ARTIGO
ao acesso à informação e à privacidade. A douta ignorância oferece uma perspectiva ética
valiosa ao sugerir que o bibliotecário deve atuar com humildade e responsabilidade,
reconhecendo as limitações de seu próprio entendimento e a complexidade dos dilemas
informacionais.
[...] parece ser que a fusão de horizontes, longe de ser de autoria do intérprete, é
obra da tradição ou, mais especificamente, da linguagem [...] aqui, naturalmente,
somos lembrados das afirmações de Heidegger de que a linguagem fala por nós e
que nós deveríamos aceitá-la como nossa mestra. (Kusch, 2001, p. 256-257)
Sob a ótica da douta ignorância, o bibliotecário pode ser visto como um profissional
reflexivo, que não apenas organiza e dissemina informações, mas também reflete sobre a
natureza do conhecimento e suas próprias práticas. Esse papel reflexivo implica em questionar
continuamente as próprias suposições e estar aberto a novas formas de compreensão.
Um exemplo, é a crescente e necessária discussão de novas epistemologias e formas
de saber, ao reconhecer que a conformação atual das bibliotecas no Brasil é fruto do processo
de colonização européia de ao menos 400 anos, a douta ignorância pode servir como um guia
para lidar com as antigas e novas epistemologias de maneira crítica, reconhecendo que, a
conformação dos saberes nas estantes e seu próprio entendimento como saberes são fruto de
uma disputa política, e esse entendimento introduz novas formas de atuação considerando as
incertezas e os agenciamentos de uma sociedade em disputa.
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Importa, portanto, dizer que não trazemos esse autor de forma fortuita ou irresponsável
para a encruzilhada decolonial, mas antes, por entender que, em tendo sido uma opção do
norte global de não reconhecer os saberes dos povos diaspóricos e originários como válidos,
reconhecer-se pelos saberes próprios do norte global essa culpa e construir as pontes
necessárias ao diálogo com os saberes e os conhecimentos produzidos pelo sul global. O que é
evidenciado por Quijano (2005, p. 118).
Na América, a ideia de raça foi uma maneira de outorgar legitimidade às relações de
dominação impostas pela conquista. A posterior constituição da Europa como nova
identidade depois da América e a expansão do colonialismo europeu ao resto do
mundo conduziram à elaboração da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com
ela à elaboração teórica da ideia de raça como naturalização dessas relações
coloniais de dominação entre europeus e não-europeus. Historicamente, isso
significou uma nova maneira de legitimar as já antigas ideias e práticas de relações
de superioridade/inferioridade entre dominantes e dominados. Desde então
demonstrou ser o mais eficaz e durável instrumento de dominação social universal,
pois dele passou a depender outro igualmente universal, no entanto mais antigo, o
intersexual ou de gênero: os povos conquistados e dominados foram postos numa
situação natural de inferioridade, e conseqüentemente também seus traços
fenotípicos, bem como suas descobertas mentais e culturais. Desse modo, raça
converteu-se no primeiro critério fundamental para a distribuição da população
mundial nos níveis, lugares e papéis na estrutura de poder da nova sociedade. Em
outras palavras, no modo básico de classificação social universal da população
mundial. (Quijano,2005, P.118)
LOGEION: Filosofia da informação, Rio de Janeiro, v. 11, ed. especial, p. 1-10, e-7384, nov. 2024.