O MÉTODO ICONOLÓGICO DE ABY WARBURG APLICADO A UM BANCO INDÍGENA

histórico da representação dos bancos indígenas e a coleção BEĨ

Claudia Bucceroni Guerra[1]

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

claudia.guerra@unirio.br

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Resumo

Este texto consiste em um exercício de aplicação do método iconológico de Aby Warburg conforme os objetivos do projeto de pesquisa “A dimensão Iconológica segundo Aby Warburg: uma proposta de descrição contextual de fotografias”. A pesquisa histórica da representação gráfica dos bancos indígenas tem por objetivo a observação da importância do contexto no processo metodológico de Warburg. O método utilizado foi a coleta de imagens na historiografia sobre registros de viajantes e pesquisadores estrangeiros nos territórios amazônico e do Xingu entre os séculos XVI e XIX, bem como a análise de um banco da etnia Palikur sob o ponto de vista do método de Warburg. A originalidade da coleção BEĨ resulta de ações em dar visibilidade e voz ao trabalho artístico das diversas etnias e seus artistas na confecção dos bancos, contrariando a tradição histórica de representação pelo olhar dos exploradores e cientistas europeus. Por fim, na análise do banco Palikur, esculpido pelo artista Uwet Manoel Antônio dos Santos, encontramos equivalências surpreendentes com os escritos de Warburg na sua pesquisa sobre os índios Hopi (Pueblos) no oeste dos Estados Unidos em 1895, confirmando a aplicabilidade de um conceito chave em sua metodologia: as pathosformels (fórmulas de páthos).

Palavras-chave: Banco indígena. Aby Warburg. Método iconológico.

ABY WARBURG'S ICONOLOGICAL METHOD APPLIED TO AN INDIGENOUS BENCH

History of the representation of indigenous benches and the BEĨ collection

Abstract

This text consists of an exercise in applying Aby Warburg's iconological method according to the objectives of the research project "The Iconological Dimension according to Aby Warburg: a proposal for contextual description of photographs". The historical research on the graphic representation of indigenous benches aims to observe the importance of context in Warburg's methodological process. The method used was the collection of images from historiography on records of foreign travelers and researchers in the Amazonian and Xingu territories between the 16th and 19th centuries, as well as the analysis of a bench from the Palikur ethnic group from the point of view of Warburg's method. The originality of the BEĨ collection results from actions to give visibility and voice to the artistic work of the various ethnic groups and their artists in the making of the benches, contradicting the historical tradition of representation through the eyes of European explorers and scientists. Finally, in the analysis of the Palikur stool, sculpted by the artist Uwet Manoel Antônio dos Santos, we find surprising equivalences with Warburg's writings in his research on the Hopi Indians (Pueblos) in the western United States in 1895, confirming the applicability of a key concept in his methodology: the pathosformels (pathos formulas).

Keywords: Native American stool. Aby Warburg. Iconological method.

 

 

 

 

EL MÉTODO ICONOLÓGICO DE ABY WARBURG APLICADO A UN BANCO INDÍGENA

historia de la representación de bancos indígenas y la colección BEĨ

Resumen

Este texto presenta un ejercicio de aplicación del método iconológico de Aby Warburg, en el marco del proyecto de investigación «La dimensión iconológica según Aby Warburg: una propuesta para la descripción contextual de fotografías». La investigación histórica sobre la representación gráfica de bancos indígenas busca observar la importancia del contexto en el proceso metodológico de Warburg. El método empleado consistió en la recopilación de imágenes de la historiografía, incluyendo registros de viajeros e investigadores extranjeros en los territorios amazónicos y del Xingu entre los siglos XVI y XIX, así como el análisis de un banco del grupo étnico Palikur desde la perspectiva del método de Warburg. La originalidad de la colección BEĨ radica en las acciones para visibilizar y dar voz al trabajo artístico de los diversos grupos étnicos y sus artistas en la elaboración de los bancos, contradiciendo la tradición histórica de representación a través de la mirada de exploradores y científicos europeos. Finalmente, en el análisis del taburete Palikur, esculpido por el artista Uwet Manoel Antônio dos Santos, encontramos sorprendentes paralelismos con los escritos de Warburg sobre su investigación acerca de los indios hopi (pueblos) en el oeste de Estados Unidos en 1895, lo que confirma la aplicabilidad de un concepto clave en su metodología: las fórmulas del pathos.

Palabras clave: Taburete nativo americano. Aby Warburg. Método iconológico.

1 INTRODUÇÃO

Este texto consiste em um exercício de aplicação do método iconológico de Aby Warburg conforme as metas do projeto de pesquisa “A dimensão Iconológica segundo Aby Warburg: uma proposta de descrição contextual de fotografias”. Segundo Bredekamp e Diers (apud Warburg, 2013), o conceito de iconologia segundo Warburg parte da forma das obras de artes e da migração de temas, mas desenvolve a compreensão desses temas dentro de um sistema contextual ligado à história cultural. Estes dois conceitos serão trabalhados aqui: a contextualização e a migração de temas ou, para ser mais preciso, o pathoformel (fórmula de páthos) das imagens.

Warburg considerava o contexto importante para a análise das obras de arte em concorrência ao pensamento do tipo positivista dos historiadores de arte do seu tempo, final do século XIX. Sua proposta era ciar uma nova ciência, que denomina “ciência sem nome”, que consiste em uma abordagem interdisciplinar que cruza a história da arte, a psicanálise freudiana e a antropologia, mas que fundamenta questões abordadas pela história cultural (Agamben, 2009).

O conceito de pathosformel (fórmula de páthos) é fundamental para a compreensão de seu método, porém de difícil aplicação. Pathosformel é um termo criado por Warburg para descrever motivos visuais que são recorrentes em diversas culturas e que transmitem emoções intensas e estão profundamente enraizados na memória cultural. Ao contrário do conceito de arquétipos de Carl Jung que são imutáveis, os motivos estudados por Warburg não são estáticos, no decorrer do tempo eles mudam refletindo a natureza dinâmica das expressões culturais. Citamos como exemplo a imagem da fada estudada por Warburg no contexto do mural “O nascimento de João Batista” de Ghirlandaio (Warburg, 2013).

Com o objetivo de aplicação do método Warburg escolhemos os bancos indígenas como expressão artística pelo seu caráter inédito nas pesquisas sobre história da arte e cultura. Num primeiro movimento, a pesquisa buscou representações iconográficas de bancos indígenas no decorrer da história colonial e imperial do Brasil tendo como fontes os relatos de viajantes pelos territórios habitados por nativos que na atualidade compõe o território brasileiro.

Num segundo momento, escolhemos o banco denominado Kayeb (a Grande Cobra Cósmica), esculpido pelo artista Uwet Manoel Antônio dos Santos da etnia Palikur do norte do Amapá num movimento comparativo com figuras desenhadas por nativos Hopi (pueblos) da região do estado do Novo México, Estados Unidos da América, que representam a dança das cobras, para celebrar a temporada das chuvas. Warburg visitou os Hopi em 1896.

O banco Kayeb pertence à Coleção BEĨ que guarda um grande acervo de bancos cerimoniais e de uso rotineiro, esculturas e outros objetos de diversas etnias por todo o território brasileiro. Ao analisarmos seu acervo e o banco escolhido compreendemos essas peças como obra de arte cujos artistas reproduzem a cultura e crenças de seus antepassados.

 

2 METODOLOGIA

A pesquisa consultou em diversos arquivos documentos iconográficos e literários em busca de desenhos, gravuras ou aquarelas que ilustrassem os hábitos dos povos nativos e sua relação com o ato de sentar-se, sentar-se em bancos produzidos por eles. Consideramos essa peça de mobiliário produzida pelos índios como obras de. Listamos em seguida os arquivos pesquisados:

·        Brasiliana Iconográfica (BI)- https://www.brasilianaiconografica.art.br

·        Biblioteca Nacional (BN) – Projeto Resgate - https://www.gov.br/bn/pt-br/central-de-conteudos/projeto-resgate/catalogos-tematicos/historia-dos-povos-indigenas;

·        Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM)- https://www.bbm.usp.br/pt-br/;

·        GALLICA (GALL) – Biblioteca Nacional francesa - https://gallica.bnf.fr/accueil/fr/html/accueil-fr ;

·        Library of Congress (LOC) - https://www.loc.gov/search/?dates= 1500/1599&q= brazil+indians;

·        Brasiliana Fotográfica (BF) - https://brasilianafotografica.bn.gov.br/ .

Dividimos a apresentação dos resultados em três séculos que contemplam os períodos históricos principais: século XVI, século XVII e XVIII e século XIX. Todos abrangendo os períodos do Brasil colônia, Brasil Imperial e início da República. Cada século tem suas particularidades que serão expostas aqui, bem como as representações iconográficas encontradas.

No estudo do banco Palikur, executamos análise na literatura sobre o banco em si e as observações de Warburg sobre a Dança da Chuva dos índios Hopi e as representações gráficas desta cerimônia.

 

3 OS CONTEXTOS HISTÓRICOS DE REPRESENTAÇÃO DO BANCO INDIGENA

A divisão dos séculos para a diferenciação da representação dos bancos indígenas reflete as diversas etapas de abertura de fronteiras e ocupação pelos portugueses no decorrer da história do Brasil. No início, as narrativas de viajantes se limitam aos territórios do litoral e no aspecto ameaçador daqueles nativos desconhecidos. À medida em que a ocupação vai se interiorizando, os relatos se tornam mais detalhados até chegarmos ao século XIX que, sob a influência do positivismo cientificista, as descrições e representações gráficas ficam cada vez mais detalhadas e os desenhos e fotografias de bancos indígenas se tornam mais abundantes.

 

3.1 SÉCULO XVI

A forma de representação gráfica dos povos nativos do novo continente pelos europeus evoluiu conforme o avanço territorial para o interior e aprofundamento das relações de descobrimento e dominação desses povos. Portanto, as primeiras imagens dos habitantes desses territórios recém-descobertos seguem uma lógica própria. São desenhos publicados em relatos de viagens com técnicas de gravura e xilogravura exclusivamente baseadas nas narrativas dos viajantes, isto é, quem desenhou não testemunhou esses encontros e criou uma imagem do indígena conforme as palavras escritas dos viajantes, mas baseada nas suas vivências visuais europeias.

Por outro lado, em pleno século XVI o interesse dos viajantes no contato com esses povos desconhecidos era basicamente de trocas de mercadorias e ameaças de bloqueios aos seus propósitos de achar riquezas. A relação entre eles era de estranhamento e medo, acentuando assim o caráter ameaçador dos nativos: nus, pagãos, selvagens e incultos. As narrativas ilustram com palavras o aspecto selvagem e perigoso desses povos, uma vez que relatam vários casos de canibalismo. Os comportamentos narrados dão conta dessa selvageria, dando nenhum espaço para os costumes rotineiros. Dito assim, não há espaço para qualquer tentativa de entender como eles viviam e, portanto, como se sentavam. Encontramos alguns exemplos de bancos representados graficamente com pedras e troncos de árvores. Como o indivíduo que desenhou não esteve lá, consideramos como um artifício estético a presença da pedra e tronco para representar homens e mulheres sentados pois do contrário estão sentados no chão.

Citamos como exemplo de representação do índio sentado duas gravuras da etnia Tupinambá. A primeira (figura 1) trata-se de uma gravura do belga Theodore de Bry que ficou famoso por suas representações de cenas de antropofagismo. Sem nunca ter saído da Europa, ele publicou diversos livros sobre o tema baseados nas narrativas de viagem de Hans Staden (1557) e Jean de Lery (1578).

 

Figura 1 - Cenas de Antropofagia no Brasil (1596)

Texto

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Fonte: DE BRY, Theodore (1596) – Brasiliana Iconográfica.

Outro exemplo do século XVI é o explorador e cosmógrafo francês André Thevet que esteve na região da Baía de Guanabara em 1555. No retorno à Europa, publicou suas narrativas em vários livros com xilogravuras dos nativos Tupinambás que viviam na região. As imagens aqui reproduzidas foram tiradas de sua obra “Les singularitez de la France Antarctique: autrement nommee Amerique [...]” de 1558 (Figura 2):

Figura 2 - [Planta frutífera Cohyne, com a qual se faz vasos de beber]

Mapa

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Fonte: THEVET, André (1558) – Brasiliana Iconográfica.

Como essa etapa da ocupação e colonização do território brasileiro é muito recente ao “descobrimento”, só temos relatos de contatos entre europeus e nativos no litoral, lugar ocupado pelos índios Tupinambás. Apesar da riqueza cultural dessa etnia, a Coleção BEĨ não tem em seu acervo bancos Tupinambás.

 

3.2 SÉCULOS XVII E XVIII

No contexto da pesquisa não localizamos nenhuma imagem do século XVII nos arquivos consultados. Sob o ponto de vista histórico, esse século é conhecido como a época das Entradas e Bandeiras, na qual exploradores viajavam pelo interior do território brasileiro em busca de riquezas e índios para escravizar. Tais expedições não tinham caráter de uma busca por conhecimento científico ou estratégico e por isso não tinham o interesse em registrar as descobertas ou os modos dos índios. As Entradas e Bandeiras chegaram até as margens do rio Amazonas (Machado, Renger. 2015).

No século XVIII foram organizadas pelo governo português as Viagens Filosóficas em diversos territórios do seu império colonial. São consideradas as primeiras expedições científicas imbuídas pelo espírito Iluminista europeu e agora com o esforço de ilustrar a natureza, paisagem do território e costumes dos povos nativos (Domingues, 2001).

Durante quase 10 anos, entre 1783 e 1792, o naturalista brasileiro Alexandre Rodrigues Ferreira chefiou a Viagem Filosófica pelas capitanias do Grão Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuiabá, levando na equipe dois artistas ilustradores: José Joaquim Freire e Joaquim José Codina. Encontramos na iconografia dessa expedição dois exemplos de bancos indígena dos dois ilustradores representando a rotina e objetos de índios da Vila de Monte Alegre, segundo a Brasiliana Iconográfica era uma das mais antigas do Pará (na região do Baixo Amazonas, mais especificamente, na margem esquerda do rio Gurupatuba, próximo à sua ligação com o rio Amazonas. Na primeira ilustração, de Freire, localizamos um banco sendo usado por um pequeno índio à esquerda (Figura 3). Na outra ilustração, de Codina, vemos um local de trabalho das índias da Vila de Monte Alegre com destaque para um banco (Figura 4). Consideramos essa aquarela muito significativa da expressão artística dos índios da região representados por seus objetos de trabalho.

 

 

 

 

 

 

Figura 3 - Prospecto das casas das índias de Monte-Alegre, onde fazem as cuias

Foto em preto e branco em cima de uma superfície de madeira

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Fonte: FREIRE (1785) – Brasiliana Iconográfica.

Figura 4 - Prospecto do tear que fazem as suas redes mais delicadas as índias da vila de Monte Alegre

Foto preta e branca de um prédio

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Fonte: CODINA (1785) – Brasiliana Iconográfica.

3.3 SÉCULOS XIX E XX

Os séculos XIX e XX foram as épocas a qual temos mais registros de expedições pelo interior do Brasil. Impulsionado pelo movimento iluminista do século anterior e pelos avanços tecnológicos da primeira fase da Revolução Industrial, o século XIX é marcado por um intenso movimento intelectual em torno dos ideais de progresso da civilização por meio da observação racional e metódica da natureza. Nessa época surgem conhecimentos científicos que vão incentivar novas expedições e novas formas de registrar as informações retiradas da natureza das matas e florestas do país (Guimarães, 2000).

Disciplinas como a botânica, geologia, etnologia e linguística vão buscar pelo interior do Brasil subsídios para novos conhecimentos. No caso da pesquisa aqui apresentada, tal fato irá influenciar na forma de representar o indígena das aldeias visitadas por esses cientistas. Com informações coletadas na Biblioteca Digital de obras raras de Guita e José Mindlin e seu Atlas do viajantes do Brasil encontramos desenhos e fotografias de pesquisadores alemães (Johann Baptist von Spix e Karl Friedrich Philipp von Martius – 1817/1820, Karl von den Steinen - 1884 e Theodor Koch-Grünberg – 1911/1913) que consideraram importante não apenas registrar os bancos indígenas como também escrever sobre eles. Trata-se de pesquisadores alemães que visitaram a região Amazônica e o Xingu em fins do século XIX e início do XX.

Um artista do início do século XIX foge desse perfil de cientista. Trata-se de Jean-Baptiste Debret. Convidado por Don João VI para compor a Missão Francesa, Debret foi um pintor bastante produtivo e representou diversos aspectos cotidianos da corte brasileira no período em que a capital do Império português havia se mudado para o Brasil num projeto de fuga das forças políticas de Napoleão Bonaparte. Suas ilustrações são reconhecidas e estudadas nos diversos campos de conhecimento: arte, história, antropologia, etc.

Debret esteve no Brasil entre 1816 e 1831 e viveu na cidade do Rio de Janeiro, os índios por ele desenhados são nativos dessa região. Seus desenhos e aquarelas foram publicadas em Paris, entre 1834 e 1839, sob o título “Voyage Pittoresque et Historique au Brésil, ou séjour d´un artiste française au Brésil, depuis 1816 jusqu’en 1831 inclusivement» Esta obra é composta de 153 pranchas, acompanhadas de textos. Encontramos três litografias de Charles Motte baseadas em aquarelas de J-B Debret, duas com representações precisas de bancos indígenas.

 

 

 

Figura 5 - Aldea de cabocles a canta-gallo

Foto preta e pintura na parede

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Fonte: MOTTE (1834) – Brasiliana Iconográfica.

Em 1817, Johann Baptist Spix e Carl von Martius, ambos naturalistas alemães, foram convidados para realizar uma expedição científica ao Brasil, com o objetivo de descrever a fauna e flora. Compunham a Missão Artística Austro-alemã que acompanhou a princesa Maria Leopoldina de Áustria, futura imperatriz do Brasil. A expedição durou 3 anos, entre 1817 e 1820 e percorreu diversas regiões do território brasileiro sendo a região amazônica a última etapa (Ilha do Marajó e o Rio Amazonas). Os desenhos representando a expedição e publicados no livro citado e em outras obras, foram feitos por Martius que também era pintor. Dentre os desenhos, encontramos um que ilustra objetos diversos dos índios (sem especificar qual tribo) com o título Utensílios Indígenas, no qual podemos ver um banco entre diversos outros objetos. Pela variedade de objetos retratados, Spix e Martius demonstram, ainda no princípio do século XIX, o espírito científico de uma era, o zeitgeist do século XIX: a observação rigorosa da natureza e do comportamento dos nativos sob um olhar pretensamente objetivo e científico.

 

 

 

 

 

 

 

Figura 6 - Indianische geraethschaften (Utensílios Indígenas)

Foto em preto e branco

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Fonte : SPIX, MARTIUS (1823-1831) – Gallica.bnf.fr.

Encontramos na Biblioteca Digital De Guita e José Mindlin três livros do pesquisador alemão Karl von den Steinen que participou de duas expedições ao Xingu nos anos de 1884 e em1887/1888.

No primeiro livro, Durch Central-Brasilien. Expedition zur erforschung des Schingú im Jahre 1884. (Pelo Brasil Central. Expedição para explorar o Xingu em 1884), encontramos três ilustrações de bancos indígenas, sendo duas delas de um possível ritual ou uma festa dos índios Bakairís.

Figura 7 - Flötenduett bei den Bakairí (Dueto de flauta com o Bakairí)

Uma imagem contendo texto, livro, pedra

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Fonte: STEINEN et a., (1886, P.173) - https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/1.

Três anos após da primeira expedição, Steinen voltou ao Xingu por mais dois anos e os relatos dessa viagem seguem uma narrativa científica, enquanto o primeiro livro se assemelha a um diário de viagem. Por conta desse viés mais científico, no livro Unter den naturvölkern Zentral-Brasiliens. [...] Reiseschilderung und Ergebnisse der Zweiten Schingú-Expedition 1887-1888 (Entre os povos primitivos do Brasil central. [...] Descrição e resultados da Segunda Expedição Xingu - 1887-1888), encontramos uma quantidade maior de desenhos de bancos indígenas: seis desenhos de bancos indígenas em três páginas consecutivas, um simples e sem definição da tribo e cinco em forma de animais das tribos Kamayurá, Mehinaku (dois bancos), Trunaí e Nahuquá:

Figura 8 - (Bancos Trunaí Nahuquá e Mehinaku)

Texto

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Fonte: VON DEN STEINEN (1894, P. 287) - https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/1.

Considerado um grande nome da etnologia brasileira, Theodor Koch-Grünberg publicou os resultados de suas duas principais expedições à floresta amazônica:

•      Zwei Jahre unter den Indianern, Reisen in Nordwest-Brasilien 1903/1905 (Dois Anos Entre os Índios, Viagens pelo Noroeste do Brasil 1903/1905).

•      Vom Roraima zum Orinoco [...] [...] Ergebnisse einer reise in Nordbrasilien und Venezuela in den jahren 1911-1913. (Do Roraima ao Orinoco [...] [...] Resultados de uma viagem ao norte do Brasil e Venezuela nos anos 1911-1913).

 

Ambas as obras de Koch-Grunberg abordam culturas indígenas de diversas tribos sob os numerosos aspectos, sistemas econômicos, sociais e religiosos e do material linguístico, mitos e lendas etc. Nossa pesquisa encontrou muitos ilustrações e fotografias de bancos indígenas em seu primeiro livro, Zwei Jahre unter den Indianern [...] e muito pouco em seu livro Vom Roraima zum Orinoco [...], que tem uma tradução editada pela UNESP em 2023 (https://editoraunesp.com.br/catalogo/9786557111734,do-roraima-ao-orinoco-3-volumes).

Vale apontar a importância dada ao objeto banco como forma de expressão dos hábitos dos indígenas estudados nesse livro e o destaque dado à fotografia como forma de registro.

Figura 9 - Verfertigen der tanzmasken bei den Kobéua. Rio Cuduiary

Foto preta e branca de uma porta

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Fonte: KOCH-GRÜNBERG (1910, p.170) - https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/1.

 

 

 

 

 

 

 

 

Figura 10 - (Vom Roraima zum Orinoco [...])

Desenho de um gato

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Fonte: Koch-Grunberg (1923) - https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/1.

4 O BANCO PALIKUR E A DANÇA DA CHUVA HOPI

Entre 1895 e 1896, Aby Warburg viajou pelo oeste dos Estados Unidos para estudar os rituais dos índios Hopi, em especial o Ritual das cobras. Esta viagem serviu para pavimentar seus mais importantes conceitos: pathosformels (fórmula de páthos) e nachleben (pós-vida ou sobrevivência). Apesar de toda a importância para suas teorias, o texto derivado desta viagem só foi apresentado em 1923 no contexto de sua longa internação em uma clínica psiquiátrica. Warburg proferiu uma palestra dobre o Ritual das Cobras como prova de que estava curado de seus problemas psíquicos (Didi-Huberman, 2018).

Aby Warburg explorou os rituais secretos dos índios Hopi no Novo México, concentrando-se em suas práticas culturais e nos vestígios da antiguidade pagã que estudou nas pinturas florentinas do Renascimento.

Dentre as muitas fotografias, Warburg guardou imagens desenhadas pelos índios. Destacamos uma em especial:

 

 

Figura 11 - Serpente como relâmpago. Reprodução de um piso de altar Kiva

O historiador da arte como colecionador de vestígios – Aby Warburg e a  ciência da cultura

Fonte: SANTOS, (2019, p. 310).

No livro Bancos Indígenas do Brasil da Coleção BEĨ encontramos a descrição do Kayeb, o banco ritual dos índios Palikur, escrito pela antropóloga Lux Vidal:

Kayeb, a Grande Cobra Cósmica, está entre as constelações mais importantes na astronomia Palikur. Kayeb, que é também pajé, avô e fonte das águas, tem uma mão: o Cruzeiro do Sul.

Kayeb se move no céu ao longo do ano. Quando a chuva cai, as pessoas dizem: A mão de Kayeb começou a cair. (VIDAL, 2013, p. 7)

Figura 12 - Kayeb

Etnia: Palikur .:. Coleção BEI

Fonte: Coleção BEĨ.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As imagens aqui apresentadas é uma amostra da evolução da representação dos povos originários do Brasil pelo ponto de vista de um objeto aparentemente prosaico: o banco indígena. No princípios, as primeiras representações gráficas dos índios eram marcadas pelo estereotipo eurocentrado que viam os nativos como ameaça e barbárie.

Segundo a descrição da Dança da Chuva ou Ritual das Cobras, as serpentes descem do céu em forma de raios para anunciar da temporada das chuvas, assim como Kayeb, a serpente, representa a constelação do Cruzeiro do Sul que também anuncia as chuvas. Podemos ver a representação da cobra/serpente como a pathosformels cósmica da anunciação da chuva. Da representação feita pelo europeu chegamos até a representação do índio que soube, no banco Palikur pertencente à Coleção BEĨ, expressar as forças cósmicas que representam seu universo.

 

REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Giorgio. Aby Warburg e a ciência sem nome. Revista Arte & ensaios, v. 1, n. 19, p. 132-143, 2009.

BANCOS Indígenas do Brasil. São Paulo: Editora BEĨ, 2013.

BREDCAMP, H., DIERS, M. Introdução. In: WARBURG, Aby. A renovação da antiguidade pagã: contribuições científico-culturais para a história do Renascimento europeu. Rio de Janeiro: Contraponto. Museu de Arte do Rio. Coleção Artefíssil, 2013.

DIDI-HUBERMAN, Georges. Atlas ou o gaio saber inquieto. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2018.

DOMINGUES, Ângela. Para um melhor conhecimento dos domínios coloniais: a constituição de redes de informação no Império português em finais do Setecentos. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v. 8, p. 823-838, 2001.

GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. História e natureza em von Martius: esquadrinhando o Brasil para construir a nação. História, ciências, saúde-Manguinhos, v. 7, p. 391-413, 2000.

KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Vom Roraima zum Orinoco [...]. Berlin : Dietrich Reimer, 1923. (5 volumes)

KOCH-GRÜNBERG, Theodor. Zwei Jahre unter den Indianern: reisen in nordwest-Brasilien 1903/1905.Vol. 1 e 2. Stuttgard: Strecker & Schröder, 1910.

MACHADO, Maria Márcia Magela; RENGER, Friedrich Ewald. Os primórdios da ocupação de Minas Gerais em mapas. Revista Brasileira de Cartografia, v. 67, n. 4, p. 759, 2015.

SANTOS, Wanderson Barbosa dos. O historiador da arte como colecionador de vestígios–Aby Warburg e a ciência da cultura. Sociologias Plurais, v. 5, n. 1, 2019.

VIDAL, L. Introdução. In: Bancos Indígenas do Brasil. São Paulo: Editora BEĨ, 2013. P. 7

VON DEN STEINEN, D., STEINEN, W. V. D., GEHRTS, J., & CLAUSS, O. Durch Central-Brasilien: Expedition zur Erforschung des Schingú im Jahre 1884. Leipzig: F.A. Brockhaus, 1886.

VON DEN STEINEN, Karl. Unter den naturvölkern Zentral-Brasiliens: Reiseschilderung und ergebnisse der zweiten Schingú-expedition, 1887-1888. Berlin:D. Reimer (Hoefer & Vohsen), 1894.

WARBURG, Aby. Imagens da região dos índios Pueblos da América do Norte. Revista Concinnitas,[S. l.], v. 2, n. 8, p. 8–29, 2020. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/concinnitas/article/view/55315. Acesso em: 25 maio. 2025.



[1] Professora Doutora

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