DOMINAÇÃO COLONIAL E CONTROLE NEUROTECNOLÓGICO

o futuro da regulação tecnológica

Paulo Ricardo Silva Lima[1]

Universidade Federal de Pernambuco

pauloricardo.silvalimma@outlook.com

Pedro Pedro Ygor Café Paes Lira [2]

pedro.lira.2022@alunos.uneal.edu.br

Diego Henrique Barros Melo[3]

Universidade Federal de Alagoas

diegobarrosweb@gmail.com

Gabriel Cerqueira de Mello Farias [4]

gabriel.farias.2022@alunos.uneal.edu.br

Andrey de Farias Martins Silva [5]

andrey.silva.2023@alunos.uneal.edu.br

João Victor Zimpel Novaes [6]

jvzimpel@gmail.com

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Resumo

O avanço científico e tecnológico tem proporcionado à humanidade experiências e benefícios diversos. Entretanto, o uso irregular das novas descobertas também tem o poder de influenciar no comportamento, nas funções cerebrais e nos direitos fundamentais do indivíduo, trazendo, assim, discussões no âmbito do Direito e da Psicologia. No Brasil, o neurodireito tem sido objeto da Proposta de Emenda à Constituição de nº 029/2023, a qual busca incluir no rol dos direitos fundamentais a integridade mental e a transparência algorítmica. Dessa forma, o objetivo proposto para este resumo é analisar os fundamentos da Proposta de Emenda à Constituição nº 29 de 2023, que busca incluir no texto constitucional a proteção à integridade mental e à transparência algorítmica. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica e documental de caráter qualitativo. Ainda que a referida Proposta de Emenda Constitucional não tenha sido aprovada, verifica-se que a temática merece uma análise crítica sob a perspectiva das diversas áreas do conhecimento, e em especial do Direito e da Psicologia.

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Neurodireito. Avanço tecnológico.

COLONIAL DOMINATION AND NEUROTECHNOLOGICAL CONTROL

the future of technological regulation

Abstract

Scientific and technological advancements have provided humanity with diverse experiences and benefits. However, the irregular use of new discoveries also has the power to influence behavior, brain functions, and fundamental rights of the individual, thus bringing discussions within the fields of Law and Psychology. In Brazil, neurolaw has been the subject of Proposed Constitutional Amendment No. 029/2023, which seeks to include mental integrity and algorithmic transparency among fundamental rights. Therefore, the objective of this abstract is to analyze the foundations of Proposed Constitutional Amendment No. 29 of 2023, which seeks to include the protection of mental integrity and algorithmic transparency in the constitutional text. This is a qualitative bibliographic and documentary research. Although the aforementioned Proposed Constitutional Amendment was not approved, the topic deserves critical analysis from the perspective of various fields of knowledge, and especially Law and Psychology.

Keywords: Fundamental rights. Neurolaw. Technological advancement.

DOMINACIÓN COLONIAL Y CONTROL NEUROTECNOLÓGICO

el futuro de la regulación tecnológica

Resumen

Los avances científicos y tecnológicos han brindado a la humanidad diversas experiencias y beneficios. Sin embargo, el uso indebido de los nuevos descubrimientos también tiene el poder de influir en el comportamiento, las funciones cerebrales y los derechos fundamentales del individuo, lo que genera debates en los campos del Derecho y la Psicología. En Brasil, el neuroderecho fue objeto de la Propuesta de Enmienda Constitucional N.° 029/2023, que busca incluir la integridad mental y la transparencia algorítmica entre los derechos fundamentales. Por lo tanto, el objetivo de este resumen es analizar los fundamentos de la Propuesta de Enmienda Constitucional N.° 29 de 2023, que busca incorporar la protección de la integridad mental y la transparencia algorítmica en el texto constitucional. Se trata de una investigación cualitativa, bibliográfica y documental. Si bien la mencionada Propuesta de Enmienda Constitucional no fue aprobada, el tema merece un análisis crítico desde la perspectiva de diversos campos del conocimiento, en especial el Derecho y la Psicología.

Palabras clave: Derechos fundamentales. Neuroderecho. Avance tecnológico.

1 INTRODUÇÃO

Desde a revolução no conhecimento causada pelas ideias freudianas, a sociedade vem cada vez mais se preocupando com a mente e o interior subjetivo do ser. É nesse sentido que crescem os avanços tecnológicos e o estudo nas áreas da neurociência e psicologia comportamental, por exemplo. Tais avanços refletem nas diversas esferas da sociedade, tais como saúde, economia, educação, política e, principalmente, no direito.

O direito como matéria reguladora da sociedade e da conduta humana deve se atentar a todas as ações e relações sociais às quais ele detém em sua vasta tutela. Sendo assim, para Borges (2022), o novo termo “neurodireito” nasce como prerrogativa de proteção da atividade cerebral, garantindo sua regulação e uso ético de tecnologias que a afetam. Em outra perspectiva, Marden e Wykrota (2018) reconhecem que o neurodireito seria um ato interdisciplinar de união entre áreas neurocognitivas e comportamentais que acabam por refletir nos comportamentos que interferem na esfera jurídico-reguladora (teoria da cognição).

Apesar da variação epistemológica, decerto a visão do que se chama comportamento e os fatores que o envolvem e influenciam, isto é, a consciência e a atividade cerebral e o conceito que temos delas, está, novamente, sendo redescoberta e acabando por questionar toda a estrutura que deste pressuposto depende.

Nesta mesma toada, segundo Marden e Wykrota (2018), o neurodireito voltado para a questão jurídica tem se preocupado com premissas como: produzir normas efetivas socialmente, questionar o pressuposto do “livre arbítrio legal” ou até mesmo as variáveis que influenciam uma decisão e devem ser levadas em conta, tendo em vista o terceiro legitimado para resolver o conflito, o qual, anteriormente, se conjecturava ser dotado de uma racionalidade e imparcialidade inteligíveis.

Essa concepção traz novos desdobramentos para diversos ramos e teoremas do direito, uma vez que, majoritariamente, se apoiam tão somente na presunção razoável de que o indivíduo possui racionalidade e consciência de seus atos e consequências provenientes deles, sendo um ser dotado de plena autonomia na tomada de decisões (Marden; Wykrota, 2018).

Nesse ínterim, essa delicada compreensão de que o indivíduo não é dotado de tamanho livre-arbítrio, e sim condicionado à amarras biológicas e, inconscientemente, às influências externas, colocaria à luz os poderes e suas atuações, postulados jurídicos e legislações inteiras para serem analisados sob uma ótica totalmente nova e divergente do caminho até então seguido. Além disso, o neurodireito, em decorrência de sua vasta abrangência e por tratar da mente humana e suas influências de maneira total, acaba por chegar em searas quase infindáveis.

Nesse sentido, também assume o papel de se tornar garantia contra abusos desses mesmos avanços tecnológicos dos quais faz-se usufruto na atualidade. São garantias que, de forma irradiante, regulam desde matérias como ciberespaço e neurotecnologia, juntamente ao acesso equânime dessas tecnologias, até temas abstratos como direito à liberdade de escolha e autodeterminação, privacidade mental e proteção contra vieses (Borges, 2022).

Esta vertente, a qual este estudo dará enfoque, é objeto de debate há muito tempo, apesar de terem intensificado sua discussão e implementação recentemente. É diante disto que Norberto Bobbio, ilustre jurista italiano, temendo os avanços tecnológicos, já proferia os direitos humanos de 4º geração como sendo os que tratavam da regulação da engenharia genética, abrangendo a própria integridade genética e sua manipulação, ou seja, garantindo uma proteção ao patrimônio genético individual daquele ser humano (Bobbio, 2004).

Assim, o neurodireito passaria a atuar como garantia, protegendo os dados neurais e  cerebrais, juntamente à integridade neuropsíquica do indivíduo e as matérias que permeiam esta senda. Portanto, com a intensificação da demanda, medidas começaram a ser tomadas em vários países do globo.

Sob essa perspectiva, para que tal preocupação com a dignidade da pessoa humana seja assegurada, se faz necessária a positivação de tal proposição nos ordenamentos internos das respectivas nações, mais precisamente, dado à relevância do tema, em suas Cartas Magnas, para que adquiram uma roupagem de direitos fundamentais (Cipriani; Krespsky, 2023).

É sob essa ótica que o Chile, de forma inédita, estabelece tal prerrogativa para sua Constituição, haja vista que foi acatada a proposta de alteração da redação de seu Art. 19. Esta alteração inclui no parágrafo 1º deste mesmo artigo que o desenvolvimento científico e tecnológico deverá estar a cargo das pessoas, observando a integridade psíquica e física, e, ainda, que lei específica regulará as condições e restrições da sua utilização envolvendo seres humanos, sendo-os assegurada a liberdade de escolha e consentimento (Chile, 2021).

Atualmente, inexiste dispositivo legal brasileiro vigente para tal matéria em específico. Por conseguinte, existem, atualmente, dois Projetos de Lei, nº 1.229 e nº 522 do ano de 2022, que permeiam inclusões e alterações na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), de 2018, partindo do pressuposto da proteção de dados em prol da intimidade, privacidade mental, autonomia do ser e minoração das desigualdades e preconceitos proveniente da maliciosa utilização dos dados (Cipriani;  Krespsky, 2023).

Diante do exposto, insta constar a existência do PL nº 2.174, de 2023, que não trata de alteração da LGPD, mas de elencar as proteções e direitos fundamentais inerentes à atividade neurológica do sujeito (Brasil, 2023). Então, o supramencionado dispositivo traz de forma clara em seu art. 2º que

Os Neurodireitos são os direitos fundamentais relacionados ao cérebro e ao sistema nervoso humano, incluindo, mas não se limitando a: I - Direito à integridade cerebral e neurológica; II - Direito à privacidade cerebral e neurológica; III - Direito à liberdade cognitiva; IV - Direito à igualdade cognitiva; V - Direito à educação e à informação neurocientífica; VI - Direito à autonomia pessoal e ao livre arbítrio; VII - Direito à não discriminação baseada em características neurológicas (Brasil, 2023).

Todavia, apesar das legislações anteriormente citadas serem normas infraconstitucionais, o constituinte derivado brasileiro também exprime sua preocupação acerca da problemática ao afirmar a pretensão de implemento deste dispositivo garantidor em sua Carta Constitucional, por meio da Proposta de Emenda à Constituição nº 29, do ano de 2023, a qual será minuciosamente analisada nos parágrafos posteriores. Diante do exposto, o objetivo central desta pesquisa é analisar os fundamentos da Proposta de Emenda à Constituição nº 29 de 2023 que busca incluir no texto constitucional a proteção à integridade mental e à transparência algorítmica.

 

2 METODOLOGIA

O presente trabalho trata de uma pesquisa bibliográfica e documental, de cunho exploratório com caráter qualitativo. Entende-se por pesquisa bibliográfica aquela que “é feita com base em textos, como livros, artigos científicos, ensaios críticos, dicionários, enciclopédias, jornais, revistas, resenhas, resumos” (Lakatos e Marconi, p.33, 2017). Já as pesquisas documentais utilizam documentos que não passaram por um tratamento analítico, como legislações, ofícios, memorandos, dentre outros.

Dessa forma, foram analisados artigos científicos sobre a temática do neurodireito e mais especificamente foi analisada a PEC nº 29/2023. Já o tratamento de dados se deu de forma qualitativa, uma vez que se adequa ao aspecto crítico e analítico do substrato da matéria em pauta, e, concomitantemente, a pesquisa é exploratória devido à investigação e levantamento das hipóteses.

 

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

No tocante à proteção dos dados pessoais, vigora, desde o ano de 2019, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que tem por objetivo assegurar de forma mais específica um dos direitos fundamentais, elencado no artigo 5º da Constituição Federal Brasileira: o direito à privacidade. Após o crescimento estarrecedor das big techs impulsionado pelos grandes avanços tecnológicos, essas empresas acabaram por obter uma fonte infinita de dados, por meio de redes sociais, aplicativos de chat ao vivo, mapas online e softwares de busca, que são usados diariamente e mundialmente. Grande parte deles são dados neurais, que é quando os usuários compartilham apenas ao utilizar esses softwares. Dessa realidade, surge uma questão ainda mais delicada e atual: a comercialização e utilização das ferramentas algorítmicas para a manipulação desses usuários e seus limites éticos e normativos.

Nesse sentido, surgem os chamados “neurodireitos”, temática ainda pouco difundida. Seguindo essa linha de raciocínio, esse debate está aflorado na América, mais especificamente na América Latina. Com base nisso e na identificação dessa necessidade, foi elaborada no Senado brasileiro a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Nº 29, de 2023, de autoria do então senador Randolfe Rodrigues (1° signatário).

Quanto ao conteúdo da referida PEC, é destacada a conexão entre o cérebro humano e os aparelhos digitais e a importância fundamental de uma “transparência algorítmica”, fundamentada na responsabilidade estatal de preservar a plena participação em sociedade dos indivíduos de maneira a atender ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Consequentemente, assim, garantir a integridade física e psíquica do ser humano, precisando se mostrar presente no que para muitos teóricos seria a nova Era do Direito, estando ligado de maneira intrínseca à nova organização social instalada pela disseminação das relações humanas em meios digitais e suas influências neurológicas (Pedroza, 2023).

Dito isto, a PEC tem por objetivo inserir à Constituição e tornar os neurodireitos parte do rol de direitos fundamentais listados no art. 5º, fornecendo segurança jurídica aos bens jurídicos tutelados da liberdade, igualdade e privacidade. A PEC também busca reger a relação entre empresas que adquirem e tratam dados pessoais de consumidores de seus serviços, o que se mostra uma dinâmica diagonal entre as partes, devendo a lei estabelecer a igualdade fática no negócio entre estas.

 

4 CONSIDERAÇÃO FINAL

Com o advento da inteligência artificial e o viés algorítmico em todas as plataformas digitais, essa proteção pretendida pela PEC Nº 29, de 2023 se torna ainda mais essencial, tendo em vista que os algoritmos atribuem às pessoas desejos de consumo, preferências e necessidades. Dessa maneira, é notório que o pensamento humano tornou-se um elemento valioso para quem o detém massivamente pela capacidade de manipulação e facilidade de transformar o usuário assíduo em dependente. Por fim, se valendo da máxima de que “a internet não é terra de ninguém”, clarifica-se ainda mais a importância da positivação jurídica na Carta Magna do Brasil a respeito do ambiente digital e seus bastidores pouco conhecidos pela população.

REFERÊNCIAS

BOBBIO, N. A era dos direitos. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BORGES, G. S. Metaverso: Diretrizes para sua construção responsável e os neurodireitos como direito humano. Revista Humanidades e Inovação, v. 9, nº 18, Palmas - TO. Disponível em: https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/7860. Acesso em: 25 maio 2024.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei no 2.174, de 26 de abril de 2023. Estabelece as normas e princípios para proteção dos direitos fundamentais relacionados ao cérebro e ao sistema nervoso humano, objetivando garantir a proteção e promoção dos neurodireitos dos indivíduos. Brasília, 2023. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra? codteor= 2288518&filename=Avulso%20PL%202174/2023. Acesso em: 25 maio 2024.

BRASIL. SENADO FEDERAL. Proposta de Emenda à Constituição Nº 29, de 2023. Altera a Constituição Federal para incluir, entre os direitos e garantias fundamentais, a  proteção à integridade mental e à transparência algorítmica. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=9386704&ts=168927 6688763&disposition=inline. Acesso em: 25 maio 2024.

CHILE. CONSTITUCIÓN POLÍTICA DE LA REPÚBLICA, 2024.  Disponível em: https://www.camara.cl/camara/doc/leyes_normas/constitucion.pdf. Acesso em: 25 maio 2024.

KREPSKY, G. M.; CIPRIANI. T. Neurodireitos: uma comparação entre a alteração constitucional do Chile e as propostas de lei no Brasil. Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.16,n.10, p. 23967-23984, 2023. Disponível em: https://ojs.revistacontribuciones.com/ojs/index. php/clcs/article/view/2825/1944. Acesso em: 25 maio 2024.

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. de A. Fundamentos de metodologia científica. 8. ed. – São Paulo: Atlas, 2017.

MARDEN, C.; WYKROTA, L. M. Neurodireito: o ínicio, o fim e o meio. Revista Brasileira de Políticas Públicas, Brasília, v.8, nº 2, p.48-63, 2018. Disponível em: https://www.publicacoes.uniceub.br/RBPP/issue/view/244. Acesso em: 25 maio 2024.

PEDROZA, J. Neurodireitos, os novos direitos humanos: Como o sistema do direito absorve complexidades e as inclui no ordenamento jurídico segundo a Teoria Autopoiética de Niklas Luhmann. VIII Congresso Internacional de Direito de Coimbra, v. 8, nº 1, 2023. Disponível em: https://www.trabalhoscidhcoimbra.com/ojs/index.php/anaiscidhcoimbra/article/view/3033. Acesso em: 25 maio 2024.



[1] Doutor em Ciência da Informação – UFPE

[2] Graduando em Direito

[3] Graduando em Direito. Mestrando em Ciência da Informação – UFAL

[4] Graduando em Direito

[5] Graduando em Direito

[6] Graduando em Administração Pública

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