ARTIGO  
O CONCEITO DE DOUTA IGNORÂNCIA E O FAZER  
BIBLIOTECONÔMICO  
perspectiva para uma abertura à decolonialidade  
Gerson Moreira Ramos Junior  
Universidade Federal do Espírito Santo  
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Resumo  
Este artigo intenta explorar a interseção entre o conceito de "douta ignorância", proposto pelo filósofo e cardeal  
Nicolau de Cusa, e a prática biblioteconômica contemporânea. Partimos da premissa de que a douta ignorância  
pode oferecer uma perspectiva epistemológica profícua para o pensamento decolonial, na medida em que  
reconhece as limitações do conhecimento, promovendo uma abertura para o diálogo intercultural e para a  
superação das hierarquias epistêmicas. Ao mesmo tempo, conectamos essa ideia com o agir comunicativo  
habermasiano, que propõe o diálogo como base para a construção de consensos racionais e democráticos. O  
artigo argumenta que a articulação dessas três perspectivas oferece uma compreensão mais profunda das  
possibilidades de emancipação social e epistemológica em contextos pós-coloniais via fazer e saber  
biblioteconômico. A pesquisa sugere que a prática biblioteconômica que não apenas organiza e dissemina  
informações mas lida com a incerteza e as lacunas do conhecimento, evocando a perspectiva teorizada por Cusa  
e desdobrando-a no tempo presente das novas possibilidades epistemologicas abertas pelos estudos decoloniais,  
pode encontar caminho para lidar com seu passado colonial. Conclui-se que, ao incorporar a douta ignorância, os  
profissionais da biblioteconomia podem adotar uma postura reflexiva e crítica diante da complexidade e das  
limitações da historicidade do conhecimento humano produzido.  
Palavras-chave: Douta Ignorância; Prática biblioteconômica; Decoloniedade.  
Abstract  
This article aims to explore the intersection between the concept of "learned ignorance", proposed by the  
philosopher and Cardinal Nicholas of Cusa, and contemporary library practice. We start from the premise that  
learned ignorance can offer a crucial epistemological perspective for decolonial thinking, as it recognizes the  
limitations of knowledge, promoting an openness to intercultural dialogue and the overcoming of epistemic  
hierarchies. At the same time, we connect this idea with Habermasian communicative action, which proposes  
dialogue as the basis for the construction of rational and democratic consensus. The article argues that the  
articulation of these three perspectives offers a deeper understanding of the possibilities of social and  
epistemological emancipation in postcolonial contexts through library knowledge and practice. The research  
suggests that library practice that not only organizes and disseminates information but deals with uncertainty and  
knowledge gaps, evoking the perspective theorized by Cusa and unfolding it in the present time of the new  
epistemological possibilities opened by decolonial studies, can find a way to deal with its colonial past. It is  
concluded that, by incorporating learned ignorance, library professionals can adopt a reflective and critical  
stance in the face of the complexity and limitations of the historicity of human knowledge produced.  
Keywords: Learned Ignorance; Library Science Practice; Decoloniality.  
Esta obra está licenciada sob uma licença  
LOGEION: Filosofia da informação, Rio de Janeiro, v. 11, ed. especial, p. 1-10, e-7384, nov. 2024.  
ARTIGO  
1 INTRODUÇÃO  
A prática biblioteconômica tem como um de seus principais objetivos a organização,  
preservação e disseminação do conhecimento. No entanto, o conhecimento, em sua essência,  
é vasto e inexaurível, escapando muitas vezes à compreensão completa e definitiva dos seres  
humanos. Essa noção de limite no conhecimento possível é central no pensamento do filósofo  
alemão Nicolau de Cusa (1401-1464), que cunhou o conceito de "douta ignorância" (docta  
ignorantia), sugerindo que a verdadeira sabedoria consiste em reconhecer as limitações do que  
sabemos. Para tanto, o autor estrutura sua obra em três livros que se articulam para formar a  
ideia central conceito. O primeiro livro pretende aprofundar o estudo do máximo absoluto  
(máximo absoluto pode ser entendido por Deus na tradição Judaico-Cristã e por Olodumaré  
na tradição Iorubá), o segundo livro volta o olhar para o universo, de que o máximo absoluto é  
a causa e o princípio (terra / universo na tradição ocidental ou Ayê na tradição Iorubá), por  
fim, o terceiro livro procura encontrar o mediador entre o primeiro máximo e o segundo  
máximo, sendo necessário a este mediador participar da natureza absoluta do primeiro e da  
natureza contraída do segundo o que na teoria judaico cristão pode ser traduzido por Jesus  
Cristo e na tradição Iorubá pode ser traduzido por Exu -. Propomos essa associação do  
conceito cusiano a outras cosmovisões, além do cristianismo, a partir de uma leitura  
hermenêutica filosófica presente na obra verdade do método (1900) de Gadamer, que nos  
permite atualizar as interpretações de modo dialógico e ético, a partir, da historicidade dos  
seres humanos que tomam contato com determinado texto. Assim, "analogamente à noção  
heideggeriana do Ser como determinante da condição humana, os seres humanos são  
ocasionalmente caracterizados por Gadamer como estando sob a tutela da história" (Kusch,  
2001, p. 256).  
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Este artigo propõe uma análise filosófica das práticas biblioteconômicas à luz da douta  
ignorância de Nicolau de Cusa, argumentando que o reconhecimento dos limites do  
conhecimento não apenas é relevante para a filosofia, mas também tem implicações diretas  
para o fazer biblioteconômico numa perspectiva decolonial. Os bibliotecários, ao se  
depararem com a infinidade de informações e a complexidade do conhecimento, operam em  
um campo onde a incerteza e a parcialidade do saber são constantes. A reflexão sobre esses  
limites pode, portanto, enriquecer a prática profissional, tornando-a mais crítica e consciente  
de suas próprias limitações e possibilidades. Nosso interesse em associar o conceito de douta  
ignorância com o fazer biblioteconômico e da ciência da informação (CI) no Brasil e a  
perspectiva decolonial é contribuir para o que entendemos ser um problema a ser respondido  
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pela biblioteconomia e CI: Como áreas com forte vínculo colonial podem se apropriar e se  
posicionar, coerentemente, das e nas temáticas decoloniais? E, como serem propositivas de  
uma episteme decolonial em seus campos de estudo?  
Para Cusa, a "douta ignorância" é a compreensão dessa limitação: saber que não se  
sabe tudo, mas que o esforço contínuo em busca do conhecimento ainda é valioso.  
Para responder a esses questionamentos recorremos ao conceito de De Docta  
Ignorantia (1440) ou “Douta Ignorância", central na filosofia de Nicola de Cusa, que se  
refere à ideia de que o verdadeiro conhecimento, especialmente de Deus e do universo, é  
inatingível pela razão humana. No entanto, essa consciência da nossa ignorância é,  
paradoxalmente, o ponto de partida para a sabedoria mais elevada. Nicolau de Cusa, em sua  
obra De Docta Ignorantia (1440), propõe que o conhecimento humano é inerentemente  
limitado e que, por mais que o ser humano se aproxime do saber absoluto, ele nunca o  
alcançará completamente. Essa ideia se baseia na crença de que há uma diferença qualitativa  
entre o conhecimento divino (infinito) e o conhecimento humano (finito).  
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Douta ignorância nao é, pois, negação do conhecimento, mas a experiência-limite de  
suas possibilidades, que permite reconhecer o caráter conjectural de qualquer  
formulação e definir o processo cognoscitivo pela sua dimensão progressiva e  
inconclusa. E é precisamente sob esse ponto de vista que a “douta ignorância” se  
revela como ponto de partida para uma procura da verdade em que apenas há etapas  
aproximativas, mas nunca resultados definitivos. (André, p. 89, 2012)  
Esse conceito está intimamente ligado à noção de humildade epistemológica. Ao  
reconhecer os limites do próprio conhecimento, o ser humano abre espaço para a curiosidade,  
a investigação e a aprendizagem contínua. No entanto, essa busca incessante pelo saber não  
deve ser vista como um fracasso, mas como uma manifestação da natureza dinâmica e  
expansiva do conhecimento humano.  
Logo, assumirmos que ignoramos, enquanto sociedade, os conhecimentos produzidos  
pelos povos colonizados e diaspóricos, sobretudo, afro-diaspóricos, nos coloca em uma  
espécie de ajustamento de rota e nos possibilita a vivência de um ensinamento ancestral:  
"Caboclo toma cuidado, cuidado por onde andar! Quem anda em terra alheia, pisa no chão  
devagar!”. Assim, nos colocaremos na arena discursiva decolonial abertos a aprender novas  
formas de lidar com as ideias de informação, conhecimento e ciência, por exemplo.  
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A
PRÁTICA BIBLIOTECONÔMICA  
E
O
RECONHECIMENTO DA  
INEXAURIBILIDADE DO SABER  
A biblioteconomia, enquanto disciplina voltada para a organização e a disseminação  
do conhecimento, enfrenta constantemente os desafios da complexidade informacional. Os  
bibliotecários são responsáveis por mediar o acesso a informações que, muitas vezes, estão  
fragmentadas, dispersas e em constante evolução. Nesse sentido, a prática biblioteconômica  
envolve não apenas a gestão do conhecimento disponível, mas também o reconhecimento das  
lacunas, das incertezas e das limitações que permeiam o universo informacional.  
A douta ignorância de Cusa pode ser aplicada à prática biblioteconômica ao destacar a  
importância de uma abordagem reflexiva e crítica sobre o acervo de informações vasto e  
incompleto, o bibliotecário precisa reconhecer que o conhecimento disponível é sempre  
parcial e provisório. Esse reconhecimento pode levar a uma postura mais aberta e flexível,  
permitindo que o bibliotecário se torne um facilitador da aprendizagem, em vez de um  
pretenso detentor do conhecimento sobre a organização dos saberes.  
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Para o nosso propósito, propomos duas formas de fazer essa aproximação entre  
biblioteconomia e o conceito e douta ignorância, a primeira aproximação é conjuntural, pois  
como bem definiu Teixeira em artigo de 1951, “Nicola Cusa foi um homem da transição que  
o período moderno experimentava, neste cenário ele esteve ligado à igreja pela sua fé e a  
renascença pela sua cultura”. Assim como identificamos estarem a biblioteconomia e a  
ciência da informação (numa espécie de fronteira entre diversas áreas do conhecimento) e  
ligadas ao mundo colonial e ligadas à decolonialidade pelas demandas que a esfera pública  
propõe atualmente.  
A encruzilhada aponta para múltiplos caminhos, afinal, a noção de caminho  
assentada no signo Exu se compreende enquanto possibilidade, e não como certeza.  
Dessa forma, a encruza compreende a coexistência de diferentes rumos, é logo uma  
perspectiva pluriversalista. (...) A encruzilhada esculhamba a linearidade e a pureza  
dos cursos únicos, uma vez que suas esquinas e entroncamentos ressaltam as  
fronteiras como zonas pluriversais, onde múltiplos saberes se atravessam, coexistem  
e pluralizam as experiências e suas respectivas práticas de saber. (Rufino, 2018,  
p.78)  
A segunda aproximação é hermenêutica compreendendo-o como um conceito que  
pode ser apropriado como uma virtude para bibliotecários e cientistas da informação, no  
sentido, de reconhecer que nossa prática não contempla a totalidade de nenhum conteúdo,  
pelo contrário, o ato de sistematizar e ordenar o conhecimento produzido pavimenta o  
caminho para novos questionamentos, interpretações e descobertas num contínuo inexaurível.  
Além disso, a prática biblioteconômica frequentemente lida com questões éticas relacionadas  
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ao acesso à informação e à privacidade. A douta ignorância oferece uma perspectiva ética  
valiosa ao sugerir que o bibliotecário deve atuar com humildade e responsabilidade,  
reconhecendo as limitações de seu próprio entendimento e a complexidade dos dilemas  
informacionais.  
[...] parece ser que a fusão de horizontes, longe de ser de autoria do intérprete, é  
obra da tradição ou, mais especificamente, da linguagem [...] aqui, naturalmente,  
somos lembrados das afirmações de Heidegger de que a linguagem fala por nós e  
que nós deveríamos aceitá-la como nossa mestra. (Kusch, 2001, p. 256-257)  
Sob a ótica da douta ignorância, o bibliotecário pode ser visto como um profissional  
reflexivo, que não apenas organiza e dissemina informações, mas também reflete sobre a  
natureza do conhecimento e suas próprias práticas. Esse papel reflexivo implica em questionar  
continuamente as próprias suposições e estar aberto a novas formas de compreensão.  
Um exemplo, é a crescente e necessária discussão de novas epistemologias e formas  
de saber, ao reconhecer que a conformação atual das bibliotecas no Brasil é fruto do processo  
de colonização européia de ao menos 400 anos, a douta ignorância pode servir como um guia  
para lidar com as antigas e novas epistemologias de maneira crítica, reconhecendo que, a  
conformação dos saberes nas estantes e seu próprio entendimento como saberes são fruto de  
uma disputa política, e esse entendimento introduz novas formas de atuação considerando as  
incertezas e os agenciamentos de uma sociedade em disputa.  
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Importa, portanto, dizer que não trazemos esse autor de forma fortuita ou irresponsável  
para a encruzilhada decolonial, mas antes, por entender que, em tendo sido uma opção do  
norte global de não reconhecer os saberes dos povos diaspóricos e originários como válidos,  
reconhecer-se pelos saberes próprios do norte global essa culpa e construir as pontes  
necessárias ao diálogo com os saberes e os conhecimentos produzidos pelo sul global. O que é  
evidenciado por Quijano (2005, p. 118).  
Na América, a ideia de raça foi uma maneira de outorgar legitimidade às relações de  
dominação impostas pela conquista. A posterior constituição da Europa como nova  
identidade depois da América e a expansão do colonialismo europeu ao resto do  
mundo conduziram à elaboração da perspectiva eurocêntrica do conhecimento e com  
ela à elaboração teórica da ideia de raça como naturalização dessas relações  
coloniais de dominação entre europeus e não-europeus. Historicamente, isso  
significou uma nova maneira de legitimar as já antigas ideias e práticas de relações  
de superioridade/inferioridade entre dominantes e dominados. Desde então  
demonstrou ser o mais eficaz e durável instrumento de dominação social universal,  
pois dele passou a depender outro igualmente universal, no entanto mais antigo, o  
intersexual ou de gênero: os povos conquistados e dominados foram postos numa  
situação natural de inferioridade, e conseqüentemente também seus traços  
fenotípicos, bem como suas descobertas mentais e culturais. Desse modo, raça  
converteu-se no primeiro critério fundamental para a distribuição da população  
mundial nos níveis, lugares e papéis na estrutura de poder da nova sociedade. Em  
outras palavras, no modo básico de classificação social universal da população  
mundial. (Quijano,2005, P.118)  
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Dito isso, compreendemos que o conceito de Cusa contribuí para que a área dê conta  
de seu passado colonial, pois antes de nos arvorarmos no campo da decolonialidade temos que  
reconhecer que somos uma área que sofreu e sofre as influências da colonização, que fomos  
(enquanto instituições) agentes de colonização durante muitos anos e que nossas práticas e  
epistemes ainda são, predominantemente, européias e estadunidenses. Um exemplo disso é a  
inexistência de pesquisa na base se dados Brapci que combine os termos “oralidade” e  
“suporte informacional” ou, a baixa recorrência de pesquisas sobre “oralidade”, apenas  
noventa e três registro na base de dados Brapci no intervalo temporal de 1977 a 2024.  
Além disso, o bibliotecário reflexivo entende que o conhecimento é construído  
coletivamente e que sua função é facilitar o diálogo entre diferentes perspectivas e  
experiências. Ao abraçar a douta ignorância, o bibliotecário pode contribuir para um ambiente  
de aprendizagem mais inclusivo e pluralista, onde as limitações do conhecimento são  
reconhecidas e exploradas de forma construtiva.  
Desta forma o conceito de douta ignorância pode ajudar-nos a compreender como o  
conhecimento disponibilizado nas estantes das bibliotecas e nas bases de dados é, para além  
de uma produção social - fruto de uma intensa ação comunicativa produzida em diversas  
ágoras discursivas (universidades, escolas, mídias, movimentos sociais, religiosos etc.) -, uma  
necessidade humana contínua, não estática e absoluta, mas fluída e, mais uma vez,  
inexaurível.  
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3 DECOLONIALIDADE, ESFERA PÚBLICA E O RECONHECIMENTO DA  
IGNORÂNCIA EPISTÊMICA  
A douta ignorância não é um não-saber passivo, mas uma forma de saber que  
reconhece suas próprias limitações e abre espaço para o outro, para o diferente, para o  
inefável. Este reconhecimento das limitações do saber pode ser relacionado à crítica  
decolonial, que denuncia a imposição de um único padrão de racionalidade e de conhecimento  
válido, oriundo do Ocidente moderno, sobre diversas outras formas de saber.  
Pensadores decoloniais, como Aníbal Quijano e Walter Mignolo, argumentam que o  
colonialismo não se restringiu à dominação territorial e econômica, mas também implicou a  
imposição de uma hierarquia epistêmica, em que o conhecimento europeu foi considerado  
superior e universal. A colonialidade do saber perpetua essa lógica, desqualificando e  
marginalizando epistemologias não ocidentais, como situa Mignolo  
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A diferença colonial (imaginada no pagão, no bárbaro, no subdesenvolvido) é um  
lugar passivo nos discursos pós-modernos. O que não significa que seja um lugar  
passivo na modernidade e no capitalismo. A visibilidade da diferença colonial, no  
mundo moderno, começou a ser percebida com os movimentos de descolonização  
(ou independência) desde fins do século XVIII até a segunda metade do século XX.  
A emergência da idéia de “hemisfério ocidental” foi um desses momentos.  
(Mignolo, 2003, p. 37)  
A noção de douta ignorância, ao promover o reconhecimento da incompletude do  
próprio conhecimento, oferece uma abertura para a valorização da pluralidade epistêmica e  
para a desconstrução das hierarquias estabelecidas.  
Jürgen Habermas, em sua teoria do agir comunicativo, propõe que a emancipação  
social e política pode ser alcançada por meio do diálogo racional, onde os participantes  
buscam o entendimento mútuo através da argumentação livre de coerções. O conceito do agir  
comunicativo está fundamentado na ideia de que o diálogo pode gerar consensos normativos  
baseados na razão, permitindo a construção de uma sociedade mais justa e democrática.  
Ao conectar a teoria de Habermas com os conceitos de douta ignorância e a  
decolonialidade, surge a possibilidade de pensar o diálogo como prática decolonial. O agir  
comunicativo poderia ser visto como uma ferramenta para desconstruir as hierarquias  
epistêmicas e promover um diálogo intercultural que valorize as diferentes formas de  
conhecimento. No entanto, para que isso seja possível, é necessário que os participantes do  
diálogo reconheçam suas limitações epistemológicas, ou seja, que pratiquem a douta  
ignorância. Somente ao reconhecer que nenhum saber é absoluto é que se pode criar um  
espaço genuíno de comunicação e entendimento mútuo.  
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E assim, por esse dialogismo, do saber do não saber infinito, compreendermos a  
informação e o conhecimento como resultado de um espaço e de um tempo e, por essa razão,  
limitado e produzido para responder a questões práticas que motivaram sua produção. Mas, ao  
mesmo tempo, revelador de novos caminhos que levarão a novos conhecimentos e  
informações, nesse sentido, ser douto do que ignoramos irá nos levar a virtude de mantermo-  
nos abertos a produção do conhecimento.  
Como sugere a criação do GT 12 “Informação, Estudos Étnico-raciais, Gênero e  
Diversidades” — na Assembleia Geral da ANCIB, que ocorreu na XXI a edição do  
ENANCIB, mais precisamente, outubro de 2021. Esse movimento retoma a discussão sobre a  
influenciada hermenêutica filosófica nos movimentos decoloniais, pois evidencia a  
historicidade incidindo sobre as interpretações do mundo e ampliando as possibilidades de  
compreensão das realidades, posto que a criação do GT está ligada a compreensão de uma  
nova cultura e uma nova intepretação sócio-histórica. Movimento indicativo de que "a  
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possibilidade de que o outro tenha razão é a alma da hermenêutica" (Gadamer apud Grondin,  
1991) e que "a essência do comportamento hermenêutico consiste em não se guardar nunca,  
para si, a última palavra" (Gadamer apud Almeida, Flickinger, & Rohden, 2000).  
Trago o exemplo da criação do GT 12 para demonstrar que a sociedade está atuando  
nas esferas públicas e cumprindo seu papel de estabelecer consensos e dissensos e  
retroalimentando a política. Apesar da hipertrofia dos meios, dinheiro e poder, na sociedade  
capitalista neoliberal financeirizada.  
4 CONCLUSÃO  
A articulação entre a douta ignorância de Nicolau de Cusa, a decolonialidade e o agir  
comunicativo de Habermas oferece uma rica perspectiva para pensar a emancipação social e  
epistemológica em contextos pós-coloniais. A douta ignorância nos ensina a humildade  
epistemológica, essencial para desconstruir as hierarquias coloniais de saber e valorizar a  
pluralidade de epistemologias. Por sua vez, o agir comunicativo oferece uma via prática para  
a realização de um diálogo intercultural que promova a justiça e a democracia.  
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Essas conexões mostram que o caminho para a emancipação exige tanto um  
reconhecimento das limitações do conhecimento quanto uma prática comunicativa que busque  
o entendimento mútuo, abrindo-se para uma prática hermenêutica filosófica que efetivamente  
interprete o mundo da vida pela facticidade e historicidade. Refletindo uma sociedade  
verdadeiramente pluralista, onde diferentes formas de saber coexistam e contribuam para a  
construção de um mundo com maior capacidade interpretativa mais complexa.  
Ao reconhecer as limitações inerentes ao conhecimento humano, os bibliotecários  
podem adotar uma postura crítica e reflexiva em relação ao papel das bibliotecas na  
sociedade, qual seja, espaços de naturalização da diversidade e do pluralismo. Esse  
reconhecimento não diminui a importância do trabalho biblioteconômico, mas, ao contrário,  
enriquece-o, ao reconhecer a falibilidade, a perecibilidade, a efemeridade e a mutabilidade dos  
saberes constituídos histórico e socialmente. A humildade epistemológica e a abertura para o  
diálogo contínuo sobre as fronteiras do saber promovem a infalibilidade, a imperecibilidade, a  
perenidade e a imutabilidade do processo humano de construção de saberes e conhecimentos,  
numa perspectiva de saberes e conhecimentos como produto do contínuo diálogo e troca  
humana.  
Na sociedade contemporânea na qual a circulação frenética de dados e de informações  
é um ativo importante para o capitalismo financeiro, o conceito de douta ignorância pode ser  
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uma ferramenta filosófica essencial para guiar os profissionais da informação em seu papel de  
mediadores do conhecimento. Ao aceitar que o conhecimento é sempre parcial e provisório e  
que o seu estabelecimento é político, os bibliotecários podem desempenhar suas funções com  
maior sensibilidade e responsabilidade, promovendo um acesso mais equitativo e consciente  
aos conhecimentos produzidos.  
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