PAROQUIAL MONOLINGÜISMO CORRELACIONADO COM A MONOCULTURA DA MENTE
Fernanda Hernandes de Carvalho[1]
Universidade Federal de Pelotas
fernandacarvalho1307@gmail.com
Universidade Federal de Pelotas
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Resumo
O artigo analisa as relações entre a noção de Monocultura da Mente, de Vandana Shiva, e o Paroquialismo Monolíngue, de Jürgen Habermas. A correlação salienta como ambas denunciam a imposição de uma racionalidade unilateral, que ameaça a diversidade biológica, cultural e discursiva. Para Shiva, a monocultura da mente manifesta-se na substituição dos saberes locais e práticas sustentáveis por modelos técnico-científicos impostos por corporações agroquímicas. Essa racionalidade produtivista transforma a vida em mercadoria, por meio do patenteamento de sementes e da dependência tecnológica, resultando na perda da autonomia das comunidades e na degradação ambiental. Habermas, por sua vez, critica o paroquialismo monolíngue, entendido como a imposição de um discurso hegemônico que silencia racionalidades alternativas e legitima estruturas de poder excludentes. A articulação entre ambos os pensadores permite compreender a convergência entre a colonização econômica e a colonização discursiva, em que tanto a agricultura quanto a linguagem são dominadas por paradigmas unilaterais. A resistência, segundo Shiva e Habermas, está na valorização da diversidade — seja ela ecológica ou comunicativa — como fundamento da sustentabilidade e da democracia. Assim, o enfrentamento da homogeneização global requer não apenas práticas produtivas plurais, mas também o reconhecimento da multiplicidade de vozes e epistemologias como condição de justiça e liberdade.
Palavras-chave: Monocultura da mente. Paroquialismo monolíngue. Homogeneidade cultural. Diversidade. Saberes tradicionais.
PAROCHIAL MONOLINGUISM CORRELATED WITH THE MONOCULTURE OF THE MIND
Abstract
This article analyzes the relationship between Vandana Shiva's notion of Monoculture of the Mind and Jürgen Habermas's Monolingual Parochialism. The correlation highlights how both denounce the imposition of a unilateral rationality that threatens biological, cultural, and discursive diversity. For Shiva, the monoculture of the mind manifests itself in the replacement of local knowledge and sustainable practices with techno-scientific models imposed by agrochemical corporations. This productivist rationality transforms life into a commodity through the patenting of seeds and technological dependence, resulting in the loss of community autonomy and environmental degradation. Habermas, in turn, criticizes monolingual parochialism, understood as the imposition of a hegemonic discourse that silences alternative rationalities and legitimizes exclusionary power structures. The articulation between both thinkers allows us to understand the convergence between economic colonization and discursive colonization, in which both agriculture and language are dominated by unilateral paradigms. Resistance, according to Shiva and Habermas, lies in valuing diversity—whether ecological or communicative—as the foundation of sustainability and democracy. Thus, confronting global homogenization requires not only plural productive practices, but also the recognition of the multiplicity of voices and epistemologies as a condition of justice and freedom.
Keywords: Monoculture of the mind. Monolingual parochialism. Cultural homogeneity. Diversity. Traditional knowledge
MONOLINGÜISMO PARROQUIAL Y SU CORRELACIÓN CON LA MONOCULTURA DE LA MENTE
Resumen
Este artículo analiza la relación entre la noción de monocultura de la mente de Vandana Shiva y el parroquialismo monolingüe de Jürgen Habermas. La correlación pone de relieve cómo ambos denuncian la imposición de una racionalidad unilateral que amenaza la diversidad biológica, cultural y discursiva. Para Shiva, la monocultura de la mente se manifiesta en la sustitución del conocimiento local y las prácticas sostenibles por modelos tecnocientíficos impuestos por las corporaciones agroquímicas. Esta racionalidad productivista transforma la vida en una mercancía mediante la patentación de semillas y la dependencia tecnológica, lo que conlleva la pérdida de la autonomía comunitaria y la degradación ambiental. Habermas, por su parte, critica el parroquialismo monolingüe, entendido como la imposición de un discurso hegemónico que silencia las racionalidades alternativas y legitima las estructuras de poder excluyentes. La articulación entre ambos pensadores nos permite comprender la convergencia entre la colonización económica y la colonización discursiva, en las que tanto la agricultura como el lenguaje están dominados por paradigmas unilaterales. Según Shiva y Habermas, la resistencia radica en valorar la diversidad —ya sea ecológica o comunicativa— como fundamento de la sostenibilidad y la democracia. Por lo tanto, afrontar la homogeneización global exige no solo prácticas productivas plurales, sino también el reconocimiento de la multiplicidad de voces y epistemologías como condición para la justicia y la libertad.
Palabras clave: Monocultura mental. Localismo monolingüe. Homogeneidad cultural. Diversidad. Conocimiento tradicional.
1 INTRODUÇÃO
A crescente homogeneização técnico-cultural e industrial é um dos fenômenos centrais do mundo globalizado. Em nome da eficiência, da competitividade e da modernização, sistemas econômicos e políticos adoptam um modelo único de desenvolvimento, baseado na exploração intensiva de recursos e na padronização de práticas sociais e culturais. Essa uniformização, no entanto, não é neutra, pois ela exclui alternativas de diálogo, marginaliza saberes locais e ameaça a biodiversidade e a pluralidade de vozes.
Com a proposta de explorar a relação entre o paroquial monolinguismo e a monocultura da mente, fazemos uma articulação das contribuições de Shiva e Habermas, com o fim de compreender como a imposição de uma narrativa dominante pode comprometer justiça social e a democracia. A imposição de uma forma de pensar como única possível acaba por impactar a produção e consumo de alimentos e se reflete no modo de vida das comunidades.
Apresentaremos duas reflexões de tradições distintas. Inicialmente abordaremos o conceito de monocultura da mente cunhado por Shiva e sua relação com um projeto de manipulação da vida e tomada de posse sobre seu manejo. Vandana Shiva, ecofeminista indiana, formula sua crítica às monoculturas, denunciando como a racionalidade científica e econômica dominante coloniza desde a agricultura até a própria forma de pensar. Também consideraremos implicações deste projeto político sobre as comunidades e os mecanismos de resistência propostos pela autora.
A seguir, apresentaremos as críticas de Habermas ao monolinguismo, e como este modelo de comunicação se impõe na implantação de uma doutrina. Jürgen Habermas, filósofo alemão da Escola de Frankfurt, e o paroquialismo monolíngue, no qual um padrão discursivo hegemônico se impõe sobre as múltiplas racionalidades possíveis, excluindo linguagens alternativas.
Ambos os conceitos, ainda que formulados em campos distintos – os estudos ambientais e pós-coloniais no caso de Shiva, e a teoria crítica da modernidade no caso de Habermas – têm como ponto comum a denúncia da violência implícita na imposição de uma única forma de ver o mundo. A monocultura da mente e o paroquialismo monolíngue se encontram, portanto, como metáforas críticas da homogeneização e da supressão da diversidade.
O presente artigo busca aproximar essas reflexões, articulando como elas podem contribuir para compreender o sistema produtivo agrícola contemporâneo, marcado pelas monoculturas, bem como para pensar os impactos da padronização discursiva e cultural na vida democrática e na sustentabilidade planetária.
2 A MONOCULTURA DA MENTE: A IMPOSIÇÃO HEGEMÔNICA COMO A ÚNICA POSSÍVEL
O conceito de monocultura da mente, cunhado por Vandana Shiva, surge como uma crítica contundente à imposição de uma racionalidade única — técnica, mecanicista, produtivista e colonial — que desvaloriza e elimina saberes diversos. Para Shiva, essa monocultura não se limita ao campo agrícola, mas se estende à esfera epistêmica, afetando profundamente a forma como pensamos, educamos, governamos e nos relacionamos com o mundo.
Em seu livro Monoculturas da Mente (2004), a autora introduz a reflexão a respeito da substituição dos modos de produção mais tradicionais por modos modernos focados na produção em larga escala. Ou seja, a introdução de um sistema produtivo no modelo técnico-científico ocidental proposto pelas empresas transnacionais agroquímicas que se consolidou como a base do agronegócio. Esse modelo de sistema produtivo imposto como única alternativa para produção de alimentos foi concebido no padrão de construção e validação do conhecimento alinhado à lógica ocidental, desvalorizando saberes locais e modos sustentáveis de produção. Pela lógica da produção de grãos como commodities e pela regulação dos mercados internacionais a implantação deste sistema produtivo é imposta sem considerar as práticas tradicionais dos povos originários, o manejo ecológico e a preservação dos ecossistemas.
Sistemas de cultivo alternativos as monoculturas como a agricultura de subsistência, orgânica e o cultivo das sementes nativas passam a ser abandonados inicialmente por serem considerados antiquados, anticientíficos e pouco produtivos, modificando os significados ancestrais de como viver na terra. Num segundo momento, a imposição econômica referente a compra de sementes, insumos, fertilizantes, pesticidas e implementos agrícolas levam os agricultores a um endividamento contínuo, tornando-os dependentes das empresas que dominam o setor. Esse endividamento muitas vezes leva a perda dos lucros das safras e, consequentemente, das terras. Desta forma, são destituídas comunidades de pequenos produtores, que sucumbem as pressões.
Portanto, o conceito de “monocultura da mente” (2004, 2016a), constitui uma crítica à racionalidade moderna ocidental, e a forma de construção e validação do conhecimento. A introdução dos avanços tecnológicos desenvolvidos pelas empresas transnacionais que monopolizam a produção de fertilizantes, pesticidas e sementes são apresentados como única opção de cultivo viável. Sementes modificadas para produzirem mais grãos em detrimento de caules e folhas (biomassa), chamadas de variedades de alto rendimento, são consideradas como as únicas variedades viáveis para aumento da produtividade e renda. O aumento da produtividade agrícola por meio da exploração intensiva das terras, sustentada pelo uso excessivo de agroquímicos poluentes e pela degradação dos recursos naturais, mesmo que considerada eficaz em termos da quantidade de grãos produzidos por hectare, revelam-se ambientalmente insustentáveis e violentas.
Uma Monocultura da Mente impõe uma forma de conhecimento — reducionista e mecanicista — em um mundo com diversidade e pluralidade de sistemas de conhecimento. Esses sistemas de conhecimento incluem o conhecimento e a expertise que vêm da prática, experiência e trabalho com a natureza como parceira: o conhecimento de mulheres e trabalhadores, e de fazendeiros e camponeses. Esses sistemas de conhecimento são múltiplos e diversos. Mas como a biodiversidade ecológica é substituída por monoculturas de alimentos e plantações que podem ser mercantilizadas e patenteadas para fins lucrativos, e como a rica diversidade de culturas alimentares está sendo substituída por monoculturas de junk food, a mente humana também está sendo reduzida a uma monocultura (Shiva, 2016a, p. 54).[3]
A monocultura da mente aponta uma lógica a semelhança do projeto colonial europeu, quando o seu conhecimento foi imposto sobre os saberes indígenas e locais. Agora, a imposição do conhecimento se apresenta na forma do agronegócio globalizado. Desvaloriza saberes tradicionais e práticas de cultivo sustentáveis em que os limites da natureza são respeitados, apresentando-as como irracionais, atrasadas ou ineficientes. Nesse processo, o conhecimento de todos os que cultivaram a terra antes da introdução do avanço tecnológico é reduzido a este modelo padronizado.
Isso significa dizer que os prefixos “científico”, atribuído para os sistemas de produção modernos, e “anticientífico”, para os sistemas tradicionais, têm pouca relação com o saber e muita com o poder (Shiva, 2004). São reflexos da influência das empresas do agronegócio junto aos governos, envolvendo-se nas políticas agrárias e na economia do mercado de capitais. A experiência histórica de culturas não ocidentais sugere que os sistemas ocidentais de saber são cegos às alternativas que a diversidade pode propor (Shiva, 2004, 2016a).
Esse processo de homogeneização cognitiva tem efeitos concretos: ao eliminar formas alternativas de cultivo e marginalizar e excluir quem não se encaixa neste sistema, ele enfraquece a autonomia das comunidades, submetendo-as à dependência de corporações transnacionais. A monocultura da mente é, portanto, não apenas uma categoria analítica, mas também uma crítica política ao imperialismo cultural e econômico.
2.1 A MANIPULAÇÃO DA VIDA DE FORMA A TRANSFORMÁ-LA EM UM PRODUTO LUCRATIVO
As monoculturas implicam em um modo violento de lidar com a terra, não respeitando os seus limites. Shiva (2016a) aponta a violência que também é imposta, destruindo significados, apagando linguagens e silenciando formas de vida pela disseminação do cultivo das sementes de alto rendimento.
Um dos pontos centrais da crítica de Shiva (2016a, 2022) é a mercantilização da vida. O processo de manipulação genética e patenteamento de sementes demonstra como elementos vitais da natureza são transformados em mercadorias. Essa lógica decorre da biotecnologia aplicada à agricultura, na qual empresas de biotecnologia alteram geneticamente as sementes, transformando-as em produtos comercializáveis, de reposição anual. Além disso, a produtividade nominal que as empresas garantem é dependente de fertilizantes e pesticidas específicos, muitas vezes produzidos por outros braços da mesma empresa. Assim, a autonomia dos agricultores é comprometida, e a vida, que antes era compartilhada livremente, é capturada pelo mercado.
Segundo esta perspectiva da autora, a escolha de genes não é apenas uma tecnologia agrícola, mas um projeto de controle e de padronização da vida (Shiva 2022). E consequentemente da tomada de propriedade intelectual sobre a vida e sistemas culturais que viveram e se reproduziram livremente por milênios antes da interferência tecnológica.
Patentear seres vivos estimula dois tipos de violência. Primeiro, formas vivas são tratadas com o se não passassem de máquinas, negando-lhes assim sua capacidade de auto-organização. Segundo, ao permitir o patenteamento de futuras gerações de plantas e animais, nega-se aos seres vivos a capacidade de auto reprodução. (Shiva, 2001, p. 46).
No processo de patenteamento conhecimentos tradicionais sobre sementes e plantas medicinais são apropriados por corporações globais, que os transformam em produtos patenteados, apagando as comunidades que historicamente preservaram tais saberes (Shiva, 2001). Trata-se, portanto, de um processo de expropriação epistemológica e econômica. Esse processo não é neutro: ele opera como um mecanismo de exclusão epistemológica, deslegitimando saberes tradicionais, orais, femininos e indígenas, classificados como “irracionais”, “atrasados” ou “não científicos”.
Ao criticar a manipulação da vida, Shiva não nega os avanços tecnológicos, mas denuncia a racionalidade instrumental que os orienta. O problema não é a ciência em si, mas sua captura por interesses corporativos, que subordinam a biodiversidade à lógica do lucro. A crítica de Shiva vai além da ecologia: é uma denúncia da desculturalização (Langon, 2021), que se reproduz nas políticas agrárias, nas estruturas da ciência, da educação e da informação. Impõe uma monocultura cognitiva, onde apenas certos modos de pensar são reconhecidos como válidos e deslegitima todos os demais saberes.
2.2 A PRESERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE COMO FORMA DE RESISTÊNCIA
Shiva considera a biodiversidade uma forma de resistência contra a colonização econômica e cultural. Para a autora, os modos tradicionais de cultivo, baseados em cultivos mistos partindo de sementes nativas e livres, com rotação de culturas, e a troca comunitária de sementes, são exemplos de como a diversidade pode garantir a sustentabilidade a longo prazo. Ao contrário das monoculturas, que esgotam o solo e exigem dependência de insumos químicos, os cultivos diversificados mantêm o equilíbrio ecológico e preservam a autonomia dos agricultores. Resistir à monocultura significa afirmar o valor da multiplicidade e da interdependência entre espécies.
A proposta de Vandana Shiva (2016b) trata-se de uma retomada do contato com a terra. Ela propõe que pessoas reais voltem a produzir alimentos reais onde quer que se encontrem. Em seu entendimento, o agronegócio transformou o contato com a terra em algo tão técnico e tão distante das pessoas que o simples ato de cultivar um jardim de temperos se tornou um desafio. Essa atitude contrasta com a realidade vivida pelos seus ancestrais, que produziam praticamente toda a alimentação que consumiam. De acordo com Shiva (2022), o ato de retornar para a terra é o caminho da abundância e da liberdade. Não há uma só pessoa incapaz de produzir alimento, em terraços, escolas, paredes, e se reconectar com a terra, e com a sua comunidade (Shiva, 2016b)
Além disso, a biodiversidade está diretamente ligada à soberania alimentar: preservar a diversidade de sementes significa garantir às comunidades o direito de decidir sobre sua própria alimentação, sem depender de corporações globais. Enquanto as monoculturas produzem grãos para os grandes mercados e abastecimento de indústrias de alimentos, o abastecimento local de alimentos frescos é mantido pela produção de cultivos variados em pequena escala (SHIVA, 2016b). Nesse sentido, a luta pela biodiversidade é também uma luta por democracia e justiça social.
3 O PAROQUIALISMO MONOLÍNGUE NO SISTEMA PRODUTIVO EM MONOCULTURAS
Ao discutir o paroquialismo monolíngue, Habermas (2006), aponta o risco de uma única linguagem e racionalidade se impor como universal, desconsiderando as diferenças culturais e discursivas. Essa crítica, embora situada no campo da filosofia da linguagem e da política, pode ser articulada à lógica das monoculturas agrícolas.
Na prática, o atual capitalismo avançado e financeiro ostenta as pretensões de pequenos grupos, que defendem apenas seus interesses, um modelo paroquialista e, portanto, sem diálogo com os demais. As pretensões desses grupos ignoram “a situação epistémica de uma sociedade pluralista no concernente às cosmovisões e insistem (inclusive com violência) na implantação política e o caráter universalmente vinculante de sua doutrina” (Habermas, 2006, p. 19).
A articulação desses grupos transforma as organizações e instituições em abrigo de grupos amparados por um Overlapping malicious. Seu carácter defende regras ou princípios de um paroquialismo monolinguista e exclusivista, sem qualquer outra alternativa. Nos últimos anos, esses grupos ou entidades intensificaram suas ações públicas, tratando de criminalizar os direitos sociais e movimentos reivindicativos, utilizando-se da violência para inibir grupos étnicos e sociais, ideológicos ou políticos a ponto de considerá-los como infra- humanos. Sua crença se baseia na ideia de limpeza, ou seja, de eliminar qualquer diversidade. As corporações agroquímicas, ao impor um modelo de produção baseado em monoculturas, estabelecem também um paradigma discursivo: apenas a linguagem da eficiência, produtividade e inovação tecnológica é considerada legítima.
Esse sufocamento discursivo tem implicações políticas e sociais. Assim como no campo da comunicação, onde o paroquialismo monolíngue silencia vozes, no campo da agricultura a monocultura silencia saberes. O discurso dominante não apenas exclui outras práticas, mas as invalida epistemologicamente, reforçando o poder hegemônico das corporações.
A crítica de Habermas ao monolinguismo paroquialista pode ser transposta para compreender como a agricultura foi colonizada pela racionalidade econômica. O que antes era espaço de convivência comunitária e diversidade cultural foi transformado em campo de acumulação capitalista.
3.1 A VIOLÊNCIA IMPLÍCITA NO PROCESSO DE ELIMINAÇÃO DAS DIVERSIDADES
A imposição de uma única linguagem ou prática nunca ocorre sem violência. A destruição de policultivos diversificados, a dependência de sementes patenteadas e a exclusão de saberes tradicionais representam formas de violência estrutural. Trata-se de um processo silencioso, mas profundo, que elimina gradualmente alternativas e consolida um modelo único de produção. Quando Shiva fala sobre a monocultura da mente, ela aponta que esta violência também é imposta, destruindo significados, apagando linguagens e silenciando formas de vida. É um processo de intolerância com a diversidade cultural que culmina com o seu apagamento (Langon, 2021).
As monoculturas implicam em um modo violento de lidar com a terra, pois não respeitam os seus limites produtivos. Essa violência também se expressa em forma de desigualdade social: comunidades rurais que antes eram autônomas tornam-se dependentes de financiamentos, acumulando dívidas e vulnerabilidade econômica.
O modo de produção monocultural é implicitamente violento, pois sufoca as comunidades que não conseguem se adequar até a sua evasão da terra. O reflexo deste sistema produtivo modifica a vida das populações, fazendo com que abandonem seus hábitos culturais para abraçar um novo estilo de vida. O paradigma dominante das monoculturas tem influenciado desde o cultivo da terra, a economia e hábitos alimentares das comunidades ancestrais.
Por fim, é importante destacar que a crítica habermasiana à exclusão discursiva aponta para a necessidade de espaços de deliberação inclusiva. Assim como a sustentabilidade depende da biodiversidade, a democracia depende da multiplicidade de vozes. O paroquialismo monolíngue, nesse sentido, é também um mecanismo de exclusão social, que reforça desigualdades globais.
4 APROXIMAÇÕES ENTRE VANDANA SHIVA E JÜRGEN HABERMAS
As reflexões de Vandana Shiva e Jürgen Habermas convergem na crítica à homogeneidade. Diante disso, é possível encontrar uma relação entre os dois autores. Ambos denunciam os efeitos da racionalidade instrumental e da imposição de um paradigma único sobre a diversidade. Enquanto Shiva foca na biodiversidade e na pluralidade epistemológica, Habermas enfatiza a pluralidade discursiva e comunicativa.
A monocultura da mente e o paroquialismo monolíngue representam metáforas de processos semelhantes: a colonização por um modelo hegemônico. Em Shiva, essa colonização é percebida no cientificismo na agricultura. O saber dominante cria uma monocultura mental desprezando as demais alternativas. Em Habermas, o monolinquismo é expressão de um ethos cultural verticalista e hierárquico, no qual uma pequena minoria controla as vontades dos indivíduos. É a colonização apresentada na forma de linguagem e da racionalidade moderna. Em ambos os casos, a diversidade é vista como ameaça e, por isso, deve ser eliminada.
A aproximação entre os dois autores permite articular ecologia e democracia. A preservação da biodiversidade é condição sine qua non de soberania alimentar e justiça social; de mesmo modo é a preservação da multiplicidade discursiva como condição de deliberação democrática. Ambas se opõem à colonização pela lógica econômica e instrumental e a uniformização e padronização da vida.
Assim, unir as contribuições de Shiva e Habermas oferece um quadro mais amplo para compreender os desafios contemporâneos: enfrentar a crise ecológica e a crise democrática e cultural, decorrentes da homogeneização global.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As reflexões de Vandana Shiva e Jürgen Habermas revelam que a luta contra a homogeneização não é apenas local ou setorial: trata-se de um embate estrutural contra a lógica do capitalismo global. A monocultura da mente e o paroquialismo monolíngue denunciam, cada um em seu campo, os efeitos devastadores da padronização.
Na prática, essas críticas apontam para a necessidade de defender a biodiversidade e a pluralidade como princípios políticos fundamentais. Preservar sementes tradicionais, valorizar saberes locais e garantir soberania alimentar são ações tão urgentes quanto assegurar espaços democráticos de deliberação e inclusão discursiva.
Além disso, ao relacionar as contribuições de Shiva e Habermas, percebe-se que ecologia e democracia não são campos separados, mas dimensões interligadas. Uma sociedade sustentável requer não apenas diversidade biológica, mas também diversidade de vozes, racionalidades e epistemologias. Esta mudança requer o abandono do monolinguíssimo e de todas as formas unilaterais de leituras e compreensões de mundos para a incorporação do pluralismo e da diversidade (Pizzi; Silva, 2023. p 91.).
Conclui-se, portanto, que enfrentar a crise contemporânea exige uma crítica radical à lógica da homogeneização. A resistência à monocultura da mente e ao paroquialismo monolíngue não é apenas uma questão de sustentabilidade ou democracia: é uma questão de justiça global, que envolve repensar a relação entre conhecimento, poder e vida.
REFERÊNCIAS
HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2006.
LANGON, Maurício. Intolerancia. Intercultural Texto em: PIZZI, Jovino; CENCI, Maximiliano Sérgio (Org.). Glosario de Patologías Sociales. Pelotas: Editora da UFPel, 2021. p. 124.
PIZZI, Jovino; SILVA, Richéle Timm dos Passos da. A reconstrução racional em educação como alternativa ao domínio da racionalidade estratégica. Dissertatio, Suplemento 13, p. 71– 93, 2023. Dossiê Teoria Crítica Renovada e Patologias Sociais. Universidade Federal de Pelotas.
SHIVA, Vandana. Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento. Tradução de Laura Cuddihy Barbosa de Oliveira. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
SHIVA, Vandana. Monoculturas da mente: perspectivas da biodiversidade e da biotecnologia. São Paulo: Global, 2004.
SHIVA, Vandana. The Violence of the Green Revolution: Third World Agriculture, Ecology and Politics. Lexington: University Press of Kentucky, 2016a.
SHIVA, Vandana. Who really feeds the world? The failures of agribusiness and the promise of agroecology. Berkeley: North Atlantic Books, 2016b.
[1] Mestre em Educação
[2] Doutor em Filosofia
[3] Tradução própria do original: “A Monoculture of the Mind imposes one way of knowing — reductionist and mechanistic — on a world with a diversity and plurality of knowledge systems. These knowledge systems include the knowledge and expertise that come from practice, experience, and working with nature as a partner: the knowledge of women and workers, and of farmers and peasants. These knowledge systems are multiple and diverse. But as ecological biodiversity is replaced by monocultures of food and crops that can be commodified and patented for profits, and as the rich diversity of food cultures is being replaced by monocultures of junk food, the human mind is also being reduced to a monoculture” (Shiva, 2016a, p. 54).