ARTIGO  
QUANDO 2+2 SÃO 5  
a crise de referências sociais na lógica da desinformação  
André Januário da Silva  
IBICT/UFRJ  
Valéria Cristina Lopes Wilke  
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro/UNIRIO  
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Resumo  
De modo nunca antes visto, crises de diferentes matrizes tem eclodido nos quatro cantos da Terra, se  
estabelecendo no mais das vezes como estados permanentes a experiência social humana. Das tragédias  
decorrentes dos efeitos do aquecimento global a pandemia de Covid-19, a humanidade tem convivido com um  
fenômeno comum do norte ao sul da aldeia global, a ascensão de forças políticas alinhavadas a espectros  
ideológicos de extrema direita. Este fenômeno tem sido atribuído, sobretudo, ao fluxo massivo de desinformação  
como estratégia de comunicação com as massas viabilizadas por meio das ditas “redes sociais”, aquecidas pelo  
lucrativo modelo de negócios das plataformas. Com pouco dissenso, pesquisadores têm concluído que essa  
relação tem provocado uma aparente desordem informacional, que por sua vez sintetizaria diversos aspectos  
próprios dessa dita “nova era”, tais como: pós-verdade, fake news, redes de ódio e negacionismo. Na contramão  
deste entendimento, amparados na teoria da informação da 2ª geração cibernética e na perspectiva dialética dos  
processos infocomunicacionais buscamos problematizar como esta nova ordem social produzida pela  
desinformação tem reajustado novos sentidos sobre o mundo provocando uma crise na ordem das referências  
sociais. Valendo-nos da relação entre os conceitos de sistema, ambiente e contexto, na produção de sentidos  
sobre o mundo, concluímos que a desinformação não tem se constituído como propriedade de desordem  
informacional, mas como princípio regulador de uma nova ordem sedimentada em mentiras, alucinações,  
propaganda, intolerância e barbárie, elementos que põe em xeque os princípios que orientam a ordem  
civilizatória e o ideário de democracia que norteia a Modernidade.  
Palavras-chave: Desinformação. Teoria dialética da informação. Crise de referências.  
Esta obra está licenciada sob uma licença  
Creative CommonsAttribution 4.0 International (CC BY-NC-SA 4.0).  
LOGEION: Filosofia da informação, Rio de Janeiro, v. 11, ed. especial, p. 1-20, e-7389, nov. 2024.  
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1 INTRODUÇÃO  
Não estamos aplainando o terreno somente no sentido de agregar e expandir as  
oportunidades de um novo grupo de inovadores; estamos possibilitando também a  
agregação e a capacitação de um outro grupo novo, esse de indivíduos frustrados,  
oprimidos e cheios de ódio. (Thomas L. Friedman)  
Nos últimos anos, o mundo assistiu a ascensão de forças políticas alinhavadas à  
práticas e discursos próprios do espectro ideológico da extrema-direita. Do norte ao sul  
global, países como Estados Unidos, Brasil, Itália, Hungria, Polônia, Israel, Argentina,  
Filipinas, dentre outros, tiveram em seus territórios eleições presidenciais que deram vitórias a  
candidatos assumidamente ultradireitistas. Embora esses chefes de Estado tivessem  
características peculiares que são muito próprias de suas regiões de origem, ambos traziam em  
comum o fato de terem catapultado suas candidaturas por meio dos espaços infodigitais, algo  
que ficou muito marcado nas eleições que deram a vitória a Donald Trump nos Estados  
Unidos, em 2016, Jair Bolsonaro, no Brasil, em 2018, e recentemente na vitoria de Javier  
Milei, na Argentina, em 2023.  
O radicalismo dos projetos políticos dessas novas lideranças tem sido ajustado em  
torno daquilo que vem sendo denominado como uma “Internacional da extrema-direita”,  
convergindo com maior ou menor proximidade para temas que vão desde o conservadorismo  
radical; ataque às chamadas “pautas de costumes”,(que em verdade se constituem como  
ataque aos direitos civis de mulheres, comunidade LGBTQIA+, dentre outros; racismo  
travestido de perseguição aos imigrantes; defesa de um ultraliberalismo econômico;  
negacionismo de diferentes matrizes; e pela produção contínua de desinformação.  
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Sob estes dois últimos aspectos, chamamos a atenção para o fato de que, uma vez no  
poder, estes líderes têm se esforçado em reajustar os significados e sentidos socioculturais  
sobre as coisas do mundo, sempre pautados naquilo que consideram ameaças à moralidade e à  
crença de sua ordem particular de valores. Um bom exemplo a destacar foi o comportamento  
de Donald Trump e de Jair Bolsonaro diante da pandemia de Covid-19. Os dois ex-  
presidentes se projetaram como dois dos maiores negacionistas científicos do mundo em  
relação às medidas profiláticas a serem adotadas contra a doença. Disseminando fake news,  
teorias da conspiração estapafúrdias e tratamentos alternativos sem eficácia comprovada,  
foram de encontro às recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), elegendo o  
órgão como um dos seus principais alvos no período pandêmico.  
Estas condições de produção expostas acima têm sido entendidas, por diferentes  
analistas, como resultados da capilaridade que os diversos radicalismos têm alcançado nos  
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espaços infodigitais. O modelo de negócios das plataformas tornou-se um meio eficaz para a  
reprodução e organização de redes de ódio, propícias a infotoxicação, bem como a escalada  
em massa de produção/consumo de desinformação nas redes. No campo científico as  
abordagens em torno desses problemas têm convergido na maioria dos casos, para aquilo que  
vem sendo denominado como desordem informacional. Esta por sua vez se constituiria como  
um novo ambiente cotidiano, onde cidadãos produtores e consumidores da informação  
estariam suscetíveis à desorientação e inculcamento provenientes dos mais variados tipos de  
desinformação que circulam na sociedade globalizada.  
Na contramão deste entendimento, amparados na teoria da informação da 2ª geração  
cibernética e na perspectiva dialética dos processos infocomunicacionais, buscamos  
problematizar neste ensaio, como esta nova ordem social produzida pelos efeitos sociais da  
desinformação tem reajustado novos sentidos sobre o mundo, provocando aquilo que  
denominamos como uma crise na ordem das referências sociais individuais e coletivas. Para  
tanto, abordaremos aqui os conceitos de sistema, ambiente e contexto, destacando como estes  
são elementares para o entendimento de como se produz sentidos, e, portanto, valores, a partir  
da informação. A informação e, por extensão, a desinformação possuem valor intrínseco  
somente quando associadas a um determinado contexto e ambiente. Por conseguinte, a  
desinformação, enquanto matéria informativa que adiciona repertórios aos sistemas sociais  
humanos, não tem se constituído como propriedade de desordem informacional, mas como  
princípio regulador e chave de orientação sistêmica de uma nova ordem sedimentada em  
mentiras, alucinações, propaganda, intolerância e barbárie, elementos que põe em xeque os  
valores que orientam a ordem civilizatória e regem o ideário de democracia que norteia a  
Modernidade.  
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2 A NATUREZA SOCIAL DA INFORMAÇÃO COMO PRINCÍPIO REGULADOR  
DOS SISTEMAS  
Rafael Capurro (1992) chamou a atenção para o fato de que a Ciência da Informação  
(CI) foi influenciada, em sentido epistemológico, pelas formalizações de Shannon e Weaver  
([1948] 1975), no desenvolvimento da teoria matemática da comunicação, que essencialmente  
desconsiderava as conotações semânticas da informação. A observação de Rafael Capurro não  
se aplicava apenas a CI, mas a uma miríade de áreas do conhecimento que em suas quase  
totalidades encontraram no modelo eficaz, porém objetivista de Shannon, o lugar perfeito para  
a aplicabilidade de questões relacionadas aos processos infocomunicacionais. O  
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enquadramento formal shanonniano era fortemente associado à técnica e a produção de novas  
tecnologias oriundas das máquinas cibernéticas que dimensionava a informação em sua forma  
quantitativa, mensurável em bit72, e, sobretudo, identificada na lógica e na probabilidade  
matemática. Basicamente o modelo implicava em adotar uma forma limitada de troca de  
comunicação, configurada pela consagrada representação de emissor-receptor, unidos por um  
canal de comunicação (mediador) por onde é transmitida a mensagem/informação, por um  
canal sem ruído.  
Em verdade, Shannon e Weaver (1975) ressaltaram categoricamente que a teoria foi  
desenvolvida para enfrentar os problemas de engenharia da época, em um contexto de guerra  
mundial e competição entre nações. Para esse grupo de pesquisadores da 1ª geração  
cibernética, a informação se tornou um recurso bélico, estratégico e que impelia a perspectiva  
instrumental. A teoria matemática da informação mirava o desafio técnico de transmissão de  
sinais (denominado nível A), ou seja, não foi concebida para a análise semântica da  
comunicação (nível B) e nem para o problema de sua efetividade (nível C). Apesar disso, a  
teoria matemática da comunicação acabou sendo adotada universalmente em campos como as  
ciências da informação e comunicação, salvo algumas correntes críticas que confrontam sua  
aplicabilidade para questões sociais dos níveis B e C. Como pontua Logan:  
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O que acho extraordinário é que sua definição de informação, cujo alcance limitado  
foi admitido por ele mesmo, tornou-se o padrão pelo qual quase todas as formas de  
informação foram aferidas. [...] a informação de Shannon tem sido aceita como a  
definição canônica de informação por todos, exceto por um pequeno grupo de  
críticos. [...] Shannon exorcizou com sucesso a subjetividade das comunicações, o  
que foi bom para seus objetivos de engenharia. Respeito Shannon, porque ele  
sempre alertou que sua definição não se destinava a ser uma teoria da comunicação.  
Meu problema é com aqueles que desviaram e superestimaram seu trabalho.  
(Logan, 2012, p. 37-39).  
A princípio, a questão informacional para Shannon (1975) não estava associada à  
problemática do significado, mas ao problema fundamental da comunicação que seria  
reproduzir, com maior exatidão possível, a mensagem selecionada de um ponto a outro. Desse  
modo, o autor definia informação como um padrão ou sinal e não como significado, e foi  
dessa maneira que acabou relegando a fundamental propriedade semântica da informação para  
um segundo plano. Capurro (2008) argumentou que para Shannon não se tratava de  
informação e sim de mensagens aquilo que um emissor comunica a um determinado receptor.  
Desse modo a definição de informação de Shannon teria a ver estritamente com as seleções  
possíveis de mensagens/signos disponíveis para serem codificadas em um determinado  
Bit corresponde a uma unidade de medida da informação, a palavra foi utilizada pela primeira vez por John W. Tuckey e corresponde a abreviação de dígito binário (binary  
digit).  
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sistema. “Vista dessa forma, essa teoria não é uma teoria da comunicação no sentido de  
transmitir um significado, nem uma teoria da informação na medida em que esse termo é  
entendido como significado de uma mensagem, mas é uma teoria da codificação e  
transmissão de mensagens” (Capurro, 2008, p. 11, tradução nossa).  
Logan (2012) observou que a ampla aceitação da teoria de Shannon pela comunidade  
científica de seu tempo explica-se em parte pelas vantagens estratégicas que sua definição  
possibilitava, pela medição e quantificação de padrões de informação que propiciaram o  
desenvolvimento e avanço da engenharia elétrica e das telecomunicações. Entretanto, nem  
todos os membros de sua comunidade estavam exatamente satisfeitos com sua definição. Um  
dos primeiros a manifestar descontentamento foi o físico Donald Mackay (1922-1987) que na  
8ª Conferência Macy73 defendeu outra abordagem para a compreensão da natureza da  
informação. Para MacKay, a problemática da informação não estava em encontrar a melhor  
codificação de símbolos para a transmissão, mas determinar a questão semântica do que está  
para ser transmitido. Desse modo, denominou o conceito de informação em Shannon de  
informação seletiva, ou seja, tratava-se de uma informação calculada, pois considerava a  
seleção de elementos de mensagens de um determinado conjunto. Em contrapartida,  
desenvolveu outro tipo de abordagem que definia como informação estrutural, onde  
englobou o caráter semântico e a produção de sentidos da informação.  
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A ortodoxia dos pares de MacKay explica a recusa de sua definição conceitual de  
informação em parte porque ela envolvia subjetividade, ao passo que a definição proposta por  
Shannon era muito mais objetivista e mensurável em suas formulações. Entretanto, a tentativa  
de Donald MacKay não foi em vão e contribuiu para mudanças na forma como a informação  
vinha sendo considerada, o que segundo Logan (2012), provavelmente influenciou as  
postulações da 2ª geração cibernética, mais precisamente os trabalhos de Gregory Bateson  
(1904-1980).  
Gregory Bateson ([1972] 1987) cunhou uma teoria da informação muito mais  
alinhavada à perspectiva de significado e mudança tal qual a proposta de MacKay. A  
compreensão de Bateson, para quem a informação é um produto relativo e dependente do seu  
significado e contexto difere radicalmente da argumentação clássica de Shannon e Weaver  
(1975), que estabeleciam que “Especificamente, informação não deve, por equívoco ser  
compreendida como significado” (1975, p. 9, destaque do autor). Assim, Bateson trouxe à luz  
As conferências Macy foram promovidas pela Fundação Josiah Macy Jr., que financiou uma série de encontros entre grandes cientistas estadunidenses e alguns recém chegados da Europa,  
entre as décadas de 1940-1950. Nestas conferências foram discutidas as principais teorias da cibernética, teoria de sistemas, teoria da informação e da comunicação. Dentre seus freqüentadores  
destacavam-se Norbert Wiener, Claude Shannon, Warren McCulloch, Walter Pitts, Kurt Lewin, John von Newman, Heinz von Foerster, Margaret Mead e Gregory Bateson (Cesarino, 2022;  
Logan, 2012).  
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o conceito de diferença como propriedade elementar da informação, cristalizada na sua  
célebre definição de informação como a diferença que produz diferença.  
Mas o que é uma diferença? Uma diferença é um conceito muito peculiar e obscuro.  
Certamente não é uma coisa ou um evento. Este pedaço de papel é diferente deste  
atril de madeira. Há muitas diferenças entre eles – de cor, textura, forma, etc. [...]  
Obviamente, a diferença entre o papel e a madeira não está no papel; e obviamente  
não está na madeira; obviamente não está no espaço entre eles, e obviamente não  
está no tempo entre eles. (A diferença que ocorre ao longo do tempo é o que  
chamamos de “mudança”) (Bateson, 1987, p. 458, tradução nossa).  
Se por um lado a aplicabilidade da teoria de Shannon (1975) fez parecer que a  
informação podia ser considerada como alguma quantidade ou qualidade uniforme de  
variedade em qualquer que fosse o seu domínio, por outro, a informação de Bateson (1987)  
teria tudo a ver com o significado, estando, portanto, intimamente associada à dinâmica  
característica da matéria informativa. Desse modo, o autor revelava uma propriedade  
elementar do fenômeno informativo que é a relatividade característica dos efeitos de sua  
transmissão. Com isso, a informação não é uma invariante, como pode nos fazer supor o  
formalismo da teoria clássica, ela é totalmente dependente dos quadros de referência,  
contextos e ambientes nos quais é utilizada e é a partir do contato com esses elementos que  
adquire sentido. Referindo-se a dinâmica da informação na produção de sentidos Bateson  
(1987) pontuou:  
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Sugiro a você, agora, que a palavra “ideia”, em seu sentido mais elementar, é  
sinônimo de ‘diferença’. Kant, na Crítica do Juízo - se eu o entendo corretamente –  
afirma que o ato estético mais elementar é a seleção de um fato. Ele argumenta que  
em um pedaço de giz há um número infinito de fatos potenciais. O pedaço de giz,  
nunca pode entrar em comunicação ou processo mental por causa dessa infinitude.  
Os receptores sensoriais não podem aceitá-lo, eles filtram. O que eles fazem é  
selecionar certos fatos fora do pedaço de giz, que então se tornam, em terminologia  
moderna, informação (Bateson, 1987, p. 459, tradução nossa).  
Sobre o particular processo infocomunicacional apresentando por Bateson, Anthony  
Wilden, outro importante teórico associado à estirpe da 2ª geração cibernética, apontou em  
System and Structure ([1972] 1980) que essa lógica de compreensão comunicativa é  
eminentemente “qualitativa”, ou seja, a razão de sua existência está na problematização do  
valor do significado, e desse modo se ocupa de questões filosóficas, históricas, éticas, sócio-  
econômicas e ideológicas, próprias da ordem social humana, questões essas, que a lógica  
métrica ou quantitativa de Shannon não poderia abranger, justamente por se ocupar de uma  
forma limitada de comunicação. Wilden (1980, p. 233) sublinhou que, ao passo que a teoria  
“quantitativa” da informação é uma medida de padrão, complexidade ou organização - o que  
“a rigor, é uma medida do grau de liberdade (semiótica), em uma dada situação, para escolher  
entre os sinais, mensagens ou padrões disponíveis a serem transmitidos (o repertório)” -, o  
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significado ou a significação é o “x” da questão para a teoria “qualitativa”. Referenciando  
Donald Mackay, Wilden (1980, p. 234) assinalou que a informação consiste em uma condição  
necessária para a significação, mas não lhe é suficiente, pois o elo de importância entre  
informação e significação reside nos processos que as envolvem: “ambas dependem da  
codificação, e decodificação, e ambas dependem da seleção de sequências fora de um campo  
de sequências possíveis.”  
Esse fato destacado por Wilden nos leva a outra importante contribuição de Bateson  
no que diz respeito à quebra de dualismos entre os referidos observadores (emissor/receptor)  
em um determinado sistema de comunicação. Para Bateson (1987), por exemplo, o mundo  
externo físico é indissociável do universo interno do corpo humano, e tal fato se aplica a toda  
e qualquer relação material de troca de energia, onde aí também inclui a transmissão de  
informações entre agentes humanos, de tal modo que acaba por estabelecer uma conexão  
sistêmica e ininterrupta de existência revelada por meio da comunicação. Nessa ordem  
sistêmica estão integrados diferentes matérias, seres, ecossistemas e territórios que se  
conectam estabelecendo, assim, uma visão monista dos processos infocomunicacionais, ou  
seja, um sentido de unidade universal que se distingue da rígida distinção cartesiana entre  
sujeito e objeto. A realidade não se constitui apenas como uma duas ou três, mas infinitas  
realidades que podem coexistir em um determinado ambiente, sobretudo, pela via da  
contradição, processo que caracteriza o pensamento humano e o próprio curso da história.  
Gregory Bateson (1987) foi um dos membros mais proeminentes da Escola de Palo  
Alto, denominação utilizada para a rede de pesquisadores que em parte residia na Califórnia, e  
que contou, dentre outros membros expoentes, como Heinz Von Foester (1911-2002) e Paul  
Watzlawick (1921-2007) (Mattelart, 2001; Sfez, 2007). Estes teóricos revisitaram os  
conceitos oriundos da 1ª geração cibernética oferecendo um contraponto àquelas  
considerações. Assim, os conceitos de comunicação e informação ganharam uma concepção  
fluída, não linear e sistêmica muito próxima à dialética de Hegel e ao pensamento de Spinoza,  
ainda que a maioria deles admitisse nunca ter tido contato com a obra destes filósofos.  
O legado da concepção teórica destes autores a respeito dos processos de comunicação  
e informação é o fio condutor que nos permite construir uma alternativa dialética à teoria  
clássica da informação. Para eles, não cabia mais pensar a comunicação de modo linear, uma  
vez que a relação comunicativa é em si mesma circular e retroativa, ou como bem aponta  
Lucien Sfez (2007) um processo espiralar, que nunca se finda por completo, que fornece  
regras e possibilidades de apreensão de tudo que está no mundo. Somos parte integrante do  
sistema que nos constitui, assim como o constituímos, nos mais diferentes contextos e níveis  
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de complexidade. Não é plausível problematizar tais relações ou pensar em desenvolver  
análises contextuais sem se levar em conta esta abordagem sistêmica que considera diferentes  
níveis globais de interação, e que, portanto, refletem a lógica dialética da totalidade.  
No que tange às proposições conceituais aqui expostas em relação ao recorte de nossa  
abordagem, compreendemos a desinformação não como um processo de oposição à  
informação, mas como outro tipo de processo informativo, pois na dinâmica de compreensão  
do que é ou não informação está à relatividade de seu significado que nos é contextualizada  
pelos quadros de referência e condições de produção que compõem nossas identidades e  
ambientes sociais. Em outras palavras, é o mesmo que dizer que o que é informação para  
muitos pode parecer desinformação para outros, e vice versa, dados os quadros e contextos  
que compõem determinadas realidades e cosmovisão de mundo. Se a informação não pode ser  
dissociada de seu valor semântico, ou seja, aos modos como produz significado, tanto o que  
consideramos como matéria informativa quanto o que consideramos como matéria  
desinformativa são dimensões do modo humano de compreender a realidade. Cabe a nós  
tentar entender a síntese dos processos sociais que correspondem a estas realidades,  
sobretudo, ao atual momento em que vivemos, onde a matéria considerada desinformativa se  
constitui como um dos principais entraves à convivência democrática.  
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3 QUANDO A DESINFORMAÇÃO SE TORNA A CHAVE DE ORIENTAÇÃO DOS  
SISTEMAS  
Em Ambivalências da sociedade da informação, Pedro Demo (2000) teceu críticas ao  
modelo de produção de notícias e informações geradas pelas grandes mídias corporativas,  
destacando o viés ou tendência na produção de consenso em torno de verdades construídas  
nas sociedades contemporâneas. Em suas reflexões, o teórico destacou a desinformação como  
um componente intrínseco ao processo de comunicação humano tanto quanto a informação,  
frisando o caráter semântico da transmissão de informação como propriedade elementar dessa  
dinâmica. Com isso, chamou a atenção para a desinformação ao considerar os seguintes  
aspectos: a manipulação da mídia, a informação residual (dada em partes), excesso de  
informação e desinformação como capital do mundo globalizado. Demo situou a  
desinformação no mesmo plano que a informação, pois para ele “Desinformar faz parte da  
informação, assim como a sombra faz parte da luz” (2000, p. 39). Sob esta ótica, a informação  
em si teria caráter naturalmente ambíguo, pois ponderou que a ambiguidade é intrínseca ao  
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fenômeno comunicativo. Desse modo ampliou o caráter da desinformação a praticamente  
quase todos os tipos de processos comunicativos existentes socialmente.  
Em certo sentido todo processo informativo é manipulador, porque seleciona a  
informação disponível, além de a interpretar hermeneuticamente. Esta é a marca do  
conhecimento como tal: à medida que conhece a realidade, destaca nela o que o  
método pode captar, além de impingir interpretações orientadas pelo interesse, por  
vezes escuso. (Demo, 2000, p, 40).  
Assim, as observações de Demo (2000) em torno da dinâmica de informar/desinformar  
remetem ao caráter semântico da informação transmitida no processo comunicativo, ou seja,  
na relação de significado, que se dará via sujeitos que estão culturalmente contextualizados  
em determinadas circunstâncias, grupos sociais e que tem como parâmetro determinados  
quadros de referência. Nesse sentido, seria o mesmo que dizer que os quadros sociais que  
compõem as identidades individuais e coletivas dos grupos sociais são essenciais para a as  
considerações do que é ou não informação.  
A informação é em si ambivalente, tanto em quem a pronuncia quanto em quem a  
recebe. Em todos os momentos passa pelo filtro da subjetividade, além de sua  
dimensão estar limitada pelo aparato perceptor e conceitualizador. Mas é esta  
ambivalência que resgata sempre a possibilidade de criar, inventar. Se tudo fosse  
apenas lógico, seria apenas repetitivo. O mundo da informação é agitado,  
conturbado, porque é, ao mesmo tempo, intrinsecamente manipulado e impossível  
de ser totalmente manipulado (Demo, 2000, p, 40).  
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Para o autor existem dois aspectos relevantes que devem ser problematizados no que  
tange o processo de desinformação. O primeiro diz respeito ao caráter próprio da  
comunicação que é seletivo, e, portanto, dependente de uma determinada ordem de  
possibilidades que um sujeito observador é capaz de captar ou que lhe é viável captar, a partir  
de seu sistema-mundo povoado por quadros de referência que agem como reguladores de  
transmissão das mensagens. Estas, por sua vez, serão significadas e adicionadas ao seu mapa  
de repertórios de conhecimento sobre algo ou sobre um conjunto de crenças a respeito de  
algum aspecto da realidade. A segunda questão tem a ver com o caráter manipulativo da  
informação, que não tem essencialmente uma conotação negativa, mas que faz parte do  
processo de transmissão da mensagem no ato da ação comunicativa. Essas premissas nos  
apontam para a importância de se levar em conta a ambivalência própria desses dois  
processos, o de transmissão e captação da informação. Nenhuma transmissão de mensagem,  
ou ideia ou a mais corriqueira informação é indiferente à intencionalidade, ideologia e gênero  
discursivo próprios do processo de ação linguística.  
Desse modo, é possível afirmar que nem toda matéria informativa produzida e  
destinada a informar vai obter sucesso na transmissão do conteúdo que se propõe informar,  
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assim como nem toda matéria informativa criada com a intencionalidade de desinformar  
obterá sucesso em sua ação desinformativa. Isto porque embora a produção de sentidos sobre  
a informação seja um elemento agregado a ordem social coletiva, as percepções individuais  
dos seres correspondem a diferentes trajetórias que não podem ser generalizadas, mas devem  
ser problematizadas ideologicamente, e a partir do curso de suas experiências de vida em  
sociedade, ou seja, a partir da lógica de organização do seu sistema de percepção e  
comportamento. Pode-se alegar que determinados nichos são mais propensos a certos  
conteúdos informativos, mas não se pode afirmar com exatidão que todos pertencentes a  
aquele nicho serão suscetíveis aquele tipo de conteúdo informativo.  
A respeito do processo de significação Anthony Wilden (1980) assinalou que os  
sistemas receptores, recebendo ou processando a informação a utilizam para organizar e  
direcionar para um devido fim ou determinada atividade de acordo com o estado atual de seu  
ambiente. Eles selecionam determinado conteúdo informativo a partir de princípios básicos  
que norteiam as suas relações orgânicas com o mundo de acordo com as suas necessidades  
específicas. Esse é um fenômeno que gira em torno de uma vasta matriz em constante  
mudança estando sujeita a probabilidades condicionais. Estas, por seu turno, são  
probabilidades relativas a padrões de comportamento dentre muitas circunstâncias possíveis.  
Wilden (1980) pensa a montagem dessa estrutura como uma hierarquia de organização de  
rotinas que determinam as probabilidades condicionais que estão interligadas com a estrutura  
do ambiente, ou seja, ao mundo concreto de ações, atividades e rotinas ao qual ele tem que  
interagir para garantir sua existência.  
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Para muitos propósitos podemos reduzi-lo ao preenchimento de um mapa-múndi,  
pronto para ser consultado de acordo com as necessidades e objetivos atuais. Seja  
qual for o nosso modelo de pensamento, é claro que, a menos que o organismo  
esteja organizado exatamente para corresponder ao estado atual das coisas, o  
trabalho deve ser feito para atualizá-lo: trabalhar não apenas em um sentido físico,  
mas em um sentido lógico (Wilden, 1980, p. 235, tradução nossa).  
Este trabalho lógico consiste em ajustar e modular a estrutura condicional-  
probabilística do sistema organizador de acordo com os objetivos circunstanciais, “a  
formação, fortalecimento ou dissolução de vínculos funcionais entre vários atos básicos ou  
seqüências básicas de atos” (Wilden, 1980, p. 235, tradução nossa). É nesse sentido que  
subjazem os modos como um determinado organismo vai se orientar em relação ao conteúdo  
informativo absorvido, adicionando ou não este conteúdo ao seu repertório sistêmico. A  
informação é, assim a chave que determina o trabalho lógico de organização e orientação do  
sistema, adicionando, substituindo, recusando ou confirmando, este ou aquele conteúdo as  
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ligações funcionais de sua ordem orientadora. Entretanto, essa lógica informativa é  
condicionada aos objetivos do sistema. Desta forma, estas medidas são necessariamente  
relativas de modo que o significado de um item informativo é o resultado de uma função  
seletiva entre possíveis estados de orientação, logo, a função organizadora de conteúdos  
informacionais para um sistema é uma relação de ordem mutável, sendo que ela nunca está  
fixa, pois varia de acordo com as condições interativas deste sistema com o seu ambiente.  
A questão central na semântica dos organismos é, portanto, a busca de objetivos. E  
como a busca de objetivos não se limita ao comportamento lingüístico, mas é uma  
propriedade de todos os sistemas abertos – e de fato define a função de seus  
processos de informação – teremos que ter muito cuidado ao aceitar qualquer teoria  
dos sistemas sociais que seja derivada apenas de propriedades específicas da  
linguagem. Uma sociedade pode depender de códigos e mensagens, de metáforas e  
metonímias, ou de diferença e oposição, mas de DNA também, e o DNA não é uma  
linguagem (Wilden, 1980, p. 236, tradução nossa).  
Retomando Pedro Demo (2000), para quem desinformar é parte constitutiva do  
processo de produção da informação, e, por conseguinte, da produção do conhecimento,  
temos no desenvolvimento dessa atividade ambígua, logo contraditória, o percurso comum da  
comunicação. Entretanto, Anthony Wilden (1980) esclareceu que nosso aparato receptor não  
capta tudo que nos está disponível a captar em nosso ecossistema, e é nesse sentido que a  
lógica de nossos interesses objetivos entra em cena, através dos quais as interpretações  
ganham aspectos ideológicos e, sobretudo políticos, no modo como selecionamos e nas  
escolhas do que selecionamos. A questão é saber qual elemento é determinante para a seleção  
do que de fato nos interessa. Seria ingenuidade acreditar que somos totalmente livres para  
exercer as nossas escolhas, assim como também seria inimaginável crer que não há saídas  
tangíveis para a tomada de consciência dos processos de dominação que envolvem a nossa  
realidade.  
11  
O modelo de compreensão dialética dos processos infocomunicacionais sugere que a  
informação e a desinformação se constituem como matéria informativa e isto ocorre porque  
ambos os casos adicionam repertório a um determinado sistema aberto, mesmo que pela via  
da contradição, e é dessa maneira como unidade de opostos que compõem a totalidade real no  
universo humano e estão presentes nas relações sociais e históricas de produção,  
provavelmente desde os primórdios da humanidade, ou quando no processo de hominização  
histórica os seres humanos começaram a adquirir capacidades cognoscitivas e inteligíveis que  
lhes permitiram constituir sua sobrevivência em sociedade.  
Anthony Wilden (2001) sustentou também que a variedade é a definição mais abstrata  
e universal da informação. O conceito de variedade em Wilden (1980; 2001) parte de  
LOGEION: Filosofia da informação, Rio de Janeiro, v. 11, ed. especial, p. 1-20, e-7389, nov. 2024.  
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incorporações teóricas de Gregory Bateson e Ross Ashby e nesse sentido é a medida de  
complexidade de um determinado sistema em relação a sua capacidade de repertórios de  
comportamento e respostas possíveis como ações de sobrevivência em um ambiente. Quanto  
maior for a capacidade de relação entre as variedades de captação de um sistema e aquelas  
dispostas em um ambiente, maiores serão as chances deste sistema em responder as  
perturbações e mudanças que podem vir a ocorrer nesse ambiente. Em suma, a variedade para  
Wilden revelou um processo que diz respeito a tudo que está materialmente disposto em um  
ambiente e à capacidade que um determinado sistema tem de decodificá-la, como distinção,  
logo, informação. É nesse sentido que o autor pontuou que a informação é a própria  
organização da variedade. Necessariamente toda variedade é sustentada por uma base ou  
indicador energético-material e sendo assim, a informação pode adquirir inúmeras formas,  
modelos, signos, símbolos, sentidos, freqüências, ações e presenças. Como chave de  
organização, a informação adquire para um determinado sistema aberto o caráter de  
reguladora de ações, ou seja, ela sistematiza ações e tomadas de decisão num fluxo incessante  
e contínuo vital para a existência daquele sistema, “[...] qualquer sistema emitente, recebendo  
ou processando informações usa as informações para organizar e direcionar energia necessária  
para que o “Trabalho” seja feito por dentro” (Wilden, 1980, p. 233, tradução nossa). A  
informação é então a chave que permite produzir num fluxo incontável de variedades ou  
diferenças como diria Bateson (1987), a distinção (diferença) necessária para orientar um  
determinado sistema a comportar-se, agir ou reagir em função de uma determinada atividade  
que se apresente no curso de sua existência cotidiana.  
12  
Wilden (2001) afirmou ainda que como forma de variedade, ao contrário do que  
aponta a teoria clássica de viés formalista, a informação não se distinguiria intrinsecamente do  
ruído, pois ela não tem valor de significado, uso, nem de troca intrínseca se não, quando  
associada a um determinado contexto, ou determinado sistema. A informação para um sistema  
representará uma variedade codificada ou estruturada, ao passo que o ruído é uma variedade  
não codificada, ou seja, não estruturada para aquele sistema. Desse modo, o acaso ou o ruído,  
quando estruturados, ou seja, codificados por um determinado sistema podem vir a se  
constituir como uma forma de ordem, assim como podem vir a manifestar uma forma de  
estrutura. A diferença entre as variedades informação e ruído é sempre uma função do modo  
como estão disponíveis estas variedades para um determinado sistema finalizado, subdividido  
mediante vários processos de codificação e ordenamentos de seu ambiente.  
O autor complementou sua ideia apontando para o fato de que qualquer que seja a  
acepção de significado, este sempre constitui uma função do contexto, ou seja, sem contexto  
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não existe significado. Considerando ruído e informação como intrinsecamente permutáveis  
torna-se mais óbvio que sem contexto não há informação. “Sem contexto, estamos perante a  
diferença pura – um continuum de diferenças entre as quais a distinção é impossível” (Wilden,  
2001, p. 15). Para um dado sistema organizado, seja ele biológico ou social, a relação entre  
ordem-desordem, informação-ruído, traduzem seu modo de flexibilidade sistêmica e sua  
capacidade de sobrevivência por um determinado período.  
Segundo a compreensão dialética de Wilden (2001) podemos afirmar que a  
intercambialidade entre as noções de ordem-desordem e informação-ruído, quando expressos  
através dos processos de significação entre verdade-mentira, realidade-ilusão, crença-  
descrença, por exemplo, transpõem como essa aparente desordem sistêmica na verdade se  
enquadra como outro tipo de ordem que escancara a face de um sistema calcado na  
contradição e no paradoxo, e, portanto, promotor do atual estado de como as coisas se  
encontram no mundo. Por vezes algumas reflexões parecem nos fazer ter a falsa impressão de  
que estamos lidando com uma anomalia, ou uma espécie de disfunção alheia ao sistema  
institucionalizado, sem, contudo, se levantar a reflexão crítica de que o mais provável é que  
neste caso seja o próprio sistema em si mesmo que produz tal disfunção, pelos modos como  
vem sendo engendrado e se constituindo no curso do processo histórico.  
13  
Uma teoria da conspiração ou uma fake news de viés homofóbico, por exemplo, (in)  
formam respectivamente negacionistas científicos e pessoas preconceituosas; poderia até se  
alegar que, na verdade, elas deformam, mas de qualquer maneira, informam, no sentido de  
adicionar variedade na configuração de repertório daquele sistema. A despeito dos efeitos  
perversos da mentira e da manipulação em suas diversas nuances também elas são  
informações, ainda que mentirosas ou deturpadas. Não existe desinformação em si, pelo  
menos não por meio da semântica de negação ou reversão conferida pelo prefixo “des” ao  
radical informação. Indivíduos que passaram a acreditar em uma notícia enganosa não são  
cooptados no sentido de “revertidos”, pois tampouco a ideologia dominante é estritamente  
factual, ao contrário, também repleta de concepções enganosas da realidade. Um sistema seja  
ele biológico ou social produz escolhas amparado em trocas com seu ambiente, estas trocas  
não só constituem referências as suas escolhas como se configuram como termômetro de suas  
ações. Desse modo a reversão em questão não é de caráter informativo a priori, mas da ordem  
de valores que constituem o seu sistema-mundo. Não há estabilidade na essência humana,  
pois a realidade histórica onde ela se configura indica movimento que por sua vez se constitui  
em virtude do conjunto de relações sociais de seu ambiente.  
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4 QUANDO A DESORDEM É A ORDEM: O MERCADO DA DESINFORMAÇÃO E  
A EXTREMA DIREITA  
Peter Burke (2023) pontuou que o método dos “desinformadores” e também seus  
objetivos são diversos. O autor identificou três métodos de desinformação corriqueiros no  
curso da história: a difusão de falsos rumores, a produção de propaganda e a interferência  
estrangeira em um país considerado hostil. Esses métodos podem ser identificados em  
diferentes contextos sócio-históricos sob a nomenclatura de teorias conspiratórias, contra-  
informação, propaganda, negacionismo e falsificação. Entretanto, Burke (20023) reiterou que,  
se por um lado essas práticas desinformativas remetem a contextos históricos anteriores ao  
nosso, por outro, é na atualidade que atingem dimensões nunca antes vistas.  
Isto não se deve apenas ao fato de que estruturalmente a organização econômica  
vigente tem propiciado o desenvolvimento tecnológico e o acesso a aparatos  
infocomunicacionais popularizados nos mercados mundo afora, mas também, pelo modo  
como essa organização vem reestruturando e redimensionando a comunicação e circulação da  
informação entre usuários em todo mundo.  
Valéria Wilke (2019) tem ressaltado que um ponto de virada paradigmático nesse  
contexto foi a possibilidade de interconectividade em rede entre diferentes usuários através do  
globo. O novo paradigma comunicacional todos-todos (peer-to-peer), arregimentado a partir  
de uma arquitetura de rede de computadores de forma “aparentemente” descentralizada,  
permitiu o compartilhamento de arquivos e serviços entre todos os usuários conectados a rede.  
Desse modo, o monopólio da infocomunicação midiática, outrora centralizado nas grandes  
corporações (agências de notícia, jornais, rádios, redes de TV, estúdios de cinema) foi  
quebrado, pois a possibilidade de produzir conteúdo informativo e disseminá-lo agora se  
encontra disponível a qualquer usuário interconectado com acesso, sobretudo, as diferentes  
plataformas sociodigitais.  
14  
Essa nova possibilidade interacional é destacada por Dantas (2019) ao analisar o  
funcionamento e o ambiente de navegação de usuários no modelo de negócios das  
plataformas. Para ele, o lucro das Big Techs, que gira em torno de cifras trilionárias mediante  
o consumo e a alimentação contínua e diuturna de dados do usuário, impulsiona o mercado de  
produção de artefatos de navegação, em um ciclo de consumo/produção que remete à  
premissa da dialética marxiana a respeito dessa relação imediata entre esses dois elementos,  
onde um é imediatamente o outro. Na díade consumo-produção, no atual estágio do capital, a  
partir da lógica prevista por Marx ([1885] 1996) no Volume II do Capital, ocorreria a redução  
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do tempo de circulação do capital ao limite de zero, mediante a determinação do volume de  
negócios do capital. Desse modo, no mercado das plataformas sociodigitais, a relação  
produtor-consumidor, que outrora costumava ocorrer em um fluxo unidirecional de  
mercadorias, geralmente mediada por um vendedor, é agora redimensionada a partir de um  
contato que acontece em um ambiente digital, reduzindo os tempos de transação dos negócios  
até o limite de zero (Dantas, 2019).  
Esse cenário atrativo para a expansão do capital possibilitou a migração de interesses  
dos investidores para um novo modelo de negócios denominado economia das plataformas.  
Poell, Nieborg e Van Dijk (2020) explicaram que tais condições de produção favoreceram a  
formatação de uma sociedade de plataformas, onde o tráfego social é cada vez mais  
canalizado por um ecossistema global de plataformas on-line, esmagadoramente corporativo,  
conduzido pela programação algorítmica e alimentado por meio de coleta sistemática e  
monetização de dados dos usuários conectados.  
Sendo assim, embora o novo paradigma todos-todos remeta imediatamente a um modo  
descentralizado no que tange a transmissão de informações entre usuários, ele implica a bem  
da verdade, em um modelo de negócios altamente monopolizado, cujos interesses e lucros  
estão concentrados em pouquíssimas corporações privadas que detém a quase totalidade de  
navegações e acessos nos quatro cantos da Terra.  
15  
A cada vez maior concentração de capital e os altos rendimentos oriundos desse  
negócio lucrativo não apenas alçaram as Big Techs ao status de protagonismo no mercado  
internacional, atraindo diferentes investidores em âmbito global, mas as situam em rota de  
colisão com as diferentes nações onde exercem sua capilaridade. Tendo como único horizonte  
a acumulação de capital, importa pouco a essas corporações se as democracias estão sendo  
ameaçadas, se indivíduos e coletivos utilizam seus espaços virtuais para difundir discursos de  
ódio e ameaçar minorias, se golpes de Estado estão sendo arquitetados em suas redes  
privadas, ou se toda sorte de crimes cibernéticos está sendo realizado por ali. Importam  
apenas às Big Techs a manutenção do hiper-fluxo informacional e a captação de dados dos  
usuários, fontes de sua inesgotável acumulação de lucro, que serão analisados, perfilados e  
comercializados.  
Há algum tempo, o negócio lucrativo das Big Techs entendeu que o clima belicista e a  
veiculação de notícias falsas, teorias conspiratórias e toda sorte de conteúdos que possam ser  
enquadrados como desinformações compartilhadas em suas redes, auferem grandes quantias a  
seus cofres, assim como produzem engajamento permanente, fator crucial para seu modelo de  
negócios. Não à toa, um dos maiores engenheiros do caos, para usar o famoso termo de  
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Giuliano da Empoli (2022), tem sido Elon Musk, bilionário sul-africano e proprietário do X  
(ex-Twitter), que tomou para si a tarefa de grande defensor mundial da “liberdade de  
expressão”, colocando-se em rota de colisão com o sistema judiciário brasileiro e, em última  
instância, com a constituição do país. Segundo Bruno Fonseca (2023), em matéria produzida  
para o site da Agência Pública Brasil, o Google pagou mais de 670.000 reais, em maio de  
2023, em anúncios contrários a PL2630/2020, mais conhecida como a PL da fake news,  
projeto de lei que visava regulamentar a lei brasileira de liberdade, responsabilidade e  
transparência na internet.  
Segundo Empoli (2022), estudos do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)  
conteúdos desinformativos têm, em média, 70% mais chances de probabilidade de serem  
compartilhado na internet do que informações verdadeiras, pois, na maioria dos casos, o  
conteúdo desinformativo tem como base originalidade maior, além de apelar para soluções e  
argumentos que quase sempre evocam algum tipo de sensacionalismo emotivo. “Segundo os  
pesquisadores, nas redes sociais a verdade consome seis vezes mais tempo que uma fake news  
para atingir 1.500 pessoas” (Empoli, 2022, p. 78).  
[...] Para manter seus usuários conectados, uma empresa de redes sociais deve,  
sobretudo, fazer as coisas de maneira que eles se enervem, sintam-se em perigo ou  
tenham medo. A situação mais eficaz é aquela em que os usuários entram em  
estranhas espirais de um consenso muito poderoso ou, ao contrário, de sério conflito  
com outros usuários. Isso não acaba jamais, e é esse, exatamente, o alvo. As  
empresas não planificam nem organizam nenhum desses modelos de utilização. São  
os outros que são incitados a fazer o trabalho sujo (ibid., p. 79).  
16  
Não sem motivos, a ascensão do mercado das plataformas coincide com o advento de  
uma nova organização da extrema-direita em todo o mundo. A desinformação em rede,  
utilizada tanto na campanha do ex-presidente estadunidense Donald Trump em 2016, quanto  
na campanha do ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro em 2018, mostrou-se uma receita de  
sucesso. O movimento ultra-direitista serve-se de elementos convergentes com aqueles  
utilizados para alimentar o modelo de negócios das plataformas. Essa convergência toma  
forma e capilaridade em discursos personalizados para diferentes nichos, no mais das vezes,  
evocando características antissistêmicas em torno de um líder messiânico que promove uma  
batalha contra forças imaginárias que ameaçam a ordem das coisas.  
Essa construção discursiva acaba por aglutinar diferentes pessoas em um mesmo nicho  
de pensamento, o que tem sido denominado como bolhas e câmaras de eco. Uma vez  
formados, esses nichos vão se caracterizando por um discurso cada vez mais radicalizado. O  
coro dos ressentidos vai tomando forma de acordo com as implicações locais e são afeitos a  
soluções imediatas que visam extinguir instantaneamente os seus problemas. Entretanto, há  
LOGEION: Filosofia da informação, Rio de Janeiro, v. 11, ed. especial, p. 1-20, e-7389, nov. 2024.  
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uma convergência cada vez maior em torno de pautas que são comuns nas mais diferentes  
regiões do planeta. Um exemplo disso é a adesão ao discurso antivacina que pôde ser  
observado durante o período da pandemia de COVID-19, e que mesmo depois dele ainda  
encontra forte ressonância social em diferentes lugares do mundo.  
Se o discurso de radicalização oriundo das implicações decorrentes das imigrações de  
populações oriundas de países periféricos está muito mais presente na ordem do dia nos  
movimentos de extrema-direita da Europa e dos Estados Unidos, no Brasil eles têm ganhado  
força, sobretudo, em relação às migrações regionais, onde comumente a extrema-direita  
associa o atraso social, o aumento da mancha criminal e a pobreza aos fluxos migratórios do  
Nordeste e Norte do país para as regiões mais abastadas do Sul e do Sudeste.  
Ao recorrer à compreensão sistêmica de Bateson (1987), Cesarino (2022) assinalou  
que tal arquitetura social não se remete meramente há uma rígida desordem que surge para  
desafiar a ordem social vigente apenas. Ela propôs a antiestrutura como uma forma que  
emerge para a superfície da estrutura em um momento de crise profunda, tensionando o  
sistema como um todo em direção ao colapso de seus limites estruturais. A antiestrutura é, em  
síntese, uma antinorma que emerge das contradições e paradoxos próprios das desigualdades  
dos sistemas sociais. Seus desdobramentos incluem diferentes estruturas heterodoxas que ao  
emergirem se tocam e se recombinam invertendo hierarquias e referentes sociais “[...] o que  
era marginal vai para o centro, o que estava embaixo vai para cima e etc. O centro do sistema  
é assim tensionado de modo que a configuração como um todo vire do avesso (2022, p. 16).”  
17  
Nesse sentido,  
é
possível contextualizar tal compreensão  
a
perspectiva  
infocomunicacional dialética de Wilden (1980), pois ao propor a intercambialidade entre  
ordem/desordem na orientação dos sistemas, acabou por nos revelar um perigoso produto  
oriundo do contexto desinformativo: a capacidade que esse tipo de matéria informativa tem  
para a produção de novos quadros referenciais de mundo, a partir de corolários matizados no  
radicalismo, na mentira e no ódio as diferenças. A rigor não estamos diante de uma desordem  
informacional, mas num momento de reordenação sistêmica cujos elementos que a  
possibilitam como a desinformação e as redes de ódio, para citar dois exemplos comuns,  
promovem uma nova dimensão social que põe em xeque a concepção de ordem democrática  
liberal calcada em mecanismos institucionalizados tais como a constituição, a ordem jurídica,  
os direitos humanos, a ciência e a noção de liberdade individual. Estes são processos  
elementares intrínsecos à organização social e econômica do contexto neoliberal vigente, a  
qual se atribui à ordem dos valores democráticos, mas é justamente sob a égide desses valores  
que também se estabelecem as desigualdades sociais de classe, raça e gênero, os desvios e  
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arroubos autoritários do Estado, a precarização e perda de direitos do trabalhador, o racismo  
estrutural, os preconceitos de gênero e é dentro dessa realidade social que a desinformação  
deve ser problematizada.  
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS  
Ao longo do artigo foi realizada a discussão da desinformação no contexto dos  
negacionismos científicos, da ascensão e volta da extrema-direita mundial à esfera pública, da  
sociedade marcada pela hiperconexão e trânsito pelas infovias conforme a lógica do modelo  
de negócios das Big Techs, considerando o diálogo com as contribuições provenientes da  
teoria da informação da 2ª geração cibernética e da perspectiva dialética dos processos  
infocomunicacionais. O cerne da análise centrou-se no diagnóstico da desinformação não  
como desordem informacional, mas a partir do entendimento dela como o princípio ordenador  
que tem atuado para reorientar sistemicamente os significados do mundo, instaurando, assim,  
uma nova ordem. Foi também abordado que, em função de tal reorientação, testemunhamos,  
hoje, a crise nas referências sociais.  
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LOGEION: Filosofia da informação, Rio de Janeiro, v. 11, ed. especial, p. 1-20, e-7389, nov. 2024.  
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