a razão pública encontra-se hoje em disputa. pragmáticas de comunicação e informação na disputa pela razão pública (democrática)
Eugênia Vitória Camera Loureiro[1]
Arquiteta Urbanista
eugenialoureiro.arquiteta@gmail.com
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Resumo
A autora pretende mostrar que a democracia não é mar de brigadeiro e está sempre em disputa. Essa disputa envolve forças sociais antagônicas. De forma que a razão pública não estaria em crise mas em disputa por forças sociais, a saber democracia versus fascismo. É o paradigma intersubjetivo X realidade única autoritária que faz usa de fake news como forma de expressão, uma vez que a extrema direita e o fascismo não podem dizer a que vieram sob pena de ficarem sem votos. Uma situação de crise da razão pública estaria associada a um estado de anomia da sociedade, de crise de valores e colonização do mundo da vida pelo sistema de poder e dinheiro, situação em que o agir comunicativo não conseguiria se desenvolver. De forma que não são as Big techs que investem diretamente contra a razão pública, mas as Big Techs servem à disputa e seus CEOs tem lado. Por fim, a autora procura localizar na Teoria do Agir Comunicativo e na Pragmática Universal de Habermas a base de orientação para a luta democrática nesse percurso repleto de instabilidade. Pragmática da informação em analogia a uma pragmática da Comunicação - questões práticas para o enfrentamento democrático no discurso.
Palavras-chave: Democracia; Razão pública; Fascismo; Fake news; Agir comunicativo.
THE FUTURE OF DISCOURSE
public reason is currently under dispute. Pragmatics of communication and information in the struggle for public (democratic) reason.
Abstract
The author intends to show that democracy is not a bed of roses and is always in dispute. This dispute involves antagonistic social forces. Therefore, public reason is not in crisis but in dispute between social forces, namely democracy versus fascism. It is the intersubjective paradigm versus the authoritarian single reality that uses fake news as a form of expression, since the extreme right and fascism cannot say what they are about for fear of losing votes. A crisis of public reason would be associated with a state of anomie in society, a crisis of values, and the colonization of the lifeworld by the system of power and money, a situation in which communicative action cannot develop. Therefore, it is not the Big Tech companies that are directly attacking public reason, but the Big Tech companies serve the dispute, and their CEOs have a side. Finally, the author seeks to locate in Habermas's Theory of Communicative Action and Universal Pragmatics the guiding basis for the democratic struggle in this path full of instability. Pragmatics of information in analogy to a pragmatics of communication – practical issues for democratic confrontation in discourse.
Keywords: Democracy; Public reason; Fascism; Fake news; Communicative action.
EL FUTURO DEL DISCURSO
la razón pública se encuentra actualmente en disputa. Pragmática de la comunicación y la información en la lucha por la razón pública (democrática).
Resumen
El autor pretende demostrar que la democracia no es un camino de rosas y está siempre en conflicto. Este conflicto involucra fuerzas sociales antagónicas. Por lo tanto, la razón pública no está en crisis, sino en disputa entre fuerzas sociales, concretamente la democracia y el fascismo. Se trata del paradigma intersubjetivo frente a la realidad única autoritaria que utiliza las noticias falsas como forma de expresión, ya que la extrema derecha y el fascismo no pueden expresar sus posturas por temor a perder votos. Una crisis de la razón pública se asociaría con un estado de anomia social, una crisis de valores y la colonización del mundo de la vida por el sistema de poder y dinero, una situación en la que la acción comunicativa no puede desarrollarse. Por consiguiente, no son las grandes empresas tecnológicas las que atacan directamente la razón pública, pero sí contribuyen a la disputa, y sus directivos tienen un bando. Finalmente, el autor busca ubicar en la Teoría de la Acción Comunicativa y la Pragmática Universal de Habermas el fundamento que guía la lucha democrática en este camino lleno de incertidumbre. Pragmática de la información, por analogía con una pragmática de la comunicación: cuestiones prácticas para la confrontación democrática en el discurso.
Palabras clave: Democracia; Razón pública; Fascismo; Noticias falsas; Acción comunicativa.
1 INTRODUÇÃO
O conceito de razão pública é central na filosofia política, especialmente em teorias sobre democracia, liberalismo e justiça. Ele se refere à ideia de que, em uma sociedade pluralista (com diversidade de valores, religiões e visões de mundo), as decisões políticas e as justificativas para leis e políticas públicas devem ser baseadas em argumentos acessíveis e aceitáveis por todos os cidadãos, independentemente de suas convicções particulares, como visões religiosas, ideológicas ou morais específicas que não sejam compartilhadas por todos
Para Jurgen Habermas a razão pública é um processo de deliberação coletiva, livre e igualitária, que ocorre na esfera pública, orientado pela busca do entendimento mútuo e pela força dos melhores argumentos, e que serve como fundamento de legitimidade para a ordem política democrática. É uma visão otimista e exigente da democracia, que depende da vitalidade de uma esfera pública onde os cidadãos possam verdadeiramente dialogar para moldar seu destino comum.
No momento em que um ex-presidente que planejou um golpe de estado e assassinatos é condenado pelo Supremo Tribunal Federal – STF, multidões vão às ruas celebrar a ruptura com um passado de impunidade e conciliação, na defesa da democracia. Passados nem 10 dias o Congresso passa a articular uma anistia e multidões voltam as ruas para repudiar essas tentativa de anistia e a PEC (Projeto de Emenda Constitucional) das Pregorrativas também conhecida como PEC da Blindagem. Essa visava suspender quaisquer investigação de deputados e senadores sem autorização expressa de seus pares o que poderia facilitar muito a ação de organizações criminosas suspeitas de representação no Congresso, além da aplicação do dinheiro das emendas parlamentares sem qualquer supervisão.
Se considerarmos o Supremo Tribunal Federal – STF como expressão máxima da razão publica em um estado democrático de direito, observamos a existência de forças sociais identificadas com a extrema direita que investem em causar toda sorte de tensões e coações para o STF, buscando aprovar a todo custo uma anistia para quem foi condenado conforme a Constituição e nesse sentido sobrepondo os interesses de um grupo de pessoas/familia sobre os interesses do país.
Da mesma forma buscam controlar a pauta e impedir que o Congresso coloque em discussão e aprove o que é de interesse real de maiorias da sociedade como a justiça tributária com a taxação dos super ricos, das empresas de aposta e financeiras chamadas de fintechs, o fim da jornada 6x1, a PEC da Segurança Pública, entre outros temas;
Essa situação mostra forças sociais antagônicas em enfrentamento e nesse sentido seria o caso de afirmar que a razão pública encontra-se em disputa. E não se trata do quem vem sendo chamado de binarismo, uma vez que não há equivalência possível entre democracia e autoritarismo.
Nesse sentido a razão pública não estaria em uma crise por conta de novas tecnologias de comunicação e informação e não bastaria responsabilizar a tecnologia como causa, ou seja a disputa não é motivada pelos avanços tecnológicos, embora tenha seu concurso no uso de tecnologia como munição no conflito.
A razão pública está em disputa com o fascismo. Na verdade para o fascismo a razão pública precisa deixar de existir. É o movimento que extrema-direita vem fazendo de destruição da razão publica e da esfera pública por meio do ataque às instituições e a promoção de fake news buscando fabricar uma realidade paralela sob controle. O Quadro 1 é resultado do uso de inteligência artificial a partir do programa da DeepSeek e mostra algumas diferenças entre os conceitos de crise e disputa.

Quadro 1 - Diferenças entre os conceitos de crise e disputa
Fonte: gerado no DeepSeek
2 A DEMOCRACIA NÃO É MAR DE BRIGADEIRO E ENVOLVE DISPUTAS.
O projeto neoliberal fascista é a tentativa mais radical de colonizar o mundo da vida: substituir totalmente a ação comunicativa pela lógica instrumental do poder puro, onde o dinheiro e o poder não são meios entre outros, mas os únicos princípios organizadores da sociedade.
A razão pública se constitui hoje em um território em disputa. A luta democrática é, em essência, a luta para defender e expandir as condições do mundo da vida que permitem que a ação comunicativa e a razão pública floresçam, resistindo à sua colonização por forças que querem instrumentalizá-la para fins antagônicos à liberdade e ao entendimento mútuo.
Entendemos que atualmente se desenvolve uma disputa entre o paradigma intersubjetivo caraterístico dos regimes democráticos e plurais e o projeto autoritário do fascismo com a imposição de uma razão não dialógica a serviço de uma classe dominante, que poderíamos chamar de plutocracia[2]. É nesse sentido que podemos entender
Musk, Bezos, Thiel e outros bilionários, já não são apenas habitués de Trump. Tornaram-se formuladores das ideias mais brutais de supremacismo e apartheid interplanetário. Vale conhecer o ambiente cultural que gerou tal protagonismo[3]
Pensemos nas heresias de Balaji Srinivasan e Peter Thiel, que, ao celebrarem o “Estado em rede” e as cidades flutuantes no mar (seasteading), conceberam uma doutrina de fuga para os aristocratas digitais. Enquanto Srinivasan imagina feudos de blockchain com cidadania sob demanda e forças policiais no modelo pay-per-view, Thiel almeja plataformas oceânicas onde os ricos possam flutuar além do alcance dos Estados, enquanto suas fantasias libertárias balançam como iates de luxo em águas internacionais. Em outros âmbitos, a overdose solucionista do Vale do Silício inflou uma bolha de ideias que rivaliza com as financeiras: um mercado frívolo onde a cotização das grandes narrativas sobe mais rápido que as stock options. Assim, Sam Altman esboça despreocupadamente planos de ação planetários para a (não) regulação da inteligência artificial, e até para garantir o bem-estar da IA (“capitalismo para todos!”), enquanto os criptoacólitos (Marc Andreessen, David Sacks), os aspirantes a colonizadores celestiais (Elon Musk, Jeff Bezos) e os revivalistas nucleares (Bill Gates, Bezos, Altman) oferecem suas próprias soluções ambiciosas e empolgantes para problemas de origem aparentemente desconhecida. (Quem está consumindo toda essa energia que de repente precisamos com tanta urgência? Um verdadeiro mistério, sem dúvida).
Os exemplos acima mostram que não teria sido o Vale do Silicio que teria ido atrás de Wall Street, mas o contrário, foi Wall Street que buscou as soluções do Vale do Silicio para concretização de seu projeto de controle financeiro das decisões como acontece nos dias de hoje.
Essa tentativa de controle e subordinação para fazer prevalecer e predominar os interesses de uma classe social é o fator gerador da disputa. Se não enganar e iludir por meio de falsificações da realidade(fake news), essa elite não ganha eleição, pois não tem a nada a propor que seja de interesse real para a maior parte da sociedade. Observe-se o desempenho dos deputados da extrema direita no Congresso Nacional que se comunicam por meio de fake news com milhares de seguidores e quando votam o fazem em propostas contra os interesses da maioria da sociedade. Não é por outra razão o uso de uma hachstag muito conhecida nas redes sociais: #Congressoinimigodopovo. Esse pessoal precisa moldar a realidade que prefere a partir de fake news disseminadas pelo uso de tecnologias de comunicação e informação e desenvolvidas pelas chamadas Big Techs, o que interfere e muito na prática no agir comunicativo que busca o entendimento mútuo.
Por outro lado, a impossibilidade do agir comunicativo implicaria uma situação de anomia da sociedade. Essa tem sido a resposta de Habermas às críticas ao idealismo habermasiano sobre as condições para o desenvolvimento do agir comunicativo.
Em termos simples, anomia é um estado de desorganização ou ausência de normas sociais, onde as regras e valores que guiam o comportamento das pessoas perdem sua força, tornam-se confusos ou entram em conflito. Isso leva a um sentimento de desorientação, alienação e desespero no indivíduo e a um estado de caos e desintegração na sociedade. A palavra tem origem no grego: "a-": prefixo que significa "ausência" ou "falta de"."nomos": que significa "lei", e "norma" ou "regra".
Portanto, anomia significa literalmente "ausência de lei" ou "ausência de normas". É possível identificar algumas características de uma sociedade em situação de anomia em contextos modernos:
- Aumento da criminalidade e da corrupção.
- Falta de confiança nas instituições (governo, polícia, justiça).
- Sentimento generalizado de injustiça e desigualdade.
- Crise de valores e conflito entre normas tradicionais e modernas.
- Alienação e individualismo extremo ("cada um por si").
- Busca por prazeres imediatos e materialismo exacerbado.
Parece evidente que os traços apontados acima estão sempre em alguma medida presentes na sociedade. Para Émile Durkheim[4], a anomia é um “estado patológico da sociedade” que ocorre durante períodos de rápida mudança social ou crise econômica (como uma grande depressão ou, inversamente, um boom econômico súbito). Assim podemos aperfeiçoar esse conceito detalhando o pensamento de Durkheim
– Não é ausência de leis, mas uma “falha na regulação moral” da sociedade.
– É um estado em que as “normas sociais se tornam confusas, fracas ou contraditórias”.
– Os indivíduos perdem o senso de “limite e direção”, seus desejos se tornam ilimitados e isso gera “frustração, angústia e desorientação”.
– É um “fato social”, uma patologia da sociedade, não uma falha individual.
Habermas, contudo critica em parte o conceito de anomia de Durkheim definindo como anomia a colonização do mundo da vida pelo sistema. Habermas sintetiza suas críticas especialmente nos capítulos finais do volume 2 da Teoria do Agir Comunicativo,
• Anomia como Colonização: Quando a lógica do sistema (dinheiro e poder) invade esferas do mundo da vida que deveriam ser regidas pela comunicação, como a família, a cultura e a esfera pública. Isso causa uma desagregação ou patologia no mundo da vida.
• Manifestações: A perda de sentido, a ruptura das tradições, a psicopatologia, o desengajamento cívico e a sensação de desorientação que Durkheim associava à anomia são, para Habermas, resultados dessa colonização. As normas sociais (do mundo da vida) são "esvaziadas" pela lógica econômica e administrativa.
Previamente à elaboração da teoria do agir comunicativo, Habermas desenvolveu o exame dos pressupostos gerais para a ação comunicativa em sua pragmática da comunicação que por sua vez trouxe do paradigma linguístico o conceito de uma pragmática universal,
(..) a tarefa da pragmática universal é identificar e reconstruir condições universais de um possível entendimento mútuo. Em outros contextos, também se fala de “pressupostos gerais da comunicação”, mas prefiro falar de pressupostos gerais da ação comunicativa porque considero fundamental o tipo de ação que visa alcançar o entendimento. Parto, portanto, do pressuposto (sem me comprometer a demonstrá-lo aqui) de que outras formas de ação social – por exemplo, o conflito, a competição, a ação estratégica em geral – são derivadas da ação orientada para o alcance do entendimento. Além disso, como a linguagem é o meio específico para alcançar o entendimento no estágio sociocultural da evolução, quero ir um passo além e destacar ações de fala explícitas de outras formas de ação comunicativa. Ignorarei ações não verbais e expressões corporais[5].
E prossegue,
Como preliminar, quero indicar brevemente o que quero dizer com “base de validade do discurso”. Desenvolverei a tese de que qualquer pessoa que atue comunicativamente deve, ao realizar qualquer ato de fala, levantar pretensões de validade universais e supor que elas podem ser justificadas. Na medida em que deseja participar de um processo de entendimento, ela não pode evitar levantar as seguintes – e, na verdade, precisamente as seguintes – pretensões de validade
- proferir algo de forma inteligivel
- dar (ao ouvinte) algo para entender
- tornando-se assim compreensível e
- chegando a um entendimento com outra pessoa.
Demonstrando toda a atualidade da construção habermasiana, a disputa concreta pela razão pública se daria então obedecendo esses conceitos básicos, estruturados da seguinte forma
– Pela Definição dos Fatos (Reivindicação de Verdade): A disputa entre fontes confiáveis de informação e campanhas de desinformação que buscam sabotar a própria noção de verdade factual.
– Pelas Normas da Sociedade (Reivindicação de Exatidão): A disputa entre normas democráticas (igualdade de direitos, Estado de Direito) e normas autoritárias (obediência cega, "lei e ordem" seletiva).
– Pela Sinceridade (Reivindicação de Veracidade): A disputa entre políticos que (mesmo com discordâncias) operam dentro de um quadro de sinceridade mínima e aqueles que usam a mentira de forma sistemática e descarada (*bullshit*), onde a própria ideia de sinceridade é irrelevante.
A teoria do agir comunicativo de Habermas, mostrando mais uma vez sua atualidade, poderia contribuir para o restabelecimento das condições do discurso e na recuperação de uma soberania digital a partir da conjugação de uma pragmática da comunicação e por analogia uma pragmática da informação que oriente os processos de comunicação e informação atuais, identificando percalços e tentativas de manipulação. Essa ideia de uma pragmática da informação foi desenvolvida na minha tese de doutorado ao estudar pressupostos para a governança de sistemas de informação em cidades. Com a contribuição da inteligência artificial por meio do programa da DeepSeek chegou-se ao quadro abaixo que busca detalhar essa possível analogia

Quadro 2 – Possível analogia
Fonte: gerado no DeepSeek
A importância do quadro acima pode estar no reconhecimento e identificação de questões e ao mesmo tempo apontar para o desenvolvimento de soluções. Dizer que um algoritmo age como um ato ilocucionário quer dizer que a função de recomendar vai muito além de uma simples sugestão técnica ou neutra. É uma ação performática que, ao ser executada, tem o poder de moldar a realidade, influenciar comportamentos, conferir status e definir identidades dentro do ambiente digital e deve ser vista com precaução. Trata-se do principio da precaução que abordei em trabalho anterior sobre inteligência artificial.
Ou no caso de um conjunto de dados precisa estar associado a um metadados ou se não possuir fonte explícita pode colocar dúvidas sobre sua própria confiabilidade. Da mesma forma, algorítmos podem embutir modelos cognitivos em seu desenvolvimento que precisam ser identificados e avaliados.
Podemos dizer a partir das observações já mencionadas que a tecnologia não é o problema em si. O desenvolvimento tecnológico traz vantagens e desvantagens. Traz empregos e desempregos, embora em diferentes setores e maneiras. Produz continuidades e descontinuidades. Gera comodidades e mudanças na forma como vivemos, aprendemos, realizamos compras, contratamos e somos atendidos nos serviços, pagamos as contas e interagimos socialmente em comunidades etc.
O problema é saber a que e a quem tudo isso serve? Saber principalmente quem mais ganha com todos esses avanços que tem concentrado mais renda e ampliado ainda mais as desigualdades.
Por tudo isso, entender onde tem origem esse processo e como se desenrola parece um diagnóstico importante a ser destrinchado, num momento em que já descobrimos a importância dos nossos dados pessoais, não apenas para a nossa privacidade, mas também para ganhos em escalas de poucas corporações que se tornam gigantes no centro do capitalismo.
Como lidar com as tecnologias para que sejam usadas a nosso favor, em prol do entendimento e desenvolvimento coletivo sabendo que as forças democráticas possuem muito menos recursos à disposição.
Entender isso é crucial para ter uma visão crítica sobre como essas ferramentas funcionam e o enorme impacto que elas têm na cultura, no consumo de informação e na formação de opinião. E compreendendo isso construir um ambiente tecnológico distinto daquele controlado pelas Big Techs. Um ambiente capaz de garantir soberania digital e onde o agir comunicativo possa se desenvolver plenamente. A seguir são apresentadas algumas propostas[6] a serem elaboradas partindo de uma agenda comum:
1. Oferecer um conjunto digital democrático e liderado pelo poder público, que deverá incluir:
- infraestrutura digital como serviço (para treinamento, processamento e desenvolvimento de soluções digitais) fornecida por consórcios internacionais democráticos e sem fins lucrativos;
- plataformas universais, como mecanismos de busca e modelos básicos de IA, que devem ser um bem comum, governado por novas instituições públicas com representação do Estado e da sociedade civil; e
2. Elaborar uma agenda de pesquisa focada em desenvolvimentos digitais que possam resolver problemas coletivos e aprimorar as capacidades humanas, considerando os impactos éticos, econômicos, ecológicos e políticos da tecnologia, incluindo as aplicações de IA.
3. Fundamentar a soberania digital em um internacionalismo ecológico, um antídoto à vigilância governamental individual e aos abusos de poder, que também minimiza os recursos necessários para construir uma pilha digital pública e democrática.
4. Estabelecer mecanismos rigorosos para desmantelar a vigilância estatal ou a apropriação indevida de soluções coletivas por governos específicos. Acordos multilaterais sobre princípios e regras para a internet são salvaguardas indispensáveis para a construção de instituições e soluções autônomas e democraticamente governadas.
Aspectos complementares a esses pontos seria ainda a construção de uma estratégia para as agências de mercados de retrofit na era digital e implementação de medidas para regular e tributar adequadamente as receitas e a captura de dados e conhecimento das empresas de tecnologia dominantes. Esse novo arcabouço político também visaria proteger a mão de obra e fortalecer sua autonomia criativa, contribuindo, ao mesmo tempo, para o fortalecimento dos direitos humanos e civis. Um aspecto poderia ser uma rede de segurança na qual os Estados ofereçam treinamento e emprego para o desenvolvimento e a operação desse conjunto digital liderado pelo poder público.
3 CONCLUSÃO
A superação da denúncia da tecnologia é necessária bem como a regulamentação e a busca para um terreno tecnológico que beneficie a maioria da sociedade, orientada por principios oriundos do que poderia se chamar de uma conjugação entre uma pragmática da informação em analogia a uma pragmática da comunicação, de forma a garantir um ambiente mais próspero para o agir comunicativo, conforme Habermas.
Seria possível afirmar que a crise da razão pública estaria instalada na medida em que se verificasse a impossibilidade do agir comunicativo. Para Habermas, o estado de anomia social é mais do que um mero impedimento; é a negação direta das condições de possibilidade do agir comunicativo. A anomia destrói o mundo da vida compartilhado, fragiliza as normas que dão base aos argumentos e mina a confiança necessária para o diálogo sincero.
A solução habermasiana para superar a anomia reside justamente na revitalização da esfera pública, onde o agir comunicativo pode florescer. Através de um debate público livre, inclusivo e racional, a sociedade pode, em tese, reconstruir normativamente seu mundo da vida, gerar solidariedade e criar leis e instituições legítimas, combatendo assim a desregulação e o vazio normativo da anomia. Portanto, anomia e agir comunicativo são conceitos antagônicos no centro da diagnose e da proposta terapêutica de Habermas para as patologias da modernidade.
REFERÊNCIAS
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FREITAG, Barbara. Habermas e a Teoria da Modernidade. Caderno CRH. n. 22 Jan/Jun. 1995. https://periodicos.ufba.br/index.php/crh/article/view/18781.
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HABERMAS, Jurgen. Arquitetura moderna e pós moderna. Novos Estudos, São Paulo, n. 18, setembro, CEBRAP, 1987.
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HABERMAS, Jurgen. Theory of communicative action. Lifeworld and System: A Critique of Functionalist Reason, volume 2, Beacon Press, Boston, 1985.
HABERMAS, Jurgen. Uma nova mudança estrutural da esfera pública e a politica deliberativa. São Paulo: Editora UNESP, 2023.
LOUREIRO, Eugênia. Sistemas de Informação e Governança Informacional: novos aspectos para discussão, a cidade e a questão urbana como aspectos motivadores. Tese doutorado MCT/IBICT, 2005, Rio de Janeiro.
LOUREIRO, Eugênia. Aspectos da inteligência artificial e o princípio da precaução de uso da IA no planejamento de comunidades urbanas – Perspectivas de evolução na esfera pública política - XX Colóquio Habermas XI Colóquio de Filosofia da Informação Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT, Democracia Tecnologia: Regulação da Internet e Inteligência Artificial na Esfera Pública, setembro, 2024.
LOUREIRO, Eugênia. Cidades Inteligentes (Smart Cities): cidades mais humanas e inclusivas ou modelos de negócios excludentes? O papel de uma nova esfera pública em tempos de internet e uso intensivo de dados pessoais - XVI Colóquio Habermas e VII Colóquio de Filosofia da Informação, Novembro, 2020.
ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira do poder. Editora Intrínseca Limitada, Rio de Janeiro, 2020.
[1] Doutora em Ciência da Informação
[2] exercício do poder ou do governo pelas classes mais abastadas da sociedade.
[3] Morozov, Evgeny Outras Palavras, 14/08/2025).
[4] O sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917) foi quem popularizou e desenvolveu profundamente o termo em suas obras, principalmente em O Suicídio (1897).
[5] Habermas, Jurgen On the Pragmatics of Communication, pag 21.
[6] Paraná, Edmilson Recuperando a soberania digital: um roteiro para construir um arranjo digital para as pessoas e o planeta https://scholar.google.com/citations?user=YARkXTIAAAAJ&hl=pt-BR.