia apenas a partidos socialistas ou comunistas, mas se estendia a qualquer forma de organização trabalhista, fosse ela voltada à defesa de melhores condições de trabalho ou à reivindicação de salários mais justos. Ao assumirem o poder, os fascistas proibiram greves e dissolveram sindicatos independentes. Houve uma expressiva redução do poder de compra dos trabalhadores, enquanto os lucros e o capital de industriais — especialmente os ligados ao setor armamentista — aumentaram significativamente. O anticomunismo torna-se um combustível fundamental para os regimes fascistas, pois o comunismo, com sua proposta revolucionária, representava o colapso da ordem tradicional. Ele constituía uma ameaça potencial à propriedade privada, às hierarquias sociais e ao nacionalismo, além de possuir um igual potencial de mobilização das massas e de conscientização revolucionária — algo temido não apenas pelos partidos fascistas, mas também pelas elites e pela classe média mais abastada. Nesse contexto, a adesão das elites ao fascismo funcionava como um subterfúgio para conter os avanços da esquerda.
Paxton (2023) admitiu que, onde o fascismo foi bem-sucedido, isso se deveu, em grande parte, à sua capacidade de estabelecer alianças com setores conservadores da sociedade e com o sistema capitalista vigente, sempre evocando o "perigo vermelho", estrategicamente posicionado como uma ameaça iminente. O antiesquerdismo de líderes fascistas como Hitler e Mussolini não era apenas um expediente pragmático em suas cartilhas, mas um elemento ideológico central para a manutenção do poder. Enquanto a esquerda defendia valores como igualdade, solidariedade e internacionalismo, os fascistas exaltavam a desigualdade "natural",
a autoridade e o nacionalismo radical. O combate à pregação esquerdista significava afirmar os valores fascistas de hierarquia, força, pureza e identidade nacional. Assim, criaram um imaginário em que o comunista se tornava um inimigo existencial onipresente, uma espécie de traidor interno, que, por vezes, podia assumir outras nomenclaturas, como judeu, estrangeiro, homossexual ou qualquer outro grupo que fosse considerado uma ameaça aos seus valores.
A bandeira antiesquerdista tem sido uma das principais, se não a principal, marca dos novos grupos de extrema-direita que ascenderam nas sociedades contemporâneas. Líderes extremistas como Bolsonaro, Trump. Milei, dentre outros, utilizaram essa retórica em suas campanhas e uma vez no poder as reproduziram a esmo, responsabilizando grupos, partidos, sindicatos, organizações trabalhadoras por quase todos os infortúnios das nações que governavam. Sendo assim, com base em Paxton (2023), é possível afirmar que novos líderes da extrema direita ao redor do mundo — como Donald Trump, Jair Bolsonaro e Javier Milei — compartilham a mesma marca antiesquerdista dos fascistas clássicos em seus discursos. Esse traço constitui uma das principais características de seus governos, uma vez que responsabilizam o chamado "perigo vermelho" por grande parte dos infortúnios enfrentados por suas respectivas nações. O discurso antiesquerdista funciona como eixo estruturante da identidade política desses líderes e o fio condutor que os conecta. Eles se posicionam não apenas como alternativa à esquerda, mas como seus opostos radicais, associando o esquerdismo a decadência moral, corrupção, censura e autoritarismo.
O conceito de inimigo interno usado por Paxton (2023) está relacionado à necessidade constante que líderes fascistas precisam apelar para justificar seu autoritarismo e discurso de ódio, deslegitimando qualquer que seja seu opositor. Ao ressuscitar o fantasma do comunismo a nova extrema-direita mundial espera simplificar debates complexos e transformar qualquer proposta progressista (direitos trabalhistas, políticas ambientais, igualdade de gênero, políticas antidiscriminatórias, direitos e proteção a comunidade LGBTQIA+) em “ameaças comunistas”. Tal produção de contexto cria um clima de medo e urgência, favorecendo a adesão de diferentes grupos sociais as suas medidas autoritárias em nome da “salvação nacional”.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo buscou demonstrar que o fenômeno contemporâneo da desinformação e do radicalismo político não constitui uma mera desordem, mas sim uma forma alternativa de ordem, estrategicamente construída para desestabilizar os fundamentos da democracia e da modernidade. A partir de uma perspectiva sistêmica, argumentamos que a aparente desorganização informacional é, na verdade, um processo neguentrópico às avessas, que reorganiza signos e narrativas para corroer consensos sociais e instaurar novos referenciais de poder. A economia das plataformas e o modelo de negócios das Big Techs revelaram-se centrais nesse processo, ao criar um ambiente propício para a disseminação de discursos de ódio, teorias da conspiração e revisionismo histórico. Inspirados na análise de Benjamin Barber (2003), observamos que o radicalismo atual — que denominamos de "jihadismo ocidental" — emerge como reação tribal e identitária à homogeneização cultural e econômica promovida pelo "McMundo" globalizante. Esse movimento, por sua vez, apresenta profundas ressonâncias com o fascismo histórico, conforme analisado por Robert Paxton (2023), especialmente em sua capacidade de mobilizar massas por meio de apelos emocionais, antiesquerdismo e a construção de inimigos internos. Líderes como Trump e Bolsonaro exemplificam essa tendência, utilizando-se das infovias para consolidar uma ordem paralela, baseada no autoritarismo, no nacionalismo excludente e na deslegitimação das instituições democráticas. Concluímos, portanto, que a crise sistêmica em curso não é episódica, mas estrutural, enraizada nas contradições do capitalismo de plataforma e na instrumentalização da desinformação como ferramenta de reordenação política. O desafio que se impõe é o de fortalecer a resistência democrática por meio da educação, da regulação e da reafirmação de valores que garantam a convivência plural e o respeito à realidade factual.
REFERÊNCIAS
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UOL. Musk se mostra influente e alavanca extrema direita alemã às vésperas da eleição. Uol notícias, 20, fev. 2025. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/afp/2025/02/20/extrema-direita-ganha-espaco-na-alemanha-com-o-apoio-de-elon-musk.htm. Acesso em 03. mar. 2025.
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ZEROFSKY, E. Historiador referência em estudos sobre fascismo muda de opinião e se diz alarmado com Trump. Folha de S. Paulo. The New York Times, 28, out. 2024. https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2024/10/historiador-referencia-em-estudos-sobre-fascismo- muda-de-opiniao-e-se-diz-alarmado-com-trump.shtml. Acesso em 05 , mai. 2025.
[1] Graduação em museologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2008), graduação em Arquivologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2015) e mestrado em Memória Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2010). Doutorando em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (IBICT/UFRJ)
[2] Professora Associada do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/Unirio. Doutora em Ciência da Informação pelo Instituto brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia/UFF (2009). Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1996). Bacharel e licenciada em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (1984).
[3] Após a capitulação da França em junho de 1940, no contexto da Segunda Guerra Mundial, o Regime ou Governo de Vichy, estabelecido na cidade do mesmo nome, foi um movimento organizado colaboracionista da ocupação nazista na França. Liderados pelo marechal Philippe Pétain, o Regime de Vichy era autoritário, violento e anticomunista. Foram responsáveis por promulgar leis discriminatórias contra judeus franceses, assim como, pela identificação, perseguição e deportação de judeus para o campo de concentração. O Regime de Vichy também colaborou com a identificação e perseguição de membros da Resistência Francesa aos nazistas (Paxton, 2023).