FRAGMENTAÇÃO DA ESFERA PÚBLICA E REDES SOCIAIS

uma proposta de atividade prática com alunos do ensino médio

Carlos Rodrigo Viana Galdino[1]

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

 rodrigosfo@hotmail.com

Bárbara Gabriella da Silva Paiva [2]

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

 barbaragabriella@alu.uern.br

Marcelo Henrique de Queiros Silva [3]

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

 marceloqueiros@alu.uern.br

Rosalvo Nobre Carneiro [4]

Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

rosalvonobre@uern.br

______________________________

Resumo

Na perspectiva habermasiana, a esfera pública se constitui como o espaço entre a sociedade civil e o sistema político, estabelecendo-se como central em sua concepção de democracia deliberativa. No entanto, com o avanço das tecnologias e das novas formas de comunicação, as mídias e redes sociais acabaram por proporcionar a ascensão de espaços alternativos em que a opinião pública é formada, instituindo uma série de novos desafios, como a polarização e a fragmentação do próprio debate público. Nesse sentido, objetivou-se, no presente trabalho, descrever uma proposta de atividade prática realizada com os alunos do Ensino Médio de uma rede pública. Por meio de uma abordagem qualitativa, foi proposta, como atividade prática para a sala de aula, a seleção e a análise das discussões realizadas em comentários de uma plataforma de vídeos, a fim de verificar o uso da linguagem e a forma como as interações sociais são construídas. Espera-se, com o trabalho, proporcionar discussões no contexto educacional sobre como o diálogo é estabelecido nos ambientes digitais, bem como integrar as potencialidades do arcabouço teórico de Habermas para o uso da linguagem com vistas à formação de entendimentos intersubjetivos.

Palavras-chave: Esfera pública. Fragmentação. Redes sociais.

FRAGMENTATION OF THE PUBLIC SPHERE AND SOCIAL NETWORKS

a proposal for a practical activity with high school students

Abstract

From a Habermasian perspective, the public sphere constitutes the space between civil society and the political system, establishing itself as central to his conception of deliberative democracy. However, with the advancement of technologies and new forms of communication, social media and networks have led to the rise of alternative spaces where public opinion is formed, instituting a series of new challenges, such as polarization and fragmentation of public debate itself. In this sense, the present work aimed to describe a proposed practical activity carried out with high school students from a public school system. Through a qualitative approach, the selection and analysis of discussions held in comments on a video platform was proposed as a practical classroom activity, in order to verify the use of language and how social interactions are constructed. This work aims to foster discussions in the educational context about how dialogue is established in digital environments, as well as to integrate the potential of Habermas's theoretical framework for the use of language with a view to forming intersubjective understandings.

Keywords: Public sphere. Fragmentation. Social networks.

FRAGMENTACIÓN DE LA ESFERA PÚBLICA Y LAS REDES SOCIALES

propuesta de una actividad práctica con estudiantes de bachillerato

Resumen

Desde una perspectiva habermasiana, la esfera pública constituye el espacio entre la sociedad civil y el sistema político, erigiéndose como elemento central de su concepción de la democracia deliberativa. Sin embargo, con el avance de las tecnologías y las nuevas formas de comunicación, las redes sociales han propiciado el surgimiento de espacios alternativos donde se forma la opinión pública, planteando una serie de nuevos desafíos, como la polarización y la fragmentación del propio debate público. En este sentido, el presente trabajo describe una actividad práctica propuesta para estudiantes de bachillerato de un sistema educativo público. Mediante un enfoque cualitativo, se propuso la selección y el análisis de las discusiones en los comentarios de una plataforma de vídeo como actividad práctica de aula, con el fin de verificar el uso del lenguaje y la construcción de las interacciones sociales. Este trabajo busca fomentar el debate en el ámbito educativo sobre cómo se establece el diálogo en entornos digitales, así como integrar el potencial del marco teórico de Habermas para el uso del lenguaje con el fin de construir entendimientos intersubjetivos.

Palabras clave: Esfera pública. Fragmentación. Redes sociales.

1 INTRODUÇÃO

Conforme a concepção de Habermas (2003), a esfera pública diz respeito ao espaço no qual o debate público é constituído, se estabelecendo como uma dimensão entre os indivíduos e a política institucionalizada do Estado. Desde os seus primórdios, a partir de suas raízes na esfera pública burguesa entre os séculos XVII e XVIII, a esfera pública é impactada pelas transformações que ocorrem na sociedade, sobretudo no que diz respeito aos meios de comunicação e na forma como o diálogo em massa é estabelecido.

Nesse contexto, após a centralização da imprensa, dos jornais e da televisão na circulação das informações e na formação da opinião pública nos séculos XIX e XX, a ascensão das novas formas de mídia e de comunicação digital do século XXI impactaram diretamente a forma como a esfera pública contemporânea é estabelecida. Ao proporcionar o amplo acesso à informação, o compartilhamento de ideias e a criação de conteúdos comunicativos, mas sem necessariamente perpassar pelo uso de uma racionalidade e ética nos discursos proferidos, o espaço de debate e diálogo da esfera pública contemporânea enfrenta desafios relacionados à sua fragmentação, havendo a minimização de suas potencialidades enquanto espaço construtor de entendimentos e de uma opinião pública verdadeiramente democrática (Habermas, 2023).

 Torna-se relevante, nesse sentido, refletirmos acerca de como os diálogos e as opiniões públicas são construídas nesses novos espaços de comunicação digital. Dessa forma, pode-se problematizar os fundamentos que regem o uso da fala e o proferimento dos discursos nessas praças públicas contemporâneas na própria formação dos indivíduos, enquanto futuros cidadãos e integrantes dessa nova esfera pública. Para tanto, a formação escolar pode vir a desempenhar um papel fundamental no exercício desse processo reflexivo.

Conforme destacam Menezes e Andrade Neto (2018), o ambiente educativo é caracterizado por se constituir como um espaço ideal e desafiador para a prática da experiência argumentativa segundo a concepção habermasiana, dada a exigência do uso de diálogos tendo em vista a sua validação intersubjetiva, formuladas com base nos melhores argumentos. Desse modo, a presença de tal concepção de comunicação e interação social pode possibilitar a formação de sujeitos e de discursos mais atentos e exigentes, proporcionando uma tomada de decisões mais efetiva pelos seus participantes (Menezes; Andrade Neto, 2018).

Isto posto, objetiva-se, no presente trabalho, descrever uma atividade prática realizada com os alunos da terceira série do Ensino Médio de uma escola da rede pública estadual na cidade de São Francisco do Oeste-RN, durante a disciplina de Língua Portuguesa. A partir de uma abordagem qualitativa, caracterizada por integrar as concepções e perspectivas dos sujeitos participantes (Yin, 2016), a atividade prática desenvolvida em sala de aula consistiu na seleção e análise de comentários presentes em um vídeo que apresentava um debate entre indivíduos, na plataforma social de vídeos YouTube, a fim de proporcionar a verificação, por parte dos próprios estudantes da turma, do uso da linguagem e da forma como as interações sociais são construídas nesses espaços digitais de comunicação.

Dessa forma, a atividade prática foi operacionada a partir de duas etapas. Em um primeiro momento, foi exibido um vídeo em alta no YouTube no mês de agosto, que trazia um debate entre um empreendedor e 30 funcionários. Neste momento, após a exibição do vídeo, foi conversado com a turma sobre as impressões que eles tiveram sobre o debate, procurando saber se houve uma comunicação respeitosa, se os argumentos eram racionais, se houve uso da emoção e, principalmente, se os estudantes perceberam a criação de consensos entre os atores praticantes da fala.

No segundo momento da atividade, os alunos foram divididos em trios e direcionados a explorar a seção de comentários no vídeo em questão, com o uso de um notebook e caderno e lápis para anotações. Assim, buscou-se orientar na sala de aula, por meio da ação dos alunos, a análise dos comentários dos que assistiram ao debate na perspectiva de perceberem se há criação de consensos, linguagem respeitosa e outros achados. Em seguida, as respostas foram compartilhadas em grupo e anotadas coletivamente na plataforma de murais digitais Padlet.

Espera-se, com o presente trabalho, fundamentar discussões no cenário educacional a respeito de como o diálogo é construído nos espaços digitais, assim como integrar as potencialidades do arcabouço teórico de Habermas (2023) para o uso da linguagem com vistas à formação de entendimentos intersubjetivamente compartilhados, bem como para a construção de uma esfera pública dialógica e democrática.

Além dessa introdução, a estrutura do artigo encontra-se delimitada pela seção que integra as discussões teóricas sobre o conceito de esfera pública e a sua fragmentação no mundo digital e os resultados da pesquisa, em que apresentamos o relato de experiência da atividade prática desenvolvida com uma turma de terceira série do Ensino Médio. Por fim, tecemos nossas considerações finais sobre o trabalho realizado.

 

2 ESFERA PÚBLICA E SUA FRAGMENTAÇÃO EM UM MUNDO DIGITAL

O conceito de esfera pública é instituído por Jürgen Habermas em sua obra Strukturwandel der Öffentlichkeit (Mudança estrutural da esfera pública), lançada no ano de 1962. Sob a perspectiva de Habermas (2003), a esfera pública pode ser caracterizada como um espaço ou arena em que o debate público é estabelecido, com vistas à discussão e à formação da opinião coletiva, fundamental para a efetiva participação popular no processo das decisões democráticas. Nesse sentido, ao se estabelecer como uma base para a formação da opinião pública, a esfera pública operaciona entre a dimensão do indivíduo e da esfera política como uma força representativa da sociedade civil em direção aos governos democraticamente eleitos.

Ao discorrer sobre a concepção de esfera pública, Habermas (2003) remonta em sua obra, primeiramente, as discussões em torno dos conceitos do que é privado e público. Assim, a partir da categorização das cidades-gregas, a esfera da polis se institui como comum a todos os cidadãos livres, enquanto a esfera de oikos diz respeito às vidas particulares de cada indivíduo. Dessa forma, conforme Habermas (2003), a reprodução da vida, os serviços dos escravos e das mulheres, bem como o reino das necessidades, se fazem dominadas pela esfera privada, se contrapondo à esfera pública, evidenciada pelos gregos como um reino de liberdade e continuidade. Em suas palavras:

Só à luz da esfera pública é que aquilo que consegue aparecer, tudo se torna visível a todos. Na conversação dos cidadãos entre si é que as coisas se verbalizam e se configuram; na disputa dos pares entre si, os melhores se destacam e conquistam a sua essência: a imortalidade da fama. Assim como nos limites do oikos a necessidade de subsistência e a manutenção do exigido à vida são escondidos com pudor, a pólis oferece campo livre para a distinção honorífica: ainda que os cidadãos transitem entre iguais entre iguais (homoioi), cada um procura, no entanto, destacar-se (aristeiein). As virtudes, cujo catálogo Aristóteles codifica, mantêm apenas na esfera pública: lá é que elas encontram o seu reconhecimento (Habermas, 2003, p. 16)

Conforme destaca Barros (2008), com a ascensão do Estado Absolutista ao longo dos séculos, bem como o advento do capitalismo, novas esferas públicas surgiram e se estabeleceram como espaços de resistência frente às autoridades estatais, como, por exemplo, a esfera pública burguesa. Fatores como o surgimento dos centros urbanos, e a consequente intensificação das trocas comerciais, possibilitaram o encontro e as discussões de interesses em comum dos cidadãos livres, se instituindo, para Habermas (2003), como embriões da esfera pública, embora ainda estivesse restrita a uma pequena parcela da sociedade, isto é, aos próprios burgueses. 

Isto posto, a partir do século XIX, sobretudo em meados do século XX, as sociedades capitalistas modernas passaram a se organizar sob o modelo do Estado de bem-estar social. Nessa circunstância, a separação entre o Estado e a esfera privada, fundamento base da esfera pública burguesa, passa a se tornar menos nítida, dados os processos de intervenção do Estado, como a regularização da economia com vistas à manutenção do próprio sistema capitalista e à redução de seus efeitos nocivos em setores sociais menos favorecidos (Dantas, 2022).

É nesse contexto histórico e social que Habermas (2003) estabelece suas discussões sobre as mudanças e transformações na esfera pública. Em sua perspectiva, a crescente interferência de setores privados na esfera pública, bem como a contínua expansão do público na mesma esfera, acabou gerando uma decadência de suas dimensões críticas a respeito da realidade política vigente. Como consequência, sobretudo a partir da ascensão da mídia e dos meios de comunicação em massa, há uma transição do público que pensa a cultura para um público que apenas a consome (Habermas, 2003).

Assim, para Habermas (2003), a esfera pública assume, nesse sentido, as funções de propaganda. Dessa forma, se em sua origem a imprensa exercia um papel central enquanto fonte de informação qualificada para a construção de um pensamento crítico na sociedade, nesse referido contexto ela passa a integrar os seus interesses privados ou de terceiros, impactando e influenciando a formação política e econômica dos indivíduos, reduzindo o estabelecimento de uma opinião pública que de fato se baseie nos interesses reais dos cidadãos.

Todavia, com a ascensão dos meios de comunicação alternativos desde os anos de 1990, como a internet, surgem novas discussões em torno da esfera pública, sobretudo no que diz respeito às plataformas de redes sociais e a função que exercem enquanto praças digitais de comunicação em massa. Tal cenário acaba por integrar tanto potencialidades quanto desafios ao se pensar sobre essa esfera pública contemporânea.

Na sociedade contemporânea, as plataformas digitais tem ganhado cada vez mais espaço. Hoje são vistas como meios centrais para a comunicação, interação social e propagação de informações. No entanto, essa propagação de informações nem sempre é acompanhada pela veracidade, e nesse sentido, conforme destaca Lima (2014, p. 6):

As teorias sobre a esfera pública e os sistemas encontram ressonância nos desafios contemporâneos, como a disseminação de fake news, que transformou a esfera pública em uma "anti-esfera pública". As redes sociais, inicialmente vistas como um espaço privado para poucos, tornaram-se um ciberespaço de trocas culturais e experiências imediatas, conectando pessoas WorldWide em frações de segundos. No entanto, essas plataformas também introduzem regras algorítmicas e comerciais que influenciam a forma como o mundo da vida é experimentado.

Ou seja, as transformações que acontecem na esfera pública moderna estão conectadas com a proliferação das redes sociais, integrando, também, as suas fragilidades. Dessa forma, embora tenham democratizado o acesso à informação, as plataformas de redes sociais começaram a abrir espaço para uma vulnerabilidade no debate racional. Destaca-se entre os seus fatores o fato de os algoritmos que estão por trás dessas redes se concentrarem no lucro e no engajamento de seus usuários, havendo a ênfase na distribuição de conteúdos que atingem a dimensão emocional dos indivíduos. Assim, sem a reflexão racional sobre a validade dos enunciados, tal cenário digital acaba por contribuir para a disseminação de fakes news e a própria fragmentação da opinião na esfera pública. Segundo Habermas (2022, p. 61):

A digitalização hoje transforma todos em potenciais autores. Mas quanto tempo levou para todos aprenderem a ler? As plataformas não fornecem aos seus usuários emancipados um substituto para a seleção profissional e o exame discursivo do conteúdo com base em padrões cognitivos geralmente aceitos.

Compreendemos, assim, uma contradição na relação que é estabelecida pelos usuários e as redes sociais. Aparentemente, todos podem ser produtores de conteúdos, mas nem todos se apropriam de critérios de veracidade para a seleção e o compartilhamento das informações nas redes sociais. Nesse sentido, essa democratização da autoria digital acaba por sujeitar a esfera pública a manipulações e a desinformação, o que nos leva a uma chamada “anti-esfera pública", considerando que a disseminação de informações falsas e a doutrinação imposta pelos algoritmos substituem a argumentação racional. Desse modo, considera-se Lima, Angiolis e Souza (2024, p. 7):

As novas mídias, travestidas de comunicação “igualitária-universalista” liberal, não são mídia no sentido pré-estabelecido. Elas diferem da mídia tradicional, em que a relação entre emissor e receptor é assimétrica, pois descentralizam a conexão entre usuários, na medida em que oferecem o potencial para que qualquer usuário tenha a possibilidade de alcançar status e equidade em relação aos meios midiáticos tradicionais. Isso altera profundamente o caráter da comunicação pública, pois promete dar a todos os cidadãos a possibilidade de ter sua voz pública e um potencial mobilizador, na troca anárquica de opiniões espontâneas.

Nesse contexto, um dos desafios da nova esfera pública é a descentralização comunicativa, ou seja, antes a comunicação era caracterizada pela sua verticalidade, no sentido de que poucas pessoas tinham o poder de disseminar informações falsas, considerando que o poder era centralizado pela televisão e pelos jornais. A era da ascensão das redes sociais na qual estamos vivendo redireciona o poder a todos os sujeitos na esfera pública, dando-lhes voz e visibilidade que são influenciados por meio dos algoritmos.

Como consequência, a ascensão das redes sociais também traz consigo uma falsa ideia de comunicação igualitária. Como os espaços são abertos, tem-se a ideia de que o diálogo é construído de forma justa e igualitária, desconsiderando o papel exercido pelos algoritmos na determinação de quais os discursos que vão ter visibilidade e quais os discursos que serão silenciados e esquecidos dentro dessa nova mídia.

Assim, cada plataforma pode definir o que vai se destacar em seu perfil. Um problema também crescente nesse sentido são os autointitulados influenciadores que, acompanhados por milhares de seguidores nas plataformas de redes sociais, acabam por moldar o debate público sem considerarem, necessariamente, as normas socialmente válidas em seu discurso, priorizando aquilo que lhes convém, o que resulta em uma substituição do diálogo racional pela lógica do maior engajamento. Esteves e Queiroz (2014, p. 16) salientam que:

A participação do usuário no combate à disseminação de falsas informações é essencial, com o intuito de fortalecer sua invulnerabilidade à má informação, em razão do reduzido número de softwares e recursos tecnológicos de exclusão de fake news quando comparados com o enorme volume de notícias geradas diariamente e, para isso, a tecnologia do futuro deve promover ao usuário.

Percebemos que não podemos entender o usuário apenas como um consumidor, mas também como um iniciador da esfera pública digital, que precisa se valer de princípios éticos racionais. Diante disso é preciso investir em uma educação da ética do discurso, para que a esfera pública se constitua de maneira realmente democrática. Pois, conforme aponta Lima (2023, p. 16):

Habermas destaca a importância da ética discursiva e do agir comunicativo na busca por consensos e validade dos discursos na esfera pública. Arendt, por sua vez, ressalta a relação entre verdade e política, abordando os desafios do compartilhamento do mundo comum e a complexa relação entre fatos e veracidade no âmbito político.

Soma-se a isso as discussões em torno da responsabilização das redes sociais enquanto espaços de propagação das informações, dado a sua capacidade de seleção e distribuição dos conteúdos produzidos pelos seus usuários. Fazendo um paralelo com as antigas formas de mídia, Habermas (2024, p. 60) reflete que: 

Diferentemente das agências de notícias tradicionais ou dos editores, como imprensa, rádio ou televisão, a nova mídia não é responsável por seus próprios "programas", ou seja, pelo conteúdo comunicativo produzido de maneira profissional e filtrado por uma redação. Ela não produz, não edita e não delega; porém, ao estabelecer como mediadores "não responsáveis" novas conexões na rede global e, com a multiplicação contingente e a aceleração de contatos surpreendentes, iniciar e intensificar discursos imprevisíveis em termos de conteúdo, a nova mídia muda profundamente o caráter da comunicação pública.

Assim, para Habermas (2023), mesmo que não produzam e nem editem as informações, as plataformas digitais precisam ser responsabilizadas pelos conteúdos que elas distribuem, dado que, nesses espaços digitais, essas informações apresentam força para a formação de opiniões e mentalidades de seus usuários. Torna-se fundamental, em sua perspectiva, que essas informações e conteúdos atendam a padrões cognitivos de juízos, possibilitando uma objetividade do mundo dos fatos e o caráter comum de um mundo intersubjetivamente compartilhado (Habermas, 2023).

Para sairmos dessa era de disseminação de informações falsas, e da consequente fragmentação da esfera pública, a ética do discurso fundamentada por Habermas (2023) pode se mostrar um caminho eficiente, uma vez que indaga o sujeito a pensar racionalmente e convida os usuários a estabelecerem seus diálogos com base em argumentações sustentadas por normas socialmente aceitas por todos. Assim, o pensar sobre uma nova esfera pública nas praças de comunicação digital deve perpassar pela centralidade do debate verdadeiramente público, ético e racional, onde todos possam participar igualmente, com vistas a entendimentos intersubjetivamente construídos. Conforme reflete Carneiro (2022), os espaços se tornam efetivamente públicos quando o grupo de atores sociais, falantes e ouvintes, se reúnem em torno de um tema comum e orientam seus planos de ação na busca por entendimentos.

 

3 PERCEPÇÃO DA DESINTEGRAÇÃO DA ESFERA PÚBLICA NO CONTEXTO DA SEÇÃO DE COMENTÁRIOS EM UM VÍDEO DE UMA PLATAFORMA DIGITAL

Em agosto de 2025, em uma aula de Língua Portuguesa em uma turma de ensino médio de uma escola da rede estadual do Rio Grande do Norte, foi realizada uma atividade de tempestade de ideias em que os estudantes foram convidados a dizer o que sabem sobre o gênero oral debate, além de terem sido questionados sobre quem já tinha participado de um e como foi. Houve um momento de escuta entre a turma e as ideias e concepções que eles diziam expunham eram anotadas no quadro. Após isso, o professor acrescentou algumas outras informações sobre o gênero, mostrando sua natureza argumentativa e dialógica, em que diferentes participantes confrontam ideias e pontos de vista sobre um tema, geralmente polêmico ou controverso.

Em seguida, os estudantes foram encaminhados para a sala de informática e foi apresentado o vídeo intitulado “1 patrão vs 30 demitidos”, disponível na plataforma de vídeos online Youtube. O vídeo trata-se de um debate de 1 hora e 15 minutos de duração, em que cinco temas eram apresentados pelo debatedor, cuja proposta central constitui-se como uma espécie de investigação dialética de temas relacionados às relações de trabalho contemporâneas. O vídeo utiliza, nesse contexto, uma estrutura de confronto direto entre a perspectiva gerencial/empreendedora, representada pelo empresário convidado, e o corpo de colaboradores desligados de outras empresas que aceitaram participar do debate.

A turma assistiu ao debate de duas das cinco pautas: a primeira foi “Empresa não é ONG” e a segunda “Ninguém quer começar de baixo em um emprego”. É importante mencionar que, meses depois de seu lançamento na rede digital de vídeos, a produção em questão já conta com aproximadamente 9 milhões e 500 mil visualizações, o que aponta para sua popularidade imediata, fato que também motivou a escolha deste especificamente.

Em um outro momento, na sala de aula, os estudantes novamente foram ouvidos para levantarmos suas impressões sobre todos os aspectos no debate. Foi pedido, então, que eles redigissem um comentário em seus cadernos que seria postado na própria parte para este fim no vídeo. O objetivo era que eles apresentassem suas impressões sobre os temas debatidos, e argumentassem seus pontos de vista, além de outros aspectos que lhe parecessem relevantes, como a organização do debate, postura dos debatedores e as pautas, por exemplo.

Em uma outra aula, os autores deste trabalho tiveram um momento com a turma em que foram apresentados os principais pressupostos da ação comunicativa de Jurgen Habermas. Na oportunidade, uma breve biografia do pensador alemão foi apresentada, assim como quais são os principais pressupostos e o conceito de esfera pública. Neste ponto, em particular, argumentamos sobre o conceito habermasiano de fragmentação da esfera pública em uma linguagem simples e com exemplos que facilitaram a compreensão dos estudantes, organizados em um mural digital na plataforma Padlet (Figura 1). Em todo este tempo, eles tomaram notas em seus cadernos.

Figura 1 - Mural digital sobre o conceito de esfera pública

Fonte: Arquivo pessoal, 2025.

Após este momento, a atividade prática foi apresentada para os alunos. Em duplas, cada uma pegou um Chromebook e acessou o vídeo estudado com o objetivo de investigarem a seção de comentários, lendo-os e tomando nota se os pressupostos do agir comunicativo se faziam presentes naquele contexto observado. Inicialmente, muitos estudantes apresentaram dificuldades em compreender do que se tratava uma atividade analítica, isto é, que iriam observar as discussões nos comentários do vídeo e verificarem o uso da linguagem feito pelos indivíduos, se havia um diálogo respeitoso, se as ideias eram debatidas e como isso impactava nas interações sociais ali desenvolvidas. Após os esclarecimentos, os estudantes tiveram cinquenta minutos para cumprir a tarefa.

Na aula seguinte, foi o momento de compartilhar os achados. Dessa forma, as duplas apresentaram suas conclusões, que eram ouvidas por todos e anotadas no Padlet. Os estudantes tiveram a chance de mostrar os apontamentos e ouvirem as impressões dos colegas, expondo suas percepções e concordâncias sobre seus resultados. A discussão levantada pelos alunos concentrou-se em tópicos como a importância da linguagem respeitosa, a intolerância e os limites do humor. Uma das sínteses das análises organizadas pelos alunos na plataforma Padlet pode ser verificada nas figuras a seguir (Figuras 2).

Figura 2 – Mural com conclusões dos alunos a partir da análise de comentários

Fonte: Arquivo pessoal, 2025.

Em linhas gerais, é importante lembrar que o vídeo é um ótimo exemplo dos dois pólos da sociedade moderna, o mundo do sistema (representado pelo patrão/empresário e a lógica do mercado) e o mundo da vida, representado pelos demitidos e suas experiências de vida. Habermas (2003) argumenta que a patologia da sociedade moderna reside na colonização do Mundo da Vida pelo Sistema. O Sistema, representado pelo Patrão/Empresário, é onde as ações são direcionadas pelo meio dinheiro/poder e é orientado para o sucesso (lucro, performance, resultado, meritocracia). Logo, seus argumentos ("Empresa não é ONG," "quem não entrega resultado deve ser demitido", por exemplo) demonstram uma lógica puramente sistêmica e instrumental.

Já o Mundo da Vida é bem representado pelos demitidos: ele é coordenado pelo meio entendimento (solidariedade, normas, cultura) e é orientado para a Ação Comunicativa. Os argumentos dos demitidos (exigência de reconhecimento, injustiças pessoais, falta de transparência, experiências de puxa-saquismo em vez de meritocracia, a dificuldade de arrumar emprego, entre outros argumentos apresentados) se baseiam em normas sociais, expectativas morais e na busca por justiça.  

Na lógica dos algoritmos, os comentários mais curtidos e comentados são os que ficam mais em alta, aparecendo primeiro na plataforma. Ali, a "colonização" se manifesta em muitos comentários de usuários que, em vez de buscarem o entendimento mútuo, refletem a instrumentalização das relações. Muitos comentaristas podem se alinhar ao sistema, defendendo que "as regras do mercado são assim e ponto," enquanto outros se solidarizam com o Mundo da Vida, condenando a "desumanização" das relações de trabalho. No geral, os estudantes perceberam que a maioria dos comentários era a favor dos argumentos apresentados pelo patrão.

Outro resultado que foi obtido e levantado pelos alunos é que é provável que a maioria dos comentários em um debate polarizado como este se enquadrem na Ação Estratégica. Neste sentido, eles não buscam um consenso, mas sim a afirmação de uma identidade (mundo da vida do empreendedor ou trabalhador) e a mobilização de apoio. Um comentário que apenas diz "Patrão otário!" ou "Mimizentos, vão trabalhar!", como exemplos reais retirados de lá e salientados pelos estudantes no momento de discussão, é um ato estratégico, pois visa influenciar a opinião de outros, e não dialogar com argumentos, de acordo com Habermas (2003). É nesse sentido que a ausência de iniciativas que visam a construção de entendimentos e de consensos é relatada pelos alunos como uma das principais conclusões de suas análises das discussões realizadas na seção de comentários verificada (Figura 3).

Figura 3 – Destaques apontados pelos alunos sobre os comentários analisados

Fonte: Arquivo pessoal, 2025.

 

Os grupos concordaram que havia muito discurso de ódio nos comentários. A teoria do agir comunicativo se fundamenta na ideia de que a interação humana saudável e racional é baseada no entendimento mútuo, apresentando pretensões de validade (verdade, correção normativa e sinceridade) que podem ser criticadas e defendidas por meio de argumentos racionais. O objetivo e o telos de sua teoria é o consenso entre os interlocutores. Já o discurso de ódio presente em diversos comentários verificados pelos estudantes viola diretamente a concepção de linguagem na perspectiva habermasiana, dado que substitui o entendimento pela intenção estratégica, isto é, o domínio sobre um indivíduo, com vistas ao atingimento de fins anteriormente estabelecidos. O objetivo, nesse discurso observado, não é o convencimento com base em razões ou a chegada de um consenso intersubjetivamente construído, mas sim atacar, silenciar, polarizar ou incitar à violência, usando a linguagem como uma arma.

No entanto, alguns grupos também destacaram a presença de interações sociais nos comentários que fizeram uso de argumentos que se aproximavam de uma racionalidade para defenderem seus pontos de vista, embora em menor número. Um dos exemplos levantados pelos estudantes foi o comentário “se você odeia o rico, você nunca se tornará um”, em que apresentava mais 61 respostas no dia de realização da atividade. Conforme os estudantes, a maioria dos sujeitos que replicaram este comentário específico defendia este ponto de vista, dando exemplos próprios de vida e de superação, como forma de argumentar, sempre de forma respeitosa, apesar da existência de comentários atacando alguns indivíduos, e não exatamente o ponto de vista defendido.

Nesse caso, ao argumentar, os sujeitos levantaram pelo menos duas das "pretensões de validade" que devem ser aceitas ou questionadas em um discurso racional: a verdade (referente ao mundo objetivo), já que, ao usar exemplos próprios de vida e de superação, os sujeitos reivindicam que o que estão dizendo é um relato fiel da realidade (fatos), e também a sinceridade/autenticidade (referente ao mundo subjetivo), pois eles expressam suas convicções de forma transparente e, em suas próprias concepções, com honestidade. Além disso, a ação de argumentar racionalmente e a conduta respeitosa indicam um esforço deste grupo para manter um processo de comunicação racional, onde a força do melhor argumento é o que deveria prevalecer, e não a coerção ou manipulação.

Os estudantes também perceberam que há alguns comentários muito replicados com a tese de que o debate mais parecia uma sessão de terapia com um psicólogo (representado pelo empresário) e pessoas com dores diversas. No geral, concluiu-se que, nesses casos citados, foi usada uma linguagem respeitosa para sustentar esta ideia, inclusive nas réplicas, havendo comentários de indivíduos que concordavam e discordavam do ponto de vista, apresentando razões. Em geral, em tais exemplos, inferimos que as réplicas partiam de concordâncias ou discordâncias do argumento apresentado, não havendo ataques aos indivíduos. De forma geral, conforme as discussões apresentadas pelos alunos, pôde-se observar uma predominância do uso da linguagem não voltada à chegada de consensos ou entendimentos nas sessões de comentários do vídeo verificado da plataforma social Youtube, embora casos específicos em que os indivíduos de fato se aproximavam de um discurso construído a partir do uso da razão em seus argumentos também puderam ser verificados.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho objetivou apresentar um relato de experiência realizado em uma turma da terceira série do Ensino Médio de uma escola estadual, a partir de uma atividade de seleção e análise de comentários presentes em um vídeo de debate público na plataforma Youtube. Nesse sentido, a partir dos resultados obtidos, foi possível constatar a presença de uma ambivalência no que diz respeito à formação da opinião pública nos espaços digitais.

Assim, se os espaços digitais são caracterizados por possibilitarem uma inclusão praticamente irrestrita aos seus usuários, sendo essa uma base fundamental para a concepção de discurso ideal, conforme a perspectiva habermasiana, as dinâmicas e interações sociais observadas na forma como as comunicações são construídas sugerem que o volume de vozes não se traduz, necessariamente, em uma racionalidade comunicativa. Por meio da verificação e análise dos espaços públicos de comentários, realizada pelos próprios alunos, percebeu-se que, embora todos tenham direito à voz, poucos indivíduos tiveram o cuidado de ler outros pontos de vista e apresentar o seu. Predomina-se, assim, a criação de novos comentários isolados, em detrimento do estabelecimento de entendimentos com os outros sujeitos.

Esse padrão indica uma falha na orientação para o entendimento mútuo, a base do agir comunicativo. Nesse cenário, o diálogo cede espaço a um mero acúmulo de monólogos paralelos, resultando em discussões rasas, incapazes de promover a reflexão e o aprendizado intersubjetivo. Portanto, essa conclusão reafirma o que Habermas (2023) discute em sua obra “Uma nova mudança estrutural da esfera pública e a política deliberativa”.

Nesse contexto, a visibilidade dos argumentos é, ademais, orientada por uma lógica de sucesso e êxito, por meio do número de curtidas e comentários, e não pela força racional dos melhores argumentos proferidos pelos atores falantes. O topo das sessões de comentários dos espaços digitais atua como um filtro que prioriza a popularidade em detrimento da validade racional, o que aproxima a interação da Ação Estratégica. Como consequência, no lugar de proporcionar a construção de consensos, tais espaços digitais acabam por apenas reafirmar os pontos de vista já anteriormente estabelecidos pelos indivíduos, se configurando como um espaço de expressão, mas não necessariamente de deliberação pública.

Por fim, com relação aos debates que são estabelecidos nas sessões de comentários na plataforma de vídeos, foi possível observar o não aprofundamento das interações que são construídas, na qual o público participante julga, predominantemente, a validade de uma ideia ou discurso pelo seu poder atrativo, ou seja, pela sua capacidade de engajamento e viralidade, e não pela sua força argumentativa. Salienta-se, ainda, que a função de um fórum de discussão online é servir como uma plataforma para que pessoas com interesses em comum possam interagir, compartilhar informações, ideias e opiniões sobre um determinado tema e, no ideal habermasiano, criar consensos, ou seja, entendimentos intersubjetivamente construídos. Dessa maneira, a incapacidade de transitar da mera expressão para a deliberação efetiva, conforme observado nos comentários pelos próprios alunos durante a execução da atividade prática relatada, compromete a capacidade da esfera pública digital de produzir legitimidade democrática.

                                

AGRADECIMENTOS:

O presente trabalho foi financiado com bolsa de Demanda Social (DS) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).

 

REFERÊNCIAS

BARROS, A. P. F. L. A importância do conceito de esfera pública de Habermas para a análise da imprensa - uma revisão do tema. Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 5, n. 1, 17 set. 2009. Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/arqcom/article/view/671. Acesso em: 6 out. 2025.

CARNEIRO, R. S. Educação geográfica do agir comunicativo: geografia escolar do mundo da vida. Curitiba: Appris, 2022.

DANTAS, J. M. B. R. A sociedade democrática contemporânea e a esfera pública em Habermas. Revista Reflexão e Crítica do Direito, [S. l.], v. 10, n. 1, p. 105–125, 2022. Disponível em: https://revistas.unaerp.br/rcd/article/view/2463. Acesso em: 6 out. 2025.

ESTEVES, F. V.; QUEIROZ, R. C. Z. Políticas públicas de educação digital para o enfrentamento das fake news. Revista do Direito Público, [S. l.], v. 19, n. 2, p. 85–108, 2024. Disponível em: https://ojs.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/45037. Acesso em: 7 out. 2025. 

HABERMAS, J. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Biblioteca Tempo Universitário, 2003.

HABERMAS, J. Uma nova mudança estrutural da esfera pública e a política deliberativa. São Paulo: Editora Unesp, 2023.

LIMA, C. R. M. de; ANGIOLIS, C. G. de M.; SOUZA, L. M. S. de. A regulação democrática da internet: as mudanças da esfera pública e as notícias fraudulentas na pandemia da covid-19. Revista Conhecimento em Ação, [S. l.], v. 9, p. e63731, 2024. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rca/article/view/63731. Acesso em: 13 out. 2025.

LIMA, E. V. A crise da verdade na era digital a ascensão da “antiesfera pública” nas redes sociais. LOGEION - Filosofia da Informação. Maranhão, vol. 11.p.1-23, 2024.

MENEZES, A. de A; ANDRADE NETO, V. Razão comunicativa e esfera pública: aspectos filosóficos e educativos na ótica de Jurgen Habermas. Argumentos - Revista de Filosofia, [S. l.], v. 10, n. 19, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufc.br/argumentos/article/view/32026. Acesso em: 13 out. 2025.

YIN, R. K. Pesquisa qualitativa do início ao fim. Porto Alegre: Penso, 2016.

 



[1] Mestrando em Ensino

[2] Mestranda em Ensino

[3] Mestrando em Ensino

[4] Doutor em Geografia

error code: 521