POVOS ORIGINÁRIOS E RESISTÊNCIA EPISTÊMICA

a competência crítica em informação como mecanismo contracolonial

Angerlânia Rezende[1]

Universidade Federal da Paraíba

lanny.rezende3@gmail.com

Edivanio Duarte de Souza[2]

Universidade Federal de Alagoas - Universidade Federal da Paraíba

edivanio.duarte@ichca.ufal.br

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Resumo

Este artigo objetiva analisar a competência crítica em informação como um mecanismo de caráter contracolonial no contexto dos povos originários, resultado de reflexões desenvolvidas no âmbito de pesquisa de doutorado que vem sendo desenvolvida em Ciência da Informação. O estudo adota uma abordagem descritivo-explicativa e qualitativa, orientada à compreensão das estruturas coloniais e de seus desdobramentos na contemporaneidade, que se manifestam por meio da colonialidade do poder, do ser e do saber. Ao problematizar a persistência de sistemas de dominação que negam epistemologias plurais, a pesquisa articula referenciais de autores decoloniais e contracoloniais, considerando as produções e as práticas dos povos indígenas. A competência crítica em informação é examinada não somente como superação de uma perspectiva instrumental, mas como processo político e epistêmico de resistência, capaz de tensionar relações de poder e afirmar horizontes alternativos de conhecimento. Os resultados apontam que, ao reconhecer a centralidade das fontes indígenas e das práticas informacionais autônomas, aquela competência fortalece a autodeterminação epistêmica e cultural dos povos originários. Conclui-se que, enquanto dispositivo contracolonial, a competência crítica em informação contribui para a construção de mundos outros, sustentados pela valorização de saberes diversos e pela promoção da justiça cognitiva.

 

Palavras-chave: competência crítica em informação; colonialidade; decolonialidade; contracolonialidade; povos originários.

INDIGENOUS PEOPLES AND EPISTEMIC RESISTANCE

critical information literacy as a counter-colonial mechanism

Abstract

This article aims to analyze Critical Information Literacy as a counter-colonial mechanism within the context of Indigenous peoples, based on reflections developed in an ongoing doctoral research project in Information Science. The study adopts a descriptive-explanatory and qualitative approach, oriented toward understanding colonial structures and their contemporary manifestations, expressed through the coloniality of power, being, and knowledge. By problematizing the persistence of domination systems that deny plural epistemologies, the research articulates theoretical contributions from decolonial and counter-colonial authors, considering the knowledge production and practices of Indigenous communities. Critical Information Literacy is examined not only beyond an instrumental perspective, but as a political and epistemic process of resistance capable of challenging power relations and affirming alternative horizons of knowledge. The results indicate that, by recognizing the centrality of Indigenous sources and autonomous informational practices, that competence strengthens epistemic and cultural self-determination among Indigenous peoples. The study concludes that, as a counter-colonial device, Critical Information Literacy contributes to the construction of alternative worlds grounded in the appreciation of diverse knowledges and in the promotion of cognitive justice.

Keywords: critical information literacy; coloniality; decoloniality; counter-coloniality; indigenous peoples.

PUEBLOS ORIGINARIOS Y RESISTENCIA EPISTÉMICA

la competencia crítica en información como mecanismo contracolonial

Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar la competencia crítica en información como un mecanismo de carácter contracolonial en el contexto de los pueblos originarios, resultado de reflexiones desarrolladas en el marco de una investigación doctoral en el campo de la Ciencia de la Información. El estudio adopta un enfoque descriptivo-explicativo y cualitativo, orientado a comprender las estructuras coloniales y sus desdoblamientos en la contemporaneidad, manifestados a través de la colonialidad del poder, del ser y del saber. Al problematizar la persistencia de sistemas de dominación que niegan epistemologías plurales, la investigación articula los aportes de autores decoloniales y contracoloniales, considerando las producciones y prácticas de los pueblos indígenas. La CCI se examina no solo como superación de una perspectiva instrumental, sino como un proceso político y epistémico de resistencia, capaz de tensionar relaciones de poder y afirmar horizontes alternativos de conocimiento. Los resultados señalan que, al reconocer la centralidad de las fuentes indígenas y de las prácticas informacionales autónomas, la CCI fortalece la autodeterminación epistémica y cultural de los pueblos originarios. Se concluye que, en tanto dispositivo contracolonial, la CCI contribuye a la construcción de otros mundos, sustentados en la valorización de saberes diversos y en la promoción de la justicia cognitiva.

Palabras clave: competencia crítica en información; colonialidad; decolonialidad; contracolonialidad; pueblos originarios.

 

1  INTRODUÇÃO

O colonialismo histórico por que passou as Américas e a África, entre outras partes do mundo, não se restringiu à exploração econômica ou ao domínio das terras, mas instaurou um modelo de poder estruturado na lógica da superioridade europeia, sustentado pela desqualificação contínua de outras formas de conhecimento, existência e humanidade. No Brasil, em particular, ao longo dos séculos, os povos originários foram submetidos a esse processo de imposição colonial, cujos efeitos permanecem operando na atualidade por meio de um projeto civilizatório que organiza e hierarquiza vidas, saberes e territórios. Mesmo reconhecido como um fenômeno histórico, o colonialismo se atualiza na forma da colonialidade, que atua de maneira sutil e persistente em estruturas simbólicas, epistêmicas e espaciais, reproduzindo desigualdades e mecanismos de dominação na contemporaneidade.

Embora o processo de colonização tenha possibilitado o contato com diferentes culturas, esse encontro ocorreu sob profundas desigualdades e formas de coerção. As relações estabelecidas não foram horizontais, mas marcadas por violências, silenciamentos e tentativas constantes de assimilação compulsória. As línguas, as cosmologias e os modos de vida dos povos indígenas, assim como de comunidades afro-brasileiras, foram reiteradamente desautorizados, por serem considerados atrasados ou inferiores e, em muitos casos, tratados como práticas ilegítimas ou passíveis de punição.

O mais preocupante é que esse mecanismo de subordinação não ficou restrito ao passado colonial, ao contrário, consolidou-se em estruturas excludentes que continuam atuantes no presente. Seus efeitos se manifestam nas desigualdades de acesso a direitos, na deslegitimação de identidades diversas e na contínua marginalização dos conhecimentos tradicionais. Nessa direção, Quijano (2014) evidencia que a colonialidade permeia as esferas do poder, do ser e do saber, naturalizando hierarquias e produzindo assimetrias que moldam a vida social. Mignolo (2017), por sua vez, caracteriza essa lógica como a dimensão mais nociva da modernidade, justamente porque estabelece seu ordenamento a partir da negação do outro. Trata-se, portanto, de um sistema persistente e profundamente entranhado na estrutura social brasileira, sustentado pela reprodução de práticas de subalternização e de opressão que continuam a inviabilizar a expressão plena de epistemologias e de modos de existências plurais.

Diante das violências e das desigualdades produzidas por estruturas coloniais ainda vigentes, emergem os movimentos decoloniais e contracoloniais como respostas teóricas e políticas voltadas ao enfrentamento das múltiplas formas de opressão e de apagamento. O pensamento decolonial, formulado majoritariamente por intelectuais latino-americanos, propõe desestabilizar a centralidade eurocêntrica por meio da valorização de epistemologias plurais e da ampliação de horizontes cognitivos e sociopolíticos. A contracolonialidade, por sua vez, nasce de reflexões e de práticas de intelectuais indígenas, de quilombolas e de pesquisadores comprometidos com essas lutas, defendendo uma ruptura ainda mais incisiva com a colonialidade, ancorada nas cosmologias, nos modos de existir e nas autonomias desses povos, recusando qualquer mecanismo de subordinação. Ambos os movimentos, ao denunciarem a permanência das lógicas coloniais, abrem caminhos para processos de libertação, afirmação identitária e emancipação histórica de saberes que foram sistematicamente silenciados pela racionalidade eurocentrica.

A partir dessa perspectiva teórica, política e ideológica, adotou-se uma postura investigativa crítica, voltada a problematizar as estruturas históricas e sociais que moldaram tanto as formas de produção dos saberes quanto a experiência informacional dos povos originários. Essas observações partem da compreensão de que a trajetória histórica desses povos está profundamente marcada por um processo colonial instaurado com a invasão europeia no século XVI. Um processo que, longe de ter sido somente um registro do passado, permanece reconfigurando-se nas práticas e nas dinâmicas socioculturais contemporâneas.

Nesse horizonte, a competência crítica em informação (CCI) é inserida como um mecanismo de caráter contracolonial, na medida em que procura desvincular os processos e as ações de informação de abordagens, muitas vezes, associada a aspectos objetivos, normativistas e instrumental, quase sempre restrita ao desempenho técnico e escolar, para um campo de enfrentamento político, crítico e epistêmico. Ao considerar a centralidade das fontes indígenas, produzidas pelos próprios povos originários ou sobre eles, e ao reconhecer suas epistemologias como expressões legítimas de resistência, formula-se a seguinte questão de pesquisa: De que forma a CCI pode ser compreendida como um mecanismo contracolonial no contexto dos povos originários?

A partir dessa problematização, objetiva-se analisar a CCI como um mecanismo contracolonial, estabelecendo aproximações teórico-conceituais com os aportes de autores indígenas, ou não indígenas vinculados à corrente decolonial e contracolonial. Consideram-se, para isso, as práticas cotidianas e as estratégias informacionais desenvolvidas em favor do enfrentamento da colonialidade moderna e da afirmação de epistemologias plurais de trabalhos que reconhecem essa importância epistêmica. Para tanto, adota-se uma abordagem metodológica de caráter descritivo-explicativo, orientada à análise dos efeitos da colonialidade e das ações vinculadas à aquela competência, compreendidas aqui como um mecanismo contracolonial. Complementarmente, realiza-se de uma investigação qualitativa, orientada à compreensão de fenômenos em sua complexidade, na medida em que no entendimento de Minayo (2010), procura privilegiar dimensões que não podem ser reduzidas a mensurações quantitativas, mas que demandam uma interpretação mais aprofundada.

 

2 COLONIALIDADE, DECOLONIALIDADE E CONTRACOLONIALIDADE: FUNDAMENTOS PARA A CRÍTICA E A EMANCIPAÇÃO EPISTEMOLÓGICA

            A colonialidade, conforme apresenta Maldonado-Torres (2008), é uma agressão oculta da modernidade. O seu lado constitutivo e violento é sustentado pela dominação, pela exploração e pelo apagamento de outras maneiras de ser, de viver e de saber. Diferentemente do colonialismo, que se refere ao domínio político e territorial direto exercido por uma potência sobre outra, a colonialidade persiste, mesmo após o fim das colônias formais, operando como uma lógica de organização do mundo. Esse fundamento molda diversas estruturas, de maneira duradoura, mantendo os legados do colonialismo vivos e atuantes nos modos contemporâneas de dominação e de exclusão.

Esse tipo de domínio sobre o outro, se expressa também por meio de mecanismos simbólicos e materiais que naturalizam hierarquias entre a diversidade de culturas e de povos, reproduzindo desigualdades globais e internalizadas. Trata-se de um sistema que produz e mantém distinções raciais, ontológicas e epistêmicas, sustentando a ideia de superioridade do sujeito europeu em relação aos demais. Esse tipo de abuso:

 

[...] se refere a um padrão de poder que emergiu como resultado do colonialismo moderno, mas que em vez de estar limitado a uma relação formal de poder entre dois povos ou nações, se refere à forma como o trabalho, o conhecimento, a autoridade e as relações intersubjetivas se articulam entre si, através do mercado capitalista mundial e da ideia de raça. Assim, pois, embora o colonialismo preceda a colonialidade, a colonialidade sobrevive ao colonialismo (Maldonado-Torres, 2008, p. 131).

 

Nessa mesma perspectiva, à luz de Quijano (2014), a colonialidade não representa somente uma herança histórica, mas constitui um componente estrutural e inerente ao sistema-mundo moderno-capitalista. Essa coerência permanece ativa e se manifesta de forma contínua nos múltiplos aspectos da vida em sociedade, modelando relações de poder, de saber e de existência. Assim, esse tipo de dominação não é um vestígio do passado, mas uma engrenagem ainda operante na manutenção das desigualdades globais. Em outros termos:

 

 

A colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos do padrão mundial do poder capitalista. Sustenta-se na imposição de uma classificação racial/étnica da população do mundo como pedra angular do referido padrão de poder e opera em cada um dos planos, meios e dimensões, materiais e subjectivos, da existência social quotidiana e da escala societal (Quijano, 2014, p. 73).

 

A colonialidade, no entendimento do autor, se manifesta em três dimensões interligadas, quais sejam, do poder, do saber e do ser. A colonialidade do poder se manifesta na manutenção de estruturas políticas e econômicas que, mesmo após o fim do colonialismo formal, seguem beneficiando elites e países eurocentrados, perpetuando desigualdades. A colonialidade do saber se revela na desvalorização e na marginalização de conhecimentos não europeus, reforçando a hegemonia epistêmica eurocentrada por meio de currículos e práticas que negligenciam saberes indígenas, africanos e quilombolas. Já a colonialidade do ser atua na negação da dignidade e da autonomia de grupos historicamente desfavorecidos, impondo categorias que operam como instrumentos de controle e de desumanização (Quijano, 2014).

Em contraposição à lógica da colonialidade, surgem movimentos e ações de confronto que visam desestabilizar esse sistema de dominação e de opressão. A decolonialidade, nesse contexto, constitui-se como um projeto crítico oriundo de grupos de intelectuais e de ativistas, especialmente, da Ásia e da América Latina.

 

Formado por intelectuais latino-americanos situados em diversas universidades das Américas, o coletivo realizou um movimento epistemológico fundamental para a renovação crítica e utópica das ciências sociais na América Latina no século XXI: a radicalização do argumento pós-colonial no continente por meio da noção de “giro decolonial” (Ballestrin, 2013, p.89).

 

É fato que, para além de questionar os legados persistentes da colonialidade, esse movimento assumiu o compromisso de revalorizar e de reinterpretar as formas de conhecimento produzidas por diversos povos, que no decorrer da história foram explorados, oprimidos e marginalizados. Trata-se de uma virada epistemológica decisiva, pois desloca o olhar tradicional, centrado nas margens apenas como objetos de estudo, para reconhecê-los como centros produtores de saberes.

A decolonialidade se apresenta não somente como uma crítica ao eurocentrismo, mas como um projeto político e epistêmico de reconstrução, no qual os saberes desvalorizados deixam de ser tolerados como complementares e passam a ser reconhecidos e protagonizados em sua legitimidade, potência e centralidade. Tudo isso, portanto, refere-se a uma proposta que busca quebrar as estruturas hegemônicas de poder, de ser e de saber impostas pela modernidade colonial, promovendo a aprovação e a validação dos saberes originários, por exemplo. A decolonialidade propõe a desordem dos paradigmas coloniais que naturalizam a inferiorização de determinados sujeitos e epistemes, reafirmando, em seu lugar, formas plurais de conhecer, de existir e de narrar o mundo. Ela visa resgatar memórias, práticas e histórias que foram sistematicamente invisibilizadas e, por muito tempo, classificadas como irracionais, primitivas, místicas ou supersticiosas (Maldonado-Torres, 2008; Oliveira; Gomes, 2021).

É nesse mesmo horizonte que surge a contracolonialidade, desenvolvida nas lutas concretas e nos territórios de povos originários e quilombolas, que assumem um papel ativo e crítico, que gera afirmação de projetos próprios de existência e de conhecimento. Intelectuais como Davi Kopenawa e Bruce Albert (2015), Ailton Krenak (2019), Dorricó (2020) e Antônio Bispo dos Santos (2023), entre vários outros, embora herdeiros do debate decolonial, se colocam também como contracoloniais, ao defenderem que não basta desconstruir os paradigmas da colonialidade a partir da academia, mais que isso, trata-se de recusar as lógicas coloniais em todas as suas formas e afirmar epistemologias ancoradas na oralidade, na espiritualidade, na ancestralidade, na cosmovisão e no território.

A contracolonialidade nasce, portanto, como um desdobramento insurgente do giro decolonial. Enquanto a decolonialidade propõe dialogar criticamente com a estrutura vigente, a contracolonialidade reivindica autonomia epistêmica e política, deslocando o centro de gravidade da crítica para os próprios povos que resistem e reinventam suas formas de vida frente à modernidade colonial. Observa-se uma transformação significativa nesse cenário, impulsionada pelo protagonismo crescente dos povos originários na produção e na circulação de seus conhecimentos e de suas narrativas. Essa mudança move a lógica tradicional da pesquisa, que reduzia esses sujeitos a meros objetos de estudo, situados à margem do conhecimento científico, para, conforme argumentam Rezende, Paiva e Souza (2024), uma construção de novos caminhos de resistência epistêmica, nos quais os povos originários além de preservarem seus saberes, reivindicam o direito de se auto-representar e de narrar suas histórias por meio de múltiplos suportes e linguagens. Essa virada epistêmica rompe com as práticas coloniais que silenciaram suas vozes e institui um campo em que os indígenas se consolidam como protagonistas e parceiros de pesquisadores não indígenas na produção do conhecimento, contribuindo ativamente para a preservação, valorização e defesa de suas causas.

No Quadro 1, apresenta-se um comparativo entre aspectos centrais da decolonialidade e da contracolonialidade, com o objetivo de explicitar distinções e convergências entre essas duas perspectivas. A intenção é oferecer um instrumento analítico que permita compreender, de maneira mais clara, os aspectos da decolonialidade e da contracolonialidade.

 

Quadro 1 – Aspectos da Decolonialidade e da Contracolonialdiade

ASPECTO

DECOLONIALIDADE

CONTRACOLONIALIDADE

Origem

Os primeiros trabalham surgiram em países Latino-Americano e Asiáticos, com contribuições de intelectuais como Aníbal Quijano e Walter Mignolo.

Os trabalhos apresentavam intelectuais indígenas e afrodescendentes no Brasil, como Ailton Krenak, Davi Kopenawa, Julie Dorrico.

Objetivo

Desconstruir os legados da colonialidade do poder, do saber e do ser.

Superar as estruturas coloniais por meio de práticas e de valorização de saberes plurais e ancestrais não ocidentalizados.

Estratégia

Atuar a partir da desconstrução crítica do sistema moderno-colonial para transformá-lo.

Romper com a lógica colonial e reconhecer a existência dos territórios e das cosmovisões dos povos indígenas e afrodescendentes.

Enfoque epistemológico

Questionar a matriz eurocêntrica e valorizar epistemologias alternativas.

Afirmação de epistemologias próprias e autônomas, com centralidade nos saberes tradicionais e diversos.

Relação com a academia

Dialogar com a universidade e buscar transformar seus paradigmas e suas raízes coloniais.

Propor um movimento para além da academia, com saberes praticados fora do modelo institucionalizado.

Tipo de ruptura

Epistemológica e ontológica, ainda com diálogos com a estrutura vigente.

Radical e política, com ênfase na insurgência dos saberes originários e na recusa da colonização em várias estruturas de poder, de ser e de saber.

Fonte: Elaborado pelos autores (2025).

 

As dimensões da decolonialidade e da contracolonialidade, apresentadas no Quadro 1, resultam de um processo de confluência entre diferentes matrizes intelectuais e práticas sociais, articuladas a partir de pelo menos duas grandes fontes principais. A primeira delas se refere aos estudos da corrente teórica decolonial, fundamentada em intelectuais como Nelson Maldonado-Torres, Aníbal Quijano, e Walter Mignolo, dentre outros, que introduziram a crítica à colonialidade do poder, do saber e do ser. A partir desse referencial, emergiram categorias analíticas para compreender como os legados coloniais permanecem estruturando a vida social, política e epistêmica nas sociedades contemporâneas. Dessa tradição teórica, vem também a ênfase na resistência epistemológica, na denúncia do eurocentrismo e na busca pela construção de epistemologias plurais (Quijano, 2014), capazes de tensionar a hegemonia do conhecimento. A segunda corrente, por sua vez, é composta pelas cosmovisões e pelas práticas indígenas, que, muito antes de serem traduzidas em linguagem acadêmica, já afirmavam a pluralidade epistêmica e os modos de vida não subordinados à lógica colonial. Os povos originários e as comunidades tradicionais sempre elaboraram formas próprias de produzir, de organizar e de transmitir saberes, baseados na oralidade, na espiritualidade, na ancestralidade. É nesse campo que ganha força a noção de contracolonialidade, formulada e defendida por intelectuais indígenas e quilombolas brasileiros como Davi Kopenawa e Bruce Albert, Ailton Krenak, Julie Dorrico, e Antonio Bispo dos Santos (Nêgo Bispo), dentre outros.

Então, diferentemente do horizonte decolonial, a contracolonialidade sustenta a necessidade de uma ruptura mais radical, que tem ligação com a centralidade e reconhecimento das epistemologias próprias e autônomas dos povos historicamente subalternizados (Krenak, 2019; Santos, 2023).

Autores indígenas como Kopenawa e Albert (2015) e Gersem Baniwa (2016) têm reforçado a dimensão política da resistência epistêmica, conectando saberes tradicionais às lutas por direitos. Em sua atuação pública e intelectual, eles afirmam que os conhecimentos indígenas não devem ser vistos como arcaicos ou ultrapassados, mas como respostas possíveis às crises do presente. Com efeito, para Kopenawa (2015), os brancos não escutam, pois, seus ouvidos estão cheios de suas próprias palavras. Então, seus escritos são, ao mesmo tempo, um manifesto político e um testamento espiritual, em que ele denuncia a destruição do modo de vida Yanomami, por exemplo, e a invisibilização de seus saberes cosmológicos e ambientais por parte do pensamento eurocentrado.

Essa resistência epistêmica contracolonial também se manifesta no campo da oralidade, da espiritualidade e da relação com a natureza. Ailton Krenak (2019) propõe o retorno à ideia de humanidade em comunhão com a terra, criticando a ideia moderna de progresso que só causa destruição. Para ele, enquanto não compreendermos que somos natureza, continuaremos a produzir mais tragédias do que futuro. A noção de progresso, tão central à modernidade, tornou-se um dispositivo de colonização não somente dos territórios, mas também das subjetividades, uma vez que naturalizou a ideia de devastação, que significou romper com formas de vida integradas à terra e aos ciclos da natureza. Em contraponto, considera-se que o progresso deve respeitar e preservar a natureza.

Eliane Potiguara (2019) e Julie Dorrico (2020) também têm contribuído para a construção dessa resistência epistêmica, a partir de lugares de fala que articulam literatura, oralidade e memória como formas de resistência originária. Potiguara (2019) destaca que ser indígena é um ato político e de resistência e que as histórias dos povos originários devem ser contadas por eles, ou sobre eles, utilizando seus próprios termos e/ou linguagens. Complementarmente, Dorrico (2020) enfatiza que a escrita indígena é um campo de disputa simbólica e política, em que as narrativas coloniais são reescritas por meio da cosmovisão indígena. A literatura, nesse contexto, torna-se uma ferramenta de resistência e de reposicionamento epistemológico, onde os saberes silenciados ganham voz e visibilidade. Da mesma forma, Márcia Kambeba (2021), por meio de sua poesia e de sua militância, denuncia a invisibilidade das mulheres indígenas e reivindica o direito dessas na sociedade.

Na Figura 1, apresenta-se uma breve esquematização sobre a contracolonialidade na perspectiva dos povos originários.

Figura 1 – Contracolonialidade na perspectiva indígena

Fonte: elaborado pelos autores (2025).

               

As contribuições de intelectuais indígenas e não indígenas revelam que tanto a decolonialidade quanto a contracolonialidade convergem no propósito de desmontar os efeitos persistentes da colonialidade, ainda que apresentem naturezas distintas. A diferença entre essas perspectivas reside no lugar de fala, na intencionalidade política e na forma como propõem o enfrentamento dessas estruturas. A contracolonialidade, ancorada nas experiências e epistemologias dos povos originários, reivindica uma ruptura mais profunda, fundamentada na afirmação de saberes, de cosmologias e de práticas tradicionais como pilares para a criação de outros mundos possíveis, em oposição direta aos modelos coloniais de subordinação.

 

3 INFORMAÇÃO INDÍGENA NOS HORIZONTES DECOLONIAL E CONTRACOLONIAL

            A colonialidade, com já visto em Maldonado-Torres (2008), Quijano (2014) e Mignolo (2017), entre outros, não se encerrou com o término formal do colonialismo. Porém, no contexto brasileiro, em particular, os povos originários vêm ao longo da história desenvolvendo múltiplas estratégias de resistência frente às formas persistentes de dominação. As formas de agenciamento protagonizadas por esses povos podem ser entendidas como práticas de desobediência epistemológica e ontológica, que confrontam toda essa lógica. Ao recusarem a subordinação aos sistemas coloniais de saber e reorganizarem suas práticas a partir de epistemologias próprias, essas comunidades protagonizam uma resistência que não é só reativa, mas propositiva, colocando em evidência a potência de outras racionalidades, cosmologias e maneiras de organização social frente à modernidade capitalista.

Torna-se patente, então, que compreender e identificar o sentido do que é informação indígena, não deve ser somente um exercício conceitual, mas uma atitude comprometida com o reconhecimento dos fundamentos e das múltiplas formas de criação e de circulação de saberes, assim como de lutas e batalhas por reconhecimento. Essa postura fortalece significativamente a consolidação desse campo epistêmico, sobretudo, quanto à geração de conhecimento e expansão dessa perspectiva. Paiva (2013) reforça que a informação indígena deve ser observada como todo o conteúdo produzido pelos povos originários e/ou sobre eles, ou seja, produzidos por pesquisadores estudiosos desse campo teórico, em qualquer suporte, dos mecanismos da oralidade às plataformas digitais, valorizando as múltiplas expressões culturais desses povos.

Assumir esse posicionamento implica também no reconhecimento de que o conceito de informação indígena não é neutro; longe disso, refere-se a um ato político e epistêmico que se contrapõe à lógica colonial e ao apagamento histórico. Ao fazê-lo, o pesquisador se alinha às lutas dos povos originários, compreendendo que tal valorização contribui para fortalecer o protagonismo indígena em suas produções de conhecimento e de protagonismo. Essa atitude, como sublinha Dorrico (2020), legitima a autoria e a escrita de suas próprias histórias, reafirma a palavra e a memória como ferramentas de resistência e de emancipação, além de apoiar a reivindicação de direitos, inclusive a conquista de territórios.

É certo que adotar uma postura reflexiva diante da informação dos povos originários implica reconhecer sua potência transformadora em diversos campos do conhecimento. O entendimento crítico desse conceito conduz a criação de processões e ações informacionais mais sensíveis e comprometidas, fomentando novas perspectivas no manuseio e no tratamento de dados da produção indígena, o que amplia os horizontes para a preservação de arquivos e de memórias, fortalecendo a representação da diversidade cultural (Rezende; Paiva; Souza, 2024). Nesse movimento, se posicionar a favor de práticas que ultrapassem a neutralidade técnica e afirmem a centralidade das dimensões ética, cultural e política da informação torna-se fundamental. Isso significa enfatizar que o tratamento do saber deve sempre considerar a especificidade cultural de cada povo, respeitando suas territorialidades, suas formas sociais de viver, seus costumes e seus modos de existir, de modo a romper com perspectivas homogeneizadoras e coloniais.

 

4 COMPETÊNCIA CRÍTICA COMO MECANISMO CONTRACOLONIAL

No domínio da informação, a CCI pode ser concebida como mecanismo contracolonial, na medida em que designa uma corrente teórico-prática importante para questionar e desestabilizar as estruturas opressoras da colonialidade contemporânea. Mais do que um agrupamento de habilidades técnicas, essa competência assume um caráter político e formativo, ao orientar uma leitura crítica das relações dominantes que permeiam a produção e um arcabouço de poder e de uso da informação, articulando a compreensão das desigualdades sociais, discernimento, posicionamento e ação transformadora. Ela se propõe, na prática, a examinar as condições históricas, sociais e culturais que produzem desigualdades, sendo capaz de identificar e problematizar traços abusivos da colonialidade.

Oliveira e Souza (2022), em aproximação a esses entendimentos, propõem uma ruptura aos modelos normativos e homogêneos de letramento informacional, ao destacar que essa competência reflete sobre a capacidade de identificar a informação para além das vias formais de ensino.

 

A competência crítica em informação [...] representa uma linha conceitual que reflete sobre as competências em informação para além das vias formais de ensino, visto que tenciona o papel do sujeito informacional sob uma perspectiva menos prescritiva de sua atuação perante os problemas informacionais, considerando, em primeira instância, as relações díspares dos sujeitos em seus contextos sociais, o que impede a formação de um perfil que tende à uniformização de um possível “sujeito competente em informação” (Oliveira; Souza, 2022, p. 78).

 

Ao criar habilidades de análises e de questionamentos, em meio a experiências vividas, nas lutas cotidianas, os sujeitos passam a aprimorar uma consciência crítica capaz de reconhecer e quebrar os processos de poder que operam nas relações informacionais. Isso inclui condições para identificar formas contemporâneas de abuso colonial, como o racismo, a exploração econômica e a apropriação cultural, significativamente no caso dos povos originários. Com efeito, Elmborg (2006, p. 196) destaca que a CCI tem a finalidade “a capacidade de avaliar criticamente o próprio sistema”, convocando os sujeitos a compreenderem como a informação é condicionada por interesses políticos, econômicos e ideológicos. Desse modo, ela é percebida como prática sociopolítica, que necessita dialogar com as realidades concretas e com os saberes locais, como os dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, entre outras camadas marginalizadas socialmente. Em vez de impor padrões únicos e universalizantes, considera-se que, quanto maior for o discernimento crítico sobre a informação e suas fontes, maiores serão as eventualidades de resistência e de reivindicação por justiça social.

Beloni (2022, p. 130) observa que, em um cenário de produção acelerada de dados e de informações, essa competência crítica “[...] amplia a capacidade do sujeito de se proteger, de denunciar abusos e de exigir responsabilidade das instituições que coletam e manipulam seus dados”. Assim, a leitura crítica da informação torna-se um instrumento de proteção e de mobilização política.

Tewell (2015, p. 256) reforça que ela permite ao sujeito “[...] engajar-se e agir sobre as estruturas de poder que sustentam a produção e circulação da informação”. A partir disso, propõe uma concepção de alfabetização informacional que ultrapassa o enfoque instrumental e tecnicista, orientando-se para práticas que valorizam a pluralidade de vozes, de saberes e de contextos, que pode incluir, de modo significativo, os conhecimentos produzidos pelos povos originários. Em outros termos:

 

Além de propor uma análise reflexiva e revisionista das convenções e normas institucionais da competência em informação, os estudos de competência crítica em informação assumem um compromisso prático de engajamento na luta contra as estruturas de poder que sustentam a produção e a disseminação dominante de informação, criando obstáculos à autonomia informacional e à emancipação social (Bezerra, 2023, p.92).

 

O autor destaca o duplo papel da CCI. Por um lado, ela propõe uma revisão crítica das normas e das convenções institucionais que, ao longo da história, regularam o campo de competência em informação, muitas vezes, marcadas por vieses tecnicistas. Por outro, ela também assume um compromisso ético e político com a mudança social do sujeito. Ao afirmar que essa competência se engaja na luta contra as hierarquias de poder que regulam a produção e a disseminação da informação dominante, Bezerra (2023) ainda evidencia que essa abordagem vai além da alfabetização informacional tradicional, pois denuncia os mecanismos que restringem o acesso equitativo ao conhecimento, que marginalizam saberes não-hegemônicos, como aqueles dos indígenas, dos quilombolas e dos periféricos, e, por conseguinte, reproduzem desigualdades sob o pretexto de neutralidade informacional.

No Quadro 2, apresenta-se a CCI como um processo de caráter contracolonial, possibilitando uma compreensão mais ampla de suas dimensões a partir de uma perspectiva orientada à ruptura das estruturas de opressão e ao fortalecimento da autonomia, da resistência e da emancipação das comunidades originárias.

Quadro 2 – CCI como mecanismo contracolonial

DIMENSÃO

COLONIALIDADE

CONTRACOLONIAL

Epistemológica

Conhecimento centrado no universalismo europeu.

Conhecimento pluriepistemológico. Considera a oralidade, a espiritualidade, a ancestralidade e a cosmovisão como formas legítimas de conhecimento.

Temporal

Linha histórica progressista e ocidental, baseada nas crenças europeias de que só existe evolução por causa da entrada dos colonizadores.

Reconhece que os saberes ancestrais está presente na diversidade cultural. Considera o tempo cíclico conectado a natureza e ao modo de vida.

Fonte e Autoridade

Saberes e informação centrado somente em instituições formais.

Saberes que vão além dos meios formais. Experiências e vivencia da comunidade e suas diversidades culturais fazem parte do cotidiano, da produção e do aprendizado.

Abrangência

Vertical e restrita sem atender a todos. Limitação de acesso a recursos, desigualdades, ineficiência, conflitos e exclusão.

Horizontal e plural, considerando os diálogos, a inclusão e circulação dos saberes entre gerações. Criação de políticas que favoreça as comunidades.

Autonomia Informacional

Regimes pautado em modelos impostos pelos colonizadores. Controle sobre a informação e conhecimento. Acesso desigual e estereotipado.

Incentiva a emancipação e o fortalecimento da identidade, dos saberes próprios e da comunidade. Entende a importância da preservação cultural, do acesso e inclusão, informacional e o conhecimento.

Transformação Social

Perda de identidade, exploração econômica, desestruturação territorial. Servidão aos opressores.

Compreende a importância da ruptura colonial e da criação de mundos outros a partir de sua própria cultura. Não aceita imposição externa e luta pelos seus direitos.

Saberes em Ação

Educação nos moldes bancários. Informação com dado a ser repetido sem ser questionado.

Informação como vivencia e incentivo ao saber. Compreender que o conhecimento vai além da educação formal. O aprendizado é ativo crítico e questionador.

Emancipação Social

Pensar que incluir em seus regimes e padrões está sendo um diferencial.

Produção de saberes em suas línguas diversas, com metodologias próprias e autonomia epistêmica.

Criticidade

Avaliação técnica da veracidade. Repetição de modelos mecânicos em favor do capital.

Questionamento das forças capitalistas, das estruturas e dos regimes impostos. Quebra de opressão e empoderamento informacional.

Fonte: elaborado pelos autores (2025).

 

É importante frisar que dimensões derivadas da CCI, orientadas à finalidade contracolonial, são resultados de leituras, de reflexões e de percepções desenvolvidas no nesse domínio teórico, que se consolida como um campo epistemológico além da dimensão meramente instrumental (Oliveira; Souza, 2022; Bezerra, 2023). Em rigor, seus fundamentos não se restringem ao acesso e ao uso técnico da informação, mas se expandem para o enfrentamento político, ético e epistêmico das desigualdades produzidas pela colonialidade. Assim, ao ser compreendida como mecanismo contracolonial, aquela competência se caracteriza como um dispositivo analítico e prático capaz de tensionar diferentes aspectos da vida social e informacional, abrindo espaço para epistemologias plurais e práticas emancipatórias.

Observa-se, operacionalmente, que os elementos fundantes da CCI são ressignificados à luz da contracolonialidade. A crítica informacional, por exemplo, deixa de ser concebida como um exercício de racionalidade normativa e passa a constituir-se em uma prática de desobediência epistêmica (Mignolo, 2017). Nessa perspectiva, a autonomia desses povos se realiza pela autodeterminação epistêmica e cultural, e não pela adaptação a sistemas hegemônicos. Do mesmo modo, a transformação social promovida por essa competência não busca somente a inclusão no modelo vigente, mas a abertura para a criação de mundos outros, pluriversais, em que o conhecimento deixa de estar a serviço da dominação e passa a afirmar sua diversidade e seu potencialidade de reverter situações concretas de opressão, de apagamento e de exclusão.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve por objetivo analisar a CCI como um mecanismo contracolonial, estabelecendo aproximações teórico-conceituais com os aportes de autores indígenas e quilombolas dessa corrente de pensamento, bem como as práticas cotidianas e estratégias informacionais desenvolvidas pelos povos originários. Nesse sentido, observou-se que aquela competência, quando pensada sob esta perspectiva epistemológica, materializa o deslocamento de abordagens instrumentais e tecnicistas e passa a ser uma ação coletiva, situada e politicamente engajada, com a finalidade de desconstrução de paradigmas coloniais e a valorização das epistemologias alternativas, incluindo as indígenas.

A partir dessa concepção, torna-se evidente que a CCI desempenha um papel central no contexto da contracolonialidade indígena, ao se constituir como um mecanismo de afirmação dos modos próprios de saber, de existir e de narrar o mundo. Diferente das abordagens convencionais, que compreendem a autonomia informacional e os saberes dos povos originários sem valor ou importância, essa perspectiva contracolonial desloca esse entendimento para uma dimensão territorial, coletiva e espiritual. Isso porque, entre os povos originários, a informação não se reduz a dados descontextualizados nem à abstração técnica, ela está enraizada na oralidade, nos rituais, nas práticas agroecológicas, na cosmologia, na organização comunitária e na relação com a terra como entidade viva.

É importante, por fim, ressaltar que a utilização desses referenciais não implica deslegitimar as pesquisas e os pesquisadores não indígenas que se dedicam a essa corrente teórica. Pelo contrário, excluir tais contribuições significaria reproduzir a própria lógica eurocêntrica de silenciamento e de hierarquização de saberes, que no decorrer da história negou a coexistência de epistemologias plurais. Nesse campo de investigação, ao mobilizar a CCI como um possível mecanismo contracolonial, busca-se ampliar o horizonte analítico e propor alternativas capazes de tensionar os regimes hegemônicos de produção do conhecimento. Dessa forma, essa competência, articulada a perspectivas decoloniais e contracoloniais, apresenta-se como um dispositivo fértil para o fortalecimento do debate na Ciência da Informação, favorecendo tanto a legitimação de epistemologias originárias quanto a construção de práticas mais inclusivas, críticas e emancipatórias.

 

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[1] Doutoranda em Ciência da Informação pela Universidade Federal da Paraíba. Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Pernambuco.

[2] Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal da Paraíba (PPGCI/UFPB) e da Pós-Graduação em Ciência da Informação da Universidade Federal de Alagoas (PPGCI/UFAL).

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