ARTIGO  
OFICINA NOSSA  
a construção da memória coletiva do Morro do Palácio sob olhar das crianças  
Asy Pepe Sanches Neto  
Pesquisador no MACquinho e Instituto Joaquín Herrera Flores América Latina  
Letícia de Souza Blanco  
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ  
Bibiana Josierika Abreu Romão  
Universidade Federal Fluminense  
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Resumo  
O artigo aborda a construção da memória coletiva e afetiva no Morro do Palácio por meio da Oficina Nossa,  
destacando a importância da história oral e da cartografia afetiva na ressignificação das experiências e vivências  
das crianças da comunidade. A memória social é entendida como uma construção coletiva, onde diferentes atores  
(crianças, professores, moradores) compartilham suas histórias e experiências, formando uma identidade social.  
O uso da metodologia da cartografia afetiva permite que as crianças expressem suas percepções sobre o  
território, construindo um mapa que reflete suas memórias, sentimentos e vínculos com o Morro. Essa prática  
não só resgata memórias subterrâneas frequentemente negligenciadas, mas também contribui para a valorização  
da identidade da comunidade, enfatizando a relevância de seus espaços e práticas culturais. A relação entre  
memória, espaço e identidade é central para entender como as crianças percebem e vivenciam seu entorno,  
criando laços afetivos com os lugares que frequentam.  
Palavras-chave: Serviço de Referência/Informação. Cartografia afetiva. Memória coletiva. MACquinho. Morro  
do Palácio.  
Esta obra está licenciada sob uma licença  
Creative CommonsAttribution 4.0 International (CC BY-NC-SA 4.0).  
LOGEION: Filosofia da informação, Rio de Janeiro, v. 11, ed. especial, p. 1-21, e-7387, nov. 2024.  
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1 INTRODUÇÃO  
Este artigo faz parte de uma série de reflexões iniciadas para desenvolver os Serviços  
de Referência e Informação (SRI) no âmbito das atividades da biblioteca do Centro Cultural  
de Economia Criativa (MACquinho). A proposta vai além do fornecimento de documentos:  
queremos que a biblioteca se torne um espaço de geração de novos saberes e conhecimentos  
úteis à comunidade, onde seus membros possam recorrer para resgatar e documentar sua  
memória e produção. Dessa forma, a biblioteca também serve como uma fonte de aprendizado  
para outras comunidades discursivas, que poderão conhecer e valorizar as vivências internas  
da comunidade do Morro do Palácio, favela onde a biblioteca está localizada.  
Frequentemente, os conhecimentos sobre a favela, quando "protagonizados", surgem  
como um fetiche burguês de compreensão e apropriação, numa prática que lembra o que os  
expedicionários portugueses fizeram com os recursos, saberes e corpos indígenas. Em  
oposição a isso, propomos uma valorização ativa da produção cultural — incluindo novas  
tecnologias e seus usos sociais, além de arte, poesia, música e literatura — e dos saberes  
locais, como o uso de plantas medicinais, técnicas de construção, empreendedorismo e os  
conhecimentos de comunidades tradicionais presentes, já mapeamos a existência de uma  
comunidade tradicional pesqueira. Destaque-se a função destes saberes tradicionais como  
forma de oposição aos modos de extrativismo predatório da indústria pesqueira. Nesse  
sentido, podemos afirmar que há muitos conhecimentos internos que são de interesse público  
e coletivo.  
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É essencial compreender as demandas e interesses reais da população, de modo que o  
SRI reflita essas relações vivas, em vez de uma visão externa sobre o que "uma favela" deve  
ser ou saber. Da mesma forma, é crucial que a biblioteca crie estratégias para que esses  
discursos circulem e sejam valorizados. Não se trata de enquadrar a vida cotidiana nos  
parâmetros da produção documental, mas de reconhecer a biblioteca como um espaço de  
poder, que permite que esses discursos dialoguem com outras redes de conhecimento, como  
bem nos lembra Latour (2004).  
Nesse sentido, buscamos construir uma biblioteca que se desenvolva diretamente das  
interações com as comunidades discursivas atendidas, tornando-se um espaço onde essas  
vozes, muitas vezes apagadas, encontram oportunidade de expressão e fortalecimento.  
Foucault descreveu esse contexto de forma incisiva: para que as vidas das classes  
populares ou das comunidades marginalizadas fossem registradas, precisou haver um  
encontro com o poder, geralmente marcado pelo confronto – prisões, internações, formas de  
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controle. "Para que alguma coisa delas chegue até nós, foi preciso [...] que um feixe de luz  
[...] viesse iluminá-las. [...] O que as arranca da noite em que elas teriam podido [...]  
permanecer é o encontro com o poder [...]: sem esse choque, nenhuma palavra, sem dúvida,  
estaria mais ali para lembrar seu fugidio trajeto" (Foucault, 2003, p. 5).  
Acreditamos que, hoje, as bibliotecas – especialmente as comunitárias e/ou ligadas a  
territórios vulneráveis – devem criar meios para que a própria população se represente e  
documente, ‘iluminando’ essas vidas em seus próprios termos/caminho e fortalecendo uma  
cultura de memória e de pertencimento construídos de dentro para fora. No fim, as primeiras  
estratégias ao assumirmos a gestão desta biblioteca foi a de buscar instrumentos que nos  
permitissem organizar o acervo e os serviços oferecidos pela instituição.  
Atualmente, o MACquinho possui as crianças como principal público frequentador.  
Desse modo, optamos por iniciar a percepção do espaço a partir de suas perspectivas, assim,  
neste artigo, buscamos entender a percepção que as crianças do Morro do Palácio têm sobre  
sua comunidade. Para isso, propomos uma análise que é construída a partir das ações de  
mediação cultural realizadas na Oficina Nossa, atividade promovida no MACquinho, que visa  
à organização e criação coletiva da memória do Morro e tem como protagonistas as próprias  
crianças que ali vivem. A mediação cultural considera os sentidos e significados produzidos  
ativamente pelos sujeitos, fundamentados em suas relações, interações e vivências cotidianas.  
Como apontam Mendonça, Feitosa e Dumont (2019), a cultura permite aos indivíduos o  
protagonismo dos processos de mediação, tornando-os construtores de experiências  
significantes e igualmente informacionais.  
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A Oficina Nossa surgiu no ano de 2022, dentro da comunidade do Palácio, tendo como  
idealizadora Walkiria Nictheroy, na época estudante de Pedagogia da Universidade Federal  
Fluminense (UFF) e moradora do Palácio. Esse projeto se iniciou no salão de festas da  
comunidade e com trabalho voluntário de três pessoas com objetivo de auxiliar no processo  
de alfabetização e letramento.  
Em 2023 a oficina foi transferida para o prédio do MACquinho, também localizado no  
Palácio. Com acesso a este espaço institucional, as crianças passaram a ter suas aulas em uma  
sala própria com uma melhor estrutura física. Com o decorrer do tempo, novos professores  
aderiram ao projeto e as atividades oferecidas foram diversificadas, incluindo o teatro,  
acompanhamento pedagógico, aulas de dança, artes, colônia de férias e atividades esportivas.  
O MACquinho veio para ressignificar, trazendo um novo olhar sobre o que é o museu,  
consolidando-se como um centro cultural da comunidade para ela mesma, contando com  
colaboradores que são residentes do Morro, e atendendo a usuários que vivem neste espaço,  
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principalmente crianças e jovens que são os grupos que mais frequentam o local  
cotidianamente.  
Em termos metodológicos, o trabalho foi desenvolvido em três etapas principais. Na  
primeira foi realizado levantamento bibliográfico em bases de pesquisa Capes e Scielo a fim  
de identificar artigos e livros que se dediquem aos conceitos-chaves deste trabalho (memória,  
infância e mediação cultural), inclusive os relacionando.  
Na segunda etapa, foram recolhidos os depoimentos de professores, voluntários,  
idealizadores que fizeram parte da trajetória da Oficina Nossa por meio de entrevistas  
semiestruturadas gravadas no Estúdio Popular no MACquinho, visando o resgate da memória  
da Oficina e do Morro, compreendendo de que maneira estes dois espaços se relacionam. A  
entrevista seguiu o seguinte roteiro de perguntas: (1) O que motivou a criação da Oficina  
Nossa? (2) Qual foi sua primeira impressão na Oficina Nossa? (3) Qual é a relação da Oficina  
Nossa com o Morro do Palácio? (4) Na sua opinião, quais são os impactos que a Oficina  
Nossa gera no Morro do Palácio? (5) E para as crianças da Oficina? (6) Quais são os legados  
que podem ser deixados na Oficina Nossa ? (7) Você acha que teve impacto trazer a Oficina  
Nossa para dentro de um espaço institucional? (8) O que você imagina para os próximos anos  
da Oficina? (9) Você acha que é possível construir uma memória do Morro a partir das  
crianças que participam da Oficina?  
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A terceira parte dedicou-se à realização do mapa afetivo do Morro do Palácio por meio  
da metodologia da cartografia afetiva. Através dessa metodologia, as crianças da Oficina  
puderam posicionar no mapa do Morro os espaços que consideram mais significativos no seu  
contexto territorial e que fazem parte de sua memória individual e coletiva. Durante a  
atividade elas puderam compartilhar com seus colegas suas impressões e percepções sobre o  
espaço, construindo conjuntamente um mapa do Morro conforme suas representações.  
As crianças foram escolhidas como público-alvo deste trabalho, pois compõem o  
grupo social que mais frequenta o MACquinho, participando de todas as atividades  
disponibilizadas, seja no campo educacional, cultural ou artístico. Ademais, elas foram  
selecionadas pois oferecem uma nova perspectiva sobre o Morro que é influenciada pelas  
experiências dos familiares com os quais convivem, mas também pela sua própria vivência  
atravessada por um olhar sensível, lúdico e criativo.  
As atividades culturais oferecidas na Oficina possibilitam que as crianças troquem  
suas experiências entre si, o que propicia o compartilhamento de acontecimentos, vivências e  
fenômenos que são essenciais para a construção da memória. As instituições museais, como o  
MACquinho, se colocam como agentes mediadores de ações culturais e educativas com vistas  
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à preservação do patrimônio cultural das coletividades que compõem a sociedade.  
Encerramos esta introdução, enfatizando que compreendemos neste trabalho a memória sob  
uma perspectiva social na qual ocorre sua construção individual e coletiva por parte dos  
sujeitos que a compõem, tal como defendem Habwachs (2013), Nora (1992) e Pollak (1992).  
2 O MACQUINHO E A OFICINA NOSSA  
O MACquinho é um espaço cultural mantido pela Prefeitura de Niterói, localizado no  
mirante do Morro do Palácio, no bairro do Ingá, Região das Praias da cidade de Niterói, em  
frente ao Museu de Arte Contemporânea da cidade, o MAC. Seu projeto arquitetônico foi  
elaborado por Oscar Niemeyer, sendo o único de sua autoria que se encontra em uma favela.  
Como entidade pública, de personalidade jurídica, o equipamento cultural, denomina-se  
Centro Cultural de Cidadania e Economia Criativa, e sua gestão é feita pela Fundação de  
Artes de Niterói (FAN). Em suas instalações são desenvolvidos diversos projetos voltados à  
população local, entre eles: oficina de alfabetização de crianças, oficinas de percussão,  
cineclube, aulas de reforço, aulas de teatro, etc.  
O local também dispõe de um estúdio musical gratuito para gravação de artistas locais  
e uma sala de estudo onde se encontra instalada a biblioteca. Próximo da sala há um espaço de  
exposição permanente, onde, por meio de textos e fotografias, se conta a história da formação  
do Morro e dos seus primeiros moradores. Além do primeiro andar do prédio no qual se  
encontram as exposições temporárias de artistas do Morro e de fora também. O prédio ainda  
conta com uma ampla área externa com arquibancada onde se exibe filmes e peças de teatro.  
O MACquinho foi inaugurado em 2008, no entanto, devido a problemas de segurança  
e questões de gestão da prefeitura, ficou fechado durante alguns anos, sendo subutilizado pelo  
poder público e totalmente interditado por mais de dois anos para obras de contenção de  
encosta, até ser reaberto em 2014. Na época, a gestão do equipamento cabia à Secretaria  
Municipal de Ciência e Tecnologia, atualmente, como mencionado, está sendo gerido pela  
FAN (Menasce, 2014).  
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Recentemente, o MACquinho fez parceria com Universidade Federal Fluminense  
(UFF) por meio do projeto de extensão “UFF-comunidades - um estudo sobre conexões entre  
sujeitos sociais, conflitos e os impactos coletivos”, mobilizado pelo Instituto de Estudos  
Comparados em Administração de Conflitos (INEAC). As ações do projeto tiveram início em  
abril de 2023 e estão divididas em cinco eixos de atuação: 1) direitos e cidadania, 2) arte,  
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educação e juventude, 3) memória e identidades, 4) segurança pública, território e mobilidade  
urbana e 5) organização comunitária e divulgação científica (INEAC, 2024).  
Desde 2023, a Oficina Nossa é uma das atividades realizadas no MACquinho,  
contando com a participação de colaboradores e voluntários alinhados ao propósito da  
iniciativa, sendo a maioria deles moradores do próprio Morro. Conforme relataram  
professores e idealizadores nas entrevistas, a motivação para a criação da Oficina Nossa veio  
da percepção de que havia, no Morro, um número significativo de crianças com defasagem de  
conteúdo em relação às suas séries escolares, revelando um descompasso entre idade e ano  
escolar, ou seja, uma distorção de idade-série. Além disso, muitas dessas crianças  
enfrentavam dificuldades na escrita, uma situação agravada após a pandemia. A necessidade  
de adaptação ao ensino remoto, somada ao acesso limitado à tecnologia e internet, contribuiu  
para o impacto na formação dessas crianças e intensificou os desafios já existentes.  
Percebendo isso, em 2022, no contexto de pós-pandemia, os idealizadores do projeto  
resolveram criar por meio da ajuda de voluntários a Oficina Nossa no salão de festas do  
Morro. Como destacado pelos entrevistados, esse espaço não tinha muita estrutura para  
receber um grande quantitativo de alunos naquele período. Apesar disso, os professores e  
voluntários sempre incluíam cada vez mais crianças, quando as mesmas se interessavam.  
Como pontuado pelos entrevistados, a Oficina Nossa não é apenas aulas de reforço  
escolar, mas um espaço que as crianças têm para socializar e brincar entre si, compartilhando  
seus lanches e brinquedos com os demais da turma, ou seja, um lugar de convivência e  
respeito, no qual as crianças aprendem a lidar com pensamentos e ideias diferentes dos seus,  
estimulando a expressão artística, a criatividade e o pensamento crítico durante as atividades  
oferecidas.  
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Atualmente, a Oficina Nossa é composta por dois turnos (manhã e tarde), e possui  
cerca de 30 crianças, entre 6 e 12 anos. Com a Oficina, no período da tarde, as crianças  
passaram a ocupar o tempo de contraturno escolar com atividades que estimulam seu  
desenvolvimento educacional e artístico. Atualmente, a Oficina conta com profissionais que  
atuam nas áreas de reforço escolar, artes e atividades físicas.  
Com a continuidade do projeto, percebeu-se que, nos últimos dois anos, os pais das  
crianças também se aproximaram do MACquinho e desenvolveram um vínculo com o espaço.  
A mudança para um local mais amplo permitiu que os professores tivessem condições de  
receber os responsáveis para reuniões, fortalecendo o relacionamento com eles. É importante  
destacar que, para a maioria dos pais residentes no Morro, o MACquinho representou o  
primeiro contato com um museu ou teatro — instituições culturais que, no contexto brasileiro,  
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ainda possuem barreiras simbólicas e físicas que muitas vezes afastam a população pobre e  
em maior vulnerabilidade social de suas atividades.  
Respondendo a pergunta “Qual é a relação da Oficina Nossa com o Morro do  
Palácio?”, os entrevistados disseram que não conseguem pensar em um sem evocar o outro. A  
Oficina Nossa é composta majoritariamente por crianças que nasceram e vivem no Morro,  
sendo impossível pensar em um separado do outro. A Oficina Nossa, segundo eles, foi criada  
para as crianças do Morro a fim de ajudá-las no processo de ensino-aprendizagem, as  
auxiliando no ensino de diversas matérias que compõem a grade curricular.  
Todos os entrevistados que acompanham o projeto desde de 2022, disseram que trazer  
o projeto para dentro do MACquinho foi muito bom, pois os professores passaram a ter  
acesso a uma melhor estrutura com armários, mesas grandes para as crianças escreverem, com  
um quadro branco disponível e um espaço reservado ao aprendizado. Apesar disso, uma das  
entrevistadoras pontuou que trazer a Oficina para dentro do MACquinho mudou um pouco o  
público atendido, visto que algumas crianças que antes participavam deixaram de acompanhar  
a oficina quando a mesma adentrou o espaço institucional, todavia atraiu-se um novo público,  
abrindo inscrições para crianças que vivem em outros bairros de Niterói, causando impacto  
social além do Morro do Palácio.  
Quando inquiridos sobre se era possível construir uma memória do Morro a partir das  
crianças da Oficina, todos responderam que sim. Segundo os entrevistados, as crianças criam  
memórias a partir de suas ações no seu dia a dia, como também têm contato com as memórias  
e lembranças dos seus pais, tios e avós que moram no Morro há décadas, fazendo parte de sua  
construção. Nesse caso, emerge a memória coletiva trabalhada por autores como Halbwachs,  
Pollak e Nora. Por meio da relação social dos sujeitos cria-se uma memória que é  
compartilhada entre os atores que compõem o Morro, memória essa atravessada de  
interpretações, visões e ideias dos diversos indivíduos que juntos vivem e ressignificam a  
lembrança a todo momento, recriando novas memórias.  
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Na Oficina Nossa acontecem diversas atividades, como: esportes, passeios pela  
cidade, reforço escolar e atividades culturais, como teatro. Por meio da mediação cultural  
praticada no fazer dessas ações, evoca-se as memórias das crianças a partir de atividades que  
são realizadas durante a Oficina: desenho, escrita e teatro. A partir da mediação cultural  
dessas atividades criam-se significados e sentidos; são feitas apropriações culturais e  
representações simbólicas do Morro, que são aspectos relevantes para compreendermos a  
construção da memória.  
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No processo de mediação cultural, os sujeitos não só escutam e interpretam os  
significados e os sentidos os quais estão expostos, como também se apropriam deles, agem e  
interagem sobre eles, gerando novos fluxos infocomunicacionais (Mendonça; Feitosa;  
Dumont, 2019). Assim, as crianças não só se apropriam dos sentidos aos quais são expostos  
dos seus pais, tios, avós, amigos e professores, como também criam e (re)elaboram seus  
próprios sentidos sobre suas vidas a partir dos fluxos infocomunicacionais que lhes permitem  
trocar informações entre si.  
Os professores que atuam na Oficina, como profissionais da informação, devem  
“[...]ser conscientes das dimensões e do poder de transformação dos sujeitos  
que acessam e se apropriam dos fenômenos que os rodeiam e os representam enquanto  
coletividade e de forma singular” (Sousa, Nunes, 2023, p. 396). Como argumentam Santos e  
Sousa (2021, p. 82), quando os profissionais realizam as atividades mediadoras de maneira  
consciente, favorecem à aproximação que “[...] propicia as condições para que os sujeitos  
reflitam acerca de seus referenciais ideológicos, identitários e memorialísticos”.  
Trazer a memória do Morro sob o olhar das crianças a partir da prática da mediação  
cultural da Oficina, é considerá-las produtoras de sentidos e significados sobre suas vidas,  
como sujeitos ativos no processo de construção da memória, como apropriadoras, criadoras e  
reprodutoras da memória que é transmitida de geração em geração, sendo atores fundamentais  
para compreender a dinâmica que se desenvolveu (a partir da memória dos seus ascendentes)  
e a que ocorre no Morro (no presente, no dia a dia vivenciado pelas crianças).  
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3 MEMÓRIA COLETIVA: A CONSTRUÇÃO DE UMA MEMÓRIA DO MORRO  
Por meio da história oral relatada pelas entrevistas dos idealizadores e professores  
atuantes da Oficina Nossa, e da mediação cultural realizada durante sua programação, busca-  
se a organização e criação coletiva da memória do Morro do Palácio. Através dessas  
metodologias visa-se resgatar os marcos importantes da trajetória histórica do Morro, e seus  
impactos na comunidade. A memória que será sistematizada advém não de um olhar, mas de  
vários atores e agentes (crianças, professores, moradores). Juntos, eles convivem e  
compartilham o espaço do Morro nos seus afazeres diários, forjando assim uma memória  
coletiva que é importante para sua constituição identitária enquanto grupo social.  
Pollak (1992) define a memória social como uma construção individual e  
coletiva do sujeito. Um fenômeno que parece, a priori, ser individual, mas que deve “[...] ser  
entendido também, ou sobretudo, como um fenômeno coletivo e social, ou seja, como um  
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fenômeno construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações, mudanças  
constantes” (Pollak, 1992, p.201). Ou seja, a memória é seletiva, nem tudo fica gravado e  
registrado, sendo relembrado aquilo que o sujeito considera mais significativo para si.  
Seguindo a concepção de Pollak, Frago (1999, p.5, tradução nossa) destaca que “A  
memória humana é, portanto, um processo dinâmico. Está em reconstrução permanente. Tem  
um caráter transformador, recreativo e onipresente”. Nora (1993) vai ainda mais além dizendo  
que  
A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos, e nesse sentido, ela está em  
permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas  
deformações sucessivas [...] A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no  
eterno presente” (Nora, 1993, p.9). Pode-se dizer, assim, que a memória está em constante  
(re)construção e se transformando de acordo com o que o sujeito vive, sente e experiencia em  
seu cotidiano, no presente. O cotidiano está presente nas memórias e lembranças. Como  
pontua Halbwachs (2013) analisamos as lembranças recordadas a partir das percepções do  
presente. Logo, pode-se afirmar que o que as crianças fazem, pensam e refletem no cotidiano  
altera e influencia as lembranças que elas têm da comunidade. Assim, o cotidiano se apresenta  
“como fonte primeira de todo o conhecimento” (Pais, 2003, p.47) sendo a nossa memória um  
lugar de registro de compartilhamento do que foi vivido e experimentado pelo sujeito ou por  
meio de seu grupo social.  
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Conforme afirma Halbwachs (2013), a memória é composta por recordações e  
lembranças que estão inseridas dentro de um determinado contexto social que lhes garante  
particularidades. Além disso, segundo o autor, a memória deve ser pensada para além do  
indivíduo, acionando os grupos sociais dos quais fazem parte, e se recorrendo à análise do  
contexto no qual inserido, sendo cada memória individual um ponto de vista sobre a memória  
coletiva. Assim, o indivíduo que se recorda está cercado por grupos de referência com os  
quais constroi sua memória. No caso das crianças que participam da Oficina Nossa, seus  
grupos de referências são seus pais, amigos, professores e vizinhos.  
Dessa forma, pode-se dizer que mesmo a memória individual é construída em grupo,  
visto que não está totalmente isolada, carregando marcas da memória coletiva. Como afirma  
Halbwachs (2013, p.30) “[...] lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por  
outros, ainda que trate de eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que  
somente nós vimos. Isso acontece porque jamais estamos sós”. Assim, mesmo que a  
lembrança tenha sido vivenciada e recordada por uma pessoa, não podemos pensar nela de  
forma individual visto que o sujeito está sempre inserido em um grupo social. Indo mais além,  
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Henry Rousso (2001, p.94-95) defende que a memória “[...] é uma reconstrução psíquica e  
intelectual que acarreta de um fato, uma representação seletiva do passado, um passado que  
nunca é aquele do indivíduo somente, mas de um indivíduo inserido num contexto familiar,  
social e nacional” (2001, p.94-95).  
Segundo Halbwachs (2013) a memória coletiva é mais segura que a memória  
individual. As lembranças que são recordadas por uma ou mais pessoas são mais exatas,  
permitindo a reconstituição de sequência de atos. Continuando, o autor afirma que no  
processo de rememoração é essencial que a memória individual vá ao encontro com a  
memória dos sujeitos que compõem o grupo social do qual faz parte. Assim, para construir  
uma memória coletiva “não basta reconstituir pedaço por pedaço a imagem de um  
acontecimento passado para obter uma lembrança. É preciso que esta reconstrução funcione a  
partir de dados ou de noções comuns que estejam em nosso espírito e também nos dos outros”  
(Halbwachs, 2013, p. 39). É importante que as lembranças sejam reconstruídas e reconhecidas  
pelos membros do grupo. Por meio das entrevistas e da análise das atividades realizadas junto  
com as crianças, busca-se essa semelhança, as “noções comuns” entre as memórias dos  
sujeitos que vivem o Morro do Palácio, construindo assim uma memória de fato coletiva, a  
partir de diferentes vozes.  
Outro ponto que vale destacar em relação na obra de Halbwachs (2013) é que a  
memória coletiva que o autor conceitua não é estável, linear, contínua, passando ao longo do  
tempo por ressignificações, transformações e rupturas. Ou seja, ela é viva, plural e dinâmica,  
sendo a todo tempo reconstruída pelas ações dos grupos sociais.  
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No que tange a memória e espaço, Halbwachs afirma que há uma relação entre esses  
dois elementos. Um grupo social que convive em determinado espaço o transforma conforme  
seus valores e concepções de tal maneira que “cada aspecto, cada detalhe desse lugar tem um  
sentido que só é inteligível para os membros do grupo” (Halbwachs, 2013, p. 160). Por isso, o  
esforço neste trabalho de nos aproximarmos das crianças que residem no Morro do Palácio e  
daqueles que criaram a Oficina Nossa que veem neste espaço formas e ações que não são  
evidentes para atores que não vivem ou não são dali. Como afirma Nora (1993), a memória,  
apesar de ser abstrata, se enraíza no concreto, no espaço, no objeto, deixando suas marcas  
nesses elementos, que são desvendadas por aqueles que vivem o espaço e estão mais  
próximos dos objetos a serem analisados.  
Conforme Santos (2002) o conceito de Espaço agrega elementos físicos e objetivos  
(sistema de objetos) e também os subjetivos e imateriais (sistema de ações) que, ao invés de  
se oporem, se complementam. Os objetos que Santos (2002) recorre, são formas que existem  
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em um espaço. O objeto tem uma existência somente dele, sendo independente do sujeito que  
o conhece. São os sistemas de ações, movidos por nossa intencionalidade, que dão  
funcionalidade aos objetos. A relação entre esses dois sistemas faz com que seja construído  
um conceito de espaço diferenciado por cada um.  
O espaço está repleto de diferentes significados e valores que variam de acordo com a  
subjetividade de cada indivíduo. Dessa forma, percebemos que de acordo com o significado  
atribuído os indivíduos podem produzir representações diferentes de um mesmo espaço. Ou  
seja, mesmo que lidemos com crianças, que possuem uma faixa etária próxima e morem no  
mesmo local, cada uma delas possui sua percepção sobre o Morro de acordo com sua  
vivência.  
Como afirma Pollak (1992), a memória possui elementos que a constituem, como:  
acontecimentos vividos pessoalmente, acontecimentos vividos pela coletividade, pessoas/  
personagens e lugares que são particularmente ligados a uma lembrança. Todos estes  
elementos se entrelaçam na memória dos indivíduos, forjando memórias que são próprias de  
cada grupo.  
Ainda vale ressaltar a relação entre memória e identidade, segundo Pollak (1992, p.5)  
“a memória é um elemento constituinte do sentimento de identidade, na medida em que ela é  
também um fator extremamente importante do sentimento de continuidade e de coerência de  
uma pessoa ou de um grupo em sua reconstrução de si”. Por meio do sentimento de  
continuidade e de coerência que a memória proporciona ao grupo social, constroi-se uma  
identidade, criando-se uma representação de si, para si e para os outros que é essencial para  
re-existência do grupo no território que ocupa. Desse modo, pode-se dizer que a construção  
coletiva da memória social da Morro a partir daqueles que o vivenciam contribui para a  
ampliação da consciência sobre si e sobre seus direitos, incentivando a construção e  
valorização identitária da comunidade, firmando assim seus laços junto ao território. Assim,  
Pollak (1992) chama atenção sobre o poder de coesão social que a memória possui sobre um  
grupo.  
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A ideia de reconstruir a memória do Morro a partir das pessoas que vivem nele foi a  
maneira encontramos de fazer emergir e aflorar a “memória subterrânea” da periferia que foi  
reprimida e subjugada, ao longo da história, no enquadramento da memória nacional que  
reprimiu, marginalizou e omitiu atores e ações advindos de espaços considerados “inferiores”,  
“subalternizados”. Como afirma Le Goff (1994) a memória compõe-se em um instrumento  
valioso de disputa ideológica e está inserida dentro de relações de poder. Aqueles que  
dominam querem ser senhores da memória coletiva, ditando o que deve ser lembrado ou  
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esquecido conforme seus anseios. Enquanto isso, aqueles que são submetidos ao  
esquecimento resistem então ao apagamento, resgatando suas memórias, lutando pelas suas  
formas de existências e pelo reconhecimento das mesmas, como vemos no caso do Morro do  
Palácio, onde se busca construir uma memória protagonizada pelos atores que vivem neste  
espaço.  
Em relação a Memória e Infância, Halbwachs (2013) afirma em sua obra que não é  
possível pensarmos as memórias das crianças sem acionarmos a coletividade que a rodeia. A  
partir do momento que a criança ultrapassa a etapa de vida que é puramente vivenciada pelos  
cinco sentidos (olfato, audição, visão, paladar e tato), e passa se interessar pelos sentidos e  
significados das imagens as quais observam, ela acaba pensando em comum com os outros  
que estão no seu entorno. Não estando mais isolada em si mesma, visto que seu pensamento  
passa a comandar perspectivas inteiramente novas.  
Conforme afirma Halbwachs (2013) a memória de infância é uma construção social,  
onde as lembranças individuais são moldadas e influenciadas pelas interações e pelos  
contextos sociais que cercam a criança, o que dá à esta memória uma dimensão coletiva e  
relacional.  
O contato com outras gerações é um elemento importante que deve ser levado em  
consideração quando pensamos sobre a memória da infância. O convívio com avós, tios e  
pais, faz com que a criança guarde memórias e lembranças que não são de sua época,  
interpretando-as sob seu olhar do presente. Todavia, chamamos atenção que a memória que é  
passada através das gerações acaba sendo seletiva uma vez que não é possível o sujeito  
recordar de todos os detalhes que viveu no seu passado.  
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Ademais, essa memória que é transmitida pelas gerações predecessoras, é analisada  
sob um olhar e perspectiva do sujeito que a vivenciou, possuindo por detrás uma  
intencionalidade e posicionamento frente aos fenômenos que são relatados. Nesse caso, é  
preciso enfatizar que a memória que é recordada está sempre relacionada aos quadros sociais  
de memória (Halbwachs, 2013) que se referem às estruturas sociais que informam e moldam a  
maneira como as memórias são formadas, lembradas e compartilhadas. A memória  
transmitida (seletiva e interpretada pelo contador da geração anterior) forjará então uma nova  
memória que será interpretada sob a percepção da criança que considerará seu cotidiano na  
análise, assumindo um papel ativo no processo de construção da lembrança.  
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4 A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA AFETIVA DO MORRO  
Para resgatar a memória das crianças foi proposta uma atividade em uma das aulas da  
Oficina que envolveu o exercício e prática da cartografia afetiva. Como mencionam Pereira e  
Registro (2022, p. 122) “A metodologia da cartografia afetiva tem sido desenvolvida por  
diversos grupos e coletivos, que buscam mapear os territórios e os múltiplos encontros que se  
dão nele, destacando as dinâmicas sociais, culturais e afetivas”. Dessa forma, por meio dessa  
metodologia visou-se alcançar o olhar e a representação das crianças em relação ao Morro no  
qual elas convivem, socializam e vivem suas experiências individuais e compartilhadas. A  
partir dessa atividade, as crianças puderam trocar suas vivências entre si, e construir  
conjuntamente um grande mapa sobre o Morro, exercitando suas memórias deste território.  
Antes da produção do mapa iniciou-se um levantamento coletivo das impressões e  
experiências pessoais das crianças no Morro. Para isso lhes foram direcionadas as seguintes  
perguntas: (1) Qual é o nome da sua rua ou beco? (2) Tem algum lugar do Morro que você vai  
quase todos os dias? (3) Qual é a barraca que tem o refrigerante mais gelado? (4) Se você  
tivesse que escolher um lugar do Morro que mais gosta, qual escolheria? Por que? (5) Qual é  
a igreja que você frequenta? (6) O que você mais gosta de fazer quando não está em aula? (7)  
Você pratica algum esporte dentro da comunidade? (8) Qual foi a melhor festa das crianças  
que já teve no Morro?. Com essas perguntas, as crianças começaram a acionar suas memórias  
para respondê-las, evocando inicialmente os espaços que frequentam (barracas, campo de  
futebol, Nitbike, Praia da Boa Viagem), os grupos sociais com os quais convivem no Morro  
(donos das barracas, seus familiares). Como nos chamam a atenção Santos e Gonçalves  
(2017), quando os sujeitos acionam suas memórias, os lugares também são evocados  
consequentemente. Nesse sentido, “os lugares transitados tornam-se um caminho para as  
lembranças do passado” (Santos, Gonçalves, 2017, p. 124).  
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Depois de responderem às questões propostas e conversarem entre si, foi iniciada a  
elaboração coletiva do mapa afetivo (figuras 1, 2, 3 e 4).  
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Figuras 1, 2, 3 e 4 - Mapa afetivo.  
Fonte: Autores (2024).  
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Fonte: Autores (2024).  
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Para a realização dessa atividade, os alunos da Oficina foram colocados em torno de  
uma mesa grande disponível na sala (figuras 5 e 6).  
Figuras 5 e 6 - Processo de elaboração do mapa  
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Fonte: Autores (2024).  
Inicialmente, eles buscaram posicionar geograficamente no desenho do Morro os  
espaços que lhes vinham à memória e que podiam observar através da janela do MACquinho.  
Após isso, eles começaram a desenhar com lápis e pintar com canetinhas alguns deles. O  
primeiro espaço que começou a ser desenhado foi a Igreja, logo depois foi a NitBike, e  
posteriormente o MAC. Apesar de frequentarem o MACquinho todos os dias devido à  
Oficina, ele foi um dos últimos a serem desenhados no mapa uma vez que as crianças se  
atentaram mais aos espaços que recordavam ou aos lugares que conseguiam vislumbrar na  
paisagem do entorno durante a atividade.  
Como mencionam Santos e Gonçalves (2017), não há como invocar eventos passados  
sem mencionar os lugares a partir dos quais as memórias emergiram. O corpo inserido em um  
espaço, sente, se relaciona e age sobre o mesmo. Ao ocupar e usar determinado espaço, os  
sujeitos desenvolvem sentimentos de pertencimento em relação a ele, constroem uma  
identidade local e regional com aqueles com os quais compartilha.  
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Ao desenvolver um sentimento de afetividade com determinados espaços, os mesmos  
se tornam “lugares de memórias” nos quais estão enraizadas as memórias, sendo revestidos  
por uma aura simbólica, que os tornam significativos para a construção do indivíduo enquanto  
sujeito social (Nora, 1981). No caso do mapa afetivo do Morro, percebe-se alguns exemplos  
de lugares de memórias das crianças: o campo de futebol, a NitBike, o mototáxi, a igreja, as  
barracas, suas casas, e o próprio MACquinho. A partir desses lugares deflagram-se “imagens,  
sentimentos e as experiências vivenciadas individualmente ou em grupo. O reviver de tais  
lembranças gera um sentimento de pertença e de identidade local” (Santos; Gonçalves, 2017,  
p. 124). São neles que “a memória se cristaliza e se refugia” (Nora, 1981, p. 7), onde são  
depositadas as imagens do que foi vivido.  
Durante a elaboração do mapa, a mediação cultural emergiu à medida que as crianças  
acionaram os sentimentos e significados presentes em sua memória e refletiram sobre eles,  
buscando expressá-los no mapa. A mediação cultural considera os sentidos e significados  
produzidos pelos sujeitos ativamente com base nas suas relações, interações e vivências  
cotidianas. O mapa expressa a percepção das crianças, seus sentimentos, em relação ao  
Morro, permitindo que se tornem mediadoras de suas próprias narrativas. Como afirmam  
Silva e Cavalcante (2022, p.11) “a mediação cultural da informação proporciona uma  
humanização das mediações informacionais, tornando os seres humanos protagonistas do  
processo de atribuição e produção de significados e sentidos”.  
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Por meio do exercício da cartografia afetiva, notou-se um forte sentimento de  
pertencimento territorial e laço afetivo das crianças em relação ao Morro. Durante todo o  
processo de elaboração do mapa, elas destacavam aspectos culturais, geográficos e afetivos  
que consideravam relevantes. Ao escolherem os elementos que estariam no mapa do Morro,  
percebeu-se uma preferência, por parte das crianças, em chamar atenção sobre espaços que  
frequentam assiduamente, como a Igreja, as barracas, o MACquinho, as estações da NitBike.  
Todavia, vale mencionar a presença também de espaços que não são muito frequentados, mas  
que estão em seu horizonte de vista, como é o caso do MAC (Museu de Arte Contemporânea)  
e dos prédios que se encontram na orla da praia, que estão próximos geograficamente do  
Morro, mais distantes socialmente do mesmo.  
A dimensão dada aos espaços que foram escolhidos para serem representados também  
nos diz sobre o olhar das crianças. Como podemos ver nas imagens a Igreja, o MAC, a Praia  
da Boa Viagem, e a NitBike aparecem como elementos de destaque (pintados ou com  
tamanho maior) no mapa visto que são espaços que se fazem presentes no cotidiano das  
crianças ou que chamam mais atenção na paisagem que vislumbram do MACquinho, de onde  
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realizaram a atividade do mapa. Os mapas afetivos, diferentemente dos mapas tradicionais, se  
afastam das convenções de escala e precisão em favor de uma representação subjetiva,  
permeada por emoções e significações. Logo, a discrepância de tamanho dos elementos é algo  
comum nesse tipo de mapa visto que os sujeitos tendem a dar maior destaque àquilo que  
considera mais significativo.  
Como afirmam Pereira e Registro (2022) a cartografia afetiva oportuniza um olhar  
além do sujeito, revelando-se um horizonte de estudo sobre o território que é interligado aos  
seus habitantes e suas culturas. Através do exercício de realizar um mapa do Morro, as  
crianças chamam atenção de elementos como mototáxi, campo de futebol, barracas e becos  
que muitas vezes seriam despercebidos ou negligenciados por aqueles que não vivem neste  
território. Ademais, a cartografia afetiva nos possibilita perceber os espaços que são mais  
próximos afetivamente dos sujeitos que vivem determinado território, espaços estes que  
fazem parte de sua memória e de sua construção social como indivíduos.  
Durante toda a atividade, as crianças interagiram entre si, apontando os espaços  
que ainda estavam faltando no mapa e sobre sua posição geográfica em relação aos outros  
elementos destacados. A partir disso, construíram um mapa do Morro conforme suas  
percepções, destacando a vida e a cultura presente nesse contexto. Ou melhor, construíram  
juntas uma memória do Morro carregada de simbolismos e afetividades que atravessaram  
todo o fazer cartográfico, cumprindo o objetivo principal da cartografia afetiva que não é  
apenas mapear os lugares, mas também as emoções e memórias que eles acionam.  
Pereira e Registro (2022) nos chamam atenção que a metodologia da cartografia  
afetiva, na maioria das vezes, é realizada com grupos que sofrem com a vulnerabilidade social  
e que utilizam o mapa como uma ferramenta de luta e de denúncia das inúmeras violências  
que afetam os corpos e os territórios. Dessa forma, a cartografia afetiva, como na atividade  
proposta com as crianças da Oficina, dá destaque a uma memória subterrânea reprimida e  
estigmatizada que é a todo tempo disputada pelos subalternizados e pelos agentes  
hegemônicos. Com esse mapa, buscou-se visibilizar o olhar e vocalizar os sujeitos que  
historicamente foram postos à margem da sociedade. O exercício de produzir o mapa que  
tenha o protagonismo dos sujeitos que vivem o território, possibilita a emergência da memória  
subterrânea que continua latente, independente da tentativa de silenciamento (Pollak, 1992).  
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5 CONCLUSÃO  
A experiência com a Oficina Nossa e a metodologia da cartografia afetiva no Morro  
do Palácio demonstrou a importância de incluir novas metodologias de estudo comunitário  
para a compreensão da comunidade discursiva atendida por equipamentos culturais, como as  
bibliotecas. Nesse sentido, destacamos a relevância de valorizar saberes e memórias locais,  
promovendo o reconhecimento das identidades e histórias de um território para a construção  
de políticas de serviços e acervo de uma biblioteca, especialmente em territórios  
frequentemente marginalizados.  
Assim, buscamos compreender a biblioteca como um espaço ativo de construção e  
compartilhamento de conhecimento, onde as vozes da comunidade são respeitadas,  
legitimadas e, sobretudo, amplificadas. Além disso, destacamos a importância de iniciar um  
processo de reconhecimento da memória e história locais a partir das expressões das crianças  
sobre suas memórias e afetos relacionados ao Morro do Palácio.  
Dessa forma, o mapa afetivo vai além de uma simples representação geográfica,  
tornando-se um registro coletivo de vivências e sentimentos que reflete o contexto social e  
cultural que marca o cotidiano da comunidade. Em unidades culturais de arquivamento, como  
as bibliotecas, o mapa afetivo permite identificar necessidades de uso info-documental e  
comunicacional, facilitando uma relação de inclusão com o contexto em que se insere.  
As crianças do Morro se mostraram protagonistas na construção de uma narrativa  
sobre si mesmas, as pessoas e os lugares que amam, promovendo um olhar interno e genuíno  
sobre o território. A biblioteca, nesse sentido, se torna um espaço de expressão e  
fortalecimento identitário, mais do que um repositório de informações.  
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Entendemos que a biblioteca pode ser um importante instrumento de resistência contra  
narrativas externas e dominantes que frequentemente subjugam ou ignoram a diversidade  
cultural de locais com culturas não hegemônicas. Esse resgate de memórias e saberes, por  
meio das crianças, reflete uma cultura de pertencimento e cria, de forma espontânea, uma  
ponte entre as tradições e o futuro, permitindo que a comunidade se veja retratada e  
valorizada em seus próprios termos.  
Cabe dizer que o ambiente colaborativo da Oficina Nossa possibilita que o  
compartilhamento de memórias individuais se transforme em um processo de aprendizado  
coletivo, promovendo uma educação que não se limite a um sistema bancário de depósitos  
conteudistas sobre as crianças.  
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Este trabalho aponta para a necessidade de adotar métodos de estudo comunitário que  
criem frentes de diálogo com as diferentes comunidades que compõem um dado território.  
Além disso, ressalta o papel da biblioteca comunitária como espaço de compartilhamento de  
saberes a partir da realidade local e da afetividade, abandonando uma lógica de construção de  
serviços, políticas e acervos que ignorem a pluralidade de vivências do território.  
AGRADECIMENTOS  
Agradecemos ao projeto UFF-Comunidades: Um estudo sobre conexões entre sujeitos  
sociais, conflitos e os impactos, do INEAC - UFF, pelo apoio essencial a esta pesquisa. Nossa  
gratidão também ao MACquinho, sua equipe, às crianças participantes do mapa afetivo e aos  
seus pais, cuja colaboração tornou possível o desenvolvimento deste trabalho.  
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LOGEION: Filosofia da informação, Rio de Janeiro, v. 11, ed. especial, p. 1-21, e-7387, nov. 2024.