CAPÍTULO VI
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apenas dos delegados enquanto representantes do povo, então, o próprio
princípio que consiste em contentar-se com esta maioria, e enquanto
princípio admitido com o acordo geral, portanto, mediante um contrato, é
que deverá ser o princípio supremo do estabelecimento de uma constituição
civil
.
Desse modo, em Teoria e práxis, ele afirma que a vontade geral é uma idéia
da razão que
obriga todo legislador a fornecer as suas leis como se elas pudessem
emanar da vontade coletiva de um povo inteiro, e a considerar todo o súdito,
enquanto quer ser cidadão, como se ele tivesse assentido pelo seu sufrágio
a semelhante vontade. E esta, com efeito, a pedra de toque da legitimidade
de toda a lei pública. Se, com efeito, esta é de tal modo constituída que é
impossível a um povo inteiro poder proporcionar-lhe o seu consentimento
(...) não é justa; mas se é apenas possível que um povo lhe dê o se
assentimento, então é um dever considerar a lei como justa.
Seja como for, jamais Kant imputará virtude ao cidadão como condição de
possibilidade do estabelecimento de um Estado, ou mesmo de um Estado justo:
“o homem está obrigado a ser um bom cidadão, embora não seja obrigado a ser
moralmente um homem bom. O problema do estabelecimento do Estado, por mais
áspero que soe, tem solução, inclusive para um povo de demônios (contando que
tenham entendimento)”
. Por isso, pode haver injustiça, ou seja, o legislador pode
errar: “a injustiça de que, na sua opinião, ele é vítima só pode, segundo aquele
TP, AA 08: 296. Locke apresenta como fundamento do princípio majoritário a força superior da
maioria em relação à minoria: “sendo necessário ao que é um corpo para mover-se em um sentido,
que se mova para o lado para o qual o leva a força maior, que é o consentimento da maioria”
[LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. [Trad. A. Aiex e E. Jacy Monteiro: Concerning Civil
Government, Second Essay]. 2. ed., São Paulo: Abril Cultural, 1978. cap. VIII]. Kelsen, por sua vez,
sustenta o seguinte: “a idéia subjacente ao princípio da maioria é a de que a ordem social deve estar
em consonância com o maior número possível de sujeitos e em discordância com o menor número
possível de sujeitos [...] é o princípio da maioria que assegura o grau mais alto de liberdade política
possível dentro da sociedade. Se uma ordem social não pudesse ser modificada pela vontade de
uma maioria simples de sujeitos, mas apenas pela vontade de todos (ou seja, de modo unânime), ou
pela vontade de uma maioria qualificada (por exemplo, por um voto majoritário de dois terços ou três
quartos), então um único indivíduo, ou uma minoria de indivíduos, poderia impedir uma modificação
na ordem” [KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 3. ed., [L. C. Borges: General Theory
of Law and State]. São Paulo: Martins Fontes, 2000 [1949], p. 412]. Para Rawls, a regra da maioria é
escolhida por questão de efetividade, pois “não há outro modo de lidar com o regime democrático”.
No entanto, ele implica, como contrapartida, que “the parties accept the risk of suffering the defects of
one another‟s knowledge and sense of justice in order to gain the advantages of an effective
legislative procedure” [RAWLS, John. A Theory of Justice. [Revised Edition]. Oxford: Oxford University
Press, 1999 [1971], p. 312].
KANT, Immanuel. Sobre a expressão corrente: isso pode ser correcto na teoria, mas nada vale na
prática. [Trad. Artur Morão]. Covilhã: Lusofia Press. [Disponível em: http://www.lusosofia.net/], TP, AA
08: 297.
KANT, Immanuel. Sobre a expressão corrente: isso pode ser correcto na teoria, mas nada vale na
prática. [Trad. Artur Morão]. Covilhã: Lusofia Press. [Disponível em: http://www.lusosofia.net/], TP, AA
08: 366.