quando algoritmos corroem a ação comunicativa
Edilson Vilaço de Lima[1]
Universidade Federal do Maranhão
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Resumo
Este trabalho investiga se a ação comunicativa habermasiana ainda pode sustentar a razão pública (öffentliche Vernunft) no contexto do capitalismo de vigilância contemporâneo. O problema central examina como plataformas digitais corroem os fundamentos discursivos da deliberação democrática, questionando o futuro da razão pública kantiana frente aos algoritmos de manipulação comportamental. A partir da teoria da ação comunicativa de Habermas e do conceito de razão pública de Kant, analisa-se como a extração de dados e a personalização algorítmica fragmentam o espaço comunicativo comum necessário para a formação de consensos democráticos. O capitalismo de vigilância de Zuboff é examinado como sistema que transforma a experiência humana em dados comportamentais, impedindo o encontro genuíno entre perspectivas divergentes que caracteriza a racionalidade comunicativa. Incorporando as contribuições de Han sobre a dissolução do espaço público pelo enxame digital, Arendt sobre a distinção entre verdade factual e opinião, e Castells sobre poder informacional, demonstra-se como algoritmos criam bolhas informacionais que impossibilitam o uso público da razão. A metodologia articula teoria crítica com análise do contexto brasileiro, onde polarizações extremas e desinformação amplificam a crise da deliberação democrática. Como resultado, propõe-se que o capitalismo de vigilância representa um obstáculo estrutural para a razão pública, exigindo repensar as condições de possibilidade da ação comunicativa na era digital e suas implicações para a autonomia democrática.
Palavras-chave: Razão pública. Ação comunicativa e era digital.
PUBLIC REASON IN THE DIGITAL AGE
when algorithms corrode communicative action
Abstract
This work investigates whether Habermasian communicative action can still sustain public reason (öffentliche Vernunft) in the context of contemporary surveillance capitalism. The central problem examines how digital platforms erode the discursive foundations of democratic deliberation, questioning the future of Kantian public reason in the face of behavioral manipulation algorithms. Based on Habermas's theory of communicative action and Kant's concept of public reason, it analyzes how data extraction and algorithmic personalization fragment the common communicative space necessary for the formation of democratic consensus. Zuboff's surveillance capitalism is examined as a system that transforms human experience into behavioral data, preventing the genuine encounter between divergent perspectives that characterizes communicative rationality. Incorporating Han's contributions on the dissolution of public space by the digital swarm, Arendt's on the distinction between factual truth and opinion, and Castells' on informational power, this paper demonstrates how algorithms create informational bubbles that hinder the public use of reason. The methodology articulates critical theory with an analysis of the Brazilian context, where extreme polarizations and disinformation amplify the crisis of democratic deliberation. As a result, it proposes that surveillance capitalism represents a structural obstacle to public reason, requiring a rethinking of the conditions of possibility for communicative action in the digital age and its implications for democratic autonomy.
Keywords: Public reason. Communicative action and digital age.
LA RAZÓN PÚBLICA EN LA ERA DIGITAL
cuando los algoritmos corroen la acción comunicativa
Resumen
Este trabajo investiga si la acción comunicativa habermasiana aún puede sustentar la razón pública (öffentliche Vernunft) en el contexto del capitalismo de vigilancia contemporáneo. El problema central examina cómo las plataformas digitales erosionan los fundamentos discursivos de la deliberación democrática, cuestionando el futuro de la razón pública kantiana frente a los algoritmos de manipulación conductual. Basándose en la teoría de la acción comunicativa de Habermas y el concepto kantiano de razón pública, analiza cómo la extracción de datos y la personalización algorítmica fragmentan el espacio comunicativo común necesario para la formación del consenso democrático. El capitalismo de vigilancia de Zuboff se examina como un sistema que transforma la experiencia humana en datos conductuales, impidiendo el encuentro genuino entre perspectivas divergentes que caracteriza la racionalidad comunicativa. Este artículo, que incorpora las contribuciones de Han sobre la disolución del espacio público por la avalancha digital, las de Arendt sobre la distinción entre verdad factual y opinión, y las de Castells sobre el poder informativo, demuestra cómo los algoritmos crean burbujas informativas que dificultan el uso público de la razón. La metodología articula la teoría crítica con un análisis del contexto brasileño, donde las polarizaciones extremas y la desinformación exacerban la crisis de la deliberación democrática. En consecuencia, propone que el capitalismo de vigilancia representa un obstáculo estructural para la razón pública, lo que exige una revisión de las condiciones de posibilidad para la acción comunicativa en la era digital y sus implicaciones para la autonomía democrática.
Palabras clave: Razón pública, acción comunicativa y era digital.
1 INTRODUÇÃO
A gênese da modernidade democrática está intrinsecamente ligada ao surgimento de uma esfera pública (Habermas, 1992) na qual os cidadãos, enquanto sujeitos autônomos, poderiam empregar sua razão para debater questões de interesse comum, relacionados. Este ideal, que bebe tanto da razão pública (öffentliche Vernunft) kantiana (KANT, 1784) quanto da ação comunicativa habermasiana (Habermas, 1992), postula que a legitimidade das normas e instituições democráticas emana de um processo discursivo de formação da vontade coletiva. De acordo com Habermas (1992), a esfera pública é um espaço de debate racional e crítico, onde os cidadãos podem discutir e formar a opinião pública de maneira livre e fundamentada. Ele define a esfera pública como "uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões" (Habermas, 1992, p. 360). Neste processo, o consenso é alcançado não pela coerção, mas pela força do melhor argumento, em condições ideais de simetria, sinceridade e transparência. Contudo, o advento da era digital e a consolidação do que Shoshana Zuboff (2019) denominou capitalismo de vigilância colocam sob severo risco esses pilares normativos da democracia deliberativa.
O problema central que este artigo investiga, é se a ação comunicativa, tal como concebida por Jürgen Habermas (1992), ainda pode servir como fundamento para a razão pública em um contexto mediado por plataformas digitais cuja lógica operacional é antagônica aos pressupostos do discurso racional. Partimos da hipótese de que a infraestrutura algorítmica do capitalismo de vigilância corrói sistematicamente as condições de possibilidade para o exercício da razão pública, transformando o espaço digital em um ambiente de modulação comportamental radicalizado e que substitui a busca pelo entendimento mútuo por novas dinâmicas na esfera social, como polarização politica, politica do cancelamento e víes algoritmo ou regime de informação.
Chamamos regime de informação a forma de dominação na qual informações e seu processamento por algoritmos e inteligência artificial determinam decisivamente processos sociais, econômicos e políticos. Em oposição ao regime disciplinar, não são corpos e energias que são explorados, mas informações e dados. Não é, então, a posse de meios de produção que é decisiva para o ganho de poder, mas o acesso a dados utilizados para vigilância, controle e prognóstico de comportamento psicopolíticos. O regime de informação está acoplado ao capitalismo da informação, que se desenvolve em capitalismo da vigilância e que degrada os seres humanos em gado, em animais de consumo e dados. (Han, 2019, p. 6).
Para desenvolver esta investigação, pensa-se a partir de um diálogo entre a Teoria Crítica e a análise do contexto sociotécnico contemporâneo. E recupera-se, inicialmente, o conceito kantiano de razão pública, entendido como o uso que alguém faz de sua própria razão “perante todo o público do mundo letrado” (Kant, 1985, p. 19), exercitando sua autonomia intelectual (sapere aude) no tribunal da crítica. Esse ideal é reelaborado por Habermas (1996) na teoria da ação comunicativa, que desloca a razão da subjetividade monológica para a intersubjetividade do discurso. Para Habermas, a racionalidade comunicativa se efetiva quando os atores, visando o entendimento, coordenam suas ações com base em pretensões de validade (verdade, correção normativa e sinceridade) que podem ser criticadas e redimidas no foro público.
Mas, para esta ilustração, nada mais se exige do que a liberdade; e, claro está, a mais inofensiva entre tudo o que se pode chamar liberdade, a saber, a de fazer um uso público da sua razão em todos os elementos. Mas agora ouço gritar de todos os lados: não raciocines! Diz o oficial: não raciocines, mas faz exercícios! Diz o funcionário de Finanças: não raciocines, paga! E o Clérigo: não raciocines, acredita! (Apenas um único senhor no mundo diz: raciocinai tanto quanto quiserdes e sobre o que quiserdes, mas obedecei!) (Kant, 1985,p.108,
A fundação da deliberação democrática em sociedades modernas repousa, idealmente, sobre o exercício desimpedido da razão pública (öffentliche Vernunft) e sobre a capacidade dos cidadãos de engajarem-se em uma ação comunicativa orientada ao entendimento mútuo. No entanto, a emergência de uma ecologia digital dominada pelo Capitalismo de Vigilância impõe um desafio estrutural a esses pressupostos filosóficos e políticos. A tecnologia digital, longe de ser um canal neutro ou um mero facilitador de desinformação, configura-se como um agente estrutural que subverte os fundamentos ontológicos e epistemológicos necessários para a sustentação de um espaço público racionalmente constituído.
1. Uma nova ordem econômica que reivindica a experiência humana como matéria-prima gratuita para práticas comerciais dissimuladas de extração, previsão e vendas; 2. Uma lógica econômica parasítica na qual a produção de bens e serviços é subordinada a uma nova arquitetura global de modificação de comportamento; 3. Uma funesta mutação do capitalismo marcada por concentrações de riqueza, conhecimento e poder sem precedentes na história da humanidade; 4. A estrutura que serve de base para a economia de vigilância; 5. Uma ameaça tão significativa para a natureza humana no século XXI quanto foi o capitalismo industrial para o mundo natural nos séculos XIX e XX; 6. A origem de um novo poder instrumentário que reivindica domínio sobre a sociedade e apresenta dessa surpreendentes para a democracia de mercado; 7. Um movimento que visa impor uma nova ordem coletiva baseada em certeza total; 8. Uma expropriação de direitos humanos críticos que pode ser mais bem compreendida como um golpe vindo de cima: uma destituição da soberania dos indivíduos. (Zuboff, 2019, p.14).
É precisamente este “foro público” que se encontra ameaçado na esfera digital. Como demonstra Zuboff (2019), o capitalismo de vigilância é uma lógica econômica assentada na divisão da experiência humana em dados comportamentais e na subsequentemente certeza de modificá-la para fins de previsão e controle. Esse processo institucionaliza o que ela chama de poder instrumentário, um mecanismo de assimetria radical que opera sem o conhecimento ou consentimento reflexivo dos indivíduos, solapando a autonomia, pré-requisito fundamental tanto para Kant quanto para Habermas.
(...)sempre que as ações dos agentes envolvidos são coordenadas, não através de cálculos egocêntricos de sucesso, mas através de atos de alcançar o entendimento (grifo nosso). Na ação comunicativa, os participantes não estão orientados primeiramente para o seu próprio sucesso individual, eles buscam seus objetivos individuais respeitando a condição de que podem harmonizar seus planos de ação sobre as bases de uma definição comum de situação. Assim, a negociação da definição de situação é um elemento essencial do complemento interpretativo requerido pela ação comunicativa (1984, p. 285, 286).
A mediação algorítmica, longe de ser um canal neutro, atua como um filtro epistêmico que fragmenta a esfera pública. Byung-Chul Han (2017) contribui para esta análise ao descrever a formação do enxame digital, uma massa de indivíduos isolados, incapaz de constituir um verdadeiro “nós” ou um espaço comum de aparência, no sentido arendtiano (Arendt, 2014). Neste cenário, a distinção crucial de Hannah Arendt (2014) entre verdade factual e opinião colapsa: os fatos objetivos, que deveriam servir como solo comum para o debate, são dissolvidos em fluxos de informação personalizada, onde prevalece a lógica das bolhas filtro (Pariser, 2011) e a desinformação. A consequência é a erosão do mundo comum, aquele espaço intersubjetivo onde as diferenças de perspectiva podem se encontrar e, através do discurso, forjar um sentido compartilhado.
2 O DECLÍNIO DA RAZÃO PÚBLICA NA ECOLOGIA DIGITAL: ESTABELECIMENTO DA CRISE
O cerne da crise democrática contemporânea reside, portanto, na incompatibilidade entre os ideais normativos da autonomia e do discurso racional e a arquitetura do poder digital normatizado pelos algoritimos. Immanuel Kant (1784) estabeleceu que a razão pública exige o uso livre do intelecto e a autonomia (sapere aude). Jürgen Habermas (1987) exigiu, para a ação comunicativa, a simetria e a orientação ao entendimento. O Capitalismo de Vigilância, ao extrair valor do comportamento humano, mina ambos os pressupostos. A questão não é apenas a presença da coerção, mas a sua opacidade e a sua integração intrínseca ao sistema econômico que define as relações sociais digitais.
A interconexão desses conceitos revela que o ataque é mais profundo do que a simples desinformação: o Capitalismo de Vigilância ataca a pré-condição ética da razão pública minando de forma sistêmica o discurso o racional e colonizam de forma estrutural o mundo da vida “A distinção de uma integração social que tem início nas orientações da ação e uma integração sistêmica que atravessa as orientações da ação obriga a uma diferenciação correspondente no próprio conceito de sociedade (...)”(Habermas, 2012, p.215). O poder instrumentário corrói a autonomia kantiana (o sapere aude) 1, desmantelando o sujeito reflexivo. Sem autonomia, o sujeito não pode participar do discurso com pretensões de sinceridade e liberdade de coerção, inviabilizando a Ação Comunicativa habermasiana. O sistema, portanto, mina a base ontológica do sujeito democrático (Lima, 2024). A crítica é complementada por Byung-Chul e Han e Hannah Arendt, que descrevem a morfologia da crise do espaço público (fragmentação, enxame, antiesfera pública), e por Manuel Castells, que conecta a crise da comunicação à crise mais ampla da democracia liberal e à polarização amplificada no contexto da sociedade em rede.2
A pluralidade é a condição da ação humana porque somos todos [...] vivem na Terra e habitam o mundo. Embora todos os aspectos da condição humana tenham alguma relação com a política, essa pluralidade é especificamente a condição - não apenas a conditio sine qua non, mas a conditio per quam - de toda vida política (Arendt, 2010, p.2).
As redes sociais são espaços virtuais onde comunidades atuam em um ciberespaço que em seu surgimento era visto como uma espécie de zona privada para alguns seletos escolhidos. A partir da ampliação e da suposta democratização[2] do acesso aos meios de comunicação e das tecnologias informacionais, a internet torna-se um espaço de trocas culturais e experiências quase que imediatas, podendo estas serem classificadas como interações positivas e/ou negativas, mas que conectam pessoas de todo o mundo em frações de segundos.
Nesse contexto, podemos perceber que o aumento, a difusão e o avanço das tecnologias da informação, convertidas em mídias digitas hiper-velozes da informação, quando mal utilizadas, vem auxiliando na criação e propagação de narrativas inverossímeis em busca de um consenso irracional. As chamadas “bolhas de opiniões” e os algoritmos de manipulação comercial e econômica criam realidades paralelas que viralizam nessa nova esfera pública, agora virtual, que através de seus feeds e hashtags, recebem centenas de milhares de visitantes boa parte do dia.
A personalização da internet faz com que nosso mundo de vida e nosso horizonte de experiência fique cada vez menor, cada vez mais restrito. Desse modo, ela leva, nessa visão de Pariser, à desintegração da esfera pública democrática: “nas Filter Bubble o espaço público – o âmbito no qual problemas comuns são reconhecidos e processados – é simplesmente insignificante” (Han, 2018, p. 36).
Byung-Chul Han (2018) observa a transformação do público em "enxame digital" – uma multiplicidade atomizada de indivíduos conectados mas incapazes de formar um "nós" político genuíno. O enxame digital caracteriza-se pela ausência daquela densidade comunicativa necessária para a formação de vontades coletivas. Cada usuário, encapsulado em sua bolha algorítmica personalizada, perde acesso ao mundo comum que Hannah Arendt (2012) identificava como condição fundamental da política. Já Arendt distingue entre verdade factual e opinião, argumentando que a política democrática requer um terreno comum de fatos compartilhados sobre os quais opiniões divergentes possam ser formadas. O capitalismo de vigilância destrói essa base comum ao permitir a criação de realidades informacionais paralelas e incomensuráveis. Quando algoritmos determinam não apenas quais opiniões seremos expostos, mas quais fatos conheceremos, a própria possibilidade do debate democrático é eliminada. Castells (2017) demonstra como o poder na sociedade em rede opera através do controle dos fluxos informacionais. As plataformas digitais não apenas mediam, mas constituem o espaço público contemporâneo, exercendo o que ele denomina "poder de programação" – a capacidade de definir as regras e protocolos que estruturam a comunicação social. Esse poder informacional cria o paradoxo de uma aparente multiplicação de vozes acompanhada pela impossibilidade estrutural de diálogo genuíno, pois cada voz ressoa apenas dentro de sua câmara de eco algoritmicamente construída.
Comunicação é o processo de compartilhar significado pela troca de informações. Para a sociedade em geral, a principal fonte da produção social de significado é o processo da comunicação socializada. Esta existe no domínio público, para além da comunicação interpessoal. A contínua transformação da tecnologia da comunicação na era digital amplia o alcance dos meios de comunicação para todos os domínios da vida social, numa rede em que é simultaneamente global e local, genérica e personalizada, num padrão de constante mudança (Castells, 2017, p. 21).
Esta transformação estrutural do espaço público digital revela uma dialética perversa enquanto a democratização da tecnológica promete expandir o acesso à informação e à participação política, simultaneamente institui mecanismos de controle que impossibilitam as próprias condições de possibilidade do exercício democrático. A promessa emancipatória da internet, nos moldes da globalização celebrada nos anos 1990 como possibilidade de uma esfera pública ampliada e descentralizada, reverte-se em seu oposto quando capturada pela lógica do Capitalismo de Vigilância (Zuboff, 2019).
O capitalismo de vigilância reivindica unilateralmente a experiência humana como matéria-prima gratuita para tradução em dados comportamentais. Embora alguns desses dados sejam aplicados ao aprimoramento de produtos ou serviços, o restante é declarado como superávit comportamental proprietário, alimentado em processos de fabricação avançados conhecidos como 'inteligência de máquina' e transformados em produtos de predição que antecipam o que você fará agora, daqui a pouco e mais tarde. Por fim, esses produtos de predição são negociados em um novo tipo de mercado que chamo de mercados de comportamentos futuros (Zuboff, 2019, p. 18).
A fragmentação do mundo comum arendtiano não constitui mero efeito colateral das plataformas digitais, mas representa sua função estruturante “A distinção de uma integração social que tem início nas orientações da ação e uma integração sistêmica que atravessa as orientações da ação obriga a uma diferenciação correspondente no próprio conceito de sociedade (...)” (Arendt,2000, p. 87). Como demonstra Arendt (2010), a política pressupõe um espaço de aparência compartilhado onde a pluralidade humana possa manifestar-se através da ação e do discurso. O enxame digital descrito por Han (2018) opera precisamente pela dissolução deste espaço: a conexão onipresente substitui o encontro genuíno, e a visibilidade algorítmica substitui a aparência política. Cada indivíduo, isolado em sua bolha informacional personalizada, experimenta uma realidade informacional singular, incomensurável com a de seus contemporâneos.
Esta incomensurabilidade das realidades informacionais fragmentadas e isoladas, aprofundam o diagnóstico habermasiano da colonização do mundo da vida “(...) o alcance do conceito ‘mundo da vida’, que se oferece na perspectiva conceitual do agir orientado pelo entendimento, é limitado” (Habermas, 2012, p. 216)). Habermas (2012) identificou como a racionalidade instrumental coloniza esferas antes governadas pela racionalidade comunicativa. No contexto digital, porém, a colonização atinge novo patamar: não se trata apenas da subordinação da comunicação a imperativos econômicos, mas da produção algorítmica de mundos da vida incomensuráveis entre si. O pressuposto habermasiano de um mundo da vida compartilhado – ainda que colonizado – colapsa quando algoritmos personalizados produzem horizontes de experiência radicalmente divergentes para cada usuário (Pariser, 2011).
A arquitetura algorítmica das plataformas opera, portanto, uma dupla violência epistêmica e política. Epistemicamente, ao determinar não apenas quais informações circulam, mas quais realidades são cognoscíveis para cada sujeito, os algoritmos exercem aquilo que Castells (2015) denomina "poder de programação" – não o poder sobre os fluxos, mas o poder de definir os protocolos que estruturam a própria possibilidade da comunicação. Politicamente, esta fragmentação impossibilita a formação daquele "nós" político que Arendt (2010) identifica como condição da ação coletiva: sem um mundo comum de fatos compartilhados, resta apenas a colisão de narrativas incompatíveis, cada uma estruturalmente isolada em sua câmara de eco.
As consequências mais graves desta arquitetura é a produção sistemática de sujeitos inadequados ao exercício da autonomia kantiana, influencers e coach financeiros emocionais com hordas de seguidores dizendo como viver a todo instante.. sapere aude pressupõe não apenas ausência de tutela externa, mas capacidade reflexiva do sujeito para examinar criticamente suas próprias pressuposições (KANT, 1784). Os mecanismos de captura comportamental do Capitalismo de Vigilância, contudo, operam precisamente pela opacidade: o sujeito não pode examinar aquilo que permanece estruturalmente invisível. A modificação comportamental algorítmica funciona tanto melhor quanto mais inconsciente permanecer – o que Zuboff (2019) denomina "assimetria epistêmica radical" entre plataformas e usuários.
Emerge, assim, um cenário de heteronomia digital: sujeitos que se percebem autônomos enquanto executam padrões comportamentais algoritmicamente induzidos. Esta forma de heteronomia é mais insidiosa que a coerção tradicional precisamente porque se reveste da aparência da escolha livre. Han (2018) observa que o poder contemporâneo opera não pela proibição, mas pela sedução e pelo estímulo – uma forma de dominação que não precisa confrontar resistência porque se instala no próprio desejo dos sujeitos.
A interseção entre a teoria crítica frankfurtiana, a filosofia política arendtiana e a análise sociológica de Castells revela, portanto, que a crise não é meramente informacional ou comunicativa, mas ontológica: está em questão a própria constituição do sujeito político moderno. A erosão simultânea da autonomia individual (Kant), da racionalidade comunicativa (Habermas), da pluralidade no mundo comum (Arendt) e da capacidade de ação coletiva coordenada (Castells) compõe um quadro de decomposição das condições transcendentais da democracia.
Diante deste diagnóstico multidimensional da crise, torna-se imperativo interrogar: quais estratégias normativas e institucionais podem confrontar esta arquitetura de dominação? A próxima seção dedica-se à análise crítica das propostas contemporâneas de regulação, examinando sua adequação frente à profundidade estrutural da crise aqui identificada e investigando se é possível reconstruir as condições da razão pública na ecologia digital.
3 O INALCANÇÁVEL ENTENDIMENTO MÚTUO: A AÇÃO COMUNICATIVA E A ASSIMETRIA ALGORÍTMICA
A convergência das análises habermasiana, kantiana e de Zuboff revela uma crise que transcende a dimensão meramente epistemológica ou comunicacional, configurando-se como uma patologia social estrutural que corrói simultaneamente as condições intersubjetivas e subjetivas da democracia deliberativa. A impossibilidade do entendimento mútuo na ecologia digital não resulta de deficiências contingentes dos participantes do discurso, mas da própria arquitetura sistêmica que preside as interações comunicativas mediadas algoritmicamente.
O conceito de ação comunicativa refere-se à interação de pelo menos dois sujeitos capazes de falar e agir que estabeleçam uma relação interpessoal (seja por meios verbais ou extraverbais). Os atores buscam entender-se sobre uma situação de ação para poder assim coordenar de comum acordo seus planos de ação e com isso suas ações. O conceito aqui central, o de interpretação, refere-se primordialmente à negociação de definições da situação passíveis de consenso (Habermas, 1987, p. 79).
A assimetria fundamental entre a orientação dos usuários ao entendimento e a orientação das plataformas à extração de valor institui uma contradição performativa no cerne da comunicação digital. Enquanto Habermas postula que a ação comunicativa pressupõe uma orientação recíproca ao entendimento mútuo, na qual os participantes se reconhecem mutuamente como sujeitos capazes de responsabilidade moral e racional “estrutura de mídia que possibilite o caráter inclusivo do público e o caráter deliberativo da justificação recíproca que sustenta a formação da opinião e da vontade pública” (2022, p.67); o Capitalismo de Vigilância estrutura a interação de modo que apenas uma das partes – o usuário – mantém essa orientação, enquanto o sistema opera segundo imperativos estratégicos de maximização de valor (Habermas, 2022). Esta assimetria estrutural não apenas viola as condições da Situação Ideal de Fala, mas impossibilita a própria emergência da racionalidade comunicativa, uma vez que a simetria de posições é requisito transcendental, e não mero ideal regulativo passível de aproximação gradual.
O potencial da comunicação de plataforma “serve à direita e à esquerda, e esse é o preço a pagar pela liberação da tutela editorial da mídia tradicional, que com seu mecanismo de gatekeeping, configurava um processo de narrativização do real que nos auxiliava a interpretar e articular informações. (...) Os usuários não estão incapacitados, mas adquirem conhecimento e informação fora da justificação recíproca para fazer seus julgamentos sobre questões que requerem regulamentação política” (Habermas, 2022, p.46-47).
A mediação algorítmica institui, portanto, uma forma perversa de racionalidade instrumental que coloniza não apenas conteúdos específicos da comunicação, mas a própria estrutura formal do discurso. Os algoritmos de recomendação e curadoria não se limitam a filtrar informações disponíveis; eles constituem performativamente o horizonte de possibilidades discursivas ao determinar quais argumentos alcançarão visibilidade, quais interlocutores serão conectados e quais temas emergirão como relevantes (Zuboff, 2019). Esta operação metalinguística do poder algorítmico – que programa as regras do discurso sem participar explicitamente dele – representa uma forma de dominação estruturalmente distinta das formas clássicas analisadas pela teoria crítica, precisamente porque sua eficácia depende de sua invisibilidade.
A esfera pública digital não é nenhuma esfera pública, nenhum espaço público. Falta-lhe aquele caráter conclusivo que constitui o espaço público. As manifestações de opinião, que se multiplicam e se disseminam a uma velocidade vertiginosa, não geram nenhum espaço público, nenhuma ágora. Aqui não vigora nenhuma força centrípeta, nenhuma gravidade que integre e agregue. Falta-lhes interioridade e duração. Por isso, não se adensam nem se condensam, chegando a constituir um "nós" (Han, 2018, p. 15-16).
A fragmentação da esfera pública diagnosticada por Han adquire, neste contexto, significado mais profundo que a mera atomização social. O enxame digital não constitui simplesmente uma multiplicidade desorganizada de indivíduos; representa a dissolução das condições estruturais que possibilitam a formação de sujeitos coletivos capazes de ação política coordenada (Han, 2018). A hipercomunicação característica das redes sociais produz um paradoxo: quanto maior a quantidade de interações comunicativas, menor a densidade comunicativa capaz de gerar aquela força ilocucionária necessária para a formação de consensos normativamente vinculantes. A velocidade algoritmicamente estimulada da comunicação digital subverte a temporalidade reflexiva exigida pela racionalidade comunicativa, substituindo o processo laborioso de justificação discursiva pela reação imediata e pela proliferação viral de posicionamentos não mediados por pretensões de validade intersubjetivamente examinadas.
A democracia é lenta, prolixa e tediosa. A propagação viral de informações, a infodemia, prejudica, assim, de modo massivo o processo democrático. Argumentos e fundamentações não cabem em tuítes ou memes que se propagam e multiplicam em velocidade viral. A coerência lógica que caracteriza o discurso é estranha à mídia viral. Informações têm sua própria lógica, sua própria temporalidade, sua própria dignidade para além da verdade e da mentira. Fake news também são, num primeiro momento, informações (Han, 2019, p. 30).
Esta temporalidade acelerada não é acidental, mas funcionalmente integrada à lógica de acumulação do Capitalismo de Vigilância. O modelo de negócios das plataformas depende estruturalmente da captura contínua da atenção e da geração incessante de dados comportamentais, o que exige a maximização do tempo de engajamento e da intensidade emocional das interações.
A Realpolitik das operações de vigilância comercial permanece oculta nos bastidores enquanto o coro de atores cantando e dançando sob os holofotes prende nossa atenção e às vezes até mesmo capta o nosso entusiasmo. Eles suam sob as luzes da ribalta em nome de um só objetivo: fazer com que fracassemos em notar as respostas ou, melhor ainda, esqueçamos de fazer as perguntas Quem sabe?, Quem decide?, Quem decide quem decide? (Zuboff, 2019, p.248).
Conteúdos que estimulam indignação, medo ou polarização geram maior engajamento que argumentos cuidadosamente construídos e nuançados, estabelecendo uma seleção artificial que privilegia sistematicamente a racionalidade estratégica sobre a comunicativa. O resultado é uma espécie de seleção darwiniana às avessas no ecossistema discursivo digital: sobrevivem e proliferam precisamente aqueles conteúdos menos adequados aos critérios da razão pública.
A corrosão da autonomia kantiana pelo poder instrumentário representa, neste quadro, o elo que conecta a impossibilidade estrutural do entendimento mútuo à erosão da subjetividade democrática. O sapere aude pressupõe não apenas ausência de tutela externa imposta, mas capacidade reflexiva do sujeito para examinar criticamente os determinantes de seu próprio pensamento e ação (Kant, 1784). O poder instrumentário, contudo, opera precisamente pela opacidade: modula comportamentos através de arquiteturas informacionais cujo funcionamento permanece estruturalmente inacessível à consciência reflexiva dos sujeitos afetados. Esta forma de heteronomia é particularmente insidiosa porque preserva a aparência fenomenológica da autonomia – o sujeito experiencia suas escolhas como livres – enquanto os determinantes estruturais dessas escolhas permanecem invisíveis.
Não é de surpreender, portanto, que o “ponto de vista de observação” específico do instrumentalismo tenha sido forjado no controverso domínio intelectual conhecido como “behaviorismo radical” — ou “comportamentalismo radical” — e seus antecedentes na física teórica da virada do século. No restante deste capítulo, nosso exame do poder no tempo do capitalismo de vigilância dirige-se a esse ponto de origem distante do assassinato e caos do totalitarismo. Nossa investigação nos leva a laboratórios e salas de aula e reinos do pensamento inventados por homens que encararam a liberdade como sinônimo de ignorância e seres humanos como organismos distantes aprisionados em padrões de comportamento além da própria compreensão ou controle, tais como formigas, abelhas ou as manadas de alces de Stuart MacKay (Zuboff, 2019, p. 428).
A epistemologia behaviorista radical subjacente ao Capitalismo de Vigilância, identificada por Zuboff, representa a negação filosófica da própria possibilidade da autonomia kantiana. Ao tratar o ser humano como objeto de predição comportamental, redutível a padrões algoritmicamente identificáveis, o sistema nega implicitamente a capacidade de autodeterminação racional que constitui o núcleo da dignidade humana na tradição iluminista. Esta reificação algorítmica do sujeito não é meramente uma consequência indesejada do modelo de negócios, mas sua condição de possibilidade: a predição comportamental exige a negação da liberdade, pois um sujeito genuinamente autônomo seria, por definição, imprevisível.
A transformação da autonomia em privilégio econômico aprofunda dramaticamente as implicações políticas desta crise. Se a possibilidade de escapar à vigilância e à modulação comportamental torna-se prerrogativa de elites que podem custear tecnologias menos invasivas ou prescindir dos serviços digitais hegemônicos, institui-se uma estratificação da própria capacidade de exercer a razão pública (Zuboff, 2019). O ideal kantiano de universalidade da razão – segundo o qual todo ser racional deve poder participar do uso público da razão – colapsa diante de uma estrutura que condiciona materialmente esta participação. Emerge assim uma forma inédita de desigualdade: não apenas desigualdade de recursos ou oportunidades, mas desigualdade nas próprias condições transcendentais da subjetividade autônoma.
Esta estratificação da autonomia articula-se diretamente com a fragmentação da esfera pública analisada anteriormente. Se diferentes segmentos sociais habitam realidades informacionais radicalmente distintas – não apenas por diferenças de perspectiva, mas por arquiteturas algorítmicas que produzem horizontes de experiência incomensuráveis – a própria possibilidade de um discurso público universal, no qual pretensões de validade possam ser intersubjetivamente examinadas, dissolve-se. A democracia deliberativa pressupõe não apenas igualdade formal de participação, mas igualdade nas condições cognitivas e informacionais que possibilitam a deliberação racional.
É justamente a crescente dissonância de diversas vozes e a complexidade do conteúdo dos tópicos e posições desafiadas que está fazendo com que uma minoria crescente de consumidores de mídia use plataformas digitais para se refugiar em câmaras de eco protegidas de pessoas que pensam diferente. As plataformas digitais não só convidam à geração espontânea de mundos próprios intersubjetivamente confinados, como também parecem conferir à obstinação dessas ilhas de comunicação o estatuto epistêmico de públicos concorrentes (Habermas, 2022, p.53).
A opacidade algorítmica, finalmente, institui uma forma de dominação que escapa às categorias tradicionais da teoria crítica. Não se trata de ideologia no sentido clássico – falsa consciência que pode ser desmascarada pela crítica –, mas de uma arquitetura de poder que opera aquém da consciência, modulando diretamente as condições materiais e informacionais da formação de crenças e preferências. A crítica ideológica pressupõe a possibilidade de um sujeito reflexivo capaz de reconhecer a distorção de sua consciência; o poder instrumentário, ao contrário, atua sobre as condições pré-reflexivas da subjetividade, tornando a crítica estruturalmente mais difícil .
Diante deste diagnóstico multidimensional da crise – que articula a impossibilidade do entendimento mútuo habermasiano, a corrosão da autonomia kantiana e a fragmentação da esfera pública –, impõe-se a interrogação normativa fundamental: que condições institucionais, jurídicas e tecnológicas poderiam restabelecer as possibilidades da razão pública e da democracia deliberativa na era digital? A resposta a esta questão exige não apenas propostas regulatórias específicas, mas uma reconfiguração fundamental das relações entre tecnologia, economia e política, tema que será desenvolvido nas considerações finais deste trabalho, onde examinaremos criticamente as alternativas disponíveis para a reconstrução normativa da esfera pública digital “Se o futuro digital deve ser nosso lar, então somos nós que devemos transformá-lo nisso” (Zuboff, 2019, p. 33).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ameaça existencial à autonomia e à razão pública, diagnosticada pela teoria crítica, encontra seu mais vívido e urgente reflexo na literatura distópica de George Orwell, em 1984, que cristalizou o medo da vigilância totalitária e da destruição do espaço privado pelo "Grande Irmão" (Big Brother), um poder que pune e reprime o pensamento livre. Em contraste, Aldous Huxley, em Admirável Mundo Novo, prenunciou uma sociedade subjugada não pela dor, mas pelo condicionamento psicológico e pela engenharia do contentamento, que neutraliza o senso crítico através do prazer artificial (o Soma) “Essa se aplica a um excesso de igual, um exagero de positividade” ( Han, 2017.10).
Na realidade contemporânea, o Capitalismo de Vigilância de Shoshana Zuboff sintetiza esta dupla ameaça: a extração ubíqua e incessante de dados, reminiscentes do olho do "Grande Irmão", é funcionalizada pelo Poder Instrumentário para promover a modificação comportamental e a otimização da previsibilidade, atuando como o equivalente algorítmico do Soma. Assim, a coerção não é apenas totalitária, mas se torna sutil, sedutora e sistêmica, corroendo a base do sapere aude em nome do lucro.
A razão pública, tal como idealizada por Kant e reelaborada por Habermas, encontra-se sob ameaça estrutural diante da arquitetura algorítmica do capitalismo de vigilância. O espaço público digital, longe de ampliar as possibilidades de deliberação democrática, vem sendo fragmentado por mecanismos de personalização algorítmica, que promovem bolhas informacionais, desintegram o mundo comum e dificultam o encontro genuíno entre perspectivas divergentes. A ação comunicativa, fundamento da democracia deliberativa, é subvertida por uma lógica estratégica orientada à extração de valor, que opera de modo opaco e invisível, corroendo as condições de autonomia e pluralidade necessárias à formação de consensos racionais.
Neste cenário, a crise democrática não se limita à propagação de desinformação ou à polarização política: trata-se de uma transformação ontológica e epistemológica, na qual o próprio sujeito democrático é reificado e submetido a padrões comportamentais induzidos por sistemas algorítmicos. A pluralidade arendtiana, a autonomia kantiana, a racionalidade comunicativa habermasiana e a capacidade de ação coletiva descrita por Castells são simultaneamente erodidas, instaurando uma dialética perversa entre promessa emancipatória e mecanismos de dominação invisível.
Diante deste diagnóstico, torna-se imperativo repensar as condições institucionais, jurídicas e tecnológicas que possam restaurar as possibilidades da razão pública na era digital. A regulação das plataformas digitais deve ir além da mitigação de fake news e da proteção de dados pessoais, enfrentando as assimetrias de poder e a opacidade algorítmica que sustentam a crise atual. É necessário promover transparência, garantir igualdade nas condições de participação informacional e fortalecer mecanismos de controle democrático sobre os sistemas que mediam o debate público.
Por fim, a defesa da autonomia democrática exige não apenas o aprimoramento das políticas públicas e da legislação, mas uma reconfiguração profunda das relações entre tecnologia, economia e política. A reconstrução da esfera pública digital passa pelo enfrentamento das estruturas de dominação invisíveis e pela criação de novos espaços de diálogo, nos quais o entendimento mútuo e a pluralidade possam novamente constituir os alicerces da razão pública. Apenas assim será possível restituir à democracia deliberativa sua vitalidade e resiliência diante dos desafios impostos pela era dos algoritmos.
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