INFORMAÇÃO EM SAÚDE PELAS REDES SOCIAS

 direcionamento de informações e imparcialidade sobre as práticas integrativas da saúde

Marta Rocha de Castro [1]

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

martarochaacupuntura@gmail.com

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Resumo

Este artigo traz uma reflexão sobre os discursos e narrativas nas redes sociais sobre as práticas integrativas e complementares da saúde e como as informações são disseminadas a partir do poder dos algoritmos e suas regras. Considerando que os conteúdos com teor negativo, apelativo e irônico têm maior fluidez na nova forma informacional, além de fomentar a criação de bolhas, o diálogo entre as diferentes formas de cuidados com a saúde, se distancia, e a acompanhando a lógica da entrega de conteúdo, a desqualificação tem maior entrega do que as informações sobre tais práticas. A formação de bolhas informacionais reforça crenças antigas e se torna um desafio para o desenvolvimento de um pensamento crítico sobre determinado tema. Para tecer a reflexão sobre este fenômeno foi utilizado o conceito de regimes de verdade, de Foucault e a teoria do agir comunicativo de Habermas. o que se propõe não é uma substituição ou sobreposição entre as diversas medicinas, mas sim um diálogo. Diálogo esse que já aconteceu no passado e que resultou no reconhecimento da Organização Mundial da Saúde por essas práticas, que as reconheceu como complementares á medicina moderna ocidental.

 Palavras-chave: Saúde. Práticas integrativas e complementares. Regime de verdade. Teoria do agir comunicativo.

HEALTH INFORMATION THROUGH SOCIAL NETWORKS

 information targeting and impartiality regarding integrative health practices

Abstract

This article reflects on the discourses and narratives on social networks about integrative and complementary health practices and how information is disseminated through the power of algorithms and their rules. Considering that content with negative, appealing, and ironic content has greater fluidity in the new informational form, in addition to fostering the creation of bubbles, the dialogue between different forms of health care becomes more distant, and, following the logic of content delivery, disqualification has greater reach than information about such practices. The formation of information bubbles reinforces old beliefs and becomes a challenge for the development of critical thinking on a given topic. To reflect on this phenomenon, the concept of regimes of truth, by Foucault, and the theory of communicative action by Habermas were used. What is proposed is not a substitution or overlapping between the various medicines, but rather a dialogue. This dialogue, which has already taken place in the past, resulted in the World Health Organization recognizing these practices as complementary to modern Western medicine.

Keywords: Health. Integrative and complementary practices. Regime of truth. Theory of communicative action.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

INFORMACIÓN DE SALUD A TRAVÉS DE LAS REDES SOCIALES

información dirigida e imparcialidad en relación con las prácticas de salud integrativas

Resumen

Este artículo reflexiona sobre los discursos y narrativas en las redes sociales acerca de las prácticas de salud integrativas y complementarias, y cómo se difunde la información mediante algoritmos y sus reglas. Dado que el contenido negativo, atractivo e irónico tiene mayor fluidez en este nuevo formato informativo, además de fomentar la creación de burbujas informativas, el diálogo entre las diferentes formas de atención sanitaria se dificulta y, siguiendo la lógica de la distribución de contenido, la descalificación tiene mayor alcance que la información sobre dichas prácticas. La formación de burbujas informativas refuerza creencias arraigadas y supone un reto para el desarrollo del pensamiento crítico sobre el tema. Para reflexionar sobre este fenómeno, se recurre al concepto de regímenes de verdad de Foucault y a la teoría de la acción comunicativa de Habermas. Se propone no una sustitución o superposición entre las distintas medicinas, sino un diálogo. Este diálogo, que ya se ha dado en el pasado, culminó con el reconocimiento por parte de la Organización Mundial de la Salud de estas prácticas como complementarias a la medicina occidental moderna.

Palabras clave: Salud. Prácticas integrativas y complementarias. Régimen de la verdad. Teoría de la acción comunicativa.

1 INTRODUÇÃO

“Que tipo de saber vocês querem desqualificar no momento em que vocês dizem: é uma ciência?” que sujeito falante, que sujeito de experiência ou de saber vocês querem menorizar quando dizem: “ eu que formulo esse discurso, enuncio um discurso científico e sou um cientista” qual a vanguarda teórica - política vocês querem entronizar para separa-la de todas as numerosas, circulantes e descontínuas formas de saber?” (Foucault, 1988, p 172).

O campo da saúde ocupa um lugar importante na dinâmica social e por isso diferentes povos e culturas desenvolveram práticas de cuidados ao longo dos anos, guiados por suas necessidades e recursos disponíveis para cuidar dos adoecimentos mais ocorrentes em sua população. Por isso, não existe apenas uma medicina. Apesar da medicina moderna científica ter enorme importância para o mundo, existem outras medicinas, não hegemônicas, carregadas de conceitos, sabedorias e eficácia comprovada ao longo dos anos.

A desqualificação por diversas medicinas e práticas não hegemônicas de cuidado com a saúde acontecem ao longo dos anos. Um evento importante aconteceu em 1910, através do Relatório de Flexner, com ênfase na ciência. Considerado um marco em relação a reforma das escolas de Medicina dos EUA em todos os tempos, com implicações para a medicina mundial. (Pagliosa. 2008) No final do século XIX, acontece um alinhamento da indústria farmacêutica com a corporação médica e universidades. Neste contexto, Flexner ganha notoriedade. O educador com uma visão reacionária e preconceituosa, “desencadeou um processo terrível de extirpação de todas as propostas de atenção em saúde que não fossem o modelo proposto.” (Pagliosa. 2008, p 3).

A proposta positivista acarreta no fechamento das escolas de Homeopatia e Fitoterapia, além de retirar da grade curricular dos cursos de Medicina disciplinas com um olhar mais progressista, integrativo e com outro olhar para o processo saúde- doença que não fosse o biológico, ou seja, todas as outras formas não hegemônicas de cuidado foram extintas do curso de Medicina.

Desde então, formas não hegemônicas de cuidado com a saúde foram desqualificadas por parcela dos profissionais da saúde que buscam um olhar mais biológico e reducionista, porém, um diálogo entre a Medicina Moderna e as outras medicinas aconteceu em alguns momentos e acarretou no reconhecimento dessas práticas pela Organização Mundial da Saúde, como complementares aos tratamentos convencionais.  No entanto, no período pós pandemia acontece uma nova forma de desqualificar essas práticas, as comparando com o negacionismo. A situação fica um pouco pior com a expansão das redes sociais e o poder dos algoritmos. Além de não ser ético, os algoritmos entregam mais conteúdos com teor negativo e carregados de ironia, forma como hoje profissionais com uma visão mais positivista tratam essas práticas nas redes sociais.

 

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 PRÁTICAS INTEGRATIVAS DA SAÚDE: RECONHECIMENTO PELA OMS E CRIAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA NO BRASIL

As décadas de 1960 e 1970 foram marcos de grandes mudanças paradigmáticas no mundo. Marcadas por diversos movimentos sociais, movimentos de contra- cultura que buscavam novas formas de visão de mundo, preocupações ambientais e com a saúde (Brito, 2022).

Neste momento as terapias e medicinas com origem oriental começam a fazer sucesso para a classe media no Brasil e em todo o ocidente. Terapias e práticas como a Yoga, Meditação e a Acupuntura, vegetarianismo, a preocupação com o equilíbrio mente- corpo se tornam o grande modismo do momento (Castro, 2022).

Neste mesmo período as organizações internacionais de saúde, a OPAS (Organização Panamericana de saúde e a OMS (Organização Mundial de Saúde, relatam grandes custos com medicamentos e uma enorme desigualdade no acesso aos serviços médicos e por isso  instituições, pesquisadores e movimentos sociais da saúde reivindicaram mudanças nas políticas de saúde que as alterassem de modo que fossem incluídas práticas, modelos de formação médica e abordagens ampliadas das doenças e suas consequências sociais. (Castro, 2021) A exclusão de parte da população ao acesso aos serviços de saúde levou a manutenção das práticas populares de saúde, como o uso das plantas medicinais e diante disso a OMS passa a recomendar a formulação de políticas voltadas para o reconhecimento da fitoterapia e outras práticas das medicinas tradicionais e sua inclusão nos sistemas de saúde de seus países membros (Castro, 2021).

Durante a primeira Conferência de Cuidados Primários com a saúde, que aconteceu em 1978 no Cazaquistão, foi proposto uma mudança estrutural no sistema de saúde, com base em ações focadas no território e tendo a família como núcleo central. Assim foi criada a Atenção primária da saúde.

No Brasil, intelectuais, Médicos e Sanitaristas criam movimentos por uma reforma do modelo de saúde no Brasil, o chamado, Movimento pela Reforma Sanitária que culminou com a criação de um sistema universal de saúde no Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) e a criação da Atenção Primária da Saúde.

O SUS é um marco para a saúde pública no Brasil. Os princípios doutrinários do SUS são: Universalidade, que garante o acesso a saúde para todas as pessoas, Equidade, que busca reduzir as desigualdades buscando garantir mais para quem tem menor poder financeiro e a integralidade que enxerga o ser humano em sua totalidade e dimensões físicas, mentais e emocionais, além de garantir acesso á práticas preventivas, tratamento e reabilitação (Castro, 2022).

A integralidade dialoga diretamente com as Práticas integrativas da saúde, se tornando um dos facilitadores para a criação de uma política pública que ofertasse tais práticas em unidades de saúde.  Por isso, as discussões sobre a legitimação dessas práticas, iniciaram na década de 1980, no período de criação do SUS. Desde então, ocorreram experiências isoladas em unidades de saúde de alguns municípios e com práticas como Acupuntura e Homeopatia, normalmente por iniciativas de gestores e profissionais das unidades, porém a sua institucionalização só acontece em 2006 (Rocha, et al, 2023).

A publicação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares da Saúde (PNPICS) incluiu cinco PICS. Em 2017 foram incorporadas mais 14 práticas e em 2018 a oferta foi ampliada para 29. (Rocha, et al, 2023). A PNPICS visa o fortalecimento da Atenção Primária no SUS. As terapias complementares são o conjunto de práticas e recursos terapêuticos que estimulam mecanismos naturais de prevenção de doenças e de agravos e recuperação da saúde e que não estão presentes na biomedicina, além de incluir no sistema de saúde os detentores de conhecimentos tradicionais e suas medicinas (Rocha, et al, 2023).

 

2.2 A NOVA DESQUALIFICAÇÃO PELAS REDES SOCIAIS APÓS A PANDEMIA

A pandemia do COVID 19, no Brasil foi marcada pelo negacionismo e pelo movimento antivacina, assim como em outros países sob governo da extrema direita neste período (Duarte e César, 2020). O negacionismo fez crescer um movimento a favor da ciência e como marco do momento, um movimento polarizado. De um lado uma comunidade científica lutando para criação de uma vacina e campanhas para que a população aderisse á vacinação. De outro lado o negacionismo, contra a vacina e a favor de medicamentos sem comprovação de uso para o vírus, além de negar o uso de máscaras e a em casos mais graves a existência do vírus. Na internet receitas caseiras de todos os lados vindo de pessoas sem a mínima noção de educação em saúde sobre como prevenir o contágio do vírus, como tratar sem medicamentos, como recuperar o olfato entre outras fórmulas mágicas.

Foi então que um grupo de profissionais com uma visão positivista começa a comparar as Práticas Integrativas e Complementares da saúde com o negacionismo. Desfazer essa desinformação e essa grande confusão é um desafio na nova era informacional. As redes sociais digitais são os meios em que as pessoas acessam, constroem e compartilham as informações. Dentro desse sistema de informação, os algoritmos são os “mediadores” que distribuem os conteúdos de acordo com os interesses e engajamento (Costa, 2025).

Os algoritmos não têm ética e nem interesse em levar as informações corretas ou relevantes, mas sim privilegiam postagens que carregam teor negativo. (Costa, 2025) A nova forma de desqualificação das PICS pelas redes sociais, vêm acompanhada de ironia, deboches e arrogância, características mais atrativas e com uma entrega maior do que conteúdos que carreguem teor positivo e informações mais sóbrias. A arrogância e desrespeito com os profissionais que se dedicam na prática clínica e acadêmica neste novo movimento é tão grande que chegaram a lançar um livro com o título “Que bobagem”, livro este que faz críticas duras e rasas sobre mais de vinte PICS, além da Psicanálise.  As PICS e outras formas não hegemônicas e não medicamentosas de cuidados com a saúde não têm como proposta substituir ou negar a Medicina moderna ou Biomedicina, mas sim complementar, agir em nas dimensões humanas que não estão ao alcance da medicina moderna, pois esta também tem as suas limitações.

A autora do livro citado acima, inclusive sugeriu a retirada das PICS do Sistema único de Saúde, alegando que são práticas sem comprovação científica e acarretam custos para o sistema de saúde. No entanto, pesquisas qualitativas realizadas em unidades básicas de saúde, indicaram uma redução de 95% no consumo de medicamentos pelos usuários das PICS, além de uma redução de dores na coluna de 95% dos usuários entre redução dos casos de hipertensão, ansiedade e aumento do bem-estar (Santos, 2025).

O reconhecimento das PICS e de todas as formas não hegemônicas de cuidados com a saúde não substituem e nem negam a ciência, mas contribuem de forma eficiente para a saúde e bem-estar da população, por isso são reconhecidas como práticas complementares da saúde e o diálogo entre as diferentes formas de ciência, e cuidado que aconteceu no ato de sua valorização e implementação precisa ser retomado.

 

2.3 HABERMAS E O DISCURSO LIVRE DE COAÇÃO

A maneira como os indivíduos acessam e constroem informações foram modificadas profundamente com a expansão das redes sociais nos últimos anos. Os algoritmos assumem o papel de mediadores das informações, organizando os fluxos e reforçando crenças já estabelecidas ao favorecer a formação das bolhas informacionais. A era informacional das redes sociais enfraquece o pensamento crítico e o debate público plural (Costa, 2025).

O ambiente formado pelas redes sociais digitais diferente do que propões Habermas, desfavorece um discurso ético e livre de coação. Um discurso que busque um entendimento mútuo, livre de influências coercitivas deve ser construído a partir de um diálogo racional, para que seja alcançado um entendimento mútuo, que substitua a ação estratégica para que um acordo seja assim alcançado (Buttner, 2021).

Em sua teoria, Habermas (1989), privilegia a comunicação endereçada ao acordo mútuo, no entanto a aplicação desta teoria nas redes sociais é um grande desafio, pois o espaço público online é guiado por ações estratégicas, manipulação e formação de bolhas e não por ações comunicativas (Buttner, 2021). O espaço criado pelas redes sociais não depende de critérios científicos, mas de cálculos voltados á permanência online (Costa, 2025).

     Nos meios tradicionais de comunicação, a mediação era principalmente editorial e institucional, e a mesma informação alcançava pessoas com crenças diversas. Na era digital, orientada por algoritmos, as informações são hierarquizadas e organizadas de acordo com os padrões de consumo e engajamento dos usuários, além de reforçar crenças e predisposições emocionais existentes. A esfera pública digital não se constitui como um espaço plural e democrático, mas sim como diversas esferas parciais marcadas, muitas vezes marcadas por hostilidades (Costa, 2025). Já existem pesquisas publicadas que trazem resultados que os algoritmos entregam mais conteúdos com teor negativo, por gerarem mais cliques e compartilhamentos (Costa, 2025).

Retomando a discussão central sobre a desqualificação das PICS pelas redes sociais, elas normalmente vêm carregadas de teor negativo, deboches, discursos persuasivos e títulos que englobam todas essas características. O livro que refiro na primeira parte deste texto, escrito por uma Bióloga, com o título “Que bobagem”, desqualifica diversas PICS, além da Psicanálise. A autora em suas redes sociais se refere a tais práticas como pseudociências e publica vídeos desrespeitosos, carregados de um discurso persuasivo e de poder. Em um de seus vídeos ela tenta explicar de uma forma irônica como a Homeopatia não funciona. A mesma, influenciou outras pessoas a fazerem vídeos com o mesmo teor de conteúdo.

 Em outro perfil com 452.000 seguidores, um profissional da saúde faz um vídeo com o título “Como uma pseudociência é construída”.  O vídeo mostra uma pessoa tentando encaixar uma tomada de três pontas em um adaptador de duas pontas. Depois ele junta os dois adaptadores e permanece tentando encaixar e posteriormente mais um adaptador de tomada em que ele encaixa cada pino em uma parte do adaptador. Divertido, irônico e desrespeitoso o vídeo teve 8.392 curtidas e 1.818 compartilhamentos, mostrando como o discurso de poder, carregado de ironia e teor negativo tem fluidez.

 

2.4 A TEORIA DO REGIME DE VERDADE DE FOUCAULT

O discurso de desqualificação direcionado às formas não hegemônicas de cuidados com a saúde, em especial às PICS pelas redes sociais pode ser compreendido a partir da teoria dos “Regimes de verdades” do Filósofo Michael Foucault (1972).  Para Foucault a verdade não pode ser dissociada das relações de poder e para que esta relação seja amenizada, deve haver uma ruptura epistemológica sobre a noção cartesiano- determinista (Vieira e Brito, 2015).

O Regime de verdade pode ser compreendido como um conjunto de regras e instituições que determinam o que é considerado verdadeiro em uma sociedade. Baseado em um processo de exclusão, presentes no mundo ocidental, e em teorias ainda hegemônicas da ciência positivista, produzem verdades sobre o que é diferente (Coimbra e Nascimento, 2001).

O discurso de desqualificação sobre as práticas de saúde que possuem uma lógica, dinâmica e comprovações diferentes das práticas da ciência moderna passam pela relação de poder e verdade absoluta da ciência positivista.  Para começar, quando falamos das PICS, estamos falando de práticas de origens diversas, umas milenares e outras mais recentes, algumas com pouco grau de objetividade e outras mais, portanto umas mais passiveis de serem protocoladas e outras impossíveis de seguirem qualquer protocolo, e por isso algumas práticas podem ser aplicadas às metodologias usadas pelas ciências positivistas e outras não. Porém, a partir do século XIX, as verdades são dadas pelas ciências positivistas e o os saberes que nela não se enquadram, não existem ou não são verdadeiros (Coimbra e Nascimento, 2001).

Para Foucault a ciência positivista não estabelece relações com os diferentes saberes que estão no mundo.  “Ao contrário, têm desqualificado uns como não competentes, sobrepondo outros considerados científicos e, portanto, verdadeiros. Chama de saberes dominados os considerados abaixo do nível requerido pelos postulados da cientificidade” (Coimbra e Nascimento, 2001, p 246). Quando dizem que tais práticas são consideradas pseudociência demonstram que a ciência é a única verdade, ou ainda que a medicina científica moderna é a única forma de cuidado com a saúde, e que os seus praticantes são os únicos verdadeiros e o resto pode inclusive ser desqualificado de forma arrogante como pseudocientistas e charlatões.

As PICS são um conjunto de práticas com origem em diferentes culturas, como a Medicina chinesa, indiana, africana e outras que apesar de não serem tradicionais, foram formuladas a partir das suas bases teóricas.  Constituem formas de cuidados com a saúde diferentes da medicina alopática, hegemônica, priorizam a integralidade e são fortes ferramentas para a prevenção de doenças e tratamento de doenças crônicas, permitem que o indivíduo alcance melhorias que vão além do seu quadro patológico, mas também na sensação de bem-estar e melhor convívio social (Kos, 2023).

Apesar dos benefícios constatados pelos profissionais e usuários dessas práticas ao longo dos anos, demonstrando que pode haver um diálogo que complemente diversos saberes e práticas de saúde em benefício da população, o discurso da verdade vindo da ciência, alinhado com as relações de poder do mercado médico e Big Farma permanecem como um discurso hegemônico, arrogante e excludente. As narrativas construídas a partir dos regimes de verdade, são carregadas de significados, sublimando determinados saberes, culturas e formas de dominação e desqualificando outros (Vieira e Brito, 2015). 

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A exclusão e desqualificação de Práticas não hegemônicas de cuidados com a saúde acontece ao longo dos anos. Saberes e conhecimentos de culturas orientais, principalmente após o nascimento da ciência e avanço da Medicina moderna ocidental são olhados com desconfiança por parte da comunidade científica. 

O alinhamento do mercado médico, escolas de medicina e indústria de medicamentos que acarretou na exclusão de disciplinas como a Fitoterapia e ao fechamento de escolas de Homeopatia contribuiu ainda mais com a depreciação de práticas de cuidados com a saúde diferentes da alopatia e Medicina Moderna (Pagliosa, 2008).

O cenário muda a partir da década de 1960 após a insatisfação da população com as relações entre os profissionais da saúde e pacientes, efeitos colaterais dos medicamentos alopáticos, entre outras razões que acarretaram na popularização de práticas como Acupuntura, Homeopatia, Yoga e Meditação no Ocidente, virando um grande modismo entre a classe média e na década de 1990 com o interesse e reconhecimento dessas práticas pelo Ministério da Saúde, que no Brasil, fomentou a inclusão das PICS no SUS, através da criação de uma política pública, permitindo o acesso á essas práticas por parcela da população que antes não podia optar por esses tratamentos.  Nesse momento foi possível um diálogo entre a Medicina Moderna e as Medicinas Tradicionais, e a aceitação das PICS como parte complementar dos tratamentos da população. No entanto tudo parece mudar e de forma brusca após a pandemia do COVID 19, sendo essas práticas agora comparadas ao movimento do negacionismo e anticiência.

O quadro muda de contexto com as novas formas de informação, as redes sociais, que têm como mediadores os algoritmos que fomentam a publicação de conteúdos negativos e a formação de bolhas informacionais, que impedem um discurso livre de coação e que possa levar a um entendimento mútuo como propões Habermas.

O discurso de poder e da verdade, clássico da ciência positivistas e de seus praticantes não aceitam saberes diversos e nada que fuja do seu grau de entendimento e isso impossibilita um diálogo entre diversas Medicinas e formas de cuidado com a saúde.

Reconstruir esse diálogo é necessário, principalmente neste momento em que as redes sociais remodelaram as formas de acesso, construção e disseminação de informações.  Para que um diálogo exista também se faz necessário o incentivo á pesquisas na área das PICS, e maior esclarecimento sobre as limitações e graus de objetividade que algumas dessas práticas apresentam. Complementar essas medicinais e avançar para uma saúde preventiva é um grande caminho para o fortalecimento do SUS e qualidade de vida da população.

 

REFERÊNCIAS

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VIEIRA. D. D.; BRITO. L.T. A. Verdade e poder em Michel Foucault: um projeto genealógico.

 

 

 



[1] Doutora em Geografia e Meio Ambiente

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