COP30 E TRABALHO DECENTE

 o meio ambiente do trabalho no contexto da crise climática

José Antonio Callegari[1]

Universidade Federal Fluminense

joseantoniocallegari@id.uff.br

Ana Luiza Calixto Souza [2]

Universidade Federal Fluminense

analuizasouza@id.uff.br

Larissa Maria Medeiros de Assis [3]

Universidade Federal Fluminense

adv.larissaassis@gmail.com

Thainá Luisa da Silva Luz[4]

Universidade Federal Fluminense

tluz@id.uff.br

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Resumo

As mudanças climáticas afetam o meio ambiente natural e comprometem a vida no planeta. A título de exemplo, o aquecimento global impacta a vida no planeta. Tais reflexos impactam também o meio ambiente do trabalho. Por certo, a globalização transformou a organização produtiva, avançando sobre regiões intocadas ou preservadas – santuários ambientais. Nesse contexto, o estresse térmico configura um dos principais desafios contemporâneos para a saúde e a produtividade laboral. Segundo estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as mudanças climáticas podem reduzir a produtividade global em até 80 milhões de empregos em tempo integral até 2030. No Brasil, marcado por fragilidade social histórica, os impactos tendem a ser ainda mais severos. Trabalhadores rurais despontam como um grupo vulnerável, enfrentando jornadas prolongadas de trabalho penoso. Nesse ambiente, aumentam as doenças ocupacionais e os acidentes de trabalho. Essa realidade aprofunda desigualdades sociais e atinge de modo particular os empregados informais carentes de direitos básicos. Como vimos em Habermas, o meio ambiente contempla relações sociais, econômicas, políticas e culturais. Nesse aspecto, o Direito do Trabalho atua como instrumento de promoção do trabalho decente, inserindo as questões trabalhistas nos debates sobre o meio ambiente. Com a realização da COP 30, surge uma oportunidade internacional para se debater tais questões também sob um olhar habermasiano, visto que é mais um instrumento de interlocução com a sociedade civil, sobretudo em região tão sensível para o presente e futuro do planeta: a Amazônia.

Palavras-chave: Meio ambiente. Direito do trabalho. Sustentabilidade. Trabalho decente.

COP30 AND DECENT WORK

the work environment in the context of the climate crisis

Abstract

Climate change affects the natural environment and compromises life on the planet. For example, global warming impacts life on the planet. These effects also impact the work environment. Certainly, globalization has transformed productive organization, encroaching on untouched or preserved regions – environmental sanctuaries. In this context, heat stress is one of the main contemporary challenges for occupational health and productivity. According to estimates by the International Labour Organization (ILO), climate change could reduce global productivity by up to 80 million full-time jobs by 2030. In Brazil, marked by historical social fragility, the impacts tend to be even more severe. Rural workers stand out as a vulnerable group, facing prolonged working hours of arduous labor. In this environment, occupational diseases and workplace accidents increase. This reality deepens social inequalities and particularly affects informal workers lacking basic rights. As we saw in Habermas, the environment encompasses social, economic, political, and cultural relations. In this respect, Labor Law acts as an instrument for promoting decent work, inserting labor issues into debates about the environment. With the holding of COP 30, an international opportunity arises to debate these issues also from a Habermasian perspective, since it is yet another instrument for dialogue with civil society, especially in a region so sensitive to the present and future of the planet: the Amazon.

Keywords: Environment. Labor law. Sustainability. Decent work.

COP30 Y TRABAJO DECENTE

el entorno laboral en el contexto de la crisis climática

Resumen

El cambio climático afecta el medio ambiente natural y compromete la vida en el planeta. Por ejemplo, el calentamiento global impacta la vida en el planeta. Estos efectos también impactan el entorno laboral. Ciertamente, la globalización ha transformado la organización productiva, invadiendo regiones intactas o preservadas: santuarios ambientales. En este contexto, el estrés térmico es uno de los principales desafíos contemporáneos para la salud y la productividad ocupacional. Según estimaciones de la Organización Internacional del Trabajo (OIT), el cambio climático podría reducir la productividad mundial hasta en 80 millones de empleos a tiempo completo para 2030. En Brasil, marcado por una fragilidad social histórica, los impactos tienden a ser aún más severos. Los trabajadores rurales se destacan como un grupo vulnerable, enfrentando largas jornadas de trabajo arduo. En este entorno, aumentan las enfermedades ocupacionales y los accidentes laborales. Esta realidad profundiza las desigualdades sociales y afecta particularmente a los trabajadores informales, quienes carecen de derechos básicos. Como vimos en Habermas, el entorno abarca las relaciones sociales, económicas, políticas y culturales. En este sentido, el Derecho Laboral actúa como instrumento para promover el trabajo decente, incorporando las cuestiones laborales a los debates sobre el medio ambiente. Con la celebración de la COP 30, surge una oportunidad internacional para debatir estas cuestiones también desde una perspectiva habermasiana, ya que constituye un instrumento más para el diálogo con la sociedad civil, especialmente en una región tan sensible al presente y al futuro del planeta: la Amazonía.

Palabras clave: Medio ambiente. Derecho laboral. Sostenibilidad. Trabajo decente.

1 INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, a humanidade tem vivenciado transformações profundas provocadas pela intensificação da crise climática global. O aumento das temperaturas médias, a ocorrência de eventos extremos e as alterações nos ecossistemas configuram um cenário de emergência que transcende o campo ambiental, alcançando dimensões sociais, econômicas e jurídicas. Nesse contexto, o mundo do trabalho se apresenta como um dos espaços mais sensíveis aos impactos das mudanças climáticas, demandando uma reflexão urgente sobre a necessidade de adaptação e proteção dos trabalhadores frente às novas condições impostas pelo planeta em aquecimento.

De acordo com relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima-se que as mudanças climáticas poderão reduzir a produtividade global em até 80 milhões de empregos em tempo integral até 2030. Tal dado não se resume a uma estatística alarmante, mas representa uma ameaça concreta ao conceito de Trabalho Decente, pilar essencial para o desenvolvimento sustentável e para a promoção da justiça social. Assim, compreender como a crise climática está remodelando o meio ambiente do trabalho torna-se fundamental para a formulação de políticas públicas, normas jurídicas e estratégias de governança que garantam um futuro laboral justo, seguro e sustentável.

O meio ambiente do trabalho não se restringe à dimensão física onde a atividade laborativa se realiza, mas abrange um conjunto complexo de fatores interligados — físicos, químicos, biológicos, ergonômicos, psicossociais e organizacionais — que influenciam diretamente a saúde, a segurança, o bem-estar e a dignidade dos trabalhadores. A crise climática, ao alterar tais condições, impõe novos riscos e amplia vulnerabilidades, especialmente entre os trabalhadores rurais, informais e expostos ao ar livre, como agricultores, catadores e entregadores. Fenômenos como o estresse térmico, a exposição prolongada ao calor e as perdas econômicas decorrentes de desastres ambientais revelam a interseção entre degradação ambiental e desigualdade social.

Dessa forma, o presente artigo tem como objetivo geral analisar os reflexos das mudanças climáticas sobre o meio ambiente do trabalho, destacando como o Direito do Trabalho e a COP30, a ser realizada em Belém do Pará, podem atuar como instrumentos de promoção de um futuro laboral justo e sustentável.

Como objetivos específicos, pretende-se: (i) investigar os principais desafios impostos pela crise climática ao mundo do trabalho, com ênfase nos efeitos do estresse térmico e na vulnerabilidade dos grupos sociais mais afetados; (ii) discutir a importância do Trabalho Decente como eixo central das respostas políticas e jurídicas à crise; e (iii) explorar, sob a ótica da teoria habermasiana, as possibilidades de diálogo democrático e de construção coletiva de soluções, sobretudo no contexto amazônico.

O estudo adota uma metodologia de caráter qualitativo e exploratório, com abordagem teórico-analítica, baseada na revisão bibliográfica e documental de fontes nacionais e internacionais, especialmente relatórios da OIT, documentos oficiais sobre a COP30 e produções acadêmicas que articulam Direito do Trabalho, sustentabilidade e justiça climática. A análise é conduzida sob a perspectiva da teoria de Jürgen Habermas, compreendendo o meio ambiente e o trabalho como esferas de interação social mediadas pela comunicação, nas quais o Direito deve atuar como instrumento de integração, proteção e deliberação democrática.

A relevância desta pesquisa reside em reconhecer que a crise climática não é apenas um problema ambiental ou econômico, mas um fenômeno que desafia os fundamentos da própria organização social e jurídica do trabalho. Ela exige uma resposta integrada, que ultrapasse o ambientalismo convencional e incorpore os pilares do Trabalho Decente, a promoção de direitos humanos e a ampliação da justiça social.

A realização da COP30 em Belém, no coração da Amazônia, representa, portanto, uma oportunidade histórica de reposicionar o debate global, transformando a ação climática em um espaço de escuta e protagonismo dos trabalhadores — sobretudo daqueles que vivem nas regiões e condições mais vulneráveis.

Em síntese, este artigo parte da premissa de que a ação climática é também uma ação social e jurídica, e que a transição para uma economia verde e sustentável só será legítima se for igualmente justa. Assim, ao articular Direito, trabalho e clima sob a lente habermasiana, pretende-se contribuir para o fortalecimento de um novo paradigma de proteção social, no qual a dignidade humana e o diálogo democrático sejam os eixos centrais de um futuro laboral verdadeiramente sustentável.

 

2  DESENVOLVIMENTO

2.1 TRABALHO DECENTE, MEIO AMBIENTE E A VISÃO HABERMASIANA

Há uma relação intrínseca entre o mundo do trabalho e o meio ambiente em sentido amplo. O conceito de “trabalho decente” foi formalizado em 1999 pela Organização Internacional do Trabalho, e pode ser definido como “trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna”.

Em aspecto amplo, o trabalho decente fundamenta-se na expansão dos preceitos democráticos, contribuir com a eliminação da miséria, agir de modo a suprimir ou, ao menos, reduzir tanto quanto possível as disparidades sociais e, desse modo, oportunizar o desenvolvimento sustentável.

A promoção do trabalho decente e a obtenção, por meio dele, de resultados positivos na construção da sustentabilidade pressupõe o cuidado relacionado ao meio ambiente em que os seres humanos realizam suas atividades laborais.

Não há como falar em desenvolvimento sustentável se grande parte da população permanece à margem, em empregos informais, sem proteção ou em situações de vulnerabilidade. A promoção do trabalho digno contribui para a redução da pobreza, a ampliação da cidadania e a construção de sociedades mais resilientes, reforçando a tríade da sustentabilidade: crescimento econômico, justiça social e preservação ambiental.

A teoria da democracia deliberativa de Jürgen Habermas parte do pressuposto de que as decisões políticas e sociais devem ser fruto de um processo comunicativo inclusivo, no qual os cidadãos participem ativamente por meio do diálogo racional e da busca pelo consenso. Aplicada ao contexto do desenvolvimento sustentável e do trabalho decente, essa concepção de democracia participativa revela-se fundamental.

O trabalho decente, conforme definido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), envolve emprego produtivo, renda justa, proteção social e respeito aos direitos fundamentais. Para que tais condições sejam asseguradas, é imprescindível que trabalhadores, empregadores, sociedade civil e Estado participem de forma ativa e igualitária na formulação de políticas que impactam o mundo do trabalho.

A abordagem habermasiana destaca que apenas por meio de processos democráticos abertos e inclusivos é possível construir consensos duradouros em torno de práticas sustentáveis. Isso implica não apenas discutir formas de preservar o meio ambiente, mas também assegurar que a transição para uma economia verde não ocorra às custas da precarização laboral. Nesse sentido, a democracia participativa oferece o terreno necessário para equilibrar desenvolvimento econômico, justiça social e preservação ambiental.

Por outro lado, a degradação ambiental compromete diretamente a possibilidade de geração de empregos estáveis e saudáveis. A escassez de recursos naturais, a poluição e os desastres ambientais impactam cadeias produtivas inteiras, fragilizando a economia e, por consequência, as oportunidades de trabalho. Além disso, trabalhadores expostos a ambientes degradados enfrentam riscos maiores de adoecimento e acidentes.

Jürgen Habermas, em sua teoria crítica da sociedade, introduziu a noção de crise sistêmica para descrever momentos em que as estruturas fundamentais do sistema social — em especial o sistema econômico e o sistema político-administrativo — entram em desequilíbrio, revelando a incapacidade de responder adequadamente às demandas da sociedade e de garantir legitimidade e estabilidade.

Esse conceito, originalmente voltado para crises do capitalismo avançado, pode ser estendido à análise da crise ambiental contemporânea, na medida em que esta se apresenta como um fenômeno que ultrapassa dimensões locais e assume caráter global, afetando diretamente as condições de reprodução social.

A crise ambiental atual, marcada por mudanças climáticas, esgotamento de recursos naturais, perda de biodiversidade e poluição em escala planetária, evidencia um descompasso estrutural: a lógica de crescimento ilimitado do sistema econômico colide frontalmente com os limites ecológicos do planeta. Trata-se, portanto, de uma crise que não se restringe ao meio ambiente em sentido estrito, mas que desestabiliza os próprios sistemas político, econômico e social, gerando efeitos em cascata sobre as relações de trabalho.

Assim, compreender a crise ambiental como uma crise sistêmica, nos termos de Habermas, permite identificar que sua superação não se dará apenas por ajustes técnicos ou tecnológicos, mas pela transformação dos processos decisórios e da racionalidade que orienta o desenvolvimento. É necessário resgatar a dimensão comunicativa e participativa da democracia, abrindo espaço para que diferentes atores sociais — comunidades, movimentos ambientais, trabalhadores, empresas e governos — deliberam sobre caminhos sustentáveis.

Ao conceber o meio ambiente como um campo que contempla um emaranhado de relações sociais, econômicas e políticas, Habermas nos incita a ir além da mera proteção de recursos naturais para considerar as implicações éticas e sociais de nossa relação com o planeta.Nesse aspecto, o Direito do Trabalho assume um papel fundamental. Longe de ser apenas um regulador de relações empregatícias, ele se constitui em um instrumento poderoso de promoção do trabalho decente.

Ao garantir direitos fundamentais, condições seguras e saudáveis de trabalho, remuneração justa e proteção social, o Direito do Trabalho atua como um pilar para a justiça social. No contexto da crise climática, cabe a ele inserir as questões trabalhistas – como a proteção contra o estresse térmico, a compensação por doenças ocupacionais e acidentes relacionados ao clima, e a garantia de uma transição justa para empregos verdes – nos debates e nas políticas ambientais.

A proteção do meio ambiente do trabalho, em sua dimensão mais ampla e habermasiana, exige um processo de deliberação que envolva todos os atores sociais, permitindo que as vozes dos trabalhadores, das comunidades e dos grupos vulneráveis sejam ouvidas e consideradas na formulação de soluções.

 

2.2 SUSTENTABILIDADE E O ESTRESSE TÉRMICO

A busca implacável do direito ao trabalho decente está diretamente conectado à sustentabilidade, na medida em que envolve a promoção de oportunidades de emprego produtivo, com remuneração justa, condições seguras, proteção social e respeito aos direitos fundamentais dos trabalhadores.

A sustentabilidade, ao orientar o desenvolvimento para além do crescimento econômico imediato, exige que a geração de riqueza não ocorra às custas da exploração laboral, da precarização das relações de trabalho ou da degradação do meio ambiente. Assim, ela cria o ambiente propício para que o trabalho decente se concretize, uma vez que empresas e instituições comprometidas com práticas sustentáveis tendem a adotar políticas inclusivas, valorizando a dignidade humana e promovendo condições de trabalho justas.

A crise climática manifesta-se de diversas formas, desde o aumento da frequência e intensidade de eventos extremos – secas prolongadas, inundações, ondas de calor – até a elevação do nível do mar e a acidificação dos oceanos. Esses fenômenos, que comprometem a vida no planeta, não poupam o meio ambiente do trabalho. Tradicionalmente compreendido como o conjunto de condições físicas, químicas, biológicas, ergonômicas e psicossociais que cercam o trabalhador, o meio ambiente laboral é hoje diretamente moldado e ameaçado pelas alterações climáticas.

A globalização, ao expandir as fronteiras da produção e do consumo, tem impulsionado a exploração de recursos em regiões outrora intocadas ou protegidas, frequentemente santuários ambientais. Essa pressão sobre ecossistemas frágeis intensifica a degradação ambiental, gerando consequências diretas para os trabalhadores que ali atuam. Em particular, o estresse térmico configura-se como um dos desafios mais prementes. O aumento das temperaturas médias e a ocorrência de ondas de calor extremo elevam o risco de insolação, desidratação, fadiga, doenças cardiovasculares e respiratórias, e acidentes de trabalho, especialmente em setores que exigem esforço físico ao ar livre ou em ambientes fechados sem climatização adequada.

As projeções da OIT são alarmantes: as mudanças climáticas podem resultar na perda de produtividade equivalente a 80 milhões de empregos em tempo integral até 2030, afetando desproporcionalmente as economias em desenvolvimento e os setores mais expostos. Este cenário não apenas evidencia uma crise ecológica, mas também uma crise social e laboral de proporções globais.

 

2.3 ESTRESSE TÉRMICO E OS TRABALHADORES RURAIS

O estresse térmico constitui uma das mais sérias consequências da crise climática sobre o meio ambiente do trabalho, sobretudo nos setores produtivos expostos às intempéries, como o trabalho rural. Ele ocorre quando a carga de calor recebida pelo corpo excede a capacidade fisiológica de dissipação térmica, provocando desequilíbrio entre o ganho e a perda de calor.

Esse fenômeno é agravado pela elevação global das temperaturas, pela intensificação das ondas de calor e pelas mudanças nos padrões de umidade e radiação solar, configurando um risco ocupacional emergente que desafia as políticas de saúde e segurança do trabalho em todo o mundo.

O setor agrícola concentra maiores riscos na busca do trabalho decente, uma vez que o próprio tipo de atividade laborativa afeta desproporcionalmente os trabalhadores de países de clima tropical e economias em desenvolvimento, como o Brasil. Essa realidade evidencia a urgência de incorporar o risco térmico na agenda trabalhista e climática, considerando que a exposição prolongada ao calor não apenas reduz a produtividade, mas também compromete a saúde, a segurança e a dignidade dos trabalhadores.

No contexto brasileiro, o trabalho rural é regulado pela Lei nº 5.889/1973 e pela Norma Regulamentadora nº 31 (NR-31), que dispõe sobre segurança e saúde no trabalho rural. A referida norma determina que o empregador deve elaborar e implementar o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGRTR), incluindo a previsão de agentes físicos como o calor. No entanto, a aplicação prática dessas medidas ainda enfrenta lacunas significativas, sobretudo diante do ritmo acelerado das mudanças climáticas, que tornam obsoletos os parâmetros tradicionais de conforto térmico utilizados nas últimas décadas.

Estudos apontam que temperaturas superiores a 35°C em ambientes de alta umidade já representam risco grave de exaustão térmica, desidratação, câimbras, insolação e até morte súbita (Faria et al., 2024).

Para trabalhadores rurais, que frequentemente realizam esforço físico intenso sob o sol e em horários prolongados, o estresse térmico deixa de ser um fator esporádico para se tornar condição permanente de exposição. As tarefas de colheita, capina, aplicação de agrotóxicos e transporte manual de cargas exigem grande gasto energético, aumentando a produção de calor metabólico e, consequentemente, a sobrecarga térmica corporal.

Além disso, as condições socioeconômicas desses trabalhadores ampliam sua vulnerabilidade. Muitos vivem em áreas com infraestrutura precária, com acesso limitado à água potável, sombra ou pausas adequadas para descanso. A informalidade e a ausência de representação sindical efetiva dificultam a implementação de medidas preventivas. É comum que o trabalhador rural informal, diante do calor excessivo, não tenha a opção de interromper a atividade sem perder remuneração. Assim, a necessidade econômica se sobrepõe ao direito à saúde e à segurança, revelando o caráter estrutural de injustiça ambiental e social no campo brasileiro.

Sob a ótica habermasiana, o problema do estresse térmico ultrapassa a dimensão técnica e revela uma crise comunicativa: a desconexão entre os sistemas político e econômico e o “mundo da vida” dos trabalhadores. As normas são elaboradas e aplicadas sem a efetiva participação dos sujeitos diretamente afetados. A ausência de espaços deliberativos onde trabalhadores rurais possam expor suas experiências, propor soluções e participar da formulação de políticas caracteriza o que Habermas denomina de colonização do mundo da vida pelo sistema. Assim, o enfrentamento do estresse térmico exige não apenas normas mais rígidas, mas também processos comunicativos democráticos, em que o diálogo social oriente a construção de soluções legítimas e eficazes.

Importante ressaltar que ao falar de trabalho rural estamos abordando sobre nicho de maior utilização de força muscular e exposição ao calor, é aquele  trabalhador que vende sua força de trabalho a empregador rural mediante salário e está na condição de dependente deste, conforme art. 2º da lei 5.889/1973.

Assim as normas visam proteger os trabalhadores das condições impostas pelo calor, mas há a necessidade de atualização constante tendo em vista a rápida escalada das condições ambientais.

 

2.4 DOENÇAS OCUPACIONAIS E ACIDENTES DE TRABALHO

A exposição ao calor provoca efeitos fisiológicos diversos aos naturais ao ser humano, podendo provocar distúrbios como câimbras musculares, síncope ou tontura, exaustão  e insolação. A literatura nacional tem registrado casos crescentes de doenças ocupacionais relacionadas ao calor, como a insuficiência renal crônica em cortadores de cana, a fadiga térmica em trabalhadores da colheita de café e a desidratação aguda em lavouras de frutas no Nordeste (Oliveira et al., 2019).

Em comum, tais episódios refletem a ausência de políticas integradas entre o Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério da Saúde e os órgãos ambientais, que tratam o calor excessivo ora como questão laboral, ora como fenômeno ambiental, sem articulação sistêmica.

Assim, de acordo com a legislação e normas vigentes no Brasil, caberá ao empregador dispor de medidas de prevenção com o fito de preservar a dignidade e a saúde do trabalhador, como é o caso da obrigação da utilização de EPIs, por exemplo. Ocorre que  as medidas de prevenção podem não ser 100% eficazes para evitar o desenvolvimento de doença ocupacional ou acidente de trabalho, visto que há a possibilidade dos equipamentos não serem adequados por ausência de certificação (CA) e sobre a possibilidade de interação diversa dos organismos com o agente de exposição.

As normas vigentes visam trazer proteção tanto ao empregador quanto ao trabalhador, mas podem carecer de necessidade da aplicação do princípio da razoabilidade em razão da rápida escalada das mudanças climáticas, que impactam em situações cada vez mais graves de ondas de calor.

De acordo com a NR 31 no item 31.3 o empregador tem a obrigação de elaborar, implementar e custear programa de gerenciamento de riscos no trabalho rural, com o intuito assim de prever possíveis questões motivadoras a desencadear doenças ou provocar acidentes, tendo assim a chance de eliminá-las.

O programa de risco rural de acordo com o item 31.3.4 estabelece que a cada 3 anos deverá haver a atualização do documento. Com a escalada do aumento da temperatura global, pode ocorrer que o documento não acompanhe as necessidades reais, em especial dos trabalhadores rurais.

A atuação por longos períodos em temperatura fora dos limites de segurança, pode trazer ao obreiro diversas  lesões ocupacionais, iniciando-se pelo declínio da produtividade em razão do estresse térmico, e em se tratando de trabalhadores rurais ainda podem ter prejuízo ainda maior em razão da combinação a elevada exposição a pesticidas.

As atividades produtivas que envolvem colheita de grãos e secagem, sobrecarregam ainda mais os trabalhadores em decorrência da necessidade de utilização de fornos, caldeiras o que colocam os trabalhadores ainda mais suscetíveis à desidratação excessiva e fadiga, a sobrecarga térmica pode ainda acarretar danos como catarata e câncer de pele.

A utilização dos EPI's precisa ser adotada de rigor, em especial a utilização de protetor solar, roupas adequadas a minimizar os impactos para que assim seja possível reduzir os fatores ambientais e individuais que influenciam na sensação térmica.

Se faz necessária a educação dos trabalhadores para a adoção das medidas de cautela, assim como a monitorização por parte dos empregadores para adequação dos procedimentos visando o bem-estar do trabalhador e a prevenção de acidentes decorrentes da limitação causada pelo estresse térmico.

 

2.5 CRISE CLIMÁTICA: SUSTENTABILIDADE E TRABALHO DECENTE

A crise climática contemporânea representa mais do que um fenômeno ambiental: ela expressa uma crise estrutural das relações de produção, da organização social e da racionalidade que orienta o agir humano. A degradação ambiental e a precarização das condições de trabalho derivam de um mesmo modelo civilizatório, centrado na lógica de exploração ilimitada dos recursos naturais e humanos. Nesse cenário, o meio ambiente do trabalho emerge como espaço simbólico e concreto de enfrentamento dessa crise, pois nele se entrelaçam as dimensões ecológica, econômica e social da sustentabilidade.

A compreensão dessa realidade exige uma perspectiva sistêmica, capaz de superar a fragmentação entre o desenvolvimento econômico e a preservação ambiental. As relações produtivas, orientadas pela racionalidade instrumental e pelo predomínio dos interesses de mercado, transformaram o trabalho em instrumento de dominação sobre a natureza e sobre o próprio ser humano. Reverter esse processo implica reconstruir o sentido do trabalho como atividade comunicativa, orientada pelo diálogo, pela ética e pela cooperação social. Assim, o meio ambiente do trabalho deixa de ser apenas um espaço físico e passa a ser compreendido como um campo de relações humanas que refletem o equilíbrio — ou o desequilíbrio — entre sociedade e natureza.

A efetivação dessa mudança depende de uma cultura democrática capaz de ampliar a participação social nas decisões que envolvem a proteção ambiental e as condições laborais. O fortalecimento da democracia participativa é condição essencial para que as políticas públicas ambientais e trabalhistas se tornem legítimas, inclusivas e eficazes. A sustentabilidade, portanto, não se reduz à gestão de recursos, mas envolve a criação de espaços de diálogo nos quais os trabalhadores sejam sujeitos ativos na formulação de políticas que garantam condições dignas de vida e de trabalho.

Nesse contexto, o conceito de trabalho decente adquire centralidade. Ele traduz a busca por um modelo de desenvolvimento que una produtividade e dignidade, crescimento e respeito ambiental. O trabalho digno pressupõe um ambiente saudável, seguro e equilibrado, em que a proteção da saúde do trabalhador seja reconhecida como parte integrante da proteção ambiental. O meio ambiente do trabalho, portanto, constitui o elo entre os direitos humanos e os direitos da natureza, expressando a dimensão ética da sustentabilidade.

As mudanças climáticas intensificam as desigualdades e os riscos ocupacionais. Trabalhadores rurais e urbanos enfrentam crescentes desafios relacionados ao calor excessivo, à exposição a agentes nocivos e às condições de vulnerabilidade social. O aquecimento global, ao ampliar o estresse térmico e os impactos sobre a saúde laboral, revela a necessidade de políticas públicas que integrem adaptação climática, saúde ocupacional e proteção social. Esse panorama exige que a pauta ambiental incorpore o trabalho decente como elemento estruturante da transição ecológica.

Diante desse cenário, a COP30 surge como marco decisivo para redefinir a relação entre clima, economia e trabalho. É fundamental que o debate climático internacional reconheça o trabalho decente como um dos pilares da sustentabilidade e da justiça climática. Promover um meio ambiente de trabalho equilibrado significa assegurar que a transição para uma economia verde não se faça às custas da precarização das condições de vida dos trabalhadores.

A construção de um futuro sustentável exige, portanto, uma transição ecológica justa, em que os compromissos ambientais sejam acompanhados de políticas que garantam emprego digno, participação social e equidade. O meio ambiente do trabalho, nesse contexto, torna-se não apenas um espaço de produção, mas também de resistência e transformação — um lugar onde se manifesta a possibilidade de reconciliação entre o ser humano, o trabalho e o planeta.

 

2.6 COP30 E O CONTEXTO BRASILEIRO

A realização da COP30 em Belém, no ano de 2025, na Amazônia brasileira, confere um simbolismo e uma urgência sem precedentes aos debates climáticos. A Amazônia, pulmão do mundo e repositório de uma biodiversidade inestimável, é também um território de intensas disputas, vulnerabilidades sociais e de povos cujas vidas estão intrinsecamente ligadas à saúde da floresta.

Este evento internacional representa uma oportunidade ímpar para transcender as discussões meramente técnicas sobre emissões e adaptação, incorporando plenamente a dimensão humana e laboral da crise climática. Sob uma ótica habermasiana, a COP30 pode se tornar um fórum privilegiado de interlocução com a sociedade civil. É o espaço onde governos, cientistas, empresas, sindicatos, organizações não governamentais e, crucialmente, os trabalhadores e as comunidades locais da Amazônia podem se engajar em um diálogo construtivo.

Sob o olhar habermasiano, a COP30 deve ser compreendida como um espaço de razão comunicativa global, em que a validade dos acordos depende da deliberação democrática entre todos os afetados. Habermas (1992) defende que a legitimidade normativa exige “a participação igualitária dos cidadãos em processos discursivos de formação da vontade política”. Aplicado à governança climática, esse princípio implica que os acordos internacionais não podem limitar-se à diplomacia entre Estados, devendo incluir sindicatos, movimentos sociais e comunidades locais como atores discursivos legítimos.

A Central Única dos Trabalhadores - CUT já sustenta que o desenvolvimento sustentável exige a articulação de suas quatro dimensões — econômica, social, ambiental e política —, de modo “socialmente inclusivo, politicamente democrático e ambientalmente responsável” (Angelim et al., 2014, p. 22-23). Essa formulação dialoga diretamente com a concepção habermasiana de democracia deliberativa, que entende o processo político como espaço de emancipação e de construção coletiva da racionalidade.

A realização da COP30 na Amazônia, portanto, simboliza a possibilidade de transformar o discurso ambiental em práxis emancipatória, reconciliando os direitos da natureza e os direitos do trabalho. O sucesso do evento não residirá apenas em compromissos técnicos de redução de emissões, mas na capacidade de o Brasil demonstrar ao mundo que é possível articular crescimento econômico, proteção ambiental e justiça social por meio do diálogo

A inclusão da perspectiva dos trabalhadores – em particular dos que vivem e trabalham na região amazônica, sejam eles extrativistas, ribeirinhos, agricultores ou urbanos – é essencial para a legitimidade e a eficácia das políticas a serem formuladas. A COP30, ao abrigar esse diálogo, pode catalisar a busca por soluções que não apenas protejam o meio ambiente natural, mas também promovam o trabalho decente e a justiça social em uma das regiões mais sensíveis e vitais do planeta. É a chance de demonstrar que a ação climática não é apenas sobre o carbono, mas sobre as pessoas e sua dignidade.

Além da Amazônia, o Brasil como um todo, com sua vasta extensão territorial, sua rica biodiversidade e, simultaneamente, suas profundas fragilidades sociais históricas, é particularmente suscetível aos impactos das mudanças climáticas no meio ambiente do trabalho. As desigualdades preexistentes – de renda, acesso à saúde, educação e saneamento básico – são exacerbadas pelos eventos climáticos, criando um ciclo vicioso de vulnerabilidade.

Nesse contexto, os trabalhadores rurais despontam como um dos grupos mais vulneráveis. Atuando em condições de trabalho frequentemente penosas, expostos diretamente aos elementos climáticos e submetidos a jornadas prolongadas, esses trabalhadores enfrentam um risco acentuado de estresse térmico, doenças ocupacionais e acidentes de trabalho. A elevação das temperaturas, as secas ou inundações comprometem safras e meios de subsistência, levando à perda de renda e, muitas vezes, ao êxodo rural.

Além dos trabalhadores rurais, a vasta população de trabalhadores informais no Brasil, carente de direitos básicos como registro em carteira, proteção social e acesso a serviços de saúde e segurança do trabalho, é desproporcionalmente afetada. Empregos precários e sem qualquer tipo de proteção legal ou social tornam esses indivíduos ainda mais suscetíveis aos riscos climáticos, aprofundando as desigualdades sociais e econômicas. A informalidade, aliada à crise climática, gera um cenário de desamparo e precarização que desafia os fundamentos do trabalho decente.

O conceito de desenvolvimento sustentável, embora amplamente difundido desde a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), ainda se apresenta como um campo em disputa quanto à sua concretização e alcance normativo. Para a Central Única dos Trabalhadores - CUT, o modelo tradicional baseado no tripé “economia, sociedade e meio ambiente” mostra-se limitado, pois não abrange as relações de poder e participação política que estruturam o mundo do trabalho. Nesse sentido, o sindicalismo propõe uma quarta dimensão — a política — voltada à participação direta da classe trabalhadora nas decisões sobre o uso dos bens naturais e a definição do futuro coletivo (Angelim et al., 2014, p. 14-15).

A partir da teoria de Jürgen Habermas, essa dimensão política pode ser compreendida como espaço de razão comunicativa, em que a validade das normas decorre do consenso obtido entre sujeitos livres e iguais. Para o autor, a legitimidade das decisões públicas deriva da “força do melhor argumento” e do exercício da deliberação racional na esfera pública. Assim, o desenvolvimento sustentável, quando entendido sob essa ótica, deixa de ser apenas uma diretriz técnica para se tornar um processo discursivo inclusivo, no qual atores diversos — governos, sindicatos, comunidades e empresas — constroem, mediante diálogo, os princípios que orientarão a ação coletiva.

 

 

 

2.7 O BRASIL ENTRE O PROTAGONISMO CLIMÁTICO E A VULNERABILIDADE SOCIAL

A trajetória brasileira nas Conferências das Partes revela tanto protagonismo internacional quanto vulnerabilidades internas. Desde a COP15 (Copenhague, 2009), o Brasil assumiu compromissos voluntários de redução de emissões, consolidando-os na COP21 (Paris, 2015) por meio do Acordo de Paris, que instituiu metas globais para transição a uma economia de baixo carbono (Brasil, 2022). Políticas públicas como o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) contribuíram para reduzir o desmatamento entre 2004 e 2012; contudo, o avanço da degradação florestal a partir de 2016 comprometeu o cumprimento das metas de mitigação (Brasil, 2022, p. 3-4).

Ao mesmo tempo, a CUT observa que a crise ambiental intensifica desigualdades históricas e amplia a precarização do trabalho, uma vez que “a crise ambiental que se agrava há algumas décadas tem vínculo inquestionável com a crise econômica e de justiça social, com impactos perversos sobre o mundo do trabalho” (Angelim et al., 2014, p. 7). Essa constatação aproxima-se da crítica habermasiana à colonização do mundo da vida pelos sistemas econômico e administrativo, fenômeno pelo qual a racionalidade instrumental subjuga a solidariedade e o agir comunicativo.

Na Amazônia, essa colonização manifesta-se na exploração predatória dos recursos naturais e na marginalização dos povos e trabalhadores locais. A região, simultaneamente símbolo de biodiversidade e de vulnerabilidade social, representa o ponto em que as lutas ambientais e trabalhistas se entrelaçam, exigindo políticas integradas que conciliem proteção ecológica, justiça distributiva e valorização do trabalho humano.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) — especialmente o ODS 8 (“Trabalho decente e crescimento econômico”) e o ODS 13 (“Ação contra a mudança global do clima”) — consolidam a noção de que a transição para uma economia de baixo carbono deve estar acompanhada de garantias de proteção social, diálogo social e emprego digno (Angelim et al., 2014, p. 29-31). O movimento sindical brasileiro e latino-americano defende a chamada “transição justa”, entendida como o processo de mudança econômica e ambiental que respeita os direitos dos trabalhadores, assegurando-lhes participação nos benefícios da transformação produtiva.

No âmbito teórico, Habermas contribui para fundamentar essa perspectiva ao propor que a justiça social e a solidariedade sejam alcançadas por meio da deliberação ética, onde as normas válidas são aquelas que podem obter o consentimento racional dos envolvidos. Aplicada à questão climática, essa abordagem sugere que as políticas de mitigação e adaptação só serão legítimas se construídas mediante processos comunicativos inclusivos, capazes de reconhecer a pluralidade de experiências e saberes — inclusive os saberes tradicionais amazônicos.

Em contraste, o paradigma da “economia verde”, difundido após a Rio+20, tende a reduzir a sustentabilidade à lógica mercantil, transformando a natureza em ativo financeiro e perpetuando a exclusão dos trabalhadores (Angelim et al., 2014, p. 15-19). Habermas adverte que essa redução da racionalidade prática à racionalidade instrumental configura uma distorção comunicativa, na qual os imperativos econômicos substituem o diálogo ético. Para superar essa distorção, é necessário reorientar o debate climático a partir da ética do discurso, isto é, de uma prática comunicativa que reconcilie eficiência ecológica e equidade social.

No caso amazônico, essa reorientação implica reconhecer os trabalhadores rurais, extrativistas e urbanos como sujeitos de direito e não meros destinatários de políticas públicas. A crise climática intensifica a exposição desses grupos a riscos físicos e econômicos, demandando políticas específicas de adaptação laboral, capacitação técnica e inclusão produtiva sustentável. A COP30 representa, portanto, uma oportunidade ímpar de promover um pacto social amazônico, no qual o trabalho decente seja o eixo da ação climática.

 

3 CONCLUSÃO

A crise climática é uma realidade inescapável que remodela o meio ambiente do trabalho de forma profunda e multifacetada. Fenômenos como o estresse térmico, a intensificação de eventos extremos e a pressão sobre ecossistemas frágeis comprometem a saúde, a segurança e a produtividade dos trabalhadores em escala global. No Brasil, tais vulnerabilidades são potencializadas por desigualdades históricas e estruturais, atingindo com maior severidade grupos como os trabalhadores rurais e informais, que ainda carecem de proteção social efetiva e de condições laborais dignas.

Enfrentar o estresse térmico e os impactos climáticos no meio rural requer ações integradas e multissetoriais, que envolvam tanto o Estado quanto empregadores, sindicatos e sociedade civil. Em primeiro lugar, é imprescindível atualizar periodicamente as normas regulamentadoras relacionadas à saúde e segurança no trabalho — em especial a NR-31 —, incorporando indicadores climáticos regionais, parâmetros de exposição térmica e protocolos de prevenção específicos para atividades agrícolas. Em segundo lugar, devem ser implementados programas de educação e adaptação climática laboral, promovendo capacitação sobre hidratação, pausas térmicas, uso adequado de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), reorganização das jornadas e criação de “zonas de descanso” em áreas rurais.

Paralelamente, é urgente incentivar políticas de mecanização sustentável, de fomento a empregos verdes e de inclusão previdenciária e assistencial dos trabalhadores informais, de modo que a adaptação ao clima seja acompanhada de proteção social e geração de renda. A construção de um sistema nacional de monitoramento do estresse térmico ocupacional, em parceria com universidades e órgãos ambientais, pode oferecer dados contínuos e regionais, subsidiando políticas públicas baseadas em evidências.

A vulnerabilidade dos trabalhadores rurais e informais deve ser reconhecida como expressão concreta de injustiça climática. Aqueles que menos contribuem para o aquecimento global são justamente os que mais sofrem seus efeitos, muitas vezes privados de direitos básicos e de voz nos processos decisórios. Nesse sentido, a promoção do trabalho decente no campo é inseparável da luta por equidade climática, inclusão social e justiça ambiental, pilares de um desenvolvimento sustentável genuíno.

Sob a ótica habermasiana, a crise climática evidencia não apenas um colapso ambiental, mas também uma crise comunicativa: a distância entre os processos decisórios e a realidade vivida pelos trabalhadores. O Direito do Trabalho deve, portanto, atuar como instrumento de integração e deliberação democrática, capaz de inserir o mundo laboral no centro do debate ambiental, garantindo que a transição ecológica seja igualmente uma transição social justa. Isso implica reconhecer o diálogo social — entre Estado, empregadores e trabalhadores — como um componente essencial das políticas de adaptação climática.

A COP30, ao ocorrer em Belém, no coração da Amazônia, apresenta-se como uma oportunidade histórica para reposicionar o Brasil como protagonista de uma agenda climática comprometida com a dignidade humana. O evento deve ser compreendido não apenas como um fórum diplomático, mas como um espaço de escuta e coautoria social, onde trabalhadores amazônicos, comunidades tradicionais e movimentos sindicais possam influenciar a formulação das políticas climáticas globais.

Assim, o trabalho decente emerge como a categoria mediadora entre o direito a um meio ambiente equilibrado e o direito à vida digna, integrando a ética ambiental à justiça social. A ação climática, para cumprir seu papel civilizatório, deve também ser uma ação comunicativa e emancipatória, que reconheça os trabalhadores — sobretudo os amazônidas — como sujeitos ativos da transição ecológica e interlocutores legítimos na formulação das políticas públicas que moldarão o futuro sustentável do planeta.

Em síntese, a superação da crise climática no mundo do trabalho não depende apenas de inovações tecnológicas, mas de um novo pacto social e jurídico, fundado na participação democrática, na equidade e na proteção da dignidade humana. Somente por meio desse caminho será possível garantir que a sustentabilidade ambiental caminhe lado a lado com a justiça social — assegurando, de forma concreta, vida digna, trabalho decente e futuro sustentável para todos.

REFERÊNCIAS

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SANTOS, Antônio Carlos dos; SANTOS FILHO, Agripino Alexandre dos. Modernidade e crise ambiental. Dissertatio, Pelotas, n. 46, p. 78–92, 2017.



[1] Doutor

[2] Pós-graduanda

[3] Pós-graduanda

[4] Pós-graduanda

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