CATEQUESE INFORMACIONAL
o “olhar” do papa Francisco sobre as práticas desinformacionais
Felipe Arthur Cordeiro Alves[1]
Universidade Federal da Paraíba
Wendia Oliveira de Andrade[2]
Universidade Federal do Pará
wendia@ufpa.br
Esdras Renan Farias Dantas[3]
Universidade Federal da Paraíba
Edivanio Duarte de Souza[4]
Universidade Federal de Alagoas
edivanio.duarte@ichca.ufal.br
______________________________
Resumo
Objetiva analisar a visão do Papa Francisco e da Igreja Católica sobre as práticas desinformacionais. Discorre, brevemente, sobre algumas comunicações e práticas desinformacionais em interface com a Igreja Católica Apostólica Romana, especialmente no pontificado de Francisco. Para o desenvolvimento do estudo, adotou-se a metodologia não-extrativista, em que buscou-se “conhecer-com” o Papa Francisco, não “conhecer-sobre” o que ele pensa, utilizando uma abordagem qualitativa. No âmbito teórico, dissertou-se acerca da relevância de Bergoglio nas mídias, e o modo como ele enfrenta a conjuntura da Igreja. Além disso, apresenta o pensamento do Papa Francisco acerca de fenômenos informacionais e desinformacionais, com base na coleta e análise três documentos em publicações oficiais, a saber: Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, Carta Encíclica Laudato Si e a Mensagem do Papa Francisco para o 58° Dia Mundial das Comunicações. Os resultados expostos indicaram que o Papa Francisco possui certo repertório acerca das práticas desinformacionais e de outros fenômenos de informação e de comunicação. O líder da Igreja Católica demonstra preocupação com o cenário atual de desinformação e usa sua influência geopolítica para chamar atenção da comunidade internacional para essa questão.
Palavras-chave: Papa Francisco; práticas desinformacionais; Igreja Católica; desinfodemia; informação.
INFORMATIONAL CATECHESIS
Pope Francis’s take on disinformation
Abstract
It aims to analyze the view of Pope Francis and the Catholic Church on disinformation practices. It briefly discusses some communications and disinformation practices in interface with the Roman Catholic Apostolic Church, especially during Francis' pontificate. To develop the study, a non-extractive methodology was adopted, in which we sought to “know-with” Pope Francis, not “know-about” what he thinks, using a qualitative approach. In the theoretical scope, it was discussed about Bergoglio's relevance in the media, and the way he faces the situation in the Church. Furthermore, it presents Pope Francis' thoughts on informational and disinformational phenomena, based on the collection and analysis of three documents in official publications, namely: Apostolic Exhortation Evangelii Gaudium, Encyclical Letter Laudato Si and Pope Francis' Message for the 58th World Communications Day. The results presented indicated that Pope Francis has a certain repertoire regarding disinformation practices and other information and communication phenomena. The leader of the Catholic Church shows concern about the current scenario of disinformation and uses his geopolitical influence to draw the attention of the international community to this issue.
Keywords: Pope Francis; disinformation practices; Catholic Church; disinfodemic; information
CATEQUESIS INFORMATIVA
la “mirada” del Papa Francisco sobre las prácticas de desinformación
Resumen
Su objetivo es analizar la visión del Papa Francisco y de la Iglesia Católica sobre las prácticas de desinformación. Analiza brevemente algunas prácticas de comunicación y desinformación en interfaz con la Iglesia Católica Apostólica Romana, especialmente durante el pontificado de Francisco. Para desarrollar el estudio se adoptó una metodología no extractiva, en la que se buscó “conocer” al Papa Francisco, no “conocer” lo que piensa, utilizando un enfoque cualitativo. En el ámbito teórico, se discutió sobre la relevancia de Bergoglio en los medios de comunicación y la forma en que enfrenta la situación en la Iglesia. Además, presenta el pensamiento del Papa Francisco sobre los fenómenos informativos y desinformativos, a partir de la recopilación y análisis de tres documentos de publicaciones oficiales, a saber: la Exhortación Apostólica Evangelii Gaudium, la Carta Encíclica Laudato Si y el Mensaje del Papa Francisco para la 58ª Jornada Mundial de las Comunicaciones Sociales. Los resultados presentados indicaron que el Papa Francisco tiene un cierto repertorio respecto de prácticas de desinformación y otros fenómenos de información y comunicación. El líder de la Iglesia Católica muestra preocupación por el actual escenario de desinformación y utiliza su influencia geopolítica para llamar la atención de la comunidad internacional sobre este tema.
Palabras clave: Papa Francisco; prácticas de desinformación; Iglesia católica; desinfodemia; información.
1 INTRODUÇÃO
A Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) é uma das instituições mais antigas do mundo, sendo herdeira do Império Romano e da Idade Média. Vive concomitantemente três tempos: a) o tempo cotidiano, aquele que afeta a sociedade como um todo; b) o tempo histórico, que se estende por seus mais de 2000 mil anos de existência; c) o tempo mítico, o de sua mensagem religiosa propriamente dita (Azevedo, 2003). A sede da ICAR fica localizada na cidade do Vaticano, que, conforme Machado (2013), faz parte do Sistema Internacional sob o nome de Santa Sé, órgão administrativo responsável por governar a cidade do Vaticano. Também é o menor Estado do Mundo, e, com certeza, o mais singular, que compreende uma tríade: Igreja, Governo e País. Além disso, é considerada por muitos como a diplomacia mais antiga do globo. O título de Sumo Pontífice, que é de origem romana, quer dizer bispo de Roma e o mais antigo e ainda presente título governamental em voga, no entanto somente uma pessoa possui o direito de utilizá-lo, o Papa.
Até o momento de escrita deste estudo, o Papa Francisco é o reinante no trono petrino. Em 13 de março 2013, o então arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio, assumiu o posto máximo na hierarquia da ICAR, após conclave que o designou como substituto do papa emérito Bento XVI. A eleição do bispo argentino foi marcada por uma série de ineditismos: foi a primeira vez que a Igreja tinha um líder latino-americano, o primeiro da ordem “A Companhia de Jesus” (jesuítas), e o primeiro a escolher o nome de Francisco, em referência a São Francisco de Assis. O nome foi escolhido após diálogo com o cardeal brasileiro Dom Cláudio Hummes, que o pediu que não se esquecesse dos pobres (Bonifácio; Sousa, 2022).
Segundo Boff (2013), nenhum Papa na história da Igreja escolheu para si o nome de Francisco, pois seria um sinal visível de contradição para os papas anteriores que viviam em palácios, carregavam muitos títulos honoríficos, concentravam, em suas mãos, o poder religioso e o poder secular: uniam, em sua pessoa, o Imperium e o Sacerdotium. A escolha do seu nome é um recado: de agora em diante, buscar-se-á um novo modo de exercício do papado, despojado de títulos e de símbolos de poder. Um projeto ousado, mas necessário e que corresponde mais à Tradição de Jesus e às exigências evangélicas.
Ao longo de sua história, a ICAR teve de lidar com inúmeros conflitos de cunho religioso, geopolítico e econômico, porém, atualmente, a Igreja enfrenta um conflito silente quando comparados ao barulho bélico da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais, além de um conflito ruidoso nos meios de comunicação: provocados pelos fenômenos (des)informacionais. Com efeito, segundo D’ancona (2018, p. 19), “Para tudo há um tempo: 1968 teve início a grande revolução da liberdade pessoal e o desejo de progresso social; 1989 será lembrado pelo colapso do totalitarismo; e 2016 foi o ano que lançou a era da “pós-verdade”.
Conforme Marques (2023), ao passo em que a pandemia de Covid-19 evoluiu, uma desinfodemia[5] (variedade de desinformação) se propagou a partir de práticas desinformacionais. A propagação dessas práticas ocorre por meio de sistemas simbólicos, como religiões, negacionismo científico e obscurantismo, que dominam a sociedade brasileira. As práticas informacionais, por seu turno, referem-se a uma conjuntura de concepção, de busca, de acesso, de uso e de disseminação de desinformação com objetivo de alcançar grupos específicos, sendo também difundida para a população, de modo geral, em uma sociedade marcada pela pós-verdade.
Ao longo do seu pontificado, o Papa Francisco começou a fazer reformas graduais na Cúria Romana, inclusive na comunicação com os fiéis. Segundo Musacchio e Oling (2017), a presença de Francisco não estava apenas em veículos tradicionais de comunicação, mas também nas mídias digitais, incluindo redes sociais. Desde a sua posse, o Papa Francisco buscou combater o tradicionalismo e diminuir a perda de fiéis, afastando a dissonância entre a comunicação dos papas anteriores com as mudanças culturais do povo católico espalhado em um mundo globalizado.
Nesse ensejo, este estudo objetiva analisar a visão do Papa Francisco sobre as práticas desinformacionais. Essa análise ocorreu com base nos pensamentos do pontífice acerca dos fenômenos informacionais e desinformacionais expressos em documentos oficiais da Igreja, em entrevistas, entre outros meios. O conjunto dessas reflexões para a pesquisa foi intitulada catequese informacional, pois as considera-se como ensinamentos informacionais para toda a sociedade, a qual também pode ser observada pelo viés da cientificidade da Ciência da Informação.
Entende-se que a temática do Papa Francisco no contexto informacional, na ambiência pop, nas mídias digitais, nas produções audiovisuais, nos livros e até mesmo nas investigações científicas, vem acontecendo. A fim de verificar a presença da expressão na Ciência da Informação, em janeiro de 2024, buscou-se, na Base de Dados em Ciência da Informação (Brapci), o termo “Papa Francisco”, e foram recuperadas quatro pesquisas, conforme o quadro a seguir:
Quadro 1 - Artigos sobre o Papa Francisco na Brapci
Título |
Autores |
Revista |
Ano |
Os Papas e José Saramago: vários olhares e uma única preocupação |
Maria Irene da Fonseca e Sá |
Comunicação & Informação |
2016 |
Entre o sagrado e o profano, um paradoxo: a inserção do Papa Francisco na cultura pop |
Ramon do Nascimento Oliveira Washington Silva de Farias |
Policromias – Revista de estudos do discurso, imagem e som |
2019 |
A economia de Francisco |
Armando de Melo Lisboa |
P2P & Inovação |
2020 |
Economia de Francisco e Clara: respostas das juventudes brasileiras para e por uma nova economia |
Andrei Thomaz Costa Oss-Emmer et al. |
P2P & Inovação |
2020 |
Fonte: Dados da pesquisa (2024).
Com isso, entende-se que há outros estudos sobre o Papa Francisco, outros pontífices e, sobre a Igreja Católica. Apesar de um número pequeno na área, é importante salientar que são estudo relevantes, que, inclusive, foram usados na fundamentação teórica desta investigação científica. E com isso, entende-se que a desinformação se torna um tema emergente quando se considera uma persona com fala que repercute em todo o mundo, independentemente de suas crenças religiosas.
Para além disso, entende-se que diante de um contexto informacional de uso massivo das tecnologias de informação e comunicação, Fake News, manipulação de informações através de inteligência artificial (IA), e falta de regulação para publicações, há necessidade de investigar o impacto causado pelas “falas” de uma figura com alcance mundial.
2 METODOLOGIAS NÃO-EXTRATIVISTAS: “CONHECER-COM” FRANCISCO
O estudo se desenvolveu sob a perspectiva de Santos (2019), que advoga a necessidade de descolonizar as ciências sociais e a procurar por metodologias não-extrativistas fundamentadas na relação sujeito-sujeito, e não na relação sujeito-objeto. Entende-se que uma relação sujeito-sujeito humaniza a pesquisa e coloca o pesquisador em diálogo desierarquizado com a persona estudada. Além disso, o desenvolvimento do estudo também se deu com base em exercício de imaginação epistomológica.
A presente investigação se fundamenta na aplicação da imaginação epistemológica (Santos, 2019) como ferramenta metodológica. Tal ferramenta se inicia e se desenvolve a partir da observação empírica dos pronunciamentos, das homilias e dos documentos do Papa Francisco, com ênfase naqueles que abordam temáticas concernentes a fenômenos informacionais. A análise desses documentos, sob a égide da imaginação epistemológica, possibilita a construção de um panorama abrangente do pensamento do Papa Francisco sobre a temática fenômenos informacionais[6], delineando suas principais preocupações, seus argumentos e suas proposições.
Para tanto, a práxis metodológica supradescrita, é preciso desierarquizar as concepções de conhecimento e saberes. Santos (2019), na perspectiva das Epistemologias do Sul, argumenta que conhecimento e saberes devem ser tratados como sinônimos. Essa visão se contrapõe à forma como a cultura ocidentalocêntrica os diferencia. Nesta perspectiva, "conhecimento" desliza facilmente para a ideia de "ciência", enquanto "saber" é associado à "sabedoria" ou "sagacidade". Em outras palavras, na perspectiva dominante, o conhecimento estaria ligado a uma atividade cognitiva e intelectual, enquanto os saberes seriam resultado de percepções, de observações e dos sentidos, sendo frequentemente traduzidos no eufemismo pejorativo de "sabedoria popular", e não como "conhecimento popular"
Com efeito, a pesquisa buscou-se aproximar das práticas científicas pós-abissais[7]. Consoante Santos (2019), essas práticas resultam em coconhecimentos que sempre surgem de processos de “conhecer-com” em vez de “conhecer-sobre”. Desse modo, evita-se estabelecer hierarquizações de saberes, sem preconceitos, buscou-se “conhecer-com” o Papa Francisco as percepções dele e da Igreja sobre as práticas desinformacionais.
Assim, a pesquisa possui uma abordagem essencialmente qualitativa, que, conforme Minayo e Sanches (1993), tem foco nas motivações, na subjetividade e nas aspirações dos interlocutores e do pesquisador, a partir das quais as ações, as estruturas e as relações tecem significados. Possui nível dissertativo-argumentativo e assume-se bibliográfica e documental, considerando que esta fez uso de documentos oficiais ou ainda postagens que possuíam veiculação em canais oficiais do Vaticano. Oliveira e Molina (2018) destacam que a pesquisa documental não se restringe apenas a textos escritos ou impressos, pois o documento é uma unidade de informação que independe do suporte, considerando-se documentos: slides, fotografias, filmes, entre outros.
Conforme dados disponibilizados pelo site do Vaticano, o Papa Francisco utiliza-se de diversas espécies e tipologias documentais em suas comunicações, dentre as quais se destacam Audiências, Cartas, Encíclicas, Exortações Apostólicas, Homilias, Mensagens e outras. Para os fins da presente investigação, foram selecionados aqueles documentos nos quais o pontífice aborda com maior ênfase temáticas de cunho social, em detrimento de questões pastorais ou teológicas. As tipologias documentais escolhidas para análise foram a Exortação Apostólica, a Encíclica e a Mensagem. Até o momento de desenvolvimento desta pesquisa, o pontífice publicou: 4 encíclicas, 7 exortações apostólicas e quanto as mensagens são mais corriqueiras, de tal modo que somente em 2025 já foram publicas oito.
A seleção dos documentos que constituíram a fonte primária para a análise documental, a saber, a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, a Carta Encíclica Laudato Si e a Mensagem do Papa Francisco para o 58° Dia Mundial das Comunicações, fundamentou-se no conhecimento prévio dos autores acerca de seu conteúdo, bem como em suas relações com fenômenos (des)informacionais. A metodologia de análise adotada consistiu na mineração textual, técnica que se caracteriza pela identificação da ocorrência de palavras-chave como "informação", “deepfake”, "desinformação", inteligência artificial e "fake news" nos documentos selecionados.
3 FRANCISCO: MAIS POP PARA FORA DO QUE PARA DENTRO DA IGREJA
O Papa é pop, o Papa é pop
O pop não poupa ninguém
(Humberto Gessinger)
A canção clássica da banda Engenheiros do Hawaii não fala sobre o Papa Francisco, mas de um de seus predecessores, o Papa João Paulo II (Karol Jósef Wojtyla) e sobre uma tentativa de homicídio contra ele, no entanto a música já sinalizava que um pontífice pode adentrar no mundo pop, exercendo influência dentro e fora da Igreja.
Nesse sentido, João Paulo II avançou, falava espontaneamente, gostava de praticar esportes, como o futebol, foi ator, diretor e autor de peças teatrais. Por outro lado, o antecessor de Francisco, o Papa Bento XVI (Joseph Aloisius Ratzinger) não demonstrava fluidez carismática, desenvolvendo mais a vocação intelectual e acadêmica.
Englisch (2013), em sua obra O homem que não queria ser Papa, revela que João Paulo II era conhecido como papa do milênio, sendo mais que um bom pastor, também um exímio Chefe de Estado, atuando, inclusive, na diluição pacífica da então União Soviética. Karol Wojtyla era um papa para ser tocado, próximo dos fiéis, afeito às multidões. Por outro lado, Joseph Ratizinger era um dos maiores teólogos da Igreja, gostava de celebrar missas sóbrias para pequenos grupos, reservado e apreciador dos silêncios e das solidões da vida de intelectual.
Segundo Boff (2013, p. 27)[8], “[...] tanto Francisco de Assis quanto Francisco de Roma têm, cada um a seu tempo, uma missão comum: a de restaurar a Igreja de Cristo”. Em 2013, o desejo por reformas e por renovação era visível entre os fiéis católicos. Vale salientar que o Papa Francisco assume o comando da ICAR em um contexto de crise, após a renúncia do Papa Bento XVI, que teve um pontificado marcado por diversas polêmicas. Para Boff (2013, p. 35), a crise na Igreja é uma “grave crise moral que atravessa todo o corpo institucional”. Na visão do teólogo, a Igreja atual está em situação ruinosa pela desmoralização derivada dos vários escândalos, financeiros e morais de membros do baixo e do alto clero (Boff, 2013).
No entendimento de Bonifácio e Sousa (2022, p. 3), “Francisco não é apenas um pontífice midiático, mas midiatizado”. “O atual pontífice pode ser considerado o papa da midiatização, uma vez que ele chega à liderança da Igreja Católica num contexto de ascensão das mídias, mas, sobretudo, de profundas mudanças na sociedade contemporânea” (Bonifácio; Sousa, 2022, p. 6). De fato, o Santo Padre é um fenômeno de popularidade nas redes sociais. Durante o desenvolvimento desse estudo, o Pontífice possuía no Instagram @franciscus 9,2 milhões de seguidores. Na rede social X, antigo Twitter, o perfil dele para as nações de língua portuguesa, @Pontifex_pt tinha 5,2 milhões de seguidores. Vale salientar que ele possui outros perfis que publicam em outros idiomas.
Desde o surgimento dos meios de comunicação de massa, a ICAR tem utilizado a mídia como um de seus principais veículos de comunicação. O Papa Francisco tem buscado maior aproximação com a sociedade. Utilizando uma linguagem mais popular, ele propõe uma nova comunicação da Igreja com a sociedade, considerando a perda de número de fiéis (Musacchio; Oling, 2017).
Oliveira e Farias (2019) consideram que os pronunciamentos do Papa causam polêmicas na Igreja e no mundo. O pontífice já mencionou a polêmica construção do muro contra a imigração mexicana no governo Donald Trump, os problemas causados pelo capitalismo, causas e pautas de movimentos sociais. Nos desdobramentos internos de grupos da ICAR, há relações heterogêneas dentro da instituição, pois ela possui fiéis ligados a posições ideológicas bastante divergentes, como a Teologia da Liberação, a Juventude Operária Cristã e a Renovação Carismática Católica.
Fica evidente que Francisco, ao assumir a liderança da Igreja, está revelando problemas que não foram tão duramente combatidos pelos pontífices anteriores, demonstrando assim a influência e o poder da sua posição na instituição. “Ele não se cala e ousa denunciar modelos políticos e econômicos causadores de morte e de empobrecimento. Francisco adota como que um duplo caminho, mas de forma interligado: o rigor e a benignidade” (Nobre; Conceição, 2023, p. 23). Musacchio e Oling (2017, p. 86) discorrem sobre o atual Sumo Pontífice, ele deixou: “[...] explícito desde sua posse que veio para combater o pensamento tradicional. Sua comunicação foi propagar o evangelho de Jesus Cristo, a humildade, a aceitação às diferenças sem exclusões”.
Os fenômenos informacionais são estruturas tão estruturantes (Bourdieu, 1983) que nem o Papa escapou de uma pandemia de desinformação:
[...] Contra Papa Francisco circulam acusações completamente inventadas (autênticas fake news), outras nitidamente instrumentais, algumas se contradizem entre si, sendo possível confutá-las simplesmente justapondo-as uma à outra. Há acusações verdadeiramente excessivas, como se fosse possível debitar na conta do pontífice todos os males da Igreja, e há acusações, falas que – por ignorância ou por malícia – contradizem objetivamente a realidade dos fatos. É aquilo que frequentemente acontece a quem exponha a sua obra aos refletores do mundo (Scavo; Beretta, 2018, p. 5).
Fake news ou notícias falsas são informações noticiosas que chamam atenção do público para alguma situação, ou para alterar um ponto de vista acerca de um acontecimento, entretanto, como o próprio nome diz, possui parte ou todo o seu conteúdo composto de informações inverídicas (Paula; Silva; Blanco, 2018).
É possível considerar que fake news e outros fenômenos informacionais que atingem o Papa Francisco ocorrem parcialmente devido à exposição do pontífice nas mídias sociais e nos veículos tradicionais de comunicação. Nogueira, Domingues e Araújo (2023) esclarecem que, na sociedade contemporânea, há uma cultura de desprezo e de desdém pela verdade.
O Papa Francisco, como um dos políticos mais populares do mundo, é alvo constante de práticas desinformacionais, salientando que o pontífice, além de pastor da ICAR, é também chefe de Estado do Vaticano. À vista disso, D’ancona (2019, p. 19) considera que, “[...] mais do que nunca, a prática política é percebida como um jogo de soma zero, em vez de disputa entre ideias. A ciência é tratada com suspeição e, às vezes, franco desprezo”.
As falsas notícias sobre o Papa Francisco são muitas, em grande medida de cunho político, e surgiram, sobretudo, após o conclave que o elegeu. A imprensa buscava conhecer quem era o cardeal argentino que se tornou papa, porém alguns jornalistas propagaram mentiras e meias verdades sobre a vida pregressa do Papa Francisco, principalmente, enquanto Arcebispo de Buenos Aires (Scavo; Beretta, 2018).
Scavo e Beretta (2018) descrevem várias falsas notícias nesse sentido. A título de exempli gratia, destacam-se algumas:
· Francisco foi acusado falsamente de dar a comunhão eucarística ao general Videla (chefe dos ditadores açougueiros argentinos);
· Bergoglio foi acusado de ser peronista violento travestido de pastor dedicado às causas sociais, todavia a historiadora Carina Judith Villafañe Batica garantiu que o pontífice manteve relações com alas moderadas do peronismo que escolheram o caminho da não violência;
· Bergoglio foi acusado de ser ligado à Teologia da Libertação e à Ditadura Militar Argentina, porém ele foi provincial dos jesuítas (ordem hostil à Teologia da Libertação), e Adolfo Pérez Esquivel, defensor dos direitos humanos e Prêmio Nobel da Paz (1980), garantiu que Francisco não era cúmplice da Ditadura Argentina;
· Antonio Socci, editorialista, diretor da Escola de Jornalismo RAI, difundiu a tese de que o conclave que elegeu o Papa Francisco foi manobrado e que ele seria um papa inválido: essa tese foi largamente abraçada por antibergoglianos e sedevacantistas[i], em todo o mundo, quando, na verdade, as fontes indicam que um dos escrutínios foi anulado, pois o cardeal escrutinador percebeu que havia uma ficha a mais na urna, provavelmente porque um cardeal colocou mais de uma ficha na urna equivocadamente.
As práticas desinformacionais são objeto de preocupação mundial e podem ser caracterizadas como estratégia política na conjuntura da pós-verdade, sendo uma nuance da informação (Marques, 2023). Paula, Silva e Blanco (2018) sopesam que cidadãos, muitas vezes escolarizados, tornam-se audiência da imprensa tradicional e, em meio digital, são facilmente enganados por notícias que oferecem mentiras ou meias verdades. Algumas dessas notícias possuem teor humorístico, outras claramente possuem objetivo político de injuriar um “inimigo” e, outras podem ser o reforço de uma crença religiosa ou cultural.
Na verdade, parece que nenhuma instituição, nem mesmo uma tão antiga quanto a ICAR, está preparada para lidar com as redes sociais e com os fenômenos informacionais nela gerados ou dela derivados. Para a humanidade, resta aprender a conviver com os produtos informacionais que ela mesma criou.
4 CATEQUESES INFORMACIONAIS: O QUE UM PAPA PODE ENSINAR SOBRE INFORMAÇÃO?
É possível considerar que um Papa teria nada ou pouco para dizer sobre informação, sobre práticas desinformacionais e sobre redes sociais, entre outros temas. Esse pensamento poderia ser verdade, considerando papados anteriores, porém, conforme já fora dito neste estudo, o Papa Francisco destoa de outros pontífices em uma série de coisas, inclusive nessa perspectiva. É possível que Bergoglio seja o papa que mais falou sobre informação em toda a história da Igreja, até porque é ele que tem o pontificado mais inserido nas redes sociais e nas mídias digitais.
Sem embargo, as divisões dentro da Igreja são materializadas em críticas internas e externas ao Papa Francisco, gerando questionamentos acerca de sua “infalibilidade”. Um papa pode e deve ser criticado. Portanto, não se trata de ampliar o dogma da infalibilidade papal, mas perceber quando uma crítica é verdadeira, útil e crível (Scavo; Beretta, 2018).
É importante salientar que as declarações do Papa Francisco sobre fenômenos informacionais ou sobre outros temas sociais, não são vistas como infalíveis nem dentro da Igreja. Consoante Bonifácio e Sousa (2022), é possível considerar que, às catequeses informacionais de Francisco, não se aplicam a célebre expressão Roma locuta, causa finita (Roma falou, caso encerrado). Essa frase remete ao poder do pontífice de sanar quaisquer controvérsias cristãs que venham a surgir.
Ao longo de mais de dez anos de pontificado, o Papa Francisco mostrou-se comprometido com a Verdade (Cristo da fé) e com as verdades factuais. Tal preocupação pode ser vista em diversos pronunciamentos e documentos oficiais. Na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (Evangelho da Alegria), Francisco demonstra preocupação com os poderes anônimos oriundos da informação e do conhecimento, bem como com o excesso de informações que a sociedade recebe, levando-a a uma superficialidade em torno de questões morais.
52. [...] é preciso lutar para viver, e muitas vezes viver com pouca dignidade. Esta mudança de época foi causada pelos enormes saltos qualitativos, quantitativos, velozes e acumulados que se verificam no progresso científico, nas inovações tecnológicas e nas suas rápidas aplicações em diversos âmbitos da natureza e da vida. Estamos na era do conhecimento e da informação, fonte de novas formas dum poder muitas vezes anónimo. [...] 64. [...] Vivemos numa sociedade da informação que nos satura indiscriminadamente de dados, todos postos ao mesmo nível, e acaba por nos conduzir a uma tremenda superficialidade no momento de enquadrar as questões morais. Por conseguinte, torna-se necessária uma educação que ensine a pensar criticamente e ofereça um caminho de amadurecimento nos valores (Francisco, 2013, n.p., grifo nosso).
O desfecho da fala do pontífice é provocador, visto que é evidente a necessidade de uma educação que forme criticamente a sociedade, sobretudo, no trato com a informação e com as comunicações. O consumo desenfreado de informações provoca um mal-estar social, saturando as relações e as conduzido a um nível de superficialidade crítica na construção de conhecimentos. Cabe refletir se o uso de redes sociais em smartphones de última geração nos torna mais bem informados ou mais entretidos. Um amplo acesso à informação não resulta necessariamente em pessoas com maior repertório educativo.
É pertinente destacar que o pontífice está atento às inovações tecnológicas e demonstra certo repertório sobre temas caros à área de Comunicação e de Informação, como Sociedade da Informação e Era/Sociedade do Conhecimento. Segundo Colombo e Valentim (2021), a Sociedade da Informação e do Conhecimento alterou os padrões das relações humanas em diversos contextos, ocasionando mudanças significativas para as relações sociais e para as instituições, trazendo inúmeros desafios em âmbitos pessoal e profissional.
Esses tipos de sociedade, juntamente com a globalização, impulsionaram os seres humanos a assumirem um papel mais ativo e autônomo em relação ao sujeito. Os indivíduos que não estiverem atentos a essas mudanças poderão ser descartados nesses modelos de sociedade. Assim, a sociedade está cada vez mais imbricada à tecnologia nas relações sociais, e a fluidez na troca de informações promoveu mudanças consideráveis na Sociedade da Informação e do Conhecimento, porém a tecnologia não deve ser tida como centro do processo, mas sim constituinte dele.
O Pontífice também se mostra preocupado com o excesso de informações ao qual a sociedade é submetida, gerando superficialidades. Essa grande quantidade de informações pode levar a um mal-estar na comunidade, sendo traduzido em estresse digital. Para Madruga, Costa e Oliveira (2021), o estrese digital pode ser definido como consequência do uso intenso ou constante das tecnologias de informação e de comunicação devido ao acesso a uma imensurável quantidade de conteúdos informacionais.
Em outro documento, na Carta Encíclica Laudato Si (Louvado Sejas), Bergoglio, apresenta suas preocupações ecológicas acerca do cuidado da casa comum, o planeta Terra. Nessas inquietações, o Pontífice discorre sobre os ruídos causados pela informação e como ela pode ser manipulada para atender a interesses políticos, econômicos e ideológicos. Além disso, o Papa salienta a importância de acesso à informação de modo equitativo.
47. [...] os grandes sábios do passado correriam o risco de ver sufocada a sua sabedoria no meio do ruído dispersivo da informação. Isto exige de nós um esforço para que esses meios se traduzam num novo desenvolvimento cultural da humanidade, e não numa deterioração da sua riqueza mais profunda. [...] 54. Preocupa a fraqueza da reacção[ii] política internacional. A submissão da política à tecnologia e à finança demonstra-se na falência das cimeiras mundiais sobre o meio ambiente. Há demasiados interesses particulares e, com muita facilidade, o interesse económico chega a prevalecer sobre o bem comum e manipular a informação para não ver afectados os seus projectos. [...] 135. [...] Às vezes não se coloca sobre a mesa a informação completa, mas é seleccionada de acordo com os próprios interesses, sejam eles políticos, económicos ou ideológicos. Isto torna difícil elaborar um juízo equilibrado e prudente sobre as várias questões, tendo presente todas as variáveis em jogo. É necessário dispor de espaços de debate, onde todos aqueles que poderiam de algum modo ver-se, directa ou indirectamente, afectados [...] tenham possibilidade de expor as suas problemáticas ou ter acesso a uma informação ampla e fidedigna para adoptar decisões tendentes ao bem comum presente e futuro. [...] 184. [...] A cultura consumista, que dá prioridade ao curto prazo e aos interesses privados, pode favorecer análises demasiado rápidas ou consentir a ocultação de informação (Francisco, 2015, n. p., grifo nosso).
Talvez, a Laudato Si seja um dos documentos mais importantes do pontificado de Francisco, pois, por meio dela, o Papa conseguiu atravessar o contexto eclesiástico e lançar suas preocupações sobre o cuidado com o planeta para a toda a sociedade. Para a Ciência da Informação, a maior contribuição pode estar em pensar a informação em sua integralidade e em como os fenômenos informacionais e desinformacionais podem impactar o cuidado da casa comum.
Em uma conjuntura de desinfodemia, torna-se constante a propagação de conteúdos desinformacionais acerca do aquecimento global, do efeito estufa, de outros temas ecológicos e, até mesmo, do formato da “casa comum”. O “ruído dispersivo da informação”, enunciado pelo Papa, parece provocar uma crise epistemológica, em que narrativas falsas parecem receber o mesmo status do conhecimento ecológico consolidado. Fato é que, se o planeta colapsar ecologicamente, desaparecerão todos os problemas informacionais. Desse modo, a ecologia também deve estar no horizonte de pesquisa da Ciência da Informação.
Freire, Caminha e Silva (2015) discorrem que, na contemporaneidade, os ruídos comunicacionais são cada vez mais diversos e indecifráveis. Os ruídos são subtrações informacionais que podem ser de ordens física, fisiológica e psicológica. Nesse sentido, Francisco mostra-se atento aos fenômenos informacionais contemporâneos e às suas celeumas. Francisco parece rascunhar o conceito de desinformação. Conforme Marques (2023, p. 22), desinformação “[...] contempla a informação utilizada de forma superficial, descontextualizada, tendenciosa, enganosa, com o objetivo de distorcer fatos e manipular informações para obter benefícios no campo político, financeiro, comercial”.
Por fim, na Laudato Si, o Papa Francisco também defende o direito de acesso à informação para que as pessoas possam tomar suas decisões. Morais e Paiva (2023) sopesam que o direito de acesso à informação produz significados expressivos na vida do indivíduo, sendo possível afirmar que são um pilar democrático e orientador de boas escolhas na vida em sociedade.
No processo de busca por acesso à informação, as pessoas podem-se deparar com barreiras informacionais e essas são os principais obstáculos ao acesso à informação, os quais representam as limitações em relação à entidade que fornece a informação e a seu usuário, mas também do ponto de vista do receptor/usuário da informação, na medida em que as necessidades informacionais não são supridas satisfatoriamente.
Outro tema que parece inquietar o Papa Francisco é a Inteligência Artificial (IA). Na mensagem intitulada Inteligência artificial e sabedoria do coração: para uma comunicação plenamente humana, para o 58° Dia Mundial das Comunicações, o pontífice discorre que:
Os sistemas de inteligência artificial podem contribuir para o processo de libertação da ignorância e facilitar a troca de informações entre diferentes povos e gerações. Por exemplo, podem tornar acessível e compreensível um património enorme de conhecimentos, escrito em épocas passadas, ou permitir às pessoas comunicarem em línguas que lhes são desconhecidas. Mas simultaneamente podem ser instrumentos de «poluição cognitiva», alteração da realidade através de narrações parcial ou totalmente falsas, mas acreditadas – e partilhadas – como se fossem verdadeiras. Basta pensar no problema da desinformação que enfrentamos, há anos, no caso das fake news [3] e que hoje se serve da deep fake, isto é, da criação e divulgação de imagens que parecem perfeitamente plausíveis mas são falsas (já me aconteceu a mim também ser objeto delas), ou mensagens-áudio que usam a voz duma pessoa, dizendo coisas que ela própria nunca disse. A simulação, que está na base destes programas, pode ser útil nalguns campos específicos, mas torna-se perversa quando distorce as relações com os outros e com a realidade (Francisco, 2024, n. p. grifo nosso).
O pontífice recorda que foi vítima de deepfake no passado. Pacete (2023) rememora, no primeiro trimestre de 2023, no mundo inteiro, circulou uma imagem do Papa Francisco vestido com uma jaqueta puffer branca (Figura 1). O responsável pela imagem foi o artista Pablo Xavier, que a criou na plataforma de IA Midjourney:
Figura 1 - Papa Francisco em imagem gerada por inteligência artificial
Fonte: Pacete (2023).
Analisando a imagem, é possível inferir que a deepfake parece questionar o estilo de vida simples do Papa Francisco, pois a jaqueta parecer se tratar de um vestuário de luxo. Nas redes sociais, boa parte das pessoas que acreditaram na veracidade da imagem teciam críticas ao pontífice nesse sentido. Talvez, as deepfakes sejam as mentiras mais sofisticadas da contemporaneidade, considerando seu nível de realismo.
Consoante Soella e Maione (2022, p. 4), “[...] as deepfakes tem potencial de moldar a percepção da realidade, quando usada para disseminar documentos audiovisuais gerados/modificados artificialmente como captações reais de imagem/voz de pessoas”. Ainda em 2023, a Igreja e o Papa Francisco reagiram. Em mensagem intitulada Inteligência Artificial e Paz, para a Celebração do dia Mundial da Paz, que foi encaminhada aos líderes mundiais, o pontífice romano mostrou-se preocupado com o uso da IA no mundo e, em tom de exortação, pediu a regulamentação dessa tecnologia. Para Francisco (2023, n. p., grifo nosso) disserta:
O alcance global da inteligência artificial deixa claro que, juntamente com a responsabilidade dos Estados soberanos de regular a sua utilização internamente, as Organizações Internacionais podem desempenhar um papel decisivo na obtenção de acordos multilaterais e na coordenação da sua aplicação e implementação. A este respeito, exorto a Comunidade das Nações a trabalhar unida para adotar um tratado internacional vinculativo, que regule o desenvolvimento e o uso da inteligência artificial nas suas variadas formas. Naturalmente o objetivo da regulamentação não deveria ser apenas a prevenção de más aplicações, mas também o incentivo às boas aplicações, estimulando abordagens novas e criativas e facilitando iniciativas pessoais e coletivas.
Uma vez vítima de várias práticas desinformacionais, o Papa parece ter despertado para o fato de que, em grande medida, a Internet e as redes sociais podem ser uma “terra sem lei”. Contra isso, vários países já buscam regulamentar redes sociais, inteligências artificiais, entre outras tecnologias de informação. Segundo Muller e Silveiras (2023), no Brasil, já há projetos de lei que atuam nesse sentido. O Projeto de Lei n.º 2.338, de 15 de abril de 2023, representa um marco na regulamentação da IA no Brasil, determinando obrigações e responsabilidades para fornecedores e operadores, além de estabelecer os direitos e a proteção aos usuários. Caso aprovado, o texto impactará significativamente empresas que utilizam IA, pois exige adoção de medidas de governança, de avaliação de riscos e de transparência.
O caminho para desconstruir a ambiência desinformacional na qual estamos inseridos é nebuloso. Fato é que a humanidade parece não estar preparada para lidar com celeumas oriundas dos seus próprios constructos tecnológicos. A regulamentação, embora necessária, parece não ser capaz de fechar essa questão. É imperativo o cuidado para que uma regulamentação despudora não ocasione censuras veladas.
Neste estudo, primeiramente, mostramos sucintamente como as práticas desinformacionais afetam toda humanidade, inclusive uma instituição antiquíssima como a ICAR. Evidenciou-se também que o Papa Francisco demonstra repertório sobre os problemas informacionais e que ele e a Igreja estão com olhares atentos e preocupados voltados para essa questão. Em respeito aos limites do estudo, não o consideramos como compreensão máxima dos temas nele abordados, mas como uma contribuição reflexiva.
5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Respeitando os limites da pesquisa, com o que foi possível considerar, fica evidenciado que podemos aprender sobre fenômenos informacionais com pessoas ou com instituições que supostamente não teriam nada para acrescentar nesse assunto. O Papa Francisco demonstrou grande repertório e domínio sobre as temáticas pautadas, com as devidas proporções para quem não é um especialista na área. Nesse sentido, é demandado ponderar a necessidade de um estado permanente de vigilância epistêmica acerca da desinfodemia, que afeta toda humanidade. Vale salientar que, nesse sentido, é preciso que a comunidade científica deixe de lado preconcepções e supostas hierarquizações entre saberes e conhecimentos, buscando “conhecer-com” os sujeitos da pesquisa e não manter uma relação extrativista com eles.
As percepções de Francisco sobre os fenômenos informacionais podem ser encaradas como verdadeiras catequeses até mesmo por cientistas da informação e da comunicação. Com uma linguagem pedagógica, simples e acessível, o pontífice admoesta ao senso comum e à ambiência científica que “[...] a informação não pode ser separada da relação existencial: implica o corpo, o situar-se na realidade; pede para correlacionar não apenas dados, mas experiências; exige o rosto, o olhar, a compaixão e ainda a partilha” (Francisco, 2024). Talvez, o grande “pecado” da comunidade de cientistas da informação consista em tecer análises acerca da informação desatrelada da existência humana: trata-se de ponderar que a informação repercute e molda as nossas subjetividades. Então, como relacionar satisfatoriamente algo digital, virtual e/ou intangível (informação) com a materialidade dos nossos corpos e com relacionamentos?
Para a ICAR (membros do clero, simpatizantes e fiéis), deixamos a reflexão acerca da necessidade da criação de uma Pastoral da Informação ou que esta seja integrada no escopo da Pastoral da Comunicação, visto que a informação é perene e, conforme foi demonstrado ao longo deste estudo, foi constantemente observada pela instituição em sua história bimilenar. Talvez, essa reflexão possa coadunar com o caminho sinodal proposto pelo Papa Francisco.
O presente estudo é sugestivo ao apresentar o questionamento levantado, oferecendo-o como mote para futuros desdobramentos de pesquisa. Considera-se que ele atingiu seu objetivo, uma vez que enumerou as reflexões aqui levantadas, que podem servir como ponto de partida para novas investigações científicas. O enfrentamento à conjuntura desinformacional contemporânea é mais que uma questão epistemológica: é, na verdade, uma questão ético-moral, em que se visa à valorização e à busca por um item tão fora de moda: a verdade.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, D. Desafios estratégicos da Igreja Católica. Lua Nova. Revista de Cultura e Política, [s. l.], n. 60, p. 57-79, 2003.
BOFF, L. Francisco de Assis e Francisco de Roma: uma nova primavera na Igreja? Rio de Janeiro: Mar de Ideias, 2013.
BONIFÁCIO, S. A. V.; SOUSA, J. B. Roma locuta, causa finita?:uma análise da circulação midiática de tuítes do Papa Francisco sobre a exportação “Querida Amazônia”. Revista de Estudos Universitários - REU, Sorocaba, v. 48, p. 1-23, 2022. Disponível em: https://periodicos.uniso.br/reu/article/view/4833. Acesso em: 17 jun. 2025.
BOURDIEU, P. Pierre Bourdieu: sociologia. São Paulo: Ática, 1983.
COLOMBO, G. G.; VALENTIM, M. L. P. Informação globalizada ou globalização da informação: reflexões sobre a sociedade da informação e do conhecimento. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, v. 2, 2021. Disponível em: https://rbbd.febab.org.br/rbbd/article/view/1627. Acesso em: 17 jun. 2025.
D’ANCONA, M. Pós-verdade: a nova guerra contra os fatos em tempos de Fake News. Barueri: Faro Editorial, 2018.
ENGLISCH, A. O Homem que não queria ser Papa. Tradução Gisele Andrade e Regina Canova. São Paulo: Universo dos Livros, 2013.
FRANCISCO. Carta Encíclica Laudato Si. Vaticano: 2015. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html?fbclid=IwAR0cxhwcwcSRLazCKg55Ospui5IfmH4ruF6olfNRJ_hQS9jh8wBL9RYLSfc. Acesso em: 09 jan. 2024.
FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. Vaticano: 2013. https://www.vatican.va/content/francesco/pt/apost_exhortations/documents/papa-francesco_esortazione-ap_20131124_evangelii-gaudium.html. Acesso: 01 abr. 2024.
FRANCISCO. Inteligência artificial e paz. Mensagem para a Celebração do dia mundial da paz. Vaticano: 2023. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/peace/documents/20231208-messaggio-57giornatamondiale-pace2024.html. Acesso em: 09 jan. 2024.
FRANCISCO. Inteligência artificial e sabedoria do coração: para uma comunicação plenamente humana. Mensagem para a Celebração do dia mundial da paz. Vaticano: 2024. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/communications/documents/20240124-messaggio-comunicazioni-sociali.html. Acesso em: 01 abr. 2024.
FREIRE, M.; CAMINHA, R. A. A. B.; SILVA, L. R. Os ruídos comunicacionais na Pós-Modernidadade: barreiras pessoais, físicas e semânticas para a comunicação efetiva. In: CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO NORTE, 14, 2015, Manaus. Anais Eletrônicos [...]. Manaus: UNINORTE, 2015.
MACHADO, A. C. P. A legitimidade da Santa Sé nas relações internacionais. 2013. Dissertação (Mestrado em Relações Internacionais) – Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013.
MADRUGA, T. D. B.; COSTA, T.; OLIVEIRA, H. P. C. Estresse digital: evidências científicas, informacionais e tecnológicas. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, v. 14, n.p., 2021. Disponível em: http://hdl.handle.net/20.500.11959/brapci/197629. Acesso em: 16 dez. 2023.
MARQUES, J. F. Das práticas desinformacionais ao Regime de Desinformação: as narrativas do Governo Bolsonaro na Pandemia de Covid-19. 2023. Tese (Doutorado em Ciência da Informação) – Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2023.
MARQUES, J. F.; ALVES, E. C.; MEDEIROS, J. W. M. Negacionismo e desinformação como narrativas da pandemia de covid-19. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO, 22., 2022, Porto Alegre. Anais Eletrônicos [...]. Porto Alegre: UFRGS, 2022. Disponível em: https://www.brapci.inf.br/#/v/200640. Acesso em: 23 jan. 2024.
MINAYO, M. C. S.; SANCHES, O. Quantitativo-qualitativo: oposição ou complementaridade? Cadernos de saúde pública, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, p. 239-262, 1993. Disponível em: https://www.doi.org/10.1590/S0102-311X1993000300002. Acesso em: 27 jan. 2024.
MORAIS, L. S.; PAIVA, E. B. Acesso à informação pública: implicações da transparência passiva em um Instituto Federal de Educação na Paraíba. Informação em Pauta, Fortaleza, v. 8, n. esp., p. 121-136, jul. 2023. Disponível em: https://periodicos.ufc.br/informacaoempauta/article/view/89194. Acesso em: 17 jun. 2025.
MULLER; W. H; SILVEIRAS, R. A evolução e a regulamentação da inteligência artificial no Brasil. Revista Interciência – IMES Catanduva, v.1, n. 11, p. 1-10, 2023. Disponível em: https://www.fafica.br/revista/index.php/interciencia/article/view/499. Acesso em: 17 jun. 2025.
MUSACCHIO, C.; OLING, J. M. Fronteiras da religião: a comunicação no Instagram entre o Papa Francisco e as mulheres. Signos do Consumo, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 80-92, 2017. Disponível em: https://revistas.usp.br/signosdoconsumo/article/view/126834/137067. Acesso em: 17 jun. 2025.
NOBRE, J. A.; CONCEIÇÃO, E. Dez anos de Pontificado do Papa Francisco: performatividade e resistências. ATeo, Rio de Janeiro, v. 27, n. 71, p. 21-29, 2023. Disponível em: http://doi.org/10.17771/PUCRio.ATeo.63086. Acesso em: 16 jun. 2025.
NOGUEIRA, Cibele Andrade; DOMINGUES, Roger Pereira; ARAÚJO, Carlos Alberto Ávila. Desinformação: um panorama de artigos indexados na BRAPCI (2019-2023). Informação em Pauta, Fortaleza, v. 8, n. esp., p. 344-362, jul. 2023. Disponível em: https://periodicos.ufc.br/informacaoempauta/article/view/89217. Acesso em: 17 jun. 2025.
OLIVEIRA, M. C.; MOLINA, L. G. Gestão documental como ferramenta para a preservação do patrimônio arquivístico e da memória institucional da justiça do trabalho. Biblionline, João Pessoa, v. 14, n. 1, p. 106-118, 2018. Disponível em: https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/biblio/article/view/38014. Acesso em: 26 jan. 2024.
OLIVEIRA, R. N.; FARIAS, W. S. Entre o sagrado e o profano, um paradoxo: a inserção do Papa Francisco na cultura pop. Revista de Estudos do Discurso, Imagem e Som - Policromias, v. 4, n. 1, p. 48-69, 2019. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/policromias/article/view/24247. Acesso em: 26 maio 2025.
PACETE, L. G. O que a imagem fake do Papa diz sobre o futuro da IA. Forbes. [S. l.], 2023. Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-tech/2023/03/o-que-a-imagem-fake-do-papa-diz-sobre-o-futuro-da-ia/#foto3. Acesso em: 23 jan. 2024.
PAULA, L. T.; SILVA, T. R. S.; BLANCO, Y. A. Pós-verdade e fontes de informação: um estudo sobre fake news. Revista Conhecimento em Ação, v. 3, n. 1, 2018. Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/rca/article/view/16764. Acesso em: 17 jun. 2025.
SANTOS, B. S. O fim do império cognitivo: a afirmação das epistemologias do Sul. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019.
SCAVO, N.; BERETTA, R. Fake Pope: as falsas notícias sobre o Papa Francisco. São Paulo: Paulus, 2018.
SOELLA, G. M.; MAIMONE, G. D. Mapeamento da Detecção de Deepfakes: um trabalho terminológico. Brazilian Journal of Information Science: research trends, Marília, v. 16, 2022. Disponível em: https://revistas.marilia.unesp.br/index.php/bjis/article/view/13230.. Acesso em: 17 jun. 2025.
[1] Doutor em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba (PPGCI-UFPB). Mestre em Ciência da Informação pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba (PPGCI-UFPB). Especialista em Gestão de Documentos e Informações pela faculdade UNYLEYA. Bacharel em Arquivologia pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Atualmente é bolsista de doutorado no Programa de Incentivo à Qualificação do servidor (PIQIFPB) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (Edital nº 16/22). Atua como Técnico em Arquivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba (IFPB)..
[2] Professora Adjunta do curso de Bacharelado em Biblioteconomia presencial e na modalidade de Educação à Distância, ambas da Universidade Federal do Pará – UFPA. Doutora (2019) e Mestra (2014) em Ciência da Informação, ambos aprovados com distinção pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Bacharela em Biblioteconomia (2010) também pela UFPB.
[3] Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba (PPGCI-UFPB). Mestre em Ciência da Informação pelo PPGCI-UFPB (2016). Especialista em Gestão Pública pela Universidade Estadual da Paraíba (2015). Graduado em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba (2012). Editor na Cultura e Informação (Editora CI). Bibliotecário da Universidade Estadual da Paraíba, lotado no Centro de Ciências Exatas e Sociais Aplicadas, Biblioteca Setorial Virgílio Trindade Monteiro.
[4] Doutor em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Minas Gerais (2011), Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba (2004), Graduado em Direito pela Faculdade Estácio de Alagoas (2014) e em Biblioteconomia pela Universidade Federal da Paraíba (1999). Professor Associado do Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes da Universidade Federal de Alagoas (ICHCA/UFAL).
[8] Sobre a crise atual da Igreja, os irmãos Leonardo Boff (2013) e Clodovis Boff divergem e percorrem caminhos diferentes dentro da religião católica. Os dois estiveram ligados ao surgimento de um tipo de teologia latino-americana conhecida como Teologia da Libertação, sendo que Leonardo Boff seguiu como teólogo da libertação, ativista social, abandonou a vida religiosa e se casou, Clodovis Boff, no entanto, segue na vida religiosa e atualmente é um crítico contumaz da teologia da libertação.
[i] Para entender mais sobre os opositores do Papa Francisco, principalmente os sedevacantistas, confira: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/592185-a-carta-de-vigano-um-ano-depois-as-brechas-intracatolicas-estao-aumentando-artigo-de-massimo-faggioli. Acesso em: 01 abr. 2024.
[ii] Importante ponderar que os textos foram transcritos integralmente dos documentos disponíveis no site do Vaticano em língua portuguesa e, por vezes, aparecem expressões em conformidade com o idioma empregado em Portugal. Optou-se por manter assim, pois entende-se que não altera a compreensão do texto.