ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO E ESTUDOS DE GÊNERO NA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO BRASILEIRA

Luciane Paula Vital[1]

Universidade Federal de Santa Catarina

luciane.vital@ufsc.br

Fabio Assis Pinho[2]

Universidade Federal de Pernambuco

fabio.pinho@ufpe.br

Mariana Holub Slomp[3]

Universidade Federal de Santa Catarina

mariana.holub@grad.ufsc.br

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Resumo

Caracteriza estudos na Ciência da Informação brasileira que conectam gênero e/ou mulheres e Organização do Conhecimento (OC). O estudo caracteriza-se por ser exploratório, descritivo, apresentando a pesquisa bibliográfica como procedimento de coleta de dados. A busca bibliográfica foi realizada na Base de Dados de Ciências da Informação (BRAPCI) e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD). Foram analisados ​​42 trabalhos científicos, entre artigos, dissertações e teses. A primeira publicação sobre o tema na literatura analisada é de 2010, destacando-se sua incipiência, considerando que 58% das publicações são de 2017 até a atualidade. Considerando seus objetivos, a pesquisa foi categorizada nas três dimensões da ISKO-Brasil: epistemológica, aplicada, política e social. 22% das pesquisas foram categorizadas na dimensão epistemológica, 39% na dimensão aplicada e 39% na dimensão política e social. A dimensão epistemológica da OC em relação ao gênero apresenta desafios importantes, mas também oportunidades para avanços teóricos e metodológicos que podem contribuir para uma representação mais justa e inclusiva do conhecimento. A análise crítica do trabalho mostra que, embora haja progressos, ainda é incipiente para garantir que a OC seja verdadeiramente inclusiva e representativa das diversas identidades de gênero.

Palavras-chave: organização do conhecimento; gênero; mulheres.

ORGANIZATION OF KNOWLEDGE AND GENDER STUDIES IN BRAZILIAN INFORMATION SCIENCE

Abstract

It characterizes studies in Brazilian Information Science that connect gender and/or women and the Knowledge Organization (KO). The study is characterized as exploratory, descriptive, presenting bibliographical research as a data collection procedure. The bibliographic research was carried out in the Information Science Database (BRAPCI) and in the Brazilian Digital Library of Theses and Dissertations (BDTD). 42 scientific works were analyzed, including articles, dissertations, and theses. The first publication on the subject in the literature analyzed is from 2010, highlighting its incipience, considering that 58% of publications are from 2017 to the present. Considering their objectives, the research was categorized into the three dimensions of ISKO-Brazil: epistemological, applied, political, and social. 22% of the research was categorized into the epistemological dimension, 39% into the applied dimension, and 39% into the political and social dimension. The epistemological dimension of KO concerning gender presents significant challenges, but also opportunities for theoretical and methodological advances that can contribute to a fairer and more inclusive representation of knowledge. Critical analysis of the work shows that, although there is progress, it is still incipient to ensure that KO is truly inclusive and representative of diverse gender identities

Keywords: gender; women; knowledge organization.

OGANIZACIÓN DE LOS ESTUDIOS DE CONOCIMIENTO Y DE GÉNERO EN LA CIENCIA DE LA INFORMACIÓN BRASILEÑA

Resumen

Caracteriza estudios en Ciencias de la Información brasileñas que conectan género y/o mujeres y la Organización del Conocimiento (OC). El estudio se caracteriza por ser exploratorio, descriptivo, presentando como procedimiento de recolección de datos la investigación bibliográfica. La búsqueda bibliográfica se realizó en la Base de Datos de Ciencias de la Información (BRAPCI) y en la Biblioteca Digital Brasileña de Tesis y Disertaciones (BDTD). Se analizaron 42 trabajos científicos, entre artículos, disertaciones y tesis. La primera publicación sobre el tema en la literatura analizada es del año 2010, destacando su incipiencia, considerando que el 58% de las publicaciones son del 2017 a la actualidad. Considerando sus objetivos, la investigación fue categorizada en las tres dimensiones de ISKO-Brasil: epistemológica, aplicada, política y social. El 22% de las investigaciones se categorizaron en la dimensión epistemológica, el 39% en la dimensión aplicada y el 39% en la dimensión política y social. La dimensión epistemológica del OC en relación con el género presenta desafíos importantes, pero también oportunidades para avances teóricos y metodológicos que pueden contribuir a una representación más justa e inclusiva del conocimiento. El análisis crítico del trabajo muestra que, si bien hay avances, aún son incipientes para asegurar que el OC sea verdaderamente inclusivo y representativo de las diversas identidades de género.

Palabras clave: género; mujeres; organización del conocimiento.

 

1  INTRODUÇÃO

A Ciência da Informação (CI) como área no Brasil que abrange os estudos de Organização do Conhecimento (OC) é o campo de exploração dessa pesquisa. A OC se constitui em um campo científico que busca discutir teorias e metodologias que viabilizem a análise, compreensão, representação e organização de áreas específicas do conhecimento humano. Do ponto de vista do desenvolvimento do conhecimento, de naturezas diversas, evidencia-se a complexidade da representação e organização exprimir em Sistemas de Organização do Conhecimento (SOCs) todas as possibilidades. Os SOCs precisam apresentar objetividade, construindo relações entre termos e conceitos, com precisão, visando a recuperação da informação. A área de OC tem investido em estudos que apresentam, discutem e aprofundam as pluralidades necessárias para o desenvolvimento desses sistemas. As instituições de informação objetivam o amplo acesso aos seus recursos, sejam analógicos ou digitais, e precisam criar meios para isso de forma igualitária e ética.

Considerando esse cenário, apresenta-se a temática de gênero para a discussão, em uma disputa de narrativas que perpassa questões políticas, sociais e culturais no contexto brasileiro. É uma temática que está em franco desenvolvimento teórico e metodológico, em que podemos citar a sigla LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer, Intersexuais, Assexuais e o + significando outras orientações), que pode ser encontrada de formas variadas utilizando o sinal de ‘+’ como uma tentativa de abarcar novos termos, que tem seus conceitos continuamente discutidos e revistos. Nesse estudo nos interessa caracterizar as pesquisas desenvolvidas na CI sobre a temática de gênero, especificamente em sua conexão com a OC.

A relação entre gênero e a OC demanda uma investigação aprofundada, especialmente no contexto brasileiro, onde as questões de gênero e a representatividade das mulheres apresentam desafios históricos e culturais significativos. A OC, enquanto disciplina, possui um papel relevante na estruturação, categorização e disseminação do conhecimento. No entanto, a maneira como as informações são organizadas e representadas pode perpetuar desigualdades e vieses de gênero, refletindo e reforçando estruturas de poder existentes.

A problemática central desta pesquisa reside na necessidade de compreender como a temática de gênero é tratada na OC dentro da CI brasileira. A literatura existente indica que as linguagens documentárias, classificações e terminologias frequentemente refletem vieses culturais que sub-representam ou distorcem as experiências e contribuições das mulheres. Este fenômeno pode levar a uma perpetuação de desigualdades de gênero, não apenas na academia, mas em todas as esferas onde o conhecimento estruturado é utilizado como base para tomada de decisões, formulação de políticas e educação.

Além disso, há uma incipiência de estudos que explorem as inovações tecnológicas e as abordagens culturais na OC com uma perspectiva de gênero. Muitas vezes, as práticas e ferramentas desenvolvidas não consideram adequadamente as diversidades e especificidades de gênero, resultando em sistemas que não são totalmente inclusivos ou equitativos. Essa lacuna no conhecimento demanda uma investigação sistemática para identificar e propor soluções que possam corrigir essas falhas estruturais.

Por isso, esta pesquisa se justifica pela necessidade de promover uma OC mais inclusiva e equitativa, que reflita as contribuições e experiências de grupos socialmente marginalizados. A OC tem o potencial de influenciar significativamente como o conhecimento é percebido e utilizado na sociedade, pois garantindo que ela seja justa e representativa é crucial para a promoção da igualdade de gênero.

Esta pesquisa teve como objetivo traçar um panorama dos estudos na ciência da informação brasileira que conectam gênero e/ou mulher e a organização do conhecimento. A OC pauta as discussões semânticas, de termos e conceitos e seus relacionamentos, assim, de que forma essa área tem direcionado essas discussões quando pensamos em gênero. A discussão de gênero é conectada ao feminismo, a construção social do que é ser mulher direciona o tratamento da informação sobre essa temática, incluindo suas intersecções. A referência masculina como universal na língua portuguesa direciona o tratamento e a representação da informação desenvolvida e precisa ser apresentada em uma perspectiva de gênero para uma discussão mais aprofundada e profícua.

 

2  BREVE DISCUSSÃO DE GÊNERO

Ao iniciarmos uma discussão sobre gênero é fundamental demarcar o entendimento adotado neste estudo sobre o termo. Dessa forma, foi necessário expandir a CI em busca dessa contextualização e conceituação, analisando fontes da sociologia, filosofia, antropologia e história, entre outras áreas, para compor essa discussão.

Gênero e feminismo estão imbricados e é por essa conexão que será iniciado. A história do feminismo no mundo pode ser contada por diferentes perspectivas, o desenvolvimento teórico marcou o que se chama de três ondas do feminismo, que auxiliou na compreensão de momentos históricos marcantes. Zirbel (2021, p. 11) diz que, “[...] nenhuma onda formou-se por conta de uma única perspectiva ou por meio da ação de um único grupo, ainda que, em algum dado momento, vários grupos de mulheres tenham decidido lutar em conjunto para potencializar algum ponto presente em suas pautas.” Ou seja, os momentos históricos nessa trajetória são construídos por disputas de grupos com interesses que também divergem.

A primeira onda ocorreu por volta do final do século XIX até o início da 2ª Guerra Mundial. As mulheres buscavam o reconhecimento de suas existências, a emergência civil, com o reconhecimento de seus direitos, especialmente o direito ao voto (sufragistas), e leis trabalhistas que as contemplassem. Foi um momento de lutas básicas pela constituição das mulheres como seres humanos com direitos, especialmente o de existir e se manifestar no mundo de forma autônoma.

A segunda onda do feminismo foi se configurando após a 2ª Guerra Mundial, nesse período é intensificada a produção teórica sobre as mulheres. A publicação, em 1949, do livro de Simone de Beauvoir, ‘O segundo sexo’, é um marco, nele a autora analisa a situação da mulher na sociedade sob diferentes aspectos: sexual, psicológico, social e político (Beauvoir, 2012). Também são discutidas as noções de patriarcado, dominação e do conceito de gênero. Um marco muito importante é que no final da segunda onda do feminismo, década 60, é apresentado o conceito de gênero, diferenciando-o de sexo biológico. Em 1968, o psicológo Robert Stoller escreveu um livro intitulado ‘Sexo e Gênero’ em que discute essas diferenças (Oakley, 2016), enquanto o sexo é compreendido como uma dimensão biológica e binária, gênero é considerado um modo de pensar a dimensão psicológica e cultural e é diverso. A década de 70 consolida o conceito de gênero e a partir da década de 80 um conjunto de autores discute teoricamente o conceito. O texto de Joan Scott (2017), ‘Gênero: uma categoria útil de análise histórica’ publicado originalmente em 1986, é considerado um marco nas discussões de gênero. Scott (2017) vincula a compreensão do termo ao movimento feminista, apresentando a discussão da construção social de gênero e a partir dessa perspectiva, analisando a história do movimento.

Já a terceira onda começa a se desenhar a partir da década de 90 e tem em Judith Butler (2018) uma consolidação epistemológica do conceito de gênero como forma de compreender normas sociais, políticas e os movimentos sociais que proliferam pelo mundo.

Zirbel (2021, p. 23) afirma que,

[...] na virada do século XX para o XXI havia uma forte presença do feminismo em todos os continentes e uma forte atuação de feministas jovens, muitas delas engajadas nas mídias sociais (Facebook, Twitter, Instagram, Tumblr, YouTube e blogs). O uso das mídias sociais para mobilização e conscientização tem sido uma característica marcante dessa nova onda.

Sob o conceito de gênero temos grupos diversos que buscam reivindicar direitos, incluindo o de existir. As mulheres formam um desses grupos que intersecciona com classe e raça, por exemplo. Vivemos sob forte influência do ambiente Web e das mídias sociais como forma de reverberação da voz de mulheres nos seus diferentes agrupamentos, porque como nos pontua bell hooks (2018), o feminismo é para todo mundo, mas há diferentes grupos e interesses em disputa.

 

2  ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO E GÊNERO NA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO NO BRASIL

A International Society for Knowledge Organization no Brasil - ISKO-Brasil organiza a produção científica em três grandes dimensões, Guimarães (2015, p.15) afirma que a comunidade brasileira,

[...] vem abordando suas discussões a partir de uma tríade temática composta pelas dimensões epistemológica, voltada para e a consolidação de teorias, metodologias, paradigmas, escolas de pensamento; aplicada, fortemente ligada ao avanço tecnológico e ao de desenvolvimento de novos instrumentos; e cultural, voltada para os contextos, as comunidades e os sujeitos que interagem na OC.

A nomenclatura dessas dimensões, como pontuam Oliviera, Gracio e Martínez-Ávila (2020), foi mudando ao longo do tempo de existência do capítulo brasileiro da ISKO, mais especificamente a dimensão três, que inicialmente era denominada ‘Social, cultural e política’ e atualmente ‘Política e social’, apresentando o aspecto cultural somente na sua ementa.

Com base nessas dimensões, os estudos de OC e a representação das temáticas relacionadas às mulheres têm conquistado espaço nas dimensões aplicada, política e social. Podemos citar como importantes pesquisas a de Milani (2010) que investigou biases na representação da informação sobre mulheres baseada nos estudos de Hope Olson, precursora dos estudos feministas e de homossexualidade na OC. A autora caracteriza biases como preconceitos, tendenciosidades, vieses por meio dos descritores de indexação utilizados por um profissional da informação no processo de organização e representação do conhecimento. Também Moraes (2014), que analisou a construção de tesauros para estudos de gênero e sobre mulheres. Já em 2017, o artigo de Sousa e Tolentino que analisa a representação da mulher em instrumentos documentários por meio de descritores e com a perspectiva do machismo. Xavier e Sabbag (2019) analisam a representação das questões de gênero em instrumentos de controle terminológico, especificamente o Tesauro da Unesco (2018) e o Tesauro para estudos de gênero e sobre mulheres (1998). Recentemente, Trivelato (2022) desenvolveu sua tese analisando a representação de conceitos relacionados aos feminismos presentes nos SOCs sob uma perspectiva da Organização Social e Crítica do Conhecimento.

Apesar de estudos que abordam a OC e mulheres, no Brasil temos como SOC referência nessa área, um tesauro de 1998 denominado ‘Tesauro para estudos de gênero e sobre mulheres’ publicado pela Fundação Carlos Chagas, usado como referência nos estudos de gênero no Brasil (Bruschini; Ardaillon; Unbehaum, 1998). Na década de 90, a tese de Natascha Hoppen (2021) analisou a produção bibliográfica brasileira sobre gênero e mulheres, a produção científica cresceu vertiginosamente, na década de 90 se tinham 34 artigos publicados, em média, anualmente, no ano de 2010 eram 1.094 e, em 2018, 3.684 (Hoppen, 2021). Isso nos mostra que o tesauro de 1998 atualmente não acompanha as transformações conceituais da temática. Podemos citar como exemplo o termo ‘feminicídio’, que não consta no tesauro de 1998 e, de acordo com o Código Penal brasileiro, é quando a morte se dá por “razões da condição do sexo feminino” e foi incorporada à legislação brasileira, a partir de 2015, ganhando relevância.

No ano de 2017 a revista Informação & Informação (2024) publicou um dossiê com pesquisas que conectam OC e gênero, intitulado ‘Organização   do   conhecimento   &   Gênero:   dimensões epistemológica,  aplicada  e  sociocultural’, organizado por pesquisadores, professores e alunos de mestrado e doutorado do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação IBICT – UFRJ. (Souza e Saldanha, 2017, p.9). Essa publicação demonstra os esforços e o interesse da área em discutir teorias e metodologias que contemplem a temática de gênero, compreendendo-a como um anseio social.

A construção de representações do conhecimento requer a inclusão dos grupos alvo desse processo e seu desenvolvimento tem como premissa a representatividade do conhecimento desses, que muitas vezes são marginalizados pelas concepções preestabelecidas que não reconhecem a singularidade dos sujeitos. Populações marginalizadas, países que não estão no centro do desenvolvimento econômico mundial, regiões discriminadas dentro de um país ou continente, e, pensando localmente, comunidades periféricas, povos originários, mulheres, crianças, LGBTQIA+, por exemplo, precisam ser considerados e representados nos processos de OC. Nesse sentido, podemos pensar em abordagens que possibilitem a participação ativa de grupos representativos de mulheres na construção de um SOC que possa ser utilizado como referência na representação de dados, informações e conhecimentos advindos dessa temática. O desafio proposto é o de construir uma metodologia plural de forma que a representação acomode as diferentes perspectivas.

Moreira e Sabbag (2022, p.36) afirmam que,

Qualquer SOC que negligencie as variáveis culturais envolvidas na produção e organização do conhecimento está fadado a sofrer as consequências de sua disfunção: tornar-se-á opressor, tendencioso ou irrelevante; em quaisquer os casos mostrar-se-á inadequado e, portanto, dispensável.

Corrobora-se com esse entendimento e com a busca de aprofundamento teórico e metodológico na construção de SOCs mais plurais e democráticos. O objetivo final é permitir o acesso ao conhecimento que pode auxiliar na emancipação das pessoas, o que nos parece ser a parcela da OC no desenvolvimento de uma sociedade mais democrática para um mundo mais ético.

 

2  PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O estudo se caracteriza como exploratório, descritivo que faz uso da pesquisa bibliográfica como procedimento de coleta de dados. A pesquisa bibliográfica foi realizada na Base de Dados em Ciência da Informação (BRAPCI), atualmente mantida pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, desenvolvida e mantida pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT). As bases escolhidas se justificam por apresentarem cobertura das principais fontes de informação, periódicos, eventos, livros, dissertações e teses em acesso aberto da área no Brasil.

Como estratégias de busca, objetivando recuperar todos os trabalhos que conectam gênero e/ou mulheres e OC, foram usados termos genéricos, para em um segundo momento, ser realizado o refinamento. O quadro 1 apresenta os termos e campo de busca na BRAPCI, seguido pelo número de resultados:

Quadro 1 -  Pesquisa bibliográfica BRAPCI

Termo e campo de busca

Resultado

Refinamento

Gênero (palavras-chave)

253

15

Mulher* (palavras-chave)

155

12

Total

408

28

Fonte: dados da pesquisa

Do total de 408 trabalhos resultantes da pesquisa bibliográfica na BRAPCI, após eliminação dos duplicados, foi realizada a leitura do resumo e, quando necessário, introdução e objetivos, para selecionar os que relacionam os termos ‘mulher*’ e/ou ‘gênero’ ao campo da OC, nas mais diversas possibilidades. A esse processo foi dado o nome de refinamento, resultando em 28 trabalhos analisados neste estudo.

 

Quadro 2 - Pesquisa bibliográfica BDTD

Termo e campo de busca

Resultado

Refinamento

Gênero + “Organização do conhecimento” (Resumo)

40

5

Mulher + “Organização do conhecimento” (Resumo)

11

9

Total

51

14

Fonte: dados da pesquisa

Dos 51 trabalhos recuperados na BDTD, após o refinamento, 15 deles atendiam aos objetivos dessa pesquisa, ou seja, conectam gênero e/ou mulher à OC.

Os 42 trabalhos totais foram analisados e estruturados nos seguintes metadados: autor(es), título, resumo, tipo (artigo, livro, tese, dissertação), ano, objetivo e caracterização metodológica quanto aos fins e quanto aos meios. Em relação ao caráter qualitativo e quantitativo compreende-se que são indissociáveis nas pesquisas científicas, seguindo o entendimento de Bufrem (2021), que como elementos da realidade, se manifestam em totalidade. Com base nos metadados estruturados, principalmente no(s) objetivo(s) da pesquisa, e quando necessário no texto completo, e por tratarmos de pesquisas publicadas no Brasil, foram categorizadas de acordo com as três dimensões da OC instituídas pela ISKO-Brasil, quais sejam: 1) Dimensão Epistemológica da Organização do Conhecimento; 2) Dimensão Aplicada da Organização do Conhecimento; e 3) Dimensão Política e Social da Organização do Conhecimento. Oliveira, Gracio e Martínez-Ávila (2020, p.50) afirmam que,

Corporificada nessas três principais dimensões, a ISKO-Brasil assume um caráter próprio, contemplando aspectos reflexivos de ordem teórica e prática em organização  do  conhecimento,  a partir de sua configuração nacional. As abordagens epistemológica, aplicada, política e social constituem-se, portanto, como uma influência à comunidade de OC no Brasil. Por isso, a categorização foi realizada a partir desse entendimento.

 

2 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Inicialmente serão apresentados os resultados gerais referentes às temáticas nas bases pesquisadas, BRAPCI e BDTD, para, por fim, as três dimensões com os trabalhos classificados em cada uma delas.

a) BRAPCI

Em uma visão geral, dos 28 trabalhos analisados, as maiores concentrações temporais se dão nos anos de 2017, 7 trabalhos; 2018, 5 trabalhos e 2021, 4 trabalhos.

O número total de artigos resultantes dessa pesquisa, sem recorte temporal, pode ser considerado baixo, nos números anuais esse dado é evidenciado, já que o ano com o maior número de publicações, 2017, são apenas 7 artigos publicados, e desses, 5 foram publicados na revista Informação & Informação em um número especial do dossiê ‘Organização do conhecimento & gênero” (Souza, Saldanha, 2017). Também podemos verificar que a intersecção das temáticas de gênero e OC é bastante recente na literatura científica da CI brasileira, 2012.

Figura 1 - Quantidade de trabalhos recuperados por ano de publicação

Fonte: dados da pesquisa

Quanto aos fins, 88,9% das pesquisas analisadas são exploratórias, 3,7% descritivas e 7,4% combinam finalidades exploratórias e descritivas.

 

Figura 2 - Percentual de trabalhos classificados por tipo de pesquisa

Fonte: dados da pesquisa

Em relação aos meios utilizados como estratégias metodológicas para alcançar seus objetivos, as pesquisas analisadas foram predominantemente bibliográficas, como estratégia única, 29,4% ou combinada com a pesquisa documental, 35,3%, ou com o método comparativo, 11,8%. Análise de conteúdo, estudo de caso, análise do discurso, historiográfica, como estratégias metodológicas únicas ou combinadas com a pesquisa bibliográfica somaram os 23,5% restantes. Nesses dados percebemos que uma abordagem metodológica com base na teoria crítica, em que os pressupostos da universalidade são questionados, ainda aparece pouco na literatura científica. Martínez-Ávila, Semidão e Ferreira (2016) já analisaram a teoria crítica como uma resposta à questões éticas verificadas na OC, o que indicia uma busca da área por bases teóricas e metodológicas alinhadas com perspectivas que dêem vez e voz à diversidade e grupos marginalizados. Porém, nessa intersecção pesquisada, essa abordagem ainda não está consolidada.

b) BDTD

Em uma visão geral, das 14 pesquisas de dissertações e teses analisadas, as maiores concentrações temporais se dão nos anos de 2023, 5 trabalhos e 2021- 2022 com 2 trabalhos em cada ano. Também verifica-se que o número total de pesquisas, sem recorte temporal, pode ser considerado baixo. A intersecção das temáticas de gênero e OC é bastante recente nas pesquisas acadêmicas da CI brasileira, 2010.

Figura 3 - Quantidade de teses e dissertações recuperadas por ano de publicação

 

Fonte: dados da pesquisa

 

Do total, 42,9% das pesquisas são em nível de doutorado e 57,1% de mestrado. A Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP) é a que apresenta o maior número de pesquisa, com 4 trabalhos, seguida pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com 2 trabalhos cada.

 

Figura 4 -  Porcentagem de trabalhos recuperados por instituição

Fonte: dados da pesquisa

 

 

O maior percentual de pesquisas, 64.3%, se caracteriza por abordagem exploratória, em consonância com os resultados da BRAPCI, seguido pela combinação de abordagens, exploratória e descritiva, 28.6% e unicamente descritiva, 7.1%.

Figura 5- Porcentagem de trabalhos recuperados classificados por abordagem de pesquisa

 

Fonte: dados da pesquisa

Já em relação aos meios, nas pesquisas de mestrado e doutorado as abordagens metodológicas tiveram uma diversidade maior em relação aos artigos científicos. Das 14 pesquisas analisadas, 3 apresentaram abordagens combinadas de pesquisa bibliográfica e documental, 3 pesquisa bibliográfica e 2 com abordagem única de pesquisa documental, totalizando 8 pesquisas. As outras 6 apresentaram abordagens combinadas, uma diferente da outra. Já se apresentam abordagens como: análise do discurso, observação participante, estudo de caso, que denota diferentes possibilidades de coleta e análise de dados na temática.

As categorizações podem ser arbitrárias, perpassando o universo social, político, cultural e econômico de quem a realiza. Para fins didáticos, categorizou-se as pesquisas nas três dimensões da OC sob a perspectiva da ISKO-Brasil e elencou-se os assuntos abordados. Porém, algumas dessas pesquisas expressam mais de uma das dimensões, assim, o objetivo proposto em cada estudo foi o foco da análise com vistas à categorização.

 

5.1 DIMENSÃO EPISTEMOLÓGICA

 

Dos 42 trabalhos analisados, 9 foram classificados na dimensão epistemológica, que concerne ao desenvolvimento de conhecimento na área, seja por por meio de teorias, metodologias, delineamento de tendências, entre outros. Essa é uma dimensão que apresenta fundamentos sob os quais a área se desenvolve, os resultados indicam uma produção científica minoritária em relação às outras dimensões, o que requer atenção.

Quadro 3 - Trabalhos analisados na dimensão epistemológica

MORAES, Miriam Gontijo. Linguagens documentárias e a construção do pensamento crítico: reflexões sobre o tesauro para estudos de gênero e sobre a mulher. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, v.7, n.1, p. 1-14, 2014.

ZAMBONI, Rita Costa Veiga; FRANCELIN, Marivalde Moacir. Garantia cultural, garantia ética e hospitalidade na organização e representação do conhecimento. Anais…Encontro Nacional de Pesquisa em Ciências da Informação. Salvador: ANCIB, 2016.

SICILIANO, Mell; et al. Sobre o que falamos quando falamos em gênero na ciência da informação?. Informação & Informação. v.2, n. 2, p. 144-165, 2017.

SIMÕES, Maria  da Graça; BRAVO, Blanca Rodríguez; PESTANA, Olívia. Representação do conceito de mulher na Classificação Decimal Dewey (CDD) na Classificação Decimal Universal (CDU): duas perspectivas sobre o mesmo conceito?. Liinc em Revista, v.14, n.2, p. 152-169, 2018.https://doi.org/10.18617/liinc.v14i2.4340

MOURA, Maria Aparecida. Organização social do conhecimento e performatividade de gênero: dispositivos, regimes de saber e relações de poder.  Liinc em Revista. v.14n.2, p. 118-135, 2018. https://doi.org/10.18617/liinc.v14i2.4472

MORAES, Miriam Gontijo. Tensão identitária e organização do conhecimento: olhar epistemográfico. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, v.11,n.2, p. 1-19, 2018.

MARTINEZ-ÁVILA, Daniel; MELLO, Mariana Rodrigues Gomes de. Epistemologias, gênero e dogmatismo científico: desdobramentos na Organização do Conhecimento. Logeion: Filosofia da Informação, v.9, n.1, p. 182–194, 2022. https://doi.org/10.21728/logeion.2022v9n1.p182-194

MARINHO, Caroline da Silva; et. al.  Estudos sobre Mulher e Gênero na Ciência da Informação: análise na Base de Dados BRAPCI. Revista Folha de Rosto. v.9, n. 2, p. 89-111, 2023. https://doi.org/10.56837/fr.2023.v9.n2.975

SILVA, Amanda Mendes da. A função social da representação: uma análise da representação documentária sobre mulheres e feminismos na organização do conhecimento. 2023. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) -. Universidade Estadual Paulista, Marília, 2023.

Fonte: dados da pesquisa

Como já salientado, essa classificação é para fins de análise, e cabe mais de uma dimensão em algumas das pesquisas analisadas.

Os trabalhos analisados revelam uma crescente preocupação com a interseção entre organização do conhecimento e gênero, com foco na inclusão e representação justa das mulheres e das questões de gênero. No entanto, a produção científica ainda é limitada, indicando a necessidade de mais pesquisas e desenvolvimento teórico sobre o tema.

Percebeu-se que os estudos analisados compartilham uma preocupação comum: a necessidade de revisão constante das ferramentas e classificações documentárias para garantir que elas reflitam as transformações sociais e culturais relacionadas ao gênero. A inclusão de uma abordagem ética e inclusiva é repetidamente destacada como essencial para uma representação justa e precisa do conhecimento.

Além disso, a crítica às estruturas de poder e à sub-representação das questões de gênero na OC sugere a necessidade de um novo paradigma. Os autores desses artigos defendem que as práticas de OC devem ser mais reflexivas e inclusivas, considerando as complexidades e diversidades das identidades de gênero.

Dessa forma, a dimensão epistemológica da OC em relação ao gênero apresenta desafios significativos, mas também oportunidades para avanços teóricos e metodológicos que possam contribuir para uma representação mais justa e inclusiva do conhecimento. A análise crítica dos trabalhos mostra que, embora haja progresso, ainda é incipiente para garantir que a OC seja verdadeiramente inclusiva e representativa das diversas identidades de gênero.

 

5.2 DIMENSÃO APLICADA

 

Dos 42 trabalhos analisados, 16 foram classificados na dimensão aplicada, ligada à inovações tecnológicas e desenvolvimento de novos instrumentos. O enfoque da dimensão aplicada evidencia a contribuição prática e tecnológica da pesquisa em OC, proporcionando uma base para novos estudos e aprofundamentos. A seção destaca que há um número expressivo de trabalhos de mestrado e doutorado nesta dimensão, indicando um crescente interesse e aprofundamento no campo.

Quadro 4 - Trabalhos analisados na dimensão aplicada

MILANI, Suellen Oliveira. Estudos éticos em representação do conhecimento: uma análise da questão feminina em linguagens documentais brasileiras. 2010. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Universidade Estadual Paulista, Marília, 2010.

CAMPOS, Mariana de Lima et al. Violência contra a mulher: uma relação entre dimensões subjetivas e a produção de informação. RDBCI: Revista Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação, v.15, n. 2, p. 349-367, 2017. https://doi.org/10.20396/rdbci.v15i2.8645969

SOUSA, Brisa Pozzi de; TOLENTINO, Vinicius de Souza. Aspectos machistas na organização do conhecimento: a representação da mulher em instrumentos documentários. Informação & Informação, v.22, n. 2, p. 166–207, 2017.

https://doi.org/10.5433/1981-8920.2017v22n2p166

RIBEIRO, Ana Rosa Pais; DECOURT, Beatriz; Almeida, Tatiana de. A representação do domínio “gênero” no âmbito das linguagens documentárias: um mapeamento conceitual em instrumentos terminológicos. Informação & Informação,  v.22, n. 2, p. 208–234, 2017.

https://doi.org/10.5433/1981-8920.2017v22n2p208

PINHO, Fabio Assis. Percurso investigativo para contextualização de metáforas relativas à gênero e sexualidade em linguagens documentais. Informação & Informação. 22:2. 117–143, 2017.

https://doi.org/10.5433/1981-8920.2017v22n2p117

ALMEIDA, Gracione Batista Carneiro; SOUSA, Ana Karolyne Nogueira de; OLIVEIRA, Henry Poncio Cruz.  Arquitetura da informação no contexto de gênero: uma análise do website da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. Ciência da Informação em Revista, v.5, n.3, p. 30–42, 2018.

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Fonte: dados da pesquisa

A dimensão aplicada é crucial para entender como as inovações tecnológicas podem ser utilizadas para melhorar a organização do conhecimento relacionado ao gênero. Esta abordagem prática é essencial para traduzir teorias em ferramentas e metodologias que tenham um impacto tangível no campo. A bibliografia selecionada para esta seção é diversa e cobre uma gama de temas relevantes para a dimensão aplicada da OC, pois são estudos que documentam processos de desenvolvimento e implementação de novas ferramentas tecnológicas na OC e fornecem insights valiosos sobre melhores práticas e desafios comuns.

Os estudos que abordam aspectos éticos na representação do conhecimento são fundamentais para garantir que as novas tecnologias não perpetuem vieses de gênero. Além disso, foram identificados trabalhos que destacam a importância de uma produção de informação que considere as dimensões subjetivas da violência contra a mulher, oferecendo uma perspectiva crítica sobre como a informação pode ser organizada para suportar políticas públicas e intervenções sociais. Não obstante, existem trabalhos que contribuem com uma análise crítica dos aspectos machistas na OC, uma reflexão necessária para promover a igualdade de gênero na organização e no acesso ao conhecimento.

A análise desses artigos permite uma visão abrangente da dimensão aplicada na pesquisa sobre OC e gênero, destacando a importância das inovações tecnológicas e das contribuições práticas no campo. No entanto, uma análise mais detalhada dos resultados concretos e das tecnologias utilizadas poderia enriquecer a compreensão do impacto dessas inovações. A bibliografia mencionada é relevante e diversificada, sendo que no futuro poderia incluir mais estudos de casos práticos para oferecer uma visão ampla e aplicada das contribuições no campo da organização do conhecimento e gênero.

 

5.3 DIMENSÃO POLÍTICA E SOCIAL

 

Dos 42 trabalhos analisados, 17 foram classificados na dimensão política e social, que concerne aos contexto, comunidade e/ou sujeitos que interagem na OC. A classificação nessa dimensão apresentou desafios, já que as temáticas gênero e/ou mulher já nos levam a uma abordagem tanto política quanto social na maior parte das pesquisas. Assim, foram classificadas nessa dimensão as pesquisas que que apresentam sujeitos, contextos ou comunidades como focos centrais no desenvolvimento dos estudos.

Quadro 5 - Trabalhos analisados na dimensão política e social

PÉREZ, Maria José López-Huertas; RAMIREZ, Isabel de Torres. Terminología de género. Sesgos, interrogantes, posibles respuestas. DataGramaZero.v. 6, n.5, p.1-9, 2005. https://cip.brapci.inf.br/download/44902

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NASCIMENTO, Francisco Arrais; GUIMARÃES, José Augusto Chaves. A contribuição da organização do conhecimento na representação da informação em contextos LGBT: interpelações acerca da linguagem. In: PINHO, Fabio Assis; GUIMARÃES, José Augusto Chaves (Orgs.). Memória, tecnologia e cultura na organização do conhecimento. Recife, PE : Ed. UFPE, 2017. p. 351-360.

BISSOLI, Bruna da Silva et al. Identidade de gênero e diversidade sexual: proposta de elaboração de microtesauro. Múltiplos Olhares em Ciência da Informação, v.8, n.2, 2018.

QUINTSLR, Marcia Maria Melo; LOPES, Bianca da Costa Maia; GALVÃO, Fernanda do Valle; SILVA, Michelle Louise Guimarães da. Visibilidade social de indivíduos transgênero e sistemas de organização do conhecimento. Informação & Informação, [S. l.], v. 22, n. 2, p. 235–264, 2017. DOI: 10.5433/1981-8920.2017v22n2p235.

NASCIMENTO, Francisco Arrais; MARTINEZ-ÁVILA, Daniel. Autonomeação e autoclassificação na construção de conceitos e classificações sobre gênero, sexualidade e raça no domínio das homossexualidades masculinas. IRIS - Revista de Informação, Memória e Tecnologia, v.5, p. 7-22, 2019. https://doi.org/10.51359/2318-4183.2019.244066

REIS, Vanessa Jamile Santana dos. A invisibilidade do feminismo negro nos instrumentos de representação do conhecimento: uma abordagem de representatividade social. 2019. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2019.

ROMEIRO, Nathália Lima. Vamos fazer um escândalo: a trajetória da desnaturalização da violência contra a mulher e a folksonomia como ativismo em oposição a violência sexual no Brasil. 2019. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

SILVA, Bruna Daniele Oliveira; TOLARE, Jéssica Beatriz. Representação temática da violência contra mulheres em literatura ficcional: análise em OPAC bibliográficos. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, n.16, p. 1-29, 2020.

MARTINES, Alexandre Robson; LIMA, Graziela dos Santos; ALMEIDA, Carlos Cândido. A linguagem e a linguagem documentária no processo de representação do conhecimento de grupos marginalizados: reflexões teóricas. Informação & Informação, v. 26, n. 1, p. 512–549, 2021. https://doi.org/10.5433/1981-8920.2021v26n1p512

NASCIMENTO, Francisco Arrais. Nomear, classificar, existir: um estudo das práticas discursivas como contribuição para a organização do conhecimento produzido por comunidades LGBTQIAP+. 2021. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Universidade Estadual Paulista, Marília, 2021.

BASTOS, Carine Melo Cogo. A organização do conhecimento e a inclusão das mulheres na Brigada Militar: questões de gênero e memória documental representadas a partir de uma taxonomia. 2021. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) -  Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2021.

SANTANA, Sergio Rodrigo; et al.  Folksonomia no contexto LGBTQIA+: descortinando o preconceito e a discriminação da informação gênero-sexualidade nos ambientes digitais. Logeion: Filosofia da Informação, v.8, n. 2, p. 151–173, 2022.

https://doi.org/10.21728/logeion.2022v8n2.p151-173

BELAM, Denise Cristina; SABBAG, Deise Maria Antonio; TERRA, Marcos Vinicius Santos de Carvalho; NASCIMENTO, Francisco Arrais. Ditos e não-ditos na natureza do crime: o silêncio na indexação de boletins de ocorrência nos crimes de feminicídio. Encontros Bibli: revista eletrônica de biblioteconomia e ciência da informação, v. 27, n. 1, p. 1–22, 2022. https://doi.org/10.5007/1518-2924.2022.e88288

CHAGAS, Leonardo Borges Rodrigues. Terminologia LGBTQIAP+ em linguagens de indexação: uma análise discursiva crítica dos registros de autoridade de assunto da UFMG. 2022. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2022.

MORAIS, Marilia Winkler de. A decolonialidade e o feminismo decolonial revistos a partir das categorias PMEST de Ranganathan. 2022. Dissertação (Mestrado em Ciência da Informação) - Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2022.

BELAM, Denise Cristina. A contribuição da organização do conhecimento na identificação de conceitos acerca da violência praticada contra mulheres em razão de gênero em boletins de ocorrência: um estudo acerca de crimes de feminicídio no Estado de São Paulo - Brasil. 2023. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) - Universidade Estadual Paulista, Marília, 2023.

Fonte: dados da pesquisa

Nessa dimensão, das 16 pesquisas classificadas, 6 são de mestrado e doutorado. A dimensão política e social é fundamental para entender como as questões de gênero são moldadas e influenciadas por contextos sociais e culturais específicos, pois oferece uma visão abrangente dos desafios e contribuições das pesquisas culturais na OC, ressaltando a importância de considerar os contextos locais e as experiências dos sujeitos envolvidos. Também evidenciam comunidades e contextos que estão sendo alvo de estudos pela comunidade científica da OC brasileira.

Os trabalhos identificados fornecem uma ampla gama de perspectivas sobre a dimensão política e social da OC e gênero. A abordagem cultural permite entender como as práticas de OC são influenciadas por contextos sociais, culturais e linguísticos específicos. Por exemplo, estudos sobre terminologia de gênero levantam questões importantes sobre os vieses culturais na linguagem, permitindo vislumbrar que no futuro deverão haver estudos sobre as implicações práticas. Da mesma forma, os estudos sobre a violência contra as mulheres e a formação de discursos culturais permitem uma análise dos impactos dessas representações na OC.

Identificaram-se estudos que fornecem contribuições relevantes ao explorar a representação de informações em contextos LGBTQIA+ e sobre os direitos das mulheres. Essas pesquisas sublinham a necessidade de uma abordagem inclusiva e culturalmente sensível na OC.

 

 

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo geral desta pesquisa foi caracterizar os estudos na Ciência da Informação brasileira que conectam gênero e/ou mulheres à OC. A análise crítica das seções abordadas revela que, de maneira geral, o objetivo foi alcançado, proporcionando uma compreensão abrangente das contribuições, desafios e áreas emergentes nesse campo interdisciplinar. Do total de publicações analisadas, 22% foram categorizadas na dimensão epistemológica, 39% na aplicada e 39% na política e social.

A análise da dimensão epistemológica destaca a importância de revisões constantes nas linguagens documentárias para garantir precisão e relevância na representação de questões de gênero. Tais estudos mostram a necessidade de uma abordagem crítica e inclusiva na OC, evidenciando lacunas na representação das mulheres e questões de gênero nos sistemas de classificação. A dimensão epistemológica aborda as estruturas de poder e os vieses inerentes à OC, sugerindo uma mudança de paradigma para promover igualdade de gênero.

Na dimensão aplicada, a pesquisa foca nas inovações tecnológicas e no desenvolvimento de novos instrumentos para a OC. Os estudos analisados evidenciam um esforço significativo em traduzir teorias em práticas concretas. No entanto, há uma necessidade de documentar mais detalhadamente os processos e resultados dessas inovações para melhor compreender seu impacto prático. Esta dimensão sublinha a relevância de uma abordagem prática e tecnológica para melhorar a OC relacionada ao gênero.

A dimensão política e social explora como as questões de gênero são moldadas por contextos sociais e culturais específicos. Os trabalhos enfatizam a influência dos contextos culturais, sociais e políticos na OC, destacando a necessidade de sensibilidade cultural e inclusão. A representação de informações em contextos LGBTQIA+ e sobre os direitos das mulheres demonstram a importância de adaptar a OC para refletir as diversidades culturais e de gênero.

As análises forneceram um panorama abrangente dos estudos brasileiros que conectam gênero e OC, demonstrando avanços significativos e áreas que ainda requerem desenvolvimento. Considerando que a primeira publicação sobre a temática na literatura analisada é do ano de 2010, evidencia sua incipiência, considerando que 58% das publicações são do ano de 2017 até a atualidade. As três dimensões analisadas - epistemológica, aplicada, política e social - revelam a complexidade e a interdisciplinaridade do campo, destacando a necessidade de abordagens inclusivas, críticas e culturalmente sensíveis.

Os estudos analisados contribuem para uma adequada compreensão das dinâmicas de gênero na OC, propondo revisões, inovações tecnológicas e adaptações culturais que podem enriquecer a representação e o acesso ao conhecimento. No entanto, ainda há desafios a serem superados, especialmente no que diz respeito à implementação prática e à avaliação dos impactos dessas abordagens. Além da necessidade de um maior número de pesquisas que considerem gênero na OC.

Por fim, o panorama não apenas destaca os progressos feitos, mas também sugere caminhos futuros para aprofundar e expandir a pesquisa neste campo para a Ciência da Informação e para a igualdade de gênero.

 

Financiamento

Esta pesquisa foi financiada pelo CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Brasil, por meio das Bolsas de Pós-Doutorado Sênior e Produtividade em Pesquisa 2.

 

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[1] Doutora em Ciência da Informação. Professora associada no Depto de Ciência da Informação da Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista de pós-doutorado CNPq.

[2] Doutor em Ciência da Informação. Professor associado no Depto de Ciência da Informação da Universidade Federal de Pernambuco. Bolsista de produtividade em pesquisa do CNPq (PQ2).

[3] Estudante de graduação em Biblioteconomia da Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista PIBIC/CNPq