GOOGLE DRIVE E CYBERLOCKERS

O dilema moral e a evolução da pirataria digital

 

Janicy A. Pereira Rocha[1]

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

janicy.rocha@unirio.br

Gabriel de Lima Florencio[2]

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

gabriel.santos@edu.unirio.br

 

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Resumo

Este estudo apresenta um breve panorama das ferramentas de compartilhamento de arquivos, denominadas cyberlockers, com o objetivo de discutir as práticas da comunidade de pirataria na plataforma Google Drive, bem como a percepção moral associada a tais ações. Foi utilizada uma pesquisa bibliográfica para reunir informações sobre as principais ferramentas de disseminação de mídias digitais, com base em consultas a bancos de dados acadêmicos e ao Internet Archive. Os resultados obtidos indicam que as práticas de pirataria nas primeiras décadas do século XXI permanecem ativas, assim como as justificativas que as sustentam. Considera-se, de forma preliminar, que a pirataria pode ser motivada por distintos fatores, como instabilidades econômicas ou sociais, ainda que frequentemente se busque justificativas morais para neutralizar a percepção de ilegalidade dessas práticas.

Palavras-chave: pirataria; cyberlockers; Google Drive; moralidade.

 

GOOGLE DRIVE AND CYBERLOCKERS

The moral dilemma and the evolution of digital piracy

Abstract

This study presents a brief overview of file-sharing tools, known as cyberlockers, with the aim of discussing the practices of the piracy community on the Google Drive platform, as well as the moral perception associated with such actions. A bibliographic survey was used to gather information on the main tools for disseminating digital media, based on consultations with academic databases and the Internet Archive. The results obtained indicate that piracy practices in the first decades of the 21st century remain active, as do the justifications that support them. It is preliminarily considered that piracy may be motivated by different factors, such as economic or social instability, although moral justifications are often sought to neutralize the perception of illegality of these practices.

Keywords: piracy; cyberlockers; Google Drive; morality.

 

GOOGLE DRIVE E LOS CYBERLOCKERS

El dilema moral y la evolución de la piratería digital

 

Resumen

Este estudio presenta una breve panorámica de las herramientas para compartir archivos, denominadas cyberlockers, con el objetivo de analizar las prácticas de la comunidad pirata en la plataforma Google Drive, así como la percepción moral asociada a tales acciones. Se utilizó una investigación bibliográfica para recopilar información sobre las principales herramientas de difusión de medios digitales, basándose en consultas a bases de datos académicas y al Internet Archive. Los resultados obtenidos indican que las prácticas de piratería en las primeras décadas del siglo XXI siguen activas, al igual que las justificaciones que las sustentan. Se considera, de manera preliminar, que la piratería puede estar motivada por distintos factores, como la inestabilidad económica o social, aunque a menudo se buscan justificaciones morales para neutralizar la percepción de ilegalidad de estas prácticas.

Palabras clave: piratería; cyberlockers; Google Drive; moralidad.

 

1  INTRODUÇÃO

O primeiro contato, direto ou indireto, com a pirataria no contexto latino-americano é bem plural, como pode ser visto em breves relatos em mídias ou nas antigas propagandas antipirataria. De maneira recorrente, é possível recuperar um padrão de publicações em redes sociais dizendo que por volta dos anos 2000, sites conhecidos como cyberlockers serviram como fonte de acesso ao entretenimento, mesmo que de maneira ilegal, principalmente para jovens sem renda ou com o receio de aquisições online. O conceito de cultura de compartilhamento pode ser observado com intensidade neste público, o qual também sugere proximidade aos princípios de economia comportamental.

Não há como discutir sobre a pirataria sem mencionar fatores econômicos e sociais e, nesse contexto, há uma grande desigualdade entre os brasileiros o que, possivelmente, contribuiu para que a pirataria se tornasse muito popular por estas terras. Questiona-se, contudo, por que, nos anos 2000, especificamente entre o público jovem, houve uma aproximação com o conceito de cultura do compartilhamento, seja em razão do início da estruturação da Web 2.0, que transformou o usuário em produtor de conteúdo, seja pela popularização dos computadores nas residências.[3].

É indubitável que livros e itens de entretenimento ainda podem ser considerados artigos mais elitizados para uma parcela da população. Contudo, é inegável que, após anos, existe um maior contato com a produção cultural midiática do que anteriormente. Há uma força que as redes sociais, pela publicidade e pela própria comunidade, instigam no público para consumir livros, filmes, séries, sejam elas antigas ou recentes. Um exemplo é a comunidade do “booktok”, a qual consiste em criadores de conteúdo sobre livros, geralmente sobre fantasia e ficção, para um público jovem-adulto, uma espécie de bibliófilos desta era contemporânea. Ao realizar um paralelo com o período abordado por este artigo, as comunidades presentes no Orkut ou em grupos do Facebook também fortaleciam o compartilhamento destas mídias entre si, de forma gratuita e recíproca por meio dos cyberlockers.

Nesse sentido, este trabalho propõe discutir as práticas da comunidade de pirataria na plataforma Google Drive, bem como a percepção moral associada a tais ações. Para tanto, realiza uma pesquisa bibliográfica sobre as principais ferramentas de propagação de mídias digitais, seja materiais de informação textuais ou visuais, no início do milênio e comparar com os que são utilizados na atualidade, em especial o Google Drive. Assim, a metodologia proposta é de uma pesquisa qualitativa de cunho descritivo, na qual objetiva-se elencar novas discussões sobre o tema já existente. A etapa inicial foi baseada numa pesquisa nos principais meios de comunicação da Google com sua comunidade (clientes) a respeito de suas ações e falas combatendo a pirataria digital em suas plataformas. Para recuperar mais dados e informações, também foi necessário acessar o site Internet Archive, no qual foi possível verificar publicações dos fundadores do MediaFire, Megaupload, 4Shared e Rapidshare em seus respectivos blogs e domínios, que atualmente não estão mais disponíveis. Em seguida, procurou-se utilizar as bases de dados Google Acadêmico, SciELO e JSTOR para pesquisas bibliográficas entre janeiro de 2025 e setembro de 2025. Por meio das variações de operadores booleanos aceitos pelas bases de dados, utilizou-se uma combinação entre os seguintes termos: pirataria; cyberlockers; “file sharing”; “Google Drive”; Megaupload; MediaFire; 4Shared e Rapidshare. A escolha do recorte temporal nas duas primeiras décadas do século XXI se justifica pela popularidade da propagação de conteúdo pirata, seja música, filmes, materiais textuais e das propagandas institucionais antipirataria.

 

BREVE PANORAMA DA EVOLUÇÃO DA PIRATARIA DIGITAL (2000–2020) E MAPEAMENTO DE ALGUMAS DAS FERRAMENTAS

Dos anos 2000 até o final da década de 2010, a internet brasileira foi palco de transformações e também de difusão da intensa cultura do compartilhamento de arquivos, também conhecida como o file sharing. Este momento foi marcado pela ascensão e queda de alguns gigantes cyberlockers, os quais moldaram o modelo de consumo de conteúdo digital durante essa época.

Os sites de serviço de armazenamento em nuvem, ou cyberlockers de acordo com a literatura (Marx, 2013; Wang, 2016), como o 4shared, MediaFire e o Megaupload (conhecido atualmente como Mega) são exemplos famosos de ferramentas concorrentes que eram associados diretamente à prática de compartilhamento ilegal e à violação de direitos autorais por suas características de compartilhamento público (Wang, 2016, p. 275). No entanto, essa perspectiva torna-se ultrapassada, pois atualmente esses sites possuem um acesso, comparativamente, menor que o Google Drive, que, embora inicialmente não fosse vinculado à pirataria, após uma década de existência passou a enfrentar apropriações similares. Ao longo deste panorama será abordado um aspecto técnico importante para época, o extenso armazenamento gratuito para seus usuários e o tempo em que o arquivo poderia permanecer no site para ser acessado e baixado. Esse fato reforça a popularidade e importância dos cyberlockers no processo de compartilhamento e na caracterização da cultura do compartilhamento no período dos anos 2000.

O primeiro cyberlocker abordado neste trabalho é o MediaFire, criado em 2006 por Derek Labian e Tom Langridge, no Texas. Popularizado na década de 2010, o serviço permanece até os dias atuais e, segundo informações do seu site (Mediafire, c2025), conta com mais de 43 milhões de usuários ativos. Para realizar o download ou upload de arquivos de até 1 GB (Gigabyte) não é necessário ter uma conta criada no site da empresa, contudo não é oferecido um suporte oficial a armazenamento de longo prazo para as contas gratuitas e seus conteúdos, que reforça o aspecto efêmero do MediaFire. Outra característica interessante da plataforma é que, inicialmente o usuário possui armazenamento de 10 GB, o qual pode ser aumentar em mais 40 GB por meio de compartilhamento de postagens nas redes sociais Facebook e X, além de outras atividades (Langridge, 2016).

Em seguida, um dos cyberlockers envolvido em diversas polêmicas políticas e policiais é o Megaupload, que opera atualmente como MEGA e dessa forma vamos tratar como duas coisas isoladas. O Megaupload surgiu em 2005 como um site de serviço de hospedagem de arquivos por Kim Schmitz, que também é conhecido como Kim Dotcom, um hacker que desenvolveu o site com base operacional em Hong Kong. O ápice de sua popularidade ocorreu entre 2009-2012, período no qual houve uma remodelação no site e passou a permitir aos membros gratuitos o download de arquivos até 1024 MB. Além disso, oferecia 200 GB de espaço para armazenamento pessoal em seu file manager, com a ressalva de que podia ocorrer apenas um download por vez. Por meio do Internet Archive, é possível recuperar as informações do site de 2011, cujo o Frequently Asked Questions (FAQ) trazia dados importantes referentes à sua época: “Se você deseja que seu arquivo possa ser baixado por todos, certifique-se de não exceder o limite de 1024 MB. Arquivos maiores só podem ser baixados por usuários premium.[4] (Megaupload, 2011). O tempo de armazenamento dos arquivos também era uma dúvida frequente dos usuários. Em suma, arquivos de usuários anônimos, ou seja, que não possuíam conta no Megaupload, eram excluídos após 21 dias após o último download, como constava no site: “Um arquivo que foi enviado anonimamente (que não pertence a nenhum usuário do Megaupload) será excluído no mínimo 21 dias após a última vez em que foi baixado.”[5] (Megaupload, 2011). Outro dado que vale a menção estava no Contrato de Usuário do Megaupload, informava que, para utilizar a plataforma, era necessário ter ao menos 18 anos e ter capacidade e autorização para celebrar contratos: “[...] concordando com este Contrato, o Cliente tem pelo menos dezoito anos de idade e é capaz e autorizado a celebrar contratos vinculativos em nome do Cliente.”[6] (Megaupload, 2011).

Por sua grande popularidade no compartilhamento de arquivos, que culminou em um espaço benéfico para prática de pirataria, o Megaupload foi acusado pelos crimes de infração à lei de direito autoral, extorsão e de lavagem de dinheiro pelos Estados Unidos. Logo, o domínio do site foi confiscado pelo Federal Bureau of Investigation (FBI) em 19 de janeiro de 2012, em que mostrava uma imagem informando sobre os crimes cometidos pela empresa. O fundador e alguns funcionários do site foram presos e indiciados por violações de leis relacionadas à pirataria pela justiça norte-americana.

O 4shared é mais um exemplo de serviço de hospedagem e compartilhamento de arquivos, o qual foi fundado em 2005 pela dupla de Alex Lunkov e Sergey Chudnovsky. Sua popularidade esteve no compartilhamento de arquivos, algo que está presente em seu slogan free file sharing and storage” (compartilhamento gratuito de arquivos e armazenamento). Nos seus Termos de Uso declara que usuário pode enviar qualquer arquivo, exceto materiais ilegais, pornográficos ou protegidos por direito autoral, algo também visto nos demais cyberlockers analisados. Os limites técnicos da plataforma atualmente para usuários gratuitos estão: o quantitativo de arquivos é ilimitado, mas a quantidade de pastas totais está limitada à 1000 e deve permanecer nos 15 GB por conta. Atualmente, o 4shared coloca como limite de tamanho por documento em 2048 MB, o qual foi alterado conforme os anos. Os usuários também podem tornar os seus documentos e pastas disponíveis para uma busca pública dentro da ferramenta de busca no site para que todos os usuários do mundo tivessem acesso aos seus documentos. Outro detalhe interessante é a sua política de tempo de guarda dos arquivos digitais para uma conta gratuita, se não houver nenhum acesso dentro de 180 dias, o 4shared está autorizado para excluir o conteúdo. Ao compartilhar um arquivo, cria-se um link que redireciona para o site o qual disponibiliza o download do arquivo após 20 segundos de espera e a presença de propagandas, caso não tenha contratado o serviço de assinatura da empresa. As demais informações estão disponíveis de fácil acesso, novamente em seu FAQ, disponível no próprio site do 4shared.

Por fim, a ferramenta RapidShare foi desenvolvida em 2006, mesmo a marca estando registrada em 2002, pelo alemão Christian Schmid e posteriormente vendida para a empresa suíça RapidShare AG. Inicialmente, o site auto-intitulava-se “The world's biggest 1-Click Webhoster”, disponibilizando mais de 23 milhões de arquivos hospedados. No entanto, impunha algumas limitações aos usuários gratuitos: o upload era ilimitado, mas com tamanho máximo de 100 MB por arquivo, além de um limite de download de 30 MB por hora (Rapidshare, 2006). Em 2009, o RapidShare enfrentou problemas legais devido ao armazenamento ilegal de músicas em seu serviço de hospedagem (Spahr, 2009). O Tribunal Regional de Hamburgo acusou a plataforma de disponibilizar cerca de 5.000 faixas musicais na internet e ao fim do mesmo ano, o Tribunal multou o RapidShare em € 24 milhões (valor que, corrigido monetariamente pela inflação, seria de aproximadamente € 34 milhões atuais, equivalentes a R$ 215,5 milhões). A repercussão do caso afetou também outros sites de hospedagem de arquivos, uma vez que as precauções tomadas por esses serviços não eram suficientes para prevenir violações de direitos autorais (Spahr, 2009). Apesar do conflito legal, a consolidação da empresa veio a partir de 2010, quando implementou mudanças significativas mesmo após o julgamento. Para os usuários gratuitos, o tamanho máximo dos arquivos aumentou para 200 MB, e o armazenamento dos servidores da RapidShare cresceu para a casa dos petabytes (Rapidshare, 2010a; 2010b). Outro aspecto importante foi o foco na segurança: o site informava que os arquivos eram protegidos por um link único, o que prevenia o acesso não autorizado por terceiros ao seu conteúdo. O caminho para o fim do site foi marcado por decisões controversas entre os usuários, especialmente após o julgamento de 2009 e um outro, em 2012. Em novembro deste último ano, o RapidShare introduziu um limite para o quanto os usuários gratuitos, que são maioria em comparação aos usuários pagos, poderiam baixar. Menos de dois anos depois da limitação, a versão gratuita foi definitivamente extinta, tornando um serviço exclusivamente pago (BBC, 2015). Em sequência a essas medidas, 45 dos 60 funcionários da empresa foram demitidos em maio de 2013 e conforme os negócios fracassavam, marcou-se o fim da marca e da ferramenta em 31 de março de 2015 (BBC, 2015), quando todas as contas e os arquivos hospedados no site foram apagados.

            Com base no relatório de 2014 da NetNames para a Digital Citizens Alliance, investigou a lucratividade e o modelo de negócio de cyberlockers ou serviços de armazenamento online, além de analisar trinta sites, divididos igualmente entre plataformas de download direto e de streaming. A pesquisa constatou que esses sites geravam quase US$ 100 milhões em receita anual, uma média de US$ 3,2 milhões por cyberlocker analisado (NetNames, 2014, p. 1-4). Embora a margem de lucro possa parecer alta pela sua receita, quando comparada aos custos de manutenção e serviços prestados, ela varia de acordo com as despesas de cada site. Ao pegar o MEGA como exemplo, que havia um custo médio anual de US$ 4,3 milhões, inclui gastos como hospedagem do site, programas de afiliados, equipe, taxas de processamento, despesas legais e custos gerais. No final, seu lucro era de apenas aproximadamente US$ 990 mil (NetNames, 2014, p. 28). O relatório também identificou que mais de 78% dos materiais armazenados em cyberlockers são destinados à pirataria. Isto posto, a receita dessas plataformas, provêm principalmente das contas premium, que são pagas, e dos anúncios veiculados em seus sites, patrocinados por marcas relevantes. Esse modelo era viável para sua época porque, majoritariamente, as empresas responsáveis pelos cyberlockers não pagavam pelo conteúdo protegido por direitos autorais que é distribuído por seus usuários, nem realizavam a remoção adequada desses materiais.

 

3 GOOGLE DRIVE E A CULTURA DO COMPARTILHAMENTO

Os anos 2010 e posteriores foram marcados pela queda de alguns famosos cyberlockers, especificamente aqueles nos quais haviam serviço “gratuito" para os usuários. No entanto, a ferramenta da Google surgiu no ano de 2012 sendo mencionada oficialmente no antigo blog pertencente à empresa[7] com o objetivo de criar, compartilhar e preservar fotos, vídeos e documentos em diferentes formatos por meio da tecnologia da nuvem, a qual consiste em servidores que armazenam arquivos digitais e servem para que não ocupem o espaço físico do computador do usuário. Diante dos exemplos de cyberlockers, o Google Drive não era uma ferramenta nova no meio, já haviam outros concorrentes, que até permanecem nos dias atuais e disputam no mercado. Contudo, a sua integração com o ecossistema tecnológico, chamado de Google Workspace, e sua interface amigável juntaram o útil ao agradável quando falamos de ferramentas para a pirataria.

Observe que, como o principal medo dos usuários de arquivos piratas era acessar arquivos em sites maliciosos ou com conteúdo duvidoso, a Google serve nas mãos um serviço que não inova, mas possui um nome conhecido por todos e que passa segurança para os usuários, principalmente para os piratas. Acessar um link de um site da Google transmite uma confiança maior, além de toda a usabilidade de sua interface, na qual é possível realizar o download, o acesso por meio digital, mais fácil e seguro que isso só ao adquirir o item em questão.

A Google sustenta uma soberania comercial sentida sutilmente perante as demais empresas de inteligência e desenvolvimento tecnológico no mercado, a qual reflete até mesmo nas políticas públicas e de desenvolvimento dos Estados Unidos. Além disso, a empresa detém desde a principal ferramenta de busca no ocidente, o principal visualizador de vídeos com o Youtube e também o sistema operacional Android para dispositivos smartphone, algo semelhante com o sistema Windows para a Microsoft. Essa perspectiva afeta o usuário médio, que tem à disposição diversas ferramentas, todas gratuitas (até certo ponto). Assim, reforça-se a máxima de que, quando um serviço de qualidade é oferecido gratuitamente, o verdadeiro produto são os dados do usuário, que acabam sendo comercializados de diferentes formas.

A Alphabet, empresa que também é controlada pela Google, divulga relatórios trimestrais e anuais com métricas para acionistas. No relatório de 2024[8], ele apontou que possui cerca de 2 bilhões de usuários em todos os seus sete produtos, os quais atualmente utilizam a nova ferramenta de IA. Esta métrica, portanto, informa que cerca de 27,5% da população mundial utilizam recorrentemente as ferramentas da Google pagas e gratuitas, além de fornecer sua informação para a empresa, que seguidamente fornece para os acionistas. A partir disso, é possível retomar o assunto de segurança da informação, a plataforma não se assegura em relação aos documentos que ali foram compartilhados, podendo ou não serem maliciosos e íntegros em seu conteúdo, cabendo ao usuário distinguir isso.

            A partir da própria empresa, o Google Trends, permite identificar e pesquisar o interesse ao longo do tempo a partir de determinado termo, em determinado espaço do país e seus estados, além de assuntos e pesquisas relacionadas. Neste caso, a partir do termo “Google Drive”, observa-se na Figura 1 abaixo, em que os números representam o interesse de pesquisa relativo ao ponto mais alto no gráfico de uma determinada região em um dado período. Um valor de 100 representa o pico de popularidade de um termo. Um valor de 50 significa que o termo teve metade da popularidade. Uma pontuação de 0 significa que não havia dados suficientes sobre o termo. Infelizmente não há uma disponibilização específica dos dados e o seu quantitativo, mas por meio das informações do Google Trends, é possível relacionar alguns aspectos históricos e sociais  Dessa forma, no Brasil, o pico de interesse pelo termo foi durante o período da pandemia de Covid-19, em que a escala de trabalho home-office se tornou popular e ferramentas para armazenamento de arquivos se tornou mais do que nunca necessária, já que em alguns casos, os servidores locais de empresas não poderiam ser acessados.

Figura 1 - Interesse no termo Google Drive no Brasil entre 2012 e 2025

Fonte: Google, 2025: Disponível em: https://trends.google.com.br/trends/explore?date=2012-01-01%202025-08-26&geo=BR&q=%22google%20drive%22&hl=pt-BR

Ainda nessa perspectiva, durante a pandemia, o interesse por obras de entretenimento cresceu e, consequentemente, a prática da pirataria também. Temporariamente, nesse período, as pessoas passaram mais tempo em casa e sem eventos ao vivo, o que levou a um orçamento maior destinado ao entretenimento doméstico, além de uma melhora nas habilidades digitais. Esses aspectos foram abordados no trabalho de Mazzei et al. (2025) e estão representados no Quadro 1, que mostra como o período pandêmico, de reclusão e isolamento, também foi responsável por um crescimento moderado no número de novas pessoas que utilizavam mídias de entretenimento piratas, principalmente as de audiovisual. Todavia, o estudo demonstra que apenas uma minoria usa conteúdos ilegais voltados para o entretenimento, além de abordar a praticidade dos serviços de streaming em comparação com as dificuldades da pirataria.

 

 

 

 

Quadro 1 - Não piratas, piratas e novos piratas — amostra por tipo de conteúdo

Tipo de conteúdo

Música (%)

Audiovisual (%)

Livros (%)

Jogos (%)

Não Piratas

63

52

72

66

Piratas (Anteriores a pandemia)

30

40

22

28

Novos piratas (durante a pandemia)

7

8

6

6

Fonte: Adaptado de Mazzei et al., 2025

Indubitavelmente, os torrents, outro método de compartilhamento baseado em peer-to-peer (P2P), ainda são utilizados. No entanto, a sua interface, a dependência de softwares como o BitTorrent, a necessidade de sites de índices (trackers) e a exigência de que alguém esteja compartilhando o arquivo o tornam menos amigável que a ferramenta da Google ou demais concorrentes. Ainda nesse sentido, há semelhanças notáveis entre os cyberlockers e as comunidades de torrents, especificamente na necessidade de um usuário disponibilizar o arquivo e de uma conexão com a internet:

Em um nível, os cyberlockers fornecem uma função muito semelhante à que as comunidades de compartilhamento de arquivos P2P oferecem. Os usuários carregam arquivos em uma extremidade e os baixam na outra. Em outro nível, os cyberlockers são, do ponto de vista tecnológico e industrial, uma extensão dos atuais serviços baseados em nuvem endossados pelo setor de entretenimento. O único pré-requisito para o uso dos sites é uma conexão com a Internet, alinhando os cyberlockers com o mesmo tipo de acesso abstratamente onipresente usado popularmente para descrever os serviços legais em nuvem (Marx, 2013, p. 7, tradução nossa)[9].

Podemos observar o aspecto da popularidade e do desenvolvimento de comunidades com maior clareza a partir da afirmação de Zanetti (2012) em que “Sites e blogs considerados mais ‘interativos’ têm sido aqueles que disponibilizam de modo mais acessível ferramentas para compartilhamento nas principais redes sociais ou mesmo por correio eletrônico.” Essa frase faz sentido quando analisada juntamente com perfis da rede social X (anteriormente nomeado como Twitter) em que se propõe a compartilhar links do Google Drive com filmes, livros e séries, mas dificilmente há a divulgação de arquivos torrent já que a legislação de muitos países é mais rigorosa contra este aspecto, diferente do Brasil. Ainda nesse sentido, um hábito comum é o uso de Virtual Private Network (VPN)  para realizar o download de arquivos torrents proibidos pelo governo.

Curiosamente, a Google possui um site chamado “Fighting Piracy” no qual demonstra a integração presente em todo o seu ecossistema para a proteção de conteúdo original, seja na plataforma de busca originária, seja no Youtube e até mesmo no Google Play, respectivamente plataformas de vídeos e aplicativos para dispositivos eletrônicos. Todavia, a empresa depende da colaboração dos usuários ou dos donos do material com direito autoral para denunciar conteúdos que estejam violando a lei regional de direitos autorais ou os termos de serviço da Google, para assim realizar a retirada regional ou até mesmo global do arquivo: “No entanto, quando se descobre que o conteúdo viola as políticas de conteúdo ou produto ou os Termos de Serviço do Google, normalmente removemos ou restringimos o acesso globalmente.” (Google, 2023a).

Ainda assim, o Frequently Asked Questions (FAQ) presente na página de suporte da empresa apresenta uma sessão exclusiva para questões de direitos autorais, desde a detenção e propriedade dos direitos sobre o item armazenado até os processos para obtenção de permissão de uso, da reclamação em casos de violação e as respectivas consequências legais para o ato.

Nesse sentido, cria-se um impasse moral diferente quanto ao uso da pirataria, no qual é necessário que usuários denunciem à plataforma os conteúdos ilícitos. No entanto, parece haver um consenso geral entre os usuários de que não estão errados no consumo daquele conteúdo, seja por ele não estar mais disponível facilmente, seja pelo seu alto custo, ou até mesmo por ter sido adaptado e traduzido para uma comunidade sem autorização. Logo, movidos por um senso de comunidade, não denunciam à Google e, portanto, dificilmente o conteúdo será removido. Para discutir esse assunto, é necessário entender o dilema moral presente no usuário que infringe os direitos autorais dessa forma, mas além disso, estende-se a compreensão do uso de técnicas de neutralização para justificar as ações de pirataria.

 

4 O DILEMA MORAL E A FALHA DOS SISTEMAS DE CONTROLE DA GOOGLE

O aspecto moral está intimamente ligado a pirataria e inevitavelmente não ficaria de lado neste estudo. Ao analisar a composição da moral contemporânea, é viável e se faz necessário compreender o comportamento dos usuários de livros digitais, sobretudo frutos da pirataria. Se interpretarmos a pirataria digital como um sintoma de anomia, reforçada pela rápida construção de comunidades digitais e a concepção antiga de que a internet era uma “terra sem lei”, devemos também decifrar previamente melhor as razões desse sintoma “[...] se a anomia é um mal, e antes de mais nada porque a sociedade sofre desse mal, não podendo dispensar, para viver, a coesão e a regularidade.” (Durkheim, 1999, p. X). Portanto, sob uma perspectiva durkheimiana, a moral possui vínculo com a pirataria tanto no campo social (anomia) quanto econômico graças ao entendimento de propriedade intelectual privada:

A moral é o conjunto das inclinações e dos hábitos que a vida social, conforme o modo como se organiza, desenvolve nas consciências particulares. Por fim, até as produções da arte, da ciência e da religião estão sempre relacionadas com determinadas condições econômicas (Durkheim, 1975, p. 219).

A partir da afirmação de Durkheim de que a moral se constrói a partir da vida social e seus hábitos, a inserção da internet e da web nas relações sociais ampliou também na comunicação de suas práticas e na construção de comunidades. A transição para a Web 2.0, ocorrida na primeira década do século XXI, representou uma mudança significativa na forma como os indivíduos interagem no ambiente digital. Diferentemente da Web 1.0, predominantemente estática, a Web 2.0 possibilitou que os usuários, até então consumidores, se tornassem produtores, criando, publicando e compartilhando conteúdos. Essa participação ativa favoreceu a formação de comunidades virtuais, nas quais normas próprias emergem e a moral se redefine segundo os hábitos e valores compartilhados digitalmente. Assim, práticas como o compartilhamento de arquivos protegidos por direitos autorais exemplificam como o ambiente digital tensiona os limites morais estabelecidos socialmente, sugerindo que a moral não é apenas determinada por instituições formais, mas também construída nas interações cotidianas, agora mediadas por plataformas tecnológicas.

Além disso, até as produções artísticas foram influenciadas pelo advento comunicativo da internet, além da influência da diversidade moral, cultural e intelectual. O entendimento que o ocidente possui vinculado à propriedade intelectual diverge categoricamente do oriente, o qual reflete nas práticas de pirataria como no uso frequente de sites de domínio russo que não respondem diretamente ao Digital Millennium Copyright Act (DMCA) ou a outras legislações ocidentais de propriedade intelectual. Em um breve relato para um contexto oriental, Li (2012, p. 101-102) apresenta que a pirataria de livros na China emergiu durante o início dos anos 1980, como uma resposta direta à reforma do setor editorial. A distribuição e publicação de novos exemplares e periódicos, nos quais mesmo com a iniciativa privada pudessem imprimir e distribuir novos livros, ainda dependiam de uma licença do Estado chinês para realizar a publicação, algo mais semelhante ao que ocorria durante a Europa do Antigo Regime (séc. XV a XVIII) com os privilèges do que a modernidade ocidental: “Durante toda a década de 1990, a maioria dos produtos pirateados na China eram livros e periódicos” (Li, 2012, p. 102, tradução nossa)[10].

A busca pela anonimidade está diretamente relacionada com a implementação de rigorosas legislações voltadas ao direito autoral Constata-se esse fato com a popularização de serviços de uso de VPN, a qual mascara o endereço de Internet Protocol (IP) dos dispositivos eletroeletrônicos para que não sejam rastreados, ou seja, uma ferramenta que auxilia na privacidade dos dados, mas também permite acessar conteúdos bloqueados em países.

Quando a aplicação dos direitos autorais for implementada em uma escala mais ampla, poderemos ver um aumento significativo nas medidas tomadas para ocultar a identidade de alguém, bem como uma mudança para outras técnicas de compartilhamento de arquivos. Esse comportamento deve ser visto à luz da legitimidade, ou da falta dela, da legislação em questão, por exemplo, a força das normas sociais relacionadas à lei. (Larsson; Svensson; Kaminski, 2012, p. 6, tradução nossa)[11].

Conforme mencionado anteriormente, não é raro recuperar um padrão de publicações nas redes sociais que explicitam a moral e perspectiva dos usuários dessas ferramentas de pirataria digital. Um dos exemplos é a deturpação de uma imagem de promoção a campanha de 2005 acerca da antipirataria criada pelo Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil (Sindireceita):

Figura 2 - Pirata: tô dentro! Só uso falsificação

 

Fonte: Pinterest, 2025c. Disponível em: https://pin.it/23yfneo6T

 

Em vista disso, dois sociólogos norte-americanos, Sykes e Matza, identificaram em 1957 cinco técnicas específicas para a neutralização das práticas voltadas a delitos, em que os indivíduos responsáveis por esses atos tentavam justificar e responsabilizar terceiros por suas ações. Tais técnicas são ilustradas no Quadro 2, no qual são apresentados e descritos, respectivamente, a negação de responsabilidade, a negação de dano, a negação da vítima, a condenação dos condenadores e o apelo a lealdades superiores. A partir disso, também tece a relação entre a teoria apresentada pelos autores com justificativas comuns usadas para a pirataria de livros digitais.

Quadro 2 - Técnicas de neutralização aplicadas à pirataria digital

Técnicas de Neutralização

Breve descrição

Justificativas para pirataria de livros

Negação da Responsabilidade

O indivíduo minimiza sua culpa, tratando a pirataria como uma ação comum e aceitável (p. 667).

Todos realizam o download de livros

Negação do Dano

O indivíduo também acredita que a pirataria não causa prejuízos reais, já que não há lucro direto com a distribuição e uso (p. 667).

Realizar o download de um livro não prejudica ninguém, pois não estou comercializando

Negação da Vítima

O ato é visto como uma forma de justiça ou punição, transformando a vítima, seja os autores ou editoras, em alguém que “mereceu” o dano ou punição (p. 668).

As editoras e os autores já são ricos, logo eles não sentem o prejuízo

Condenação dos Condenadores

A culpa é transferida para as vítimas, acusando-as de práticas injustas, como preços abusivos e impeditivos comerciais, o que justificaria a pirataria (p. 668).

As editoras são as verdadeiras criminosas com os preços abusivos

Apelo a Lealdades Superiores

A pirataria é justificada por um bem maior, como o direito universal ao conhecimento, ou a lealdade a sua comunidade, que se sobrepõe à lei (p. 669).

O acesso ao conhecimento é um direito a todos, e a pirataria é a solução

Fonte: Elaborado pelo autor a partir de Sykes e Matza (1957).

            A partir do Quadro 2, é possível identificar um paralelo entre as técnicas de neutralização, a descrição delas e as justificativas comuns que são obtidas em fóruns e redes sociais da internet. Respectivamente, a negação da responsabilidade é uma forma em que o indivíduo que comete a pirataria usa para justificar que a sua ação individual não gera tantos malefícios já que um coletivo geral comete as mesmas ações que ele. Em seguida, a negação do dano pode ser acompanhada da técnica anterior, já que o indivíduo afirma que utiliza o item ou mídia pirateada apenas para fins de entretenimento e não para comércio, o que também pode acontecer. A negação da vítima é outra técnica em que o indivíduo torna suas ações invasivas, as quais não consideram causar vítimas, numa perspectiva capitalista, em que as empresas editoras ou produtoras de conteúdos já usufruem de dinheiro. Juntamente com a técnica anterior, é possível utilizar-se da condenação dos condenadores, as quais “empurram” para as vítimas a responsabilidade, ou melhor, a culpabilidade das ações. Por fim, a última técnica retratada diz a respeito a um aspecto político e coletivo, no qual justifica a ação por ser algo acima da lei, um bem maior para a comunidade.

Tozi (2014, p. 55-58) propõe uma diferenciação conceitual entre dois tipos, a “pirataria adaptativa” e “pirataria imitativa”. A pirataria adaptativa corresponde à praticada por indivíduos ou pequenos grupos, às vezes ligados à sobrevivência econômica, ao acesso cultural e à sociabilidade em comunidades locais ou online. Suas técnicas são menos sofisticadas e sua lógica não é primariamente a da acumulação de capital, ou seja, corresponde às praticadas nos cyberlockers e atualmente no Google Drive. A pirataria imitativa, por outro lado, refere-se a operações organizadas, em escala industrial ou transnacional, com fins lucrativos. Ela também envolve a produção em massa de bens falsificados ou a operação de grandes plataformas de distribuição de conteúdo ilegal, como o site brasileiro Mega Filmes HD. Embora ambas sejam realizadas por “usuários” em um sentido amplo, a lógica operacional e econômica da pirataria imitativa se assemelha muito mais à do domínio corporativo, ainda que ilegal, do que à da cultura do compartilhamento.

Nesse sentido, conclui-se que o dilema moral proposto neste trabalho é a relação dos usuários de documentos piratas com as técnicas de neutralização, além do fato da proposta da Google em ter um trabalho conjunto com a comunidade para denunciar tais atos. Entende-se que existe uma falha no sistema de controle dos sistemas da Google em moderar esses tipos de arquivos e comunidades, mesmo com o avanço na inteligência artificial para identificar conteúdos que infringem os direitos autorais, há uma clara falha. Independentemente, o cyberlocker da vez escolhido foi o Google Drive, o qual, em alguns anos no futuro, pode ser outro, como o caso do Telegram, que não é um sistema de armazenamento de documentos, mas sim um meio de comunicação via chat.

 

5 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Analisar as ferramentas utilizadas por comunidades que praticam a pirataria também significa compreender suas práticas atuais, partindo do princípio de que a ferramenta e o usuário se correlacionam. No final dos anos 2000, o computador ainda era um item relativamente exclusivo, mas seu acesso tornou-se progressivamente mais comum com o avançar da década no país, impulsionado por fatores econômicos. As limitações tecnológicas da época, como a quantidade reduzida de armazenamento, a exclusão de arquivos após um período de inatividade da conta e a possibilidade de compartilhamento por meio de um link, eram, paradoxalmente, características inovadoras.

A capacidade de disponibilizar conteúdo em uma comunidade, no sentido estrito de Tönnies (2001, p. 17) (que interpretava a comunidade como uma entidade orgânica, baseada em respeito mútuo e relações de proximidade), reforça essa prática, ainda que ilegal. Outro conceito identificado ao longo do trabalho, que se aproxima mais da dimensão econômica da pirataria, trata-se do Homo reciprocans. Ele emerge de um contraste com a teoria economia do Homo economicus, em que alguns seres humanos possuem a predisposição para serem cooperativos e altruístas, motivados simplesmente pela reciprocidade positiva ou negativa, sem esperar futuros ganhos com suas ações. Bowles et al. (1997) afirmam que esse comportamento é motivado por condições específicas:

O Homo reciprocans não é, portanto, nem o altruísta desinteressado da teoria utópica, nem o hedonista egoísta da economia neoclássica. Ele é, antes, um cooperador condicional, cuja propensão à reciprocidade pode ser estimulada nas circunstâncias adequadas (Bowles et al, 1997, p. 5, tradução nossa)[12].

Portanto, ambos os autores também se articulam à noção de comunidade, presente nas práticas associadas aos cyberlockers e à pirataria digital. Nesse sentido, observa-se que, ao longo das primeiras décadas do século XXI, diversos sites dedicados a tais atividades surgiram e desapareceram. Contudo, o que permanece constante são os comportamentos coletivos, as redes de usuários e a perspectiva moral de viés político, sustentada pelas técnicas de neutralização.

O Google Drive mantém-se relevante para as práticas de pirataria, sobretudo pela facilidade de compartilhamento em redes sociais e pela credibilidade associada à marca. Embora constitua uma ferramenta distinta, observa-se a continuidade de práticas semelhantes às que caracterizavam os antigos cyberlockers. As atividades relacionadas à pirataria ainda representam uma pequena parcela quando comparadas ao consumo legal de produtos de entretenimento, principalmente pelos streamings e demais serviços de assinatura. No entanto, distintos fatores políticos e sociais podem influenciar esse cenário, como a pandemia de Covid-19, episódios de censura política ou o fenômeno das lost media (compreendido como qualquer conteúdo de mídia perdido, destruído ou tornado inacessível).

Por fim, este trabalho não pretende esgotar as discussões sobre pirataria digital, mas oferecer um panorama inicial, dada a escassez de dados quantitativos confiáveis ou específicos voltados ao uso de mídias piratas e até mesmo do ecossistema Google, sobretudo no contexto latino-americano.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Professora na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Doutora em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais (2018). Mestra em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais (2013). Bacharela em Sistemas de Informação pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2010)

[2] Mestrando em Biblioteconomia e Ciência da Informação pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Bacharel em Biblioteconomia e Ciência da Informação pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2023).

[3] A partir da notícia pelo jornal Folha de São Paulo, constatou que apenas a partir da virada do milênio, a média de computadores (desktops) adquiridos pelos brasileiros superou as 3 milhões de unidades, um crescimento de 20% de um ano para o outro: https://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u3468.shtml

[4] No original: “If you'd like your file to be downloadable by everyone, make sure not to exceed the limit of 1024 MB. Larger files can only be downloaded by premium users

[5] No original: “A file that was uploaded anonymously (that is not owned by any Megaupload user) will be deleted no sooner than 21 days after the last time it was downloaded.”

[6] No original: “[...] agreeing to this Agreement for Customer is at least eighteen years of age and otherwise capable of and authorized to enter binding contracts for Customer

[7] Disponível em: https://googleblog.blogspot.com/2012/04/introducing-google-drive-yes-really.html. Acesso em: 19 set. 2025.

[8] Esse relatório permanece disponível no site: https://abc.xyz/assets/77/51/9841ad5c4fbe85b4440c47a4df8d/goog-10-k-2024.pdf

 

[9] No original: “On one level, cyberlockers provide a very similar function to what P2P file-sharing communities offer. Users upload files on one end and download them on the other. On another level, cyberlockers are, technologically and industrially, an extension of current cloud-based services endorsed by the entertainment industry. The only prerequisite for usage of the sites is an internet connection, aligning cyberlockers with the same kind of abstractly ubiquitous access popularly used to describe legal cloud services”

[10] No original: “Throughout the entire 1990s, the majority of pirated products in China were books and periodicals.”

[11] No original: “When enforcement of copyright is implemented on a broader scale, we might see a significant increase in measures taken to hide one’s identity as well as a shift to other file sharing techniques. Such behaviour has to be seen in light of the legitimacy, or lack thereof, of the legislation at hand, for example the strength in social norms relating to the law.”

[12] No original: “Homo reciprocans is thus neither the selfless altruist of utopian theory, nor the selfish hedonist of neo classical economics. Rather, he is a conditional cooperator whose penchant for reciprocity can be elicited under the proper circumstances

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