ARTIGO
De acordo com Rouvroy, essa governança é anestética porque contrasta com o que
Rancière designou como estético quando explicou que vigoraria um sistema de formas a
priori (convenções sociais e institucionais) na política. Ao observar que a governamentalidade
algorítmica consiste numa forma anestética, a filósofa francesa a caracterizou como fluida e
ágil, sem formas a priori e:
[...] substituídas pelo automático (algorítmico), plástico (ágil), emergências
hiperfluídas de padrões, pontuações, emparelhamentos, perfis, [...] detectados e
refinados em tempo real por meio de uma detecção geométrica de distâncias e
correlações entre pontos de dados [data points] em um espaço puramente métrico
(Rouvroy, Almeida, Alves, 2020, p. 17).
Nessa nova situação estamos testemunhando um novo panorama em que se governa o
desconhecido e no bojo do qual a incerteza progressivamente é eliminada através de
intervenções preventivas. Para ela, nesse novo contexto não se trata mais de governar o
reconhecível, o que pode ser punido e controlado nos comportamentos, pois, em verdade:
A governamentalidade algorítmica não está interessada no indivíduo, mas na
intensidade das relações estatísticas descobertas entre os "atributos" infra-pessoais
(que poderiam até ser descritos como infra-atributos, sinais sem significado) que
transpiram da existência diária, e os padrões de comportamento supraindividuais,
impessoais, mas "preditivos" gerados na escala industrial a partir de big data (dados
comprovados a partir de comportamentos de outras populações). Um "perfil" não é
uma pessoa identificada ou identificável, é uma estrutura impessoal ou um padrão.
Quando se diz que as pessoas "correspondem" a um perfil, isso não significa que
elas tenham sido identificadas, mas que "compartilham" com o padrão um número
estatisticamente significativo de infra-atributos (ibid. p. 26).
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Em suma, para Rouvroy e Berns, a governamentalidade algorítmica consiste numa
espécie de racionalidade (a)normativa e (a)política baseada na massiva extração, agregação e
análise automatizadas de dados, que permitem os perfilamentos, a modelização, e a ação
sobre os comportamentos possíveis, de modo antecipado. Sob essa governança, os sujeitos
governados são alcançados pelo “poder” não por meio de seu corpo físico ou por sua
consciência moral, mas mediante seus diferentes e variados perfis estabelecidos e atribuídos a
eles com base nos rastros digitais de seus trânsitos cotidianos pelas infovias.
Por conseguinte, nessa toada o futuro está sendo projetado nos presentes controlados.
Nesse sentido, Antoinette Rouvroy ressalta a necessidade da revisão do papel dos dados em
nosso cenário atual, uma vez que eles estão sob controle privado das grandes corporações, das
Big Techs, e fora do controle de natureza democrática.
Por seu turno, Byung-Chul Han, filósofo contemporâneo sul-coreano, radicado na
Alemanha e professor na Universidade de Berlim, tem proposto, ao longo de uma série de
pequenos ensaios publicados neste século, deslindar a dinâmica do neoliberalismo em seus
diversos aspectos. É consenso entre pesquisadores do tema que o neoliberalismo tem se
LOGEION: Filosofia da informação, Rio de Janeiro, v. 11, ed. especial, p. 1-20, e-7373, nov. 2024