ANDERSON DE ALENCAR MENEZES

 

 

 

 

 

 

 

 

 

COLETÂNEA COLÓQUIOS HABERMAS

VOLUME 3 – ANDERSON DE ALENCAR MENEZES

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Rio de Janeiro

2023

© 2023 Editora Salute

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Autor: Anderson de Alencar Menezes.

Organização: Clóvis Ricardo Montenegro de Lima.

Editoração: Andreza dos Santos.

Capa:Andreza dos Santos.

Publicado no Brasil – 2023.

 

Caixa de texto: M52C

Menezes, Anderson de Alencar.
      Coletânea Colóquios Habermas, volume 3 : Anderson de Alencar Menezes / Anderson de Alencar Menezes; Clóvis Ricardo Montenegro de Lima (org.) - Rio de Janeiro : Salute, 2023.

      248 p.

      ISBN: 978-65-89784-06-7.

1.	Habermas, Jurgen. 2. Filosofia. I. LIMA, Clóvis Ricardo Montenegro de. II. Título.


CDD: 193
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Ficha catalográfica elaborada na fonte por Andreza dos Santos – CRB 14/866.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

APRESENTAÇÃO

 

 

Neste ano de 2023 em que o Colóquio Habermas chega a sua 19ª edição, os seus organizadores estão iniciando a publicação de uma coleção de coletâneas de artigos por autores individuais e temas específicos. Cabe recordar que o Colóquio Habermas é sempre organizado em torno de tema central genérico.

O Colóquio Habermas é um evento que foi idealizado e criado pelos professores da Universidade Federal de Santa Catarina Alessandro Pinzani e Delamar Dutra em 2005. Os Colóquios funcionam como espaço de divulgação e discussão do pensamento do filósofo alemão Jurgen Habermas.

A coleção de Coletâneas de artigos apresentados no Colóquio Habermas inicia com a publicação dos trabalhos de professor Jovino Pizzi, da Universidade Federal de Pelotas. Outras coletâneas serão publicadas, no sentido de ampliar a divulgação dos artigos, no espírito livre da licença Creative Commons.

Esperamos com esta coleção contribuir para a maior difusão e a melhor recepção da obra de Habermas, segmentada entre autores com diferentes leituras e experiências. A diversidade temática aponta para as múltiplas possibilidades de fundamentação e de aplicação com a obra de filósofo, particularmente dedicado a guinada epistemológica com a teoria de agir comunicativo e a razão prática da ética e da política.

A discussão ética e política é extremamente relevante e pertinente neste contexto em que o Brasil vive a sua reconstrução racional após seis anos de obscurantismo de um golpe parlamentar e um governo de extrema-direita. Precisamos de amplo entendimento democrático para orientar e sustentar a construção de uma sociedade justa, livre, igualitária e sustentável.

 

 

 

Rio de Janeiro, 25 de julho de 2023.

 

Clóvis Ricardo Montenegro de Lima

Organizador

PREFÁCIO

 

 

 

Esta Coletânea é fruto da participação de um grupo de pesquisadores – mestrandos e doutorandos que fazem parte do Grupo de Pesquisa – Tecer (Teoria Crítica, Emancipação e Reconhecimento), liderado pelo Professor Dr. Anderson de Alencar Menezes, docente e pesquisador da Universidade Federal de Alagoas nos Colóquios Habermas desde 2012, no IBICT, no Rio de Janeiro. Portanto, há mais de uma década que mantemos este diálogo profícuo com um grupo seleto de pesquisadores de todo o Brasil que estudam e pesquisam o pensamento fascinante de Jurgen Habermas.

Nossa mais profunda gratidão ao querido Professor Clovis Montenegro pelo cuidado e zelo na organização desta Coletânea. Assim como, pela preocupação científica e filosófica em manter viva a Tradição do Colóquio Habermas.

Habermas (2002) em Pensamento Pós-Metafísico, procura desenvolver uma nova concepção de subjetividade. Procura substituir uma visão auto-referente e solipsista de sujeito para um sujeito auto-referencial. Passando assim para um conceito ampliado de subjetividade numa concepção de interação comunicativa.

Por sua vez, na perspectiva pós-metafísica proposta por Habermas (2002) a subjetividade consitui-se através da linguagem, a auto-consciência cede lugar ao núcleo intersubjetivo. Daí a compreensão de que a subjetividade emerge de contextos linguísticos que desenvolve a sua identidade numa perspectiva cognitiva, moral, estética e expressiva.

Neste âmago de compreensão, Habermas (2002) difere da visão tradicional ou clássica de subjetividade, ou seja, a subjetividade não é um dado que antecede o processo de constituição da realidade objetiva. A compreensão habermasiana é de que a subjetividade surge da tessitura comunicativa presente no mundo da vida. Assim, o mundo da vida passa a ser a realidade constituidora das subjetividades.

A individualidade forma-se em condições de reconhecimento intersubjetivo e de auto-entendimento mediado linguisticamente. Pois, nas interações do mundo da vida, o indivíduo incorpora as expectativas do outro.  Ou seja, a intersubjetividade é a base da identidade do Eu, o eu cria sua identidade no agir e interagir com os outros sobre o mundo.

Habermas (2002) insiste na vinculação entre conhecimento e mundo da vida.  Na área ligada ao conhecimento, existem Saberes (científicos, morais e estéticos), já o mundo da vida é o foro legítimo de validação dos saberes, pois a validez de qualquer saber depende, sempre de novo, da possibilidade de justificação de sua validez.

Habermas (2002) tenta minorar a distância entre grandes massas e elite de investigadores quando trata do papel da ciência. A ciência não se reduz apenas à dimensão da verdade do saber, pois a verdade é inseparável de uma sociedade justa.

 Neste sentido, o mundo da vida é a última instância em que os saberes são postos à prova e recebem o selo de confiabilidade. Sobretudo no mundo da vida os critérios de verdade e retitude são âmbitos de correção para a justiça social. Daí o papel preponderante da filosofia propor este caminho reflexivo para além dos ditames da ciência, a verdade só é possível no contexto de uma sociedade justa.

Neste âmbito de compreensão, verdade e retitude estão no bojo do mundo da vida. Justamente no mundo da vida que é uma estrutura pré-gramaticalmente interpretável. Por isto que os postulados científicos não são independentes da moral.  Neste sentido, verdade e retitude estão intimamente interligadas à justiça social.

 

Respeitosamente,

 

Prof.Dr. Anderson de Alencar Menezes

Professor e Pesquisador – CEDU/PPGE/UFAL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SUMÁRIO

 

Capítulo I

 

ESFERA PÚBLICA, CIDADANIA MULTICULTURAL E FORMAÇÃO CRÍTICA EM JURGEN HABERMAS.. 11

Anderson de Alencar Menezes.

 

Capítulo II

 

OS PRINCÍPIOS DA MORAL NUMA SOCIEDADE PÓS-SECULAR:                              A PERSPECTIVA DE JURGEN HABERMAS.. 26

Anderson de Alencar Menezes.

 

Capítulo III

 

RECONHECIMENTO E GRAMÁTICA MORAL: PERSPECTIVAS A PARTIR DE HABERMAS E HONNETH.. 39

Anderson de Alencar Menezes; Virgílio Andrade Neto; José Aparecido de Oliveira Lima.

 

Capítulo IV

 

A JURIDICIZAÇÃO COMO TENDÊNCIA DE COLONIZAÇÃO DO MUNDO DA VIDA.. 56

Anderson de Alencar Menezes.

 

Capítulo V

 

A CRISE DA RELAÇÃO DE LEGITIMIDADE ENTRE DIREITO E DEMOCRACIA:  DÉFICITS DE MORALIDADE.. 71

Anderson de Alencar Menezes; Angelina Renata Andrade Ribeiro dos Santos; Gustavo de Melo Silva.

 

Capítulo VI

 

A RACIONALIDADE COMUNICATIVA HABERMASIANA: CONTRIBUIÇÕES NO PROCESSO DE ACEITAÇÃO DO IMIGRANTE E REFUGIADO.. 88

Virgílio Andrade Neto; Darlan do Nascimento Lourenço; Anderson de Alencar Menezes.

 

Capítulo VII

 

FILOSOFIA E EDUCAÇÃO: A FORMAÇÃO MORAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO PROCESSO SOCIOEDUCATIVO BRASILEIRO SOBRE A PERSPECTIVA DA CULTURA HABERMASIANA DO DIREITO. 105

Antônio Tancredo Pinheiro da Silva; Vitor Gomes da Silva; Anderson de Alencar Menezes.

 

Capítulo VIII

 

GRAMÁTICAS E ESPAÇOS DE RECONHECIMENTO NO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO: O SISTEMA SOCIOEDUCATIVO ALAGOANO.. 116

Anderson de Alencar Menezes.

 

Capítulo IX

 

A INEFICÁCIA DO POSITIVISMO JURÍDICO NA REDUÇÃO DOS LITÍGIOS SOCIAIS EM FACE DA AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO.. 130

Anderson de Alencar Menezes; Gustavo de Melo Silva.

 

Capítulo X

 

FILOSOFIA E EDUCAÇÃO: COMO SER RECONHECIDO NO MUNDO DA VIDA: UMA ANÁLISE DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO ALAGOANO NA ÓTICA HABERMASIANA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.. 139

Vitor Gomes da Silva; Anderson de Alencar Menezes.

 

Capítulo XI

 

O RECONHECIMENTO DE ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL NO BRASIL: INVISÍVEIS NO ESTADO DE DIREITO.. 148

Antônio Tancredo Pinheiro da Silva; Anderson de Alencar Menezes.

 

Capítulo XII

 

RACIONALIZAÇÃO DO MUNDO DA VIDA: UM ANTIDOTO CONTRA A INVESTIDA SISTEMICA DAS MILICIAS DIGITAIS.. 159

Anderson de Alencar Menezes; Antônio Tancredo Pinheiro da Silva.

 

Capítulo XIII

 

A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E A TEORIA DO RECONHECIMENTO DE HONNETH   174

Virgílio Andrade Neto; Henrique dos Santos Andrade; Anderson de Alencar Menezes.

 

Capítulo XIV

 

INEFICÁCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ASSISTÊNCIA  FARMACÊUTICA NO BRASIL, A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE COM  POLÍTICA PÚBLICA.. 197

Anderson de Alencar Menezes; Antônio Tancredo Pinheiro da Silva;  Clarissa Maria Cavalcante Silva; Edmilson Pinto Ribeiro; Tiago Mesquita Duarte da Rocha.

 

 

Capítulo XV

 

ESTELIONATO CULTURAL OS EFEITOS DA INDÚSTRIA CULTURAL E A AÇÃO COMUNICATIVA NOS CURSOS DE DIREITO EM ALAGOAS.. 209

Gabriel Soares de Azevedo Filho; Ana Carolina de Araújo Azevedo; Anderson de Alencar Menezes.

 

Capítulo XVI

 

OS REFLEXOS PANDÊMICOS NO ENSINO OFERTADO PELA REDE PÚBLICA DE MACEIÓ/AL: POLÍTICAS PÚBLICAS E DIGNIDADE SOB AS PERSPECTIVAS DE HABERMAS.. 229

 Anderson de Alencar Menezes; Antônio Tancredo Pinheiro da Silva; Martha Vanessa Lima do Nascimento Cardoso

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO I

 

 

 

 

 

 

 

 

 


ESFERA PÚBLICA, CIDADANIA MULTICULTURAL E FORMAÇÃO CRÍTICA EM JURGEN HABERMAS

 

Anderson de Alencar Menezes[i]

 

1 INTRODUÇÃO

 

A temática que envolve este trabalho é de grande complexidade pelas relações imbricadas no mesmo. Penso que a questão da Esfera Pública numa ótica habermasiana se assinala a partir de algumas notas características. Primeira, deve-se realçar o aspecto Multicultural da cidadania, aspecto que recebe especial signifi cado na compreensão habermasiana, pois, insere-se na dimensão de Esfera Pública, algo fundamental na compreensão habermasiana. A segunda está contida na dimensão formativa da obra habermasiana que nos leva a compreender a Interculturalidade a partir da dimensão de Estado Pós- Nacional e suas implicações éticas e educativas no que toca à dimensão da aprendizagem social. A terceira envolve a temática em geral, pois nos apresenta a cidadania como um espaço de construção numa sociedade democrática, tarefa explícita da cidade educadora. De fato, este pensamento nos remete ao princípio da fi losofi a habermasiana que é a postulação de uma ação comunicativa como via de regra para o estabelecimento de uma sociedade esclarecida e emancipada.

 

2DEMOCRATIZAÇÃO E REVITALIZAÇÃO DA ESFERA PÚBLICA

 

Em sua obra Mudança Estrutural da Esfera Pública , Habermas defi ne o que entende por Esfera Pública:

 

O uso corrente de ‘público’ e ‘esfera pública’ denuncia uma multiplicidade de signifi cados concorrentes. Eles se originam de diferentes fases históricas e, em sua aplicação sincrônica sobre relações da sociedade burguesa industrial tardia e organizada sócio-estatalmente, entram num turvo conúbio. As mesmas relações que, no entanto, se contrapõem ao uso tradicional do termo, um emprego um tanto confuso dessas palavras, parecem até mesmo exigir a sua manipulação ideológica. Pois não só a linguagem corrente fi nca pé nisso (ao menos aquela já impregnada pelo jargão das burocracias e dos mídias); também as ciências, sobretudo Direito, Ciência Política e Sociologia, estão, evidentemente impossibilitadas de substituir categorias tradicionais como ‘público’ e ‘privado’, ‘esfera pública’, ‘opinião pública’, por defi nições mais precisas. Ironicamente, tal dilema vingou-se primeiro na disciplina que, expressamente, faz da opinião pública o seu objeto: com o avanço das técnicas empíricas, diluiu-se, como uma grandeza impossível de ser captada, aquilo que a public opinion research propriamente deveria captar; também a sociologia não é consequente e não desiste pura e simplesmente dessas categorias, pois ainda se continua a tratar de opinião pública tanto quanto anteriormente (Habermas, 1984,p. 13-14).

 

Neste âmbito de compreensão, o conceito de “esfera pública” é um conceito sociológico vital e fundamental na estrutura arquitetônica do pensamento habermasiano. Todavia, o autor prefere falar de Esfera Política Pública, ideia representativa de uma democracia liberal assentada no conceito de formação da vontade da opinião pública. Obviamente que a Esfera Política Pública adquire signifi cado quando os princípios democráticos formam as bases das dinâmicas societárias.

O fato é que a revitalização da Esfera Política Pública nos remete à ideia de um Estado liberal representativo, em que as forças políticas não são oriundas única e exclusivamente dos meios jurídicos ou políticos, estritamente falando, mas advindas das relações que se estabelecem no espaço público em que os cidadãos são “cidadãos” e na medida em que se autocompreendem enquanto atores sociais numa determinada esfera pública.

É de fundamental importância retomar Marx nesta discussão pois, para ele, a opinião pública é a representação da falsa consciência, enquanto ela oculta de si mesma o seu verdadeiro caráter de máscara do interesse da classe burguesa. Neste sentido, o que Habermas justamente procura evitar é que a Esfera Pública seja dominada pelo império da opinião pública como império dos muitos e dos medíocres. Daqui surge a sua ideia de consenso, enquanto aspecto regulador e normatizador dos vários interesses societários.

Ao se falar de revitalização da esfera pública, temos que levar em consideração a interpenetracão progressiva da esfera pública com o setor privado. Neste sentido, a teoria política do Estado alcança aqui o seu fundamento e síntese, ou seja, pensar a esfera pública significa pensá-la a partir da relação intrínseca entre sistema e mundo-da-vida.

Neste âmbito de compreensão, para além do “público” e do “privado” surge a esfera do social, cujo intuito é o de dissolver esta relação paradoxal no âmbito da vida pública, politicamente falando. Por outro lado, trata-se de recolocar, no lugar normativamente desejado, a ideia de uma esfera social repolitizada, cujo intuito fundamental é de não permitir que esta política “neo-mercantilista” promova uma espécie de “refeudalização” da sociedade, em que o público e o privado não se distinguiam enquanto tal e que a esfera do social, que é um fenômeno mais moderno, fi que desconstituído dos potenciais mais constitutivos, principalmente no que toca aos aspectos de crítica e reconstrução do tecido socio-político.

Nesta perspectiva, conforme Morrow e Torres (2002), é no âmbito da revitalização da esfera pública que, para Habermas, a aprendizagem democrática se dá de um modo mais complexo e diversifi cado. Há uma distinção que ambos estabelecem entre Freire e Habermas que deve ser realçada. Enquanto que o foco da concepção primária de emancipação prática de Freire é pequena, no contexto internacional de prática pedagógica, para Habermas, o foco tem sido a questão da transferência destes princípios para um nível de larga escala para seus agentes coletivos. Como nós devemos perceber, o foco de Freire na possibilidade de construção de uma provisória e pequena esfera pública como interação básica de emancipação da educação foi amplamente relacionada à história do discurso de Habermas e que se encontra nas origens do modelo de democracia surgido nos séculos XVII e XVIII.

De acordo com Morrow e Torres (2002), a preocupação habermasiana com a questão educacional se dá em três pontos fundamentais: 1) no do signifi cado histórico da institucionalização dos discursos; 2) no da relação geral da educação entre a esfera pública e a democracia, em especial as regras das universidades e 3) no do signifi cado do “novo” movimento social como forma de aprendizado coletivo relacionado à revitalização da esfera pública. Portanto, para Habermas, a educação passa pela formação de novos movimentos sociais em que o aprendizado coletivo nos âmbitos da esfera pública passa pela construção de uma cidadania cívica, ética e refl exiva.

A partir desta perspectiva, as instituições de ensino fazem parte de um complexo discurso que contribui para o processo universal do aprendizado da coletividade. Em termos evolutivos, outros exemplos dramáticos de discursos institucionalizados incluem o questionamento teórico das interpretações míticas e religiosas; o sistema que testa a validade para a reivindicação do profano (científi co) e os conhecimentos relacionados com a ética profi ssional da emergência da esfera pública que poderia representar a questão política, isto é, a democracia burguesia.

Neste nível, a compreensão habermasiana original se dá no âmbito do papel das Universidades na esfera pública na contemporaneidade. Morrow e Torres (2002) sustentam que Habermas atribui às universidades um papel estratégico, aqui se referindo ao contexto das universidades alemãs, em que grande parte das reformas implementadas falharam. Apesar de suas falhas, as universidades preservam sua importância como exemplos de comunicativo racional e criativo enquanto “esferas públicas internas especializadas” que carregam a nota promissória de surpresa argumentativa, uma vez que, a qualquer momento, um novo ponto de vista pode surgir, uma nova ideia aparecer inesperadamente.

 

3ESFERA PÚBLICA, FORMAÇÃO CRÍTICA E APRENDIZAGEM SOCIAL

 

Para Robert Young , em sua obra A Critical Th eory of Education: Habermas and Our Children’s Future, o desenvolvimento de uma teoria crítica da educação tem sido complexa.

Deve-se notar que a mais recente teoria crítica da educação foi concluída à maestria do Marxismo. O processo de ensino era visto como parte de um processo social geral de formação dos seres humanos. As forças produtivas eram mediadas pelo processo histórico da formação dos indivíduos e das instituições onde eles viviam. Neste sentido, o autor referido nos leva a compreender:

 

O ponto principal da teoria crítica da educação foi o desenvolvimento crítico vindo de uma perspectiva educacional, desenhada pelo leste tradicional marxista, uma crítica com prática, isto é, educacional, intencional. Mas desenhado apenas pela tradição mais seletiva. Como Keckeisen tem mostrado, as bases intelectuais de muitos dos recentes teóricos constituem-se como movimento auto-crítico a partir de um pensamento educacional. A concepção com a tradição de origem hegeliana atuou na maioria das formas de pensamento. O problema educacional foi defi nido assim em termos de ligação entre a realidade e a possibilidade, entre real e ideal. Enquanto este novo tipo de pensamento marxista foi considerado de impacto na Alemanha durante os anos turbulentos de 1960, como inclinação para a abstração das polêmicas e proteção desta turbulência numa velocidade em declínio somente pelo aquecimento do movimento estudantil que o subsidiou ( Young, 1990, p. 56-57).

 

Foi justamente neste período de desenvolvimento da teoria crítica que se descobriu o valor do método hermenêutico em oposição ao método positivista. E isso principalmente no âmbito educacional, em que as inadequadas técnicas burocráticas das formas de administração da educação foram substituídas pelo discurso e pela práxis da fi losofi a das ciências sociais, mas, neste âmbito, de maneira histórica e procedimental, quer dizer, mais refl exiva em suas formas e estruturas, se tornando, assim, um modelo alternativo a um dado paradigma positivista.

Deve-se salientar ainda que a infl uência epistemológica positivista na construção de currículos foi muito criticada, pois, como consequência desta infl uência, tivemos o bloqueio ou a interrupção de um desenvolvimento criativo da aprendizagem que fez da sala de aula um lugar em que a administração tecnocrática encontrava o seu pleno desenvolvimento. Isto originou o que se costuma chamar de “pedagogia da manipulação”, em que os educandos são vistos mais como objetos da educação do que como sujeitos da mesma.

No âmbito pedagógico, a teoria crítica passa a ter maior relevância justamente a partir de uma concepção de razão menos funcionalista e mais hermenêutica e pragmática. Pois tal teoria tem como parâmetro de compreensão, de análise e de percepção, a fi losofi a da linguagem em oposição a uma fi losofi a da consciência, sobejamente solipsista e circunscrita nos meandros da concepção da metafísica clássica que se estrutura a partir da relação entre sujeito cognoscitivo e objeto cognoscível.

É na tradição da Escola de Frankfurt que a Teoria Crítica foi cunhada e pensada como Teoria Crítica da Sociedade. Portanto, a contribuição original dos autores de Frankfurt, como já tivemos ocasião de mostrar no decorrer deste estudo, está em nos ajudar a compreender o processo de formação a partir de uma relação consistente entre a cultura, a política e a sociedade, entendidas como espaços de constituição das identidades subjetivas e sociais.

O pensamento habermasiano se inscreve nesta tradição frankfurteana mas vai além dela, à medida que postula um paradigma fundado na linguagem e não mais na consciência. Young (1990) considera Habermas o mais atual dos muitos pensadores que reconhecem o potencial crítico da educação. A presença na tradição clássica de uma crítica fracassada já tem sido notada. Kant falou da coragem de libertar-se da falta de liberdade auto-imposta. Schleiermacher desenvolveu as ideias de Kant ainda mais, argumentando que os estudantes devem se tornar responsáveis não apenas por suas atividades educacionais, mas também pelo desenvolvimento do grupo social ao qual eles pertenciam.

Conforme Young (1990) a crítica que se faz à tradição clássica é que ela não consegue abraçar o signifi cado da crise na educação, mas apenas tem uma visão parcial acerca do assunto. As duas ideias dominantes de nacionalismo e dogmatismo foram construídas de modo simultâneo, de tal forma que a ideia de democracia foi relegada a segundo plano, tornando-se assim frágil o argumento da tradição clássica na proposta de uma educação das pessoas comuns, cujo signifi cado nos remete aos tempos de Platão.

Neste sentido, o fundamento último da realidade não está mais localizado na compreensão do sujeito isolado (egológico), mas desloca-se para o campo prático e intersubjetivo. Esta é a virada linguística proposta por Habermas, de uma razão centrada no sujeito, para uma razão descentrada, fundada na linguagem, e, portanto, na intersubjetividade da fala.

Esta mudança paradigmática, anteriormente aludida, tem suas ressonâncias no campo pedagógico, como diz Martinazzo:

 

O entendimento situa-se na base da constituição de construções sociais e pedagógicas, emancipadoras e democráticas. E isso só se torna possível porque, nos pressupostos da teoria comunicativa, o político-social e, para nós, a fortiori, o pedagógico, é produto não apenas de uma consciência monádica (rex extensa cartesiana), mas de uma capacidade linguística, argumentativa e comunicativa dos homens capazes de fala e de entendimento. Uma Pedagogia do Entendimento Intersubjetivo, portanto, assenta-se na linguisticidade do ser humano que redireciona e amplia a razão mentalista, técnicoinstrumental e estratégica; ou seja, constitui-se enquanto razão comunicativa de sujeitos que se entendem por intermédio de atos linguísticos e não por ações isoladas da razão e da consciência ( Martinazzo, 2005, p. 204).

 

Portanto, o paradigma não é mais a razão substantiva, mas uma razão que se orienta em sua ação pelo procedimento linguístico. Esta visão crítico-reconstrutiva proposta por Habermas torna complexa a relação com o conhecimento, principalmente no que tange aos saberes pedagógicos. Ora, a consequência imediata de compreensão no âmbito educacional está em perceber que o centro do ato pedagógico não é mais a relação mecânica existente entre ensino e aprendizagem, pois o centro da relação passa a ser a interligação ou comunicação crítica entre os vários saberes envolvidos na construção do agir pedagógico que, na leitura que fazemos do pensamento habermasiano, deixa de ser ato pedagógico, dimensão fortemente substantiva e metafísica, e passa a ser agir pedagógico, implicando uma relação ulterior com o agir linguístico, dimensão pós-metafísica. Neste sentido, o sujeito não é mais o fi m último da razão e do conhecimento humanos, mas adquire realce a intersubjetividade e as práticas oriundas dos mais diversos saberes envolvidos na teia das interações comunicativas.

Deste modo, no centro do agir pedagógico está a re-ligação e a interconexão entre os vários saberes. Como isto se dá no interior da escola? Quando se recupera uma das dimensões mais vitais do ser humano, a sua refl exividade. Portanto, a ação educativa é comunicativa na medida em que tem como pressuposto fundamental uma racionalidade discursiva cujo objetivo fundamental está em formar sujeitos éticos e críticos. Consequentemente, o refl etir passa a ter, nesta perspectiva, uma função eminentemente educativa.

Portanto, o primeiro aspecto pedagógico que se deriva da ação educativa como ação comunicativa é o refl etir como função educativa central. A função educativa do refl etir é retomada por Adorno no seu texto clássico, Educação e Emancipação. De fato, o conjunto desta obra revela que a educação é, antes de tudo, esclarecimento. Daí, a formação educativa do refl etir, como auto-refl exão. Quando refl etimos, resgatamos uma dimensão que vai além do círculo da mercadoria, do repetitivo. Isso é educativo, é formativo.

A aplicação direta da concepção habermasiana à ação educativa, salvaguarda três princípios centrais: esclarecimento (autonomia), emancipação (liberdade) e formação (autorefl exão crítica).

Quanto ao esclarecimento, trata-se de um conceito denso e que nos remete à obra fundamental de Adorno e Horkheimer, A Dialética do Esclarecimento, e que é datada de 1947, cuja totalidade das partes refl ete a tese central do livro – o esclarecimento não é um conceito puro do iluminismo burguês; como desejava Horkheimer e Adorno, ele passa a signifi car um conceito que nos tira tanto do obscurantismo do medievo como do irracionalismo moderno.

Esta obra apresenta o Mito de Ulisses, cuja autoria se deve a Homero. Ulisses representa toda a tradição ocidental, pois o seu desejo se expressa em se autolibertar dos dogmas da religião, bem como dos mitos da tradição. Nesta obra, Adorno e Horkheimer (1994) compreendem a Aufk lärung, o esclarecimento, indo além de toda uma concepção tradicional que implica este termo. A Aufk lärung, consignada no mito de Ulisses quer representar, na concepção greco-clássica, aquilo que se denominaria, na modernidade, como autonomia do sujeito. Bem se sabe que a concepção que se tem de esclarecimento entre os gregos não assume a mesma fi sionomia na modernidade.

A questão que interessa aqui é perceber que, já entre os gregos, a dialética existente entre mito e realidade produzia certo obscurantismo no modo de apreender a totalidade do mundo circundante. Porém, na modernidade, a Aufklärung atinge uma significação mais precisa: ela passa a ser concebida como fruto da construção crítica do mundo. Esclarecido é o sujeito que não se deixa orientar, única e exclusivamente, pelos ditames da tradição, da religião ou da própria metafísica. Aqui está uma outra concepção do sujeito moderno, que pretende se auto-libertar da figura mítica do mundo para viver segundo a sua própria consciência e liberdade. Neste sentido, passa-se de uma concepção heterônoma (exterior) para uma concepção autônoma (interior) do modo de agir e conceber o mundo.

Neste sentido, o esclarecimento não deve ser reduzido aos aspectos estritamente formais da educação. Nem deve o mesmo ser entendido de forma equívoca, como, por exemplo, ter sufi ciente clareza dos procedimentos. Pelo contrário, o esclarecimento do qual estamos falando é um conceito que nos conduz à concepção greco-clássica, anteriormente aludida. De uma forma mais moderna, o esclarecimento remete ao conceito propriamente kantiano, quando este fala do ser humano que deve sair da menoridade, ou seja, da tutela dos dogmas, da moral ou de uma dada religião ou tradição e passar a se auto-compreender a partir de sua própria maioridade. É um processo de auto-libertação que atinge o seu cume num processo coletivo de reconhecimento mútuo.

Indaga-se: qual o alcance desta percepção esclarecedora para o processo educacional? Primeiro, deve-se notar que o processo de esclarecimento cultural deve ser o objetivo fundamental da educação no que diz respeito à formação do sujeito crítico enquanto participante da construção de espaços públicos mais democráticos e efetivamente mais solidários.

O termo, esclarecimento cultural reveste-se de uma feliz percepção. Pois, se constitui, na compreensão habermasiana, como um dos momentos fundamentais de crítica cultural. Ou seja, a educação passa pela reconstrução da eticidade e esteticidade da fala. O horizonte cultural deve passar pelo fi ltro das argumentações da fala, em que o saber e a tradição cultural são procedimentalmente discutidos.

No âmbito da escola, a tradição cultural deve ser articulada com o pensamento refl exivo e deve ser analisada de forma crítica em oposição aos arquétipos ideológicos da “colonização”. Aqui, certamente pergunta-se: como a tradição cultural deve se transformar em conteúdos de aprendizagem? Na escola, para além da aprendizagem cívica (aprendizagem do Hino Nacional, homenagem ao dia do índio etc) que são meras reproduções de um arquétipo cultural colonizador, dever-se-ia, ao contrário, estabelecer processos de aprendizagem, de modo que as diferentes etnias, raças, culturas, possam ser aprendidas com um cunho mais ético e integrador. A escola deveria se preocupar, portanto, em traduzir certos conteúdos de aprendizagem em atitudes éticas concretas, abrindo-se assim a uma dimensão mais abrangente da existência.

Quanto ao tema da “emancipação”, situa-se numa narrativa social e educacional pouco aberta e sensível a esta realidade. Falando da formação histórica do Estado Brasileiro, nomeadamente os períodos que se seguiram ao golpe militar de 1964, percebemos, nitidamente, um retrocesso que se traduz, ainda hoje, em um processo de subserviência e a-criticidade no desenvolvimento da existência humana e das relações tecidas em sociedade.

O tema da emancipação, enquanto realidade concreta, é relativamente recente no Brasil. As políticas educacionais, que orientam os órgãos públicos do Governo Brasileiro e que animam os projetos político-pedagógicos dos Estados, desenvolvem-se a partir de uma perspectiva pouco emancipadora. Os programas pedagógicos e as deliberações estatais seguem um princípio legislador muito coercitivo. Ou seja, a emancipação passa a assumir um tom de retórica, de junções gramaticais bem construídas, são narrativas gramaticais que pouco ou nada incidem nas narrativas sociais de construção político-semântica do saber a ser construído socialmente.

Quanto à “formação”, a tarefa de uma pedagogia crítico-comunicativa está em promover uma política de formação continuada que vise discutir os pressupostos basilares para todo agir educativo, que são: linguagem e racionalidade. A leitura destes aspectos, no conjunto da obra habermasiana, reveste-se de um caráter singular. Formar-se é, antes de tudo, entender-se como ator consciente e livre. A questão da formação para Habermas dá-se na esfera pública, em que o debate tem, na proposição argumentativa, o desejo de persuadir, tendo como critérios os seguintes princípios: veracidade, inteligibilidade e normatividade.

Nesta perspectiva, a formação adquire um sentido peculiar a partir de uma ótica educacional que se permite ser concebida a partir de uma racionalidade comunicativa. No primeiro momento, deve-se reconhecer que a tarefa proeminente da educação é a formação do sujeito, mas em uma compreensão que vá além da concepção e constituição do sujeito epistêmico e moral kantiano. Neste sentido, a formação do sujeito se autocompreende como intersubjetividade. Portanto: “... a recusa de um pensamento metafísico, que ofereça direção teleológica para a formação do sujeito, leva a reconhecer que a educação é parte de uma socialização que se efetiva no mundo prático. Nesse processo, a formação do sujeito (Eu) está em mútua dependência da mediação social, da qual se retiram os conteúdos normativos”. (Prestes,1996, p. 118)

O desenvolvimento pessoal (personalidade); a integração social (socialização) e a apropriação cultural (desenvolvimento cultural) estão centradas nas três perspectivas de análise habermasiana de construção do sujeito da educação. Este sujeito compreendido enquanto intersubjetividade.

Por sua vez, quando a perspectiva da formação é orientada por uma racionalidade cognitivo-instrumental, logo se faz notar as incongruências de todos os gêneros. Esta é uma razão que produz anomia, coação sistêmica, e diversas outras formas de patologias sociais, ocasionando certo ceticismo quanto à perspectiva da ação formativa. Neste sentido:

 

As condições necessárias para realizar a formação do sujeito, a partir de Habermas, emergem de uma racionalidade comunicativa do discurso prático, que possibilita chegar à justeza das normas e à universalidade. O sujeito precisa amadurecer na direção de se colocar diante de diferentes perspectivas para chegar a manter ou reformular normas (Horkheimer e Adorno, 1997, p. 119).

 

Daí, podermos concluir que a tarefa de educar os sujeitos na perspectiva da racionalidade comunicativa signifi ca superar a cisão existente entre subjetividade transcendental e subjetividade empírica a partir da conciliação habermasiana entre ciências reconstrutivas e o ponto de vista fi losófi co.

Wolfgang Leo Maar, na introdução da obra de Adorno (1995) Educação e Emancipação, faz-nos compreender a crise da formação no seguinte sentido:

 

A crise da formação é a expressão mais desenvolvida na crise social da sociedade moderna. De Hegel a Marx, de Nietzsche a Freud, de Husserl a Heidegger, de Lukács à Escola de Frankfurt, a crise do processo formativo seria um tema privilegiado. O trajeto intelectual de Adorno constitui, neste sentido, a história desta crise da formação e da educação em face da dinâmica do trabalho social. Portanto, a ‘Bildung’, numa leitura adorniana tem um sentido de formação cultural e política dos atores sociais em questão (Adorno, 1995, p. 16).

 

Estes três princípios, anteriormente aludidos, implicam em três tarefas educativas que se podem depreender do pensamento habermasiano. Segundo Habermas (1993), “quando os pais querem educar os seus fi lhos, quando as gerações que vivem hoje querem se apropriar do saber transmitido pelas gerações passadas, quando os indivíduos e os grupos querem cooperar entre si, isto é, viver pacifi camente com o mínimo de emprego de força, são obrigados a agir comunicativamente”. Nesta perspectiva, as três grandes tarefas educativas na ótica habermasiana seriam: a formação de identidades pessoais (educação dos fi lhos); a reprodução cultural (apropriação dos saberes) e a integração social (cooperação).

Vale salientar que estas tarefas devem ser realizadas pela sociedade em seus vários segmentos; mas que, deste modo, as mesmas transcendem o âmbito da educação estritamente escolar. Nesta perspectiva, tem razão Pinto (2004) ao dizer que toda Cidade é convocada a ser Educadora. Portanto, estas três grandes tarefas educativas podem ser plenamente realizadas no âmbito da complexidade do mundo-da-vida, uma das categorias centrais do pensamento habermasiano.

 

4 ESFERA PÚBLICA, CIDADANIA ESCLARECIDA E CIDADE EDUCADORA

 

De fato, a compreensão da teoria do agir comunicativo aplicada à esfera educativa é a de postular a formação de cidadãos mais autônomos e, portanto, mais esclarecidos tanto socialmente quanto historicamente. O engajamento na esfera pública, em que a educação é uma esfera privilegiada do tecido social e para onde apontam vários interesses convergentes, ocupa um lugar privilegiado na formação em vista tanto de uma interação crítica com a realidade quanto o desenvolvimento de forças propulsoras de transformação social.

Porém, na acepção de Habermas, devemos compreender a formação de uma cidadania esclarecida a partir do contexto de um Estado Pós-Nacional, Pós-Secular e Pós-Metafísico.

 

Por sua vez, institucionalizar uma ‘cidadania multicultural’ requer programas e regulamentos que põem em crise o fundamento nacional de solidariedade cívica já transoformado numa espécie de segunda natureza. Nas sociedades multiculturais fazse necessário uma ‘política de reconhecimento’, no momento que a identidade de cada cidadão se une à identidade coletiva e vem a depender do estabelecimento de uma rede de reconhecimento recíproco. É um fato que a existência de cada indivíduo depende sempre das tradições intersubjetivamente condivisas e comunidade formadora da identidade... Nas nações que tiveram uma maturação histórica de si mesmas, qualquer que seja a política que tenha por objetivo a equiparação jurídica das diversas formas de vida – comunidades étnicas, grupos linguísticos, confi ssões religiosas – deve dar início a um processo tanto doloroso quanto difícil (Habermas,2002, 49-50).

 

Esta forma de compreensão se insere hoje numa cosmovisão mais abrangente da vida humana. Habermas, ao compreender as sociedades multicuturais hoje, pergunta pela possibilidade de se instituir um Estado Democrático de Direito em que os atores sociais possam viver de forma multicultural em que não haja mais fronteiras e sim espaços porosos permeados por uma ideia cada vez mais crescente de estados pós-nacionais, em que várias etnias, raças e culturas sejam juridicamente respeitadas nos seus direitos e deveres.

Hoje, na Europa, existe toda uma discussão sobre os imigrantes que, provenientes de várias nacionalidades, não são reconhecidos nos seus direitos fundamentais. É um problema ético elementar, mas se constitui também como um problema cultural, de ordem eminentemente educativa, já que toca na formação de atitudes e de comportamentos diante de instituições injustas e deliberadamente comprometidas com a destituição do social e de suas forças intrínsecas.

Portanto, na concepção habermasiana, a formação de uma cidadania multicultural passa essencialmente pela formação da opinião pública e pelo reconhecimento dos grupos minoritários, em que a educação deve desempenhar um papel fundamental na esfera pública de construção de uma cidadania ativa e esclarecida.

Este aspecto da luta pelo reconhecimento das minorias “inatas” não é apenas um detalhe na teoria habermasiana. De fato, as minorias, sejam elas étnicas, culturais, sociais ou políticas, devem ser reconhecidas a partir de uma concepção de Estado Democrático de Direito em que se chegue a uma inclusão “com sensibilidade para as diferenças”.

Neste âmbito, Habermas nos diz que

 

(...) a coexistência com igualdade de direitos de diferentes comunidades étnicas, grupos linguísticos, confi ssões religiosas e formas de vida, não pode ser obtida ao preço da fragmentação da sociedade. O processo doloroso do desacoplamento não deve dilacerar a sociedade numa miríade de subculturas que se enclausuram mutuamente (Habermas, 2002, p. 166).

 

Por sua vez, no âmbito educativo, cabe à escola e às outras instituições educativas propor um itinerário formativo não mais a partir da concepção do Estado-nação, mas a partir de uma concepção de Estado Pós-nacional dentro de um contexto crescente de uma sociedade cada vez mais multicultural e complexa. Neste sentido é de fundamental importância salientar o que pensa Pinto:

Esta ordem real de coisas sugere a seguinte viragem estratégica na formação para a cidadania: 1) é necessário tornar o lugar próximo; 2) é necessário tornar a matéria acessível; 3) é necessário conceber uma formação que se dirija a todos os cidadãos e que mobilize todos os cidadãos numa modalidade que talvez faça lembrar o velho método do ensino mútuo ou a educação em rede, como propunha Ivan Illich. Sobretudo o que é necessário é evoluir para uma sociedade convivial onde, contrariamente ao preconizado pelo pedagogo fi lósofo, a escola institucional deve continuar a existir, embora reconvertida em centro educativo com funções culturalmente multiplicadas (Pinto, 2004, p. 145).

 

5 CONCLUSÃO

 

A perspectiva conclusiva deste artigo inscreve-se na dialeticidade do mesmo. Ou seja, a democracia e a formação crítica na ótica habermasiana implica em processos de aprendizagem, aprendizagens estas, que não se reduzem ao aspecto cognitivo, mas, inscreve-se no âmbito da ética, da estética, da política e da cidadania cívica.

O pensamento habermasiano tem muito a conbribuir para os processos refl exivos mais críticos e dialéticos. Ao trabalhar no âmbito da linguagem, este se insere numa perspectiva menos metafísica e postula uma perspectiva pós-metafísica, portanto, menos ontológica e mais antropológica e hermenêutica.

Penso que é este caráter hermenêutico que deve ser a maior contribuição habermasiana para pensar a formação no âmbito da Esfera Pública. Sem dúvida alguma, ele se insere num contexto mais polifônico da razão educativa e apresenta uma perspectiva formativa mais centrada na postulação de atores socais críticos e emancipados.

Na primeira linha conclusiva, o pensamento habermasiano compreende a educação e a formação no âmbito de uma sociedade democrática, neste sentido, compreende o educativo no âmbito da Esfera Pública.

Numa segunda linha conclusiva, a releitura habermasiana do processo formativo far-se-á numa compreensão ética da existência humana, a perspectiva da tolerância e do respeito às outras etnias, raças e culturas, pede-nos um novo olhar educativo, que não é somente tarefa da escola, mas das várias agências educativas envolvidas no Estado Democrático de Direito.

A terceira linha conclusiva está na formação de uma cidade educadora como postualdo central do pensamento habermasiano. A cidade educadora é plasmada no âmbito da esfera pública pelas interações sociais e é composta pela heterogeneidade das tendências e perspectivas da sociedade. Neste âmbito, a aprendizagem social que é democrática e cidadã passa pela recontrução da cidade numa ótica educadora e emancipada.

 

REFERÊNCIAS

 

ADORNO, Th eodor. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.

 

HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.

 

HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002.

 

HABERMAS, Jürgen. Passado como futuro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro. 1993.

 

MARTINAZZO, Carlos. Pedagogia do entendimento intersubjetivo: razões e perspectivas para uma racionalidade comunicativa na Pedagogía. Ijuí: Unijuí, 2005.

 

MORROW, Raymond A.; TORRES, Carlos Alberto. Reading Freire e Habermas: critical Pedagogy and transformative social change. USA: Columbia University, 2002.

 

PINTO, Fernando Cabral. A Formação humana no projeto da humanidade. Porto: Instituto Piaget, 1996.

 

PINTO, Fernando Cabral. Cidadania, sistema educativo e cidade educadora. Lisboa: Instituto Piaget, 2004.

 

PRESTES, Nadja. Educação e racionalidade: conexões e possibilidades de uma razão comunicativa na escola. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996.

 

YOUNG, Robert E. A Critical theory of education: Habermas and our children´s future. USA: Columbia University, 1990.

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO II

 

 

 

 

 

 

 

 


OS PRINCÍPIOS DA MORAL NUMA SOCIEDADE PÓS-SECULAR:                              A PERSPECTIVA DE JURGEN HABERMAS

 

Anderson de Alencar Menezes

 

1INTRODUÇÃO À LEGITIMIDADE DA PROBLEMÁTICA

 

Habermas (2002) defende, no texto ― Uma visão genealógica do teor cognitivo da moral, que a Ética do Discurso justifica o conteúdo racional de uma moral do respeito para cada um e da responsabilidade solidária pelo outro. Contudo, ele faz isso, inicialmente, através da “reconstrução racional dos conteúdos de uma tradição moral abalada em sua base validativa religiosa”. (HABERMAS, 2002, p. 55) O questionamento que o autor em questão coloca é: se ainda pode ser justificado o teor cognitivo dessa moral?

Veremos, a seguir, os passos que Habermas dará para defender o conteúdo racional da moral.

A análise genealógica do teor cognitivo da moral, proposta por Habermas (2002), pode ser dividida (didaticamente) em três etapas: 1) na primeira, a análise genealógica se dirige ao exame da tradição religiosa judaico-cristã, pois essa tradição religiosa consegue conferir às normas de um teor cognitivo; 2) na segunda etapa, a genealogia investiga, após a desvalorização do fundamento religioso de validação das normas na modernidade, algumas propostas da filosofia moral moderna que buscam reconstruir o conteúdo cognitivo das intuições morais; e 3) na terceira etapa, após constatar que os esforços da filosofia moral moderna não conseguiram reconstruir o conteúdo das intuições morais cotidianas, a análise genealógica ajuda a Ética do Discurso a responder, primeiro, quais intuições morais são reconstruídas e, em segundo, como é possível fundamentar, a partir da teoria moral, o ponto de vista moral.

Segundo Habermas, em sua Obra A Inclusão do Outro (2002) frases ou manifestações morais têm, quando fundamentadas, um teor claro cognitivo. Precisa-se distinguir 2 aspectos iniciais:

1. Aspecto: Compreender esta questão quanto à teoria da moral, ou seja há algum saber nas manifestações morais e como elas podem ser fundamentadas?

2. Aspecto: A questão fenomenológica, ou seja qual teor cognitivo os participantes desses conflitos percebem em suas reivindicações ou apelos morais.

Habermas (2002) situa a sua fala a partir de uma fundamentação moral de maneira descritiva. Ou seja, inserindo-a no contexto das interações cotidianas do mundo vivido. Fundamentalmente, seria a reconstrução e a reconstituição destas falas no horizonte da prática comunicativa cotidiana, como elas refletem e revelam os apelos e as reivindicações de ordem moral. Não só a sua compreensão semântica, mas, sobretudo pragmática e epistêmica da linguagem e de seus vários usos no tecido do mundo fenomênico.

Neste âmbito de compreensão, as manifestações morais portam consigo um potencial de motivos que pode ser atualizado a cada disputa moral.

Conforme Habermas (2002), uma nova concepção de moral emerge desta compreensão, ela não diz respeito apenas como os membros da comunidade devem se comportar; ela simultaneamente coloca motivos para dirimir consensualmente os respectivos conflitos de ação.

Na perpectiva de Silva (2011) fazem parte do jogo da linguagem moral as discussões, as quais, do ponto de vista dos participantes, podem ser resolvidas convincentemente com ajuda de um potencial de fundamentações igualmente acessível a todos. Nesta perspectiva, se a moral carecesse de um teor cognitivo crível, ela não seria superior às formas mais dispendiosas de coordenação da ação (como o uso direto da violência ou a influência sobre a ameaça de sanções ou a promessa de recompensas).

A partir do fato de haver normais morais “em vigor” para os integrantes de uma comunidade, não segue necessariamente que as mesmas tenham, consideradas em si, um conteúdo cognitivo. O intuito seria recolher reconstrutivamente, mais ou menos, elementos do conteúdo cognitivo das nossas intuições morais cotidianas.

Neste sentido, o não-cognitivismo severo quer desmascar o conteúdo cognitivo da linguagem moral como sendo, em tudo, ilusão. Ele tenta mostrar que, por trás das manifestações morais passíveis de justificação, se escondem apenas sentimentos, posicionamentos ou decisões de origem subjetiva.

Na compreensão de Silva (2011) descrições revisionistas semelhantes às do emotivismo (Stevenson) e do decisionismo (Popper) foram encontradas pelo utilitarismo, que vê nas preferências a origem do sentido “obrigatório” das orientações de valor e dos deveres. Contudo, diferentemente do não-cognitivismo severo, ele substitui a autoconsciência moral irrefletida dos participantes por um cálculo de benefícios, feito a partir da perspectiva do observador, e, nessa medida, oferece uma fundamentação que parte da teoria da moral para o jogo moral de linguagem.

Nesta perspectiva de análise, o utilitarismo tange algumas formas do não-cognitivismo atenuado, que leva em conta a autoconsciência dos sujeitos que agem moralmente, seja tendo em vista sentimentos morais (como é o caso da tradição da filosofia escocesa), seja a orientação segundo normas vigentes (como no caso do contratualismo hobbesiano). Contudo, a autoconsciência do sujeito que julga moralmente recai em revisão. Em seus posicionamentos e julgamentos, presumidamente justificados de modo objetivo, deveriam exprimir-se de fato apenas motivos racionais, sejam sentimentos ou situações de interesses (fundamentáveis pela razão dos seus fins).

O cognitivismo atenuado também deixa intacta a autoconsciência da práxis cotidiana das fundamentações morais, na medida em que atribui às valorações “fortes” um status epistêmico. O cognitivismo severo quer, ainda, fazer justiça à reivindicação categórica de validade dos deveres morais. Ele tenta reconstruir o conteúdo cognitivo do jogo moral de linguagem em toda a sua amplidão. Aqui a teoria moral apresenta a possibilidade de fundamentação, na medida em que reconstrói o ponto de vista que os próprios membros das sociedades póstradicionais assumem intuitivamente, quando, diante de normas morais básicas que se tornaram problemáticas, só podem recorrer a motivos sensatos.

 

2A ANÁLISE GENEALÓGICA DO TEOR COGNITIVO DA MORAL - A GENEALOGIA DA TRADIÇÃO RELIGIOSA JUDAICO-CRISTÃ

 

Segundo Habermas (2002) após o desmoronamento de uma visão de mundo católica, obrigatória para todos, e com a passagem para sociedade de cosmovisão pluralista, não mais podem ser justificados publicamente segundo um ponto de vista divino transcendente.

Nas sociedades ocidentais profanas, as intuições morais cotidianas ainda estão marcadas pela substância normativa das tradições religiosas por assim dizer decapitadas, declaradas juridicamente como questão privada – sobretudo pelos conteúdos da moral da justiça judaica, do Antigo Testamento.

Os ensinamentos proféticos transmitidos pela via bíblica tinham à sua disposição interpretações e motivos que conferiram às normas morais uma força de convencimento pública.

A filosofia moral não precisa apresentar ela própria os fundamentos e as interpretações que, nas sociedades secularizadas, ocupam o lugar dos fundamentos e das interpretações religiosas desvalorizadas – ao menos publicamente.

Contudo, conforme Habermas (2002) ela precisaria designar o gênero de fundamentos e interpretações que poderiam assegurar ao jogo de linguagem moral uma força de convicção suficiente, também sem uma retaguarda religiosa. Tendo em vista esse questionamento genealógico, gostaria de 1) lembrar a base de validação monoteísta de nossos mandamentos morais e 2) determinar mais precisamente o desafio proveniente da moderna situação de partida.

Nesta perspectiva de análise, a justificativa ontoteológica recorre a uma instalação do mundo devido à sábia legislação do deus criador. Ela confere ao homem e à comunidade humana um status destacado em meio à criação e, com isso, seu “destino”.

Por sua vez, a justificação soteriológica dos mandamentos morais recorre, por outro lado, à justiça e à bondade de um deus salvador. Esta estrutura comunicacional marca o relacionamento moral – mediado por Deus – com o próximo, sob os pontos de vista da solidariedade e da justiça.

Aspectos que devem ser realçados e advindos da tradição judaico-cristã. A “Solidariedade” baseada na qualidade de membro o liame social que une a todos: um por todos. O igualitarismo implacável da “justiça” exige, pelo contrário, sensibilidade para com as diferenças que distinguem um indivíduo do outro. Cada um exige do outro o respeito por suaalteridade. A tradição judeu-cristã considera a solidariedade e a justiça como dois aspectos de uma mesma questão: elas permitem ver a mesma estrutura comunicacional de dois lados diferentes.

1. Duas tentativas de renovação da moral de explicação empirista.

Conforme Habermas (2002) Seriam duas linhas distintas. A primeira ligada a Allan Gibbard que segue uma linha mais expressivista da explicação e elucidação de uma convivência solidária; ao passo que, a segunda, ligada à Ernst Tugendhat, segue mais uma linha contratualista da ideia de uma comunidade justa.

Neste âmbito de compreensão, a consciência moral é expressão das legítimas reivindicações que os membros de uma comunidade moral podem exigir e criar expectativas, quando se compreendem enquanto membros cooperativos de um grupo social.

Segundo Tugendhat (1993 apud HABERMAS, 2002, p.27) “os sentimentos morais (vergonha e culpa) sinalizam às pessoas que se reconhecem como sérias, que elas fracassaram enquanto ‘membros cooperativos’ ou ‘bom parceiros sociais’ de uma dada comunidade moral”.

Passaremos agora a analisar, de forma ainda que sumária, as perspectivas apontadas por Gibbard e Tugendhat, na ordem dos autores elencados.

Na compreensão de Habermas (2002), Gibbard distintamente de Kant, compreende as normas para além das normas para ação. Segundo ele, as normas devem ser utilizadas para todas as espécies de padrões, o que significa a consideração do que é racional, ao emitir uma opinião, externar um sentimento ou de agir de determinada forma. O que é mais importante é que para Gibbard (1992, apud HABERMAS, 2002, p.84) denomina “morais as normas que fixam, para uma comunidade, quais as classes de atos que merecem reprovação espontânea”.

Para Gibbard (1992 apud HABERMAS, 2002, p.30) “não se pode compreender o entendimento discursivo sobre normas morais a partir do modelo da busca cooperativa da verdade, mas a no sentido de influenciação retórica.” Neste âmbito, como o processo discursivo não se pautou pela mobilização dos motivos melhores, mas pela capacidade de contágio das expressões mais impressionantes, não se pode falar de uma real “fundamentação”.

Neste ponto de vista, como explicar o ponto de vista, em que sob condições pragamaticamente excelentes, as normas encontrariam anuência sob o ponto de vista funcional no seu “valor de sobrevivência”, objetivamente elevado e específico. (GIBBARD, 1992, apud HABERMAS, 2002, p. 31)

Veremos agora, uma perspectiva distinta da visão funcionalista da moral. Tugendhat faz esta abordagem a partir de 3 pontos. 1) descreve os sistemas de regras morais em geral, quais os motivos para sermos morais em geral; 2) que espécie de moral deveríamos racionalmente escolher sob condições pós-metafísicas. (TUGENDHAT, 1993, apud HABERMAS, 2002, p. 32).

Tugendhat começa com um conceito pleno de comunidade moral. Ele sublinha a questão da autoconsciência daqueles que se sentem vinculados a regras morais. Segundo o autor em questão, faz parte de nossa autonomia pertencer ou não a uma comunidade moral. Entende, por autonomia apenas a capacidade de se agir orientado por regras, a partir de motivos racionais. ( TUGENDHAT, 1993, apud HABERMAS, 2002, p. 32)

Tugendhat (1993, apud HABERMAS, 2002, p. 32) apresenta alguns motivos práticos, quais sejam:

 

Prefiro participar de uma comunidade moral, pois diante de um processo de instrumentalização mútua, escolho ser sujeito e destinatário de direitos e deveres; Prefiro relações equilibradas de amizade, pelo fato de serem melhores que a solidão estrutural de um ator que age estrategicamente; Prefiro a satisfação de me sentir respeitado por pessoas que são, elas próprias, moralmente respeitáveis.

 

No segundo ponto, Tugendhat (1993, apud HABERMAS, 2002, p. 34-35) parte do fato de que, “após a perda da base tradicional da validação de uma moral comum, os participantes têm que refletir juntos sobre quais normas morais deveriam se pôr de acordo”. Neste sentido, todos os pontos de vista para um acesso moral à verdade estão invalidados.

Partindo deste ponto de vista, depois da religião e da metafísica, o que fundamentaria uma moral da consideração igual para todos? Se não há mais, a prescrição transcendente? Precisamos compreender então, este jogo moral de linguagem a partir da perda da base religiosa de validação da moral.

Segundo Tugendhat (1993, apud HABERMAS, 2002, p. 35):

 

se o que é bom deixa de ser prescrito de forma transcendente, o respeito pelos membros da comunidade, que passa a ser ilimitado, ou seja, o respeito por todos os outros – por sua vontade e seus interesses –é que, segundo parece, passa a fornecer os princípios da bondade.

 

Neste sentido, a intersubjetividade passa a ocupar o lugar da prescrição transcendente.

Neste ponto de vista, Tugendhat aproximasse do princípio kantiano da generalização a partir das considerações simétricas da situação de partida, em que as partes se confrontam, destituídas de todos os seus privilégios. Em que se buscam os acordos fundamentais que podem ser aceitas racionalmente por todos os participantes. Portanto, se os participantes aceitam entrar numa práxis de entendimento cooperativo, também aceitam tacitamente a condição da consideração simétrica ou uniforme do interesse de todos. (todo participante sério precisa examinar o que é racional para ele nas condições de consideração simétrica e uniforme dos interesses).

 

3 A FUNDAMENTAÇÃO DA MORAL A PARTIR DA TEORIA DO DISCURSO

 

Ao se perder a autoridade epistêmica da posição divina, os mandamentos morais perdem também sua justificação soteriológica e ontoteológica.

A ética do discurso, por sua vez, não pode nem conservar o teor moral íntegro das instituições religiosas, nem preservar o sentido realista de validação próprio às normas morais.

Segundo Habermas (2002) a ética discursiva justifica o teor de uma moral do respeito indistinto e da responsabilidade solidária por cada um. Assim, propõe-se de saída a tentativa de estabelecer uma base profana, em que as fundamentações éticas possam convergir.

O fato é que os indivíduos perderam o suporte ontoteológico e precisam agora se autoreferirem a sim mesmos. Ou seja, devem criar com base em si mesmos as próprias orientações normativas.

Conforme Habermas (2002) o “bem transcendente” que falta só pode ser compreendido de forma “imanente”. Há 3 passos para se chegar a uma fundamentação do ponto de vista moral, no âmbito da teoria moral.

1 Passo: Introdução do princípio “D”. O participante ao admite que a argumentação é a única maneira de avaliar a imparcialidade das normas morais, já está adotando o princípio “D”.

2 Passo: Introdução do princípio “U”. Aceitação geral e não coativa.

3 Passo: É a satifisfação que talvez os envolvidos tenham com o princípio “U”, à medida que ele se mostre e não conduza a resultados contra-intuitivos.

Por fim, a Ética do Discurso reconstrói, parcialmente, o conteúdo cognitivo da moral. Neste sentido, a justificação da validade de normas morais tem de pressupor a existência de dois elementos reconstruídos: justiça e solidariedade. Neste ponto de vista, Habermas (2002) defende um universalismo sensível às diferenças. Este Universalismo sensível significa uma inclusão não niveladora e não apreensória do outro em sua alteridade.

A ideia de inclusão do outro significa que as fronteiras da comunidade estão abertas a todos, também e justamente àqueles que são estranhos um ao outro, e querem continuar estranhos um ao outro. A noção de comunidade moral deixa transparecer o universalismo sensível defendido por Habermas.

Porém, neste novo cenário que se vai desenhando, sobretudo na perspectiva de recente de Habermas (2015), nota-se uma preocupação crescente com o discurso produzido pelas religiões num âmbito de sociedades pós-seculares. Ou seja, a percepção habermasiana de um renascimento do discurso das religiões no âmbito da esfera pública. Na perspectiva de Habermas (2015) ao descrever como “pós-secular” as sociedades modernas refere-se à mudança de mentalidade que deve nos conduzir a identificar três fatores principais. O primeiro fator é perceber, difusa na mídia em geral, o problema das guerras religiosas. Neste sentido, põe-se em crise uma convicção secularista de mundo, ou seja, de um possível desaparecimento das religiões. Portanto, viver em uma sociedade laica, significa compreender que a modernização sociocultural não reduzirá o significado público e pessoal da religião.

O segundo fator, segundo Habermas (2015) é o reconhecimento do papel das religiões na esfera pública, não tão somente na mídia, mas, sobretudo no âmbito da vida política, pois as comunidades religiosas passam a ocupar um papel de comunidade de interpretação. Ocupando-se da formação da opinião e da vontade pública no tecido social. Sobretudo, no âmbito da esfera pública no conflito de valores, no que toca às questões ligadas à legalização do aborto, eutanásia, questões bioéticas, proteção de espécies animais, destruições ecológicas. Nesta perspectiva, os cidadãos seculares devem prestar mais atenção ao fenômeno de uma religião emergente na esfera pública.

O terceiro fator, segundo Habermas (2015) é a questão da imigração que gera problemas no âmbito da comunidade européia. Pois o desafio é harmonizar o pluralismo de das formas-de-vida. A Europa está se transformando numa sociedade pós-colonial de imigração. A problemática é pensar estas diferentes formas-de-vida a partir de uma tolerante convivência religiosa.

4À GUISA DE CONCLUSÃO

 

A ética do discurso, particularmente na forma que ela adquiriu através de Karl OttoApel e Jürgen Habermas, é, entrementes, discutida em todo o mundo e merece, já por esse  fato, uma análise. A ética do discurso, ou comunicativa, é um fenômeno especificamente alemão, do fim da década de 1960 e da década de 1970.

Habermas (1991) situou seu conceito de ética do discurso no quadro de uma teoria geral da verdade, segundo a qual o critério da verdade é o consenso dos que argumentam. O mais importante é que Habermas defende a ideia de que argumentar é uma tarefa eminentemente comunicativa. Por isso, o discurso intersubjetivo é, para ele, o lugar próprio da argumentação. Somente se poderia aceitar como critério de verdade aquele consenso que se estabelece sob condições ideais, que Habermas designa como condições da situação ideal de fala. Esta é definida por ele mediante uma série de regras básicas, condição essencial para que se possa falar de um autêntico discurso.

O que se denomina como discurso autêntico? Habermas (1991) distingue entre condições triviais e não-triviais. Como condições triviais, pode-se enumerar o seguinte: todos os participantes têm chances de participar do diálogo; têm chances iguais para a crítica; o enunciado que se faz é verdadeiro (veracidade – mundo objetivo); o ato de fala é correto em relação ao contexto normativo vigente (legitimidade – mundo social); a intenção expressa pelo falante é realmente condizente com o que este pensa (sinceridade – mundo subjetivo). Nesse sentido, há critérios para a racionalidade da ação. Esta deve exprimir, por sua vez: moralidade, legalidade e sinceridade de sentimentos, pressupostos fundamentais para os desejos mais autênticos dos atores sociais sejam externados.

Habermas (1991) designa como não-triviais duas outras condições, que são particularmente importantes para o discurso moral e servem, também, para eliminar fatores de poder. Conforme a primeira condição, todos os falantes devem ter chances iguais de expressar suas atitudes, sentimentos e intenções. Decisiva é, porém, a segunda condição em que são apenas admitidos ao discurso falantes que tenham as mesmas chances enquanto agentes, quer dizer, para dar ordens e se opor, permitir e proibir. Desta forma, um diálogo sobre questões morais entre senhores e escravos, empregadores e empregados, pai e filho, violaria as condições de situação ideal de fala.

No dizer de Tughendat (1997), Habermas denomina como “discurso autêntico” aquele que ocorre entre pessoas em situação igual, sob condições igualitárias. As condições são agora não apenas igualitárias, do ponto de vista da participação no discurso, mas pressupõe-se que as pessoas sejam postas em situação igual na vida prática, resultando na criação das várias comunidades comunicacionais com fins prático-estéticos e prático-morais. 

A ética comunicativa se constitui assim como uma colocação ética do discurso, como é a proposta habermasiana para a crise do nosso ethos. O ressurgimento da reflexão ética na vida humana se constitui como um tema capital para a existência dos seres humanos hoje.

O ético emerge da interação de sujeitos, mas aponta para a superação de qualquer particularismo: só se pode falar propriamente de norma moral quando se leva em conta a pretensão de validade universal. O ético diz respeito a um espaço de possível reconhecimento recíproco entre sujeitos de igual dignidade. Mas tal sentimento, que aponta para a autoridade de normas éticas, só se sustenta se for possível demonstrar que tais normas têm fundamento.

Dever fazer algo significa ter fundamento para sua ação. Normas éticas perdem toda a autoridade sem um conteúdo cognitivo, quer dizer, se não puderem mostrar que possuem razão de ser. Portanto, qualquer reflexão sobre o ético implica que se leve em consideração essa rede de sentimentos éticos que perpassa a práxis comunicativa da cotidianidade dos seres humanos. Certamente, diz Habermas (1992), esses sentimentos éticos têm, para a legitimação moral de normas de ação, um papel semelhante ao da percepção na explicitação teórica dos fatos.

Na percepção de Ferry (1987) a ética comunicacional pretende justamente superar a antinomia entre verdade e sociabilidade, universalidade e mundaneidade, legitimidade e civilidade. Pois ela se apresenta como uma ética da comunidade.

No que concerne ao breve panorama da filosofia prática atual no campo da ética e da filosofia o debate acerca da universalidade dos princípios morais, e, consequentemente, sobre a legitimidade da democracia, tem alcançado uma força impressionante, e nele se vislumbra um problema que tem sido objeto de discussão permanente ao longo da história da filosofia ocidental, a saber: o da relação entre os princípios universais de justiça e as concepções particulares do bem. Na verdade, tal problema é constitutivo da razão prática e define o campo de possibilidade da própria ética filosófica numa era pós-metafísica.

A perspectiva habermasiana da ética filosófica adquire notória singularidade com base nas noções de comunicação e de reconstrução. Trata-se, com efeito, de uma teoria moral de caráter pragmático e, como tal, inscrita no âmbito do giro linguístico do pensamento pósmetafísico e vinculada às estruturas gerais do mundo vivido. O termo “pragmática universal”, usado por Habermas (1989) para designar a perspectiva teórica, pretende justamente indicar uma abordagem reconstrutiva dos pressupostos universais e incontornáveis da comunicação, sendo a teoria moral um campo privilegiado para a aplicação de tal abordagem.

Em relação à estratégia argumentativa contra o ceticismo moral, Habermas (1989) apresenta sua teoria pragmática da moral por meio do confronto imaginário entre os partidários do cognitivismo e do ceticismo. Edifica, por assim dizer, uma batalha em sete etapas, da qual podem-se extrair os argumentos vitais em prol de uma ética deontológica (concentrada na questão da fundamentação da validez prescritiva das normas de ação), cognitiva (que afirma, como se notou, que as questões práticas são passíveis de argumentação racional), formalista (limitada ao estabelecimento de um princípio ou procedimento de justificação das normas morais) e universalista (que defende a superação dos limites históricos e culturais pelas estruturas transcendentes da comunicação, nas quais se baseia a fundamentação daquele princípio). Assim, o modelo habermasiano de ética discursivo é uma forma de reinterpretação procedimental do imperativo categórico kantiano.

Na teoria pós-metafísica da justiça, a prioridade do justo sobre o bem não implica, contudo, total abstração dos contextos das formas de vida. As normas na verdade existem ou são propostas no solo real das práticas comunicativas do mundo vivido. No entanto, o procedimento da justificação das normas requer o ponto de vista argumentativo pelo qual os participantes da comunicação visam restaurar um consenso ingênuo perturbado. Neste sentido, a concepção pragmática de Habermas (1989) deve ser entendida como um modelo que conjuga autonomia individual e soberania popular, ambos os conceitos passíveis de reconstrução racional baseada numa lógica interdependente das evoluções ontogenéticas (consciência moral dos indivíduos) e filogenéticas (representações jurídicas das sociedades).

Dois conceitos são centrais nas concepções kantianas e pós-hegelianas da razão prática: justiça e solidariedade. Eles designam princípios distintos, porém complementares, emanantes da mesma e única raiz da moral, como dois pólos de uma só realidade e correspondentes aos aspectos igualmente importantes dos direitos dos indivíduos e do bem da comunidade.

 

REFERÊNCIA

 

FERRY, Jean-Marc. Habermas et al. L´Éthique de la Communications. Paris: Presses Universitaire de France.

 

HABERMAS, Jurgen. Verbalizzare il Sacro: sul lascito religioso della filosofia. Bari: Laterza, 2015.

 

HABERMAS, Jurgen. A Inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola, 2002.

 

HABERMAS, Jurgen. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.

 

HABERMAS, Jurgen. Comentários à ética do discurso. Lisboa: Instituto Piaget, 1991.

 

HABERMAS, Jurgen. Direito e moral. Lisboa: Instituto Piaget, 1992.

 

SILVA, Bruno Luciano de Paiva. A Análise Genealógica do Teor Cognitivo da Moral em Jurgen Habermas. Pensar - Revista Eletrônica da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. v.2 n.1(2011) p. 24-36. Disponível em: faje.edu.br/periodicos2/ index.php/pensar/issue/view/428. Acesso em: 19 ago. 2015.

 

TUGENDHAT, Ernst. Lições sobre ética. Petrópolis: Vozes, 1997.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO III

 

 

 

 

 

 

 

 


RECONHECIMENTO E GRAMÁTICA MORAL: PERSPECTIVAS A PARTIR DE HABERMAS E HONNETH

 

Anderson de Alencar Menezes

Virgílio Andrade Neto[ii]

José Aparecido de Oliveira Lima[iii]

 

1 INTRODUÇÃO

 

Ao se falar de revitalização da esfera pública, temos que levar em consideração a interpenetracão progressiva da esfera pública com o setor privado. Neste sentido, a teoria política do Estado alcança aqui o seu fundamento e síntese, ou seja, pensar a esfera pública significa pensá-la a partir da relação intrínseca entre sistema e mundo-da-vida. Neste sentido, Habermas nos ajuda a perceber que:

 

A esfera pública burguesa desenvolve-se no campo de tensões entre Estado e Sociedade, mas de modo tal que ela mesma se torna parte do setor privado. A separação radical entre ambas as esferas, na qual se fundamenta a esfera pública burguesa, significa inicialmente apenas o desmantelamento dos momentos de reprodução social e de poder político conjugados na tipologia das formas de dominação da Idade Média avançada[1].

 

 Neste âmbito de compreensão, para além do “público” e do “privado” surge a esfera do social, cujo intuito é o de dissolver esta relação paradoxal no âmbito da vida pública, politicamente falando. Por outro lado, trata-se de recolocar, no lugar normativamente desejado, a ideia de uma esfera social repolitizada, cujo intuito fundamental é de não permitir que esta política “neo-mercantilista” promova uma espécie de “refeudalização” da sociedade, em que o público e o privado não se distinguiam enquanto tal, e que a esfera do social, que é um fenômeno mais moderno, fique desconstituído dos potenciais mais constitutivos, principalmente no que toca aos aspectos de crítica e reconstrução do tecido socio-político.

Portanto, é neste âmbito de compreensão que devemos pensar a Luta por Reconhecimento a partir de uma nova Gramática Moral. Neste sentido, é no processo de dialética entre Estado Democrático de Direito e Sociedade Civil que podemos pensar uma nova gramática moral que se funda em novos padrões morais: Amor, Direito e Solidariedade.

 

2 A LUTA POR RECONHECIMENTO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 

Segundo Habermas é consensual a declaração de Amy Gutmann:

 

O Reconhecimento público pleno conta com duas formas de respeito: 1) o respeito pela identidade inconfundível de cada indivíduo, independentemente de sexo, raça ou procedência étnica. 2) o respeito pelas formas de ação, práticas e visões peculiares de mundo que gozam de prestígio junto aos integrantes de grupos desprivilegiados, ou que estão intimamente ligados a essas pessoas.[2]

 

Evidentemente, o mesmo vale para croatas na Sérvia, russos na Ucrânia, curdos na Turquia; vale também para deficientes, homossexuais. Essa exigência não visa em primeira linha ao igualamento das condições sociais de vida, mas sim à defesa da integridade de formas de vida e tradições com os quais os membros de grupos discriminados possam identificar-se.

Normalmente, segundo Habermas ocorre que o não reconhecimento cultural coincide com o demérito social, de modo que as duas coisas se fortalecem de maneira cumulativa.[3] Polêmico é definir se a exigência 2 resulta da exigência 1, ou seja, se ela resulta do princípio de que deve haver igual respeito por cada indivíduo em particular, ou se essas duas exigências têm mesmo de colidir, ao menos em alguns casos.

Habermas em sua obra, A Inclusão do Outro, ao citar Taylor nos diz que o asseguramento de identidades coletivas passa a concorrer com o direito a liberdades subjetivas iguais - com o direito humano único e original, portanto, segundo Kant, de modo que no caso de uma colisão entre ambos é preciso decidir sobre a precedência de um ou de outro. Significa uma política de respeito por todas as diferenças, por um lado, e uma política de universalização de direitos subjetivos, por outro.[4]

Por sua vez, liberais da grandeza de Rawls ou Dworkin propugnam por uma ordem jurídica eticamente neutra que deve assegurar chances iguais a todos, de modo que cada um possa orientar-se por uma concepção própria do que seja bom. Em face disso, comunitaristas como Taylor e Walzer contestam que haja neutralidade ética no direito.

Com o Liberalismo 1, Taylor designa uma teoria segundo a qual se garantem liberdades de ação subjetivas iguais para todos os jurisconsortes, sob a forma de direitos fundamentais; em casos controversos os tribunais decidem que direitos cabem a quem. Essa interpretação do sistema dos direitos continua sendo paternalista, porque corta pela metade o conceito de autonomia.

Quando tomarmos a sério a concatenação interna entre o Estado de Direito e a Democracia ficará claro que o sistema dos direitos não fecha os olhos nem para as condições de vida sociais desiguais, nem muito menos para as diferenças culturais.

Portanto, feminismo, multiculturalismo, nacionalismo e a luta contra a herança eurocêntrica do colonialismo, todos esses fenômenos aparentados entre si, lutam por reconhecimento no âmbito do Estado Democrático de Direito. Seu parentesco coincide quando as mulheres, as minorias étnicas e culturais, as nações e culturas, todas se defendem da opressão, marginalização e desprezo, lutando, assim, pelo reconhecimento de identidades coletivas, seja no contexto de uma cultura majoritária, seja em meio à comunidade dos povos.

Deve-se salientar que quanto mais profundas forem as diferenças religiosas, raciais ou étnicas, ou quanto maiores forem os assincronismos histórico-culturais a serem superados, tanto maior será o desafio; e tanto mais ele será doloroso, quanto mais as tendências de autoafirmação assumirem um caráter fundamentalista-delimitador, ora porque a minoria em luta por reconhecimento se desencaminha para regressões, por causa de experiências anteriores de impotência, ora porque ela precisa primeiro despertar a consciência em prol da articulação de uma nova identidade nacional, gerada por uma construção através da mobilização de massa. Ressalta-se, portanto, que a mudança de coloração da cultura majoritária, por sua vez, fez emergir outras novas minorias.

Quanto à impregnação ética do Estado de Direito, sob uma visão da teoria do direito, o multiculturalismo suscita em primeira linha a questão sobre a neutralidade ética da ordem jurídica e da política. Gramaticalmente, o que está inscrito nas questões éticas é a referência à primeira pessoa e, com isso, a remissão à identidade de um indivíduo ou de um grupo.

A perspectiva de Taylor e Walzer segundo a qual o sistema dos direitos ignoraria reivindicações de defesa em prol de formas culturais de vida e identidades coletivas, agiria com indiferença em face delas, e careceria, portanto, de correção.

Porém, deve-se salientar que uma cultura majoritária que não se vê ameaçada só conserva sua vitalidade através de um revisionismo irrestrito. Isso vale em especial para as culturas de imigrantes, as quais, pela pressão assimiladora das novas circunstâncias, vêem-se desafiadas a um isolamento étnico relutante e à revivificação de elementos tradicionais, mas estabelecem logo a seguir uma forma de vida igualmente distanciada da assimilação e da origem tradicional.

Neste sentido, em sociedades multiculturais, a coexistência equitativa das formas de vida significa para cada cidadão uma chance segura de crescer sem perturbações em seu universo cultural de origem. Pois, a mudança acelerada das sociedades modernas manda pelos ares todas as formas estacionárias de vida. As culturas só sobrevivem se tiram da crítica e da cisão a força para uma autotransformação. Garantias jurídicas só podem se apoiar sobre o fato de que cada indivíduo, em seu meio cultural, detém a possibilidade de regenerar essa força. E essa força, por sua vez, não nasce apenas do isolamento em face do estrangeiro e de pessoas estrangeiras, mas nasce também – e pelo menos em igual medida – do intercâmbio com eles.

 

3 AS FORMAS DE RECONHECIMENTO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 

O declínio da subjetividade simbólica é um dos fatores primordiais para a degradação das relações sociais e a sua consequente desumanização. Daí a tarefa das ciências humanas, sobretudo da filosofia, em possibilitar o descortinamento desta realidade, apontando as raízes subterrâneas destas relações no tecido social. Neste âmbito de compreensão emerge o papel das ciências da educação para delinear itinerários que incluam processos, objetivos, critérios e etapas para o desenvolvimento de novos modelos e paradigmas de aprendizagem ética, cívica e cidadã.

A nossa perspectiva é de pensar a ideia de integração social a partir da categoria filosófica do reconhecimento partindo dos princípios e parâmetros da ética do discurso e da ética do reconhecimento, no âmbito do Estado Democrático de Direito, procurando evitar uma concepção mecânica e funcionalista da realidade social.

A Ética do Discurso adquire grande relevo, pelo fato de seu caráter interdisciplinar possibilitar o envolvimento das várias ciências na busca constante de iniciativas e soluções para os vários problemas ligados à violência contemporânea.

Honneth (2003) procura mostrar que o indivíduo desenvolve, em cada forma de reconhecimento, um tipo de relação prática positiva consigo mesmo (a autoconfiança nas relações amorosas e de amizade; o autorrespeito nas relações jurídicas e a autoestima na comunidade social de valores), ressaltando os vínculos entre liberdade e autonomia individual e os vínculos comunitários/societários. A ruptura ou violação dessas condições gera formas de desrespeito social que levam a lutas sociais e conflitos políticos motivados por diferentes razões morais.

A cada uma das formas de reconhecimento corresponde uma forma de desrespeito: maus-tratos e violação, que ameaçam a integridade física e psíquica, em relação à primeira; privação de direitos e exclusão, que atingem a integridade social do indivíduo como membro de uma comunidade político-jurídica, na segunda; e degradação e ofensas, que afetam os sentimentos de honra e dignidade do indivíduo como membro de uma comunidade cultural de valores, no caso da terceira esfera de reconhecimento. Cada uma delas abala de modos diversos a autorrelação prática da pessoa, privando-a do reconhecimento de determinadas dimensões de sua identidade.

Para Honneth (2003), interessam aqueles conflitos oriundos de experiências de desrespeito social capazes de suscitar uma ação de luta social que busque restaurar as relações de reconhecimento mútuo ou desenvolvê-las num nível de ordem superior. É possível ver na luta por reconhecimento uma força moral que impulsiona desenvolvimentos sociais, políticos e institucionais.

São as lutas moralmente motivadas de grupos sociais, sua tentativa coletiva de estabelecer institucional e culturalmente formas ampliadas de reconhecimento recíproco, aquilo por meio do qual vem a se realizar a transformação normativamente gerida das sociedades.

O que importa mostrar é a lógica dos conflitos que se originam de uma experiência social de desrespeito, de uma violação da identidade pessoal ou coletiva.

Os conflitos sociais emanam de experiências morais decorrentes da violação de expectativas normativas de reconhecimento firmemente arraigadas. Essas expectativas formam a identidade pessoal. Quando essas expectativas são desapontadas, surge uma experiência moral que se expressa no sentimento de desrespeito. O sentimento de desrespeito, por sua vez, somente pode se tornar um ponto de vista generalizável, dentro do horizonte normativo de um grupo.

O surgimento de movimentos sociais depende da existência de uma semântica coletiva que permita interpretar as experiências de desapontamento pessoal como algo que afeta não só o eu individual, mas também o círculo de muitos outros sujeitos. A sequência desrespeito, luta por reconhecimento e mudança social constitui o desenvolvimento lógico dos movimentos coletivos. Em síntese, a ideia básica é a de que sentimentos morais, quando articulados numa linguagem comum, podem motivar as lutas sociais.

Segundo Honneth (2003), existem formas não distorcidas de reconhecimento. No âmbito da dinâmica social do reconhecimento, do desrespeito e da luta por reconhecimento pode ser extraída uma concepção formal de eticidade ou vida boa que sirva como padrão normativo de justificação da normatividade.

Nas sociedades modernas, os sujeitos têm de encontrar reconhecimento como seres tanto autônomos quanto individualizados. A concepção formal de eticidade reúne todos os pressupostos intersubjetivos que precisam estar preenchidos para que os sujeitos se possam saber protegidos nas condições de sua autorrealização.

Honneth (2003), ao retomar o jovem Hegel de Jena, fala da ideia de uma Fenomenologia das Relações de Reconhecimento; ao citar o psicanalista inglês Donald Winnicott apresenta o conceito de fase de intersubjetividade indiferenciada em oposição à teoria freudiana do narcisismo primário. Winnicott fala de uma intersubjetividade primária, que constitui o processo de interações sociais através do qual mãe e filho, podem se separar do estado de indiferenciado ser-um, de modo que eles aprendem a se aceitar e amar, afinal, como pessoas independentes. Segundo Winnicott há um processo de amadurecimento infantil que comporta uma cooperação intersubjetiva mãe/filho.[5]

Seja no estado de ser-um simbiótico, eles de certo modo precisam aprender do respectivo outro como eles têm de diferenciar-se em seres autônomos. A mãe e a criança podem saber-se dependentes do amor do respectivo outro, sem terem de fundir-se simbioticamente uma na outra. Concluímos com Winnicott acerca do processo de amadurecimento na primeira infância com ilações a respeito da estrutura comunicativa que faz do amor uma relação particular de reconhecimento recíproco.[6]

Para Winnicott, citado por Honneth (2003), a quebra da simbiose faz surgir aquela balança produtiva entre delimitação e deslimitação, que para ele pertence à estrutura de uma relação amorosa amadurecida pela desilusão mútua (tensão intersubjetiva; relação descontraída consigo).

Na concepção de Hegel, a forma do reconhecimento do amor que ele descreve como um “ser-si-mesmo em um outro” não designa um estado intersubjetivo, mas um arco de tensões comunicativas que medeiam a experiência do poder-estar só com a perspectiva do estarfundido.

A referencialidade do “eu” e a Simbiose representam os contrapesos exigidos mutuamente e que possibilitam estar-consigo mesmo no outro. A Reciprocidade da estrutura intersubjetiva tensa é perturbada nos casos patológicos ou pela autonomia egocêntrica ou pela dependência simbiótica. Nesse sentido, salienta-se a ideia de aceitação cognitiva da autonomia do outro e o Reconhecimento da independência do outro.

 

4 A POLÍTICA E SEU U PAPEL NA LUTA POR RECONHECIMENTO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 

Em meio à estratificação das sociedades contemporâneas e submersa nos problemas cogentes e nos paradigmas constituídos pelas políticas modernas e pela aculturação do poder democrático, faz-se necessário uma nova perspectiva, pautada na igualdade dos direitos e no reconhecimento de luta das minorias, buscando assim, superar o atual sistema coercivo e segregador no qual estamos inseridos.

Diante deste âmbito de pensamento, percebemos de um lado a sociedade moderna composta por um emergente contexto social multicultural e complexo, e por outro lado, temos em caráter normativo e constitucional a representação da lei, formado por entre outros, do exercício político, do Estado e do seu poder coercivo. Por outro lado, pensar em uma constituição que busca assegurar direitos iguais para todos é pensar em uma sociedade que se reconhecem reciprocamente, isto é, “Em última instância, trata-se da defesa dessas pessoas individuais do direito, mesmo quando a integridade do indivíduo – seja no Direito, seja na moral – dependa da estrutura intacta das relações de reconhecimento mútuo” (Habermas, 2002, p. 229).

Em vista disso e frente às identidades subjetivas que englobam uma diversidade multicultural, heterogênea e complexa, revela-se uma preocupação resultante de um esquecimento político das minorias sociais que anseiam, antes de tudo, por um reconhecimento igualitário, integrador e mútuo, contra todo tipo de aculturação tradicionalista, opressora e segregadora.

Segundo o pensamento habermasiano:

 

Em um primeiro momento, no entanto, as coisas parecem ser diferentes quando se trata de reivindicar reconhecimento para identidades coletivas ou igualdades de direitos para formas de vida culturais. Feministas, minorias em sociedades multiculturais, povos que anseiam por independência nacional ou regiões colonizadas no passado e que hoje reclamam igualdade no cenário internacional, todos esses agentes sociais lutam hoje em favor de reivindicações [...] (Ibid., p. 231).

 

De fato, desenvolver uma ‘política do reconhecimento’ é uma das reivindicações mais emergentes e necessárias que depõem a favor de uma democracia de direito envolto pelo respeito ao sujeito, a sua identidade e a sua constante mutação.

Ora, as regulamentações políticas acerca dos contextos sociais não podem tomar conotações diferenciadas e, consequentemente, divergentes. Para Habermas (Ibid., p. 233) “Taylor esmiúça essa oposição [...] segundo os conceitos de bom e justo, advindos da teoria moral [...] que deve assegurar chances iguais a todos, de modo que cada um possa orientar-se por uma concepção própria do que seja bom”.

Verdadeiramente, é imprescindível que os sistemas de direitos não deixem de problematizar e evidenciar as segregações sociais e os preconceitos culturais. Por isso, se faznecessário uma política de reconhecimento do outro; e uma dialética coerente e igualitária entre o sistema normativo, os movimentos sociais e as individualidades subjetivas impregnadas nas coletividades.

Acerca disto, Habermas (2002, p. 237) afirma que:

 

Uma leitura ‘liberal’ do sistema de direitos que ignore essa relação não tem saída senão entender erroneamente o universalismo dos direitos fundamentais enquanto abstrato de diferenças, e de diferenças tanto culturais quanto sociais. Caso se queira tornar o sistema de direitos efetivo por via democrática, é preciso que se considerem as diferenças com uma sensibilidade sempre maior para o contexto. Ontem como hoje, a universalização dos direitos é o motor de uma diferenciação progressiva do sistema de direitos, sistemas que logra manter segura a integridade dos sujeitos jurídicos, mas não sem um tratamento rigidamente igualitário [...] dos contextos de vida de cada um, os quais originam sua própria identidade individual.

 

Perceber a necessidade de um nivelamento político acerca das diferenças culturais e sociais é evidenciar um processo de universalização política, partindo de uma democratização onde o respeito pelas minorias e por suas diferenças são reconhecidas e aceitas.

Fechar os olhos para essa realidade é reelaborar um processo contínuo de esquecimento histórico das lutas e dos direitos conquistados. Este flagelo social que resulta nas divisões de classes e no esquecimento histórico instigam novas minorias que fracassam na busca por reconhecimento social e por direitos políticos, pois “disputa acerca da interpretação e imposição de reivindicações historicamente irresolvidas é uma luta por direitos legítimos, nos quais estão implicados agentes coletivos que se defendem contra a desconsideração de sua dignidade” (Ibid., p. 230).

É perceptível no pensamento habermasiano a preocupação quanto à autonomia pública da sociedade enquanto cidadãos do Estado. Para Habermas é preciso uma política com características igualitárias e com normatizações que busquem corrigir as desigualdades, sem estas políticas o sujeito fica sem a possibilidade de percorrer novas fronteiras “de crescer sem perturbações em seu universo cultural de origem, e de poder criar seus filhos nesse mesmo universo” (Ibid., p. 252).

Noutras palavras Habermas (2002, p. 237) persevera em favor da sociedade por elucidações junto à política e ao Estado, ou seja:

 

[...] em debate público acerca da interpretação adequada das carências, os enfoques sob os quais as diferenças entre experiências e situações de vida de determinados grupos de homens e mulheres se tornam significativos para um uso das liberdades de ação em igualdades de chances.

 

Neste sentido, em comunhão com o pensamento habermasiano, as vontades e os entendimentos políticos devem trilhar também as expressões particulares de uma minoria que clama por reconhecimento social e político. Isto deve/pode embasar razões que compreendam e orientem decisões que denotem, por exemplo, um ‘auto-entendimento ético político’ ou justificações e discussões acerca de uma concepção de vida escolhida, buscando evitar assim, segregações e exclusões. De outro modo, para Habermas “A exclusão social da população de um Estado resulta de circunstâncias históricas que são externas ao sistema dos direitos e aos princípios do Estado de direito” (Ibid., p. 246).

Portanto, enquanto não existir um entendimento comum entre o Estado de Direito e a democracia, os sujeitos multiculturais não poderão usufruí da chance de confrontar, romper, continuar ou transformar a realidade no qual estão inseridas, a partir de sua origem cultural e de suas atitudes autocríticas, mas em um contexto livre da coerção, do preconceito e da intolerância revestida de normatização democrática. Na concepção de Habermas (2002, p. 252) “A mudança acelerada das sociedades modernas manda pelos ares todas as formas estacionárias de vida. As culturas só sobrevivem se tiram da crítica e da cisão a força para uma autotransformação”.

Neste seguimento, é necessário romper com uma sociedade e, consequentemente, com uma política pautada no senso comum respaldados pelo que acham a grande maioria. De outra forma, Habermas nos propõe um “posicionamento reflexivo”, com base no reconhecimento multicultural, na tolerância ao diferente e na reciprocidade entre os heterogêneos pontos de vista, ou seja, “é preciso reconhecer cada pessoa como membro de uma comunidade integrada em torno de outra concepção diversa do que seja o bem, segundo cada caso em particular” (HABERMAS, 2002, p. 253).

Ora, como afirma o próprio Habermas “Todo recalque produz seus sintomas” (Ibid., p. 266), as segregações e os preconceitos são sintomas que impossibilitam uma política do reconhecimento, da democratização justa e da relação recíproca. Como afirma Buber “Que ninguém tente debilitar o sentido da relação: relação é reciprocidade” (2001, p.54), ou seja, perceber o outro, desenvolver políticas que reconheça o outro é antes de tudo, edificar a relação mútua entre o ‘eu’ e o outro diferente.

 

 

 

 

5 RECONHECIMENTO E JUSTIÇA[7]

 

Existe uma grande discussão entre liberais e comunitaristas. Para os liberais, trata-se de dar prioridade a uma concepção abstrata de “pessoa”, desvinculando suas capacidades de agir de forma autônoma e livre dos contextos e determinações históricas específicas que compõem sua identidade. Para que uma concepção de justiça possa fornecer princípios e normas com pretensões morais de justiça, é preciso limitar-se a uma concepção impessoal e imparcial de pessoa.

Já segundo os comunitaristas, a justiça está atrelada aos contextos da comunidade, ou melhor, à sua história, tradição, práticas e valores, que formam o horizonte normativo para a constituição da identidade de seus membros e, por conseguinte, dos princípios de justiça.

O debate entre ambos os grupos no início da década de 1980 se caracterizou pela rigidez das distinções: os liberais, pertencentes à tradição kantiana, podiam ser definidos como aqueles que se esquecem do contexto; já os comunitaristas, de tradição hegeliana, como os que são obcecados pelo contexto.

O debate com John Rawls é de que os princípios de justiça devem ser objeto de um acordo original e razoável, isto é, de que a escolha dos princípios seja feita de modo equitativo e imparcial, sem que o indivíduo saiba seu lugar na sociedade, a posição de sua classe ou status social, sua sorte na distribuição de dotes e habilidades naturais, sua inteligência, força e coisas semelhantes. Essa é a função do véu da ignorância.

Neste sentido, a autorrealização deveria ser assegurada por uma estrutura de direitos, liberdades e deveres como querem os liberais; não abstratamente deduzida e, sim, efetivada num contexto ético intersubjetivamente compartilhado, como defendem os comunitaristas.

 

6ASPECTOS NORMATIVOS DO RECONHECIMENTO

 

É certo que o ordenamento jurídico tende a contemplar os direitos que os cidadãos, reciprocamente, devem se submeter e estão obrigados a exigir uns aos outros; essa regra é própria dos meios do Direito Positivo. Também é certo que a Teoria dos direitos deve atender as diferenças culturais. Entretanto, na efetivação do direito, surgem os desafios que são proporcionais às diferenças culturais, étnicas e religiosas envolvidas, já que, em tese, a norma jurídica representa as decisões de um legislador local e tendem a ser mais traumáticos quando envolve posições fundamentalistas.

A normatização que se introduz com o Direito surge como um complemento ao déficit da moral daquela comunidade e sua aplicação se constitui um caráter constitutivo em certas interações desprovidas de conteúdo moral. O médium do Direito, portanto, pressupõe uma categoria de direitos, via de regra fundamentais, que asseguram um lócus de proteção aos cidadãos e nesse viés as minorias ofendidas e maltratadas se socorrem do direito positivo para garantir seu processo de afirmação.

O direito moderno fornece um sistema de garantias e proteção dos indivíduos, que pelo princípio da legalidade, esse sistema de garantias impõe ao Estado uma certa limitação e possibilita ao indivíduo uma maior liberdade. O direito deve, precisamente, conter os direitos que os cidadãos estão reciprocamente submetidos em suas regras de convivência.

Esse sistema do direito moderno individualiza aquele detentor de direitos e garantias estabelecidos no sistema normativo e impõe ao Estado uma limitação decorrente do sistema legislativo que certos momentos, poder ser entendidos como retrógados, mas legitimado pelo manto do regime democrático que exige do direito um comportamento legal, tal comportamento confirma sua legitimidade quando garante a todos os jurisdicionados um tratamento isonômico e igualitário. O processo democrático depende de um processo de normatização jurídica, pois exige dos participantes uma participação positiva e com foco na obediência as garantias individuais fundamentais para sua legitimação. Um problema que surge é que o direito Positivo não deve regular as possíveis interações formuladas por sujeitos capazes de falar e de agir, esse papel cabe aos atos regulados pela regra da moral.

Essa busca pela legitimação que é inerente ao processo democrático e que exige a participação positiva dos envolvidos, Habermas (2002) alerta para o problema da “igualação jurídica e do igual reconhecimento”, quando evolvem os grupos multiculturalmente definidos, ao passo em que se busca a proteção dos interesses dos grupos, tende a distinção de coletividades que se destacam entre si, pois na medida em que se busca o reconhecimento, tende a se individualizar mais ainda, quer seja pela vontade de manutenção de suas crenças, tradições, etnias e até mesmo na manutenção de suas identidades, esse processo gera um fator de dificuldade nas comunidades de imigrantes que buscam manter suas tradições e ao mesmo tempo serem incluídos na nova comunidade.

Todavia, a inclusão nessa nova comunidade sem sempre é pacífica e de fato ocorre. A título de exemplo, conforme ocorreu no caso da lei francesa de 2010 que proibiu o uso da burca (véu islâmico) em espaços públicos, tal caso foi levado ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos que confirmou a legitimidade da lei francesa sob o pálio argumento de medidas de segurança para prevenir atentados no território francês. A hostilidade contra a figura do estrangeiro não é nenhuma novidade e ocorre há várias décadas, em especial no continente Europeu, por conta do grande fluxo migratório que ocorre na região decorrente de vários fatores, tais como: ameaça a vida ou a liberdade por conta de questões políticas ou até mesmo fugindo da fome e da miséria em busca de trabalho e de novas oportunidades.

Na definição de uma sociedade acolhedora num processo de migração, Habermas define que:

 

Essa comunidade projetada de modo construtivo não e um coletivo que obriga seus membros uniformizados à afirmação da índole própria de cada um. Inclusão não significa aqui confinamento dentro do próprio e fechamento diante do alheio. Antes, a "inclusão do outro" significa que as fronteiras da comunidade estão abertas a todos- também e justamente aqueles que são estranhos um ao outro - e querem continuar sendo estranhos. (HABERMAS, 2002, p.8).

 

Invariavelmente, qualquer comunidade que aceite o processo de acolhimento do imigrante, certamente sofrerá interferências e até uma possível mudança cultural, pois ainda que exista uma certa resistência quanto a manutenção da integridade na forma como os cidadãos daquela comunidade acolhedora mantenha sua cultura certamente receberá influências do convívio com o estrangeiro. Habermas (2002) questiona, até que ponto em uma sociedade de direito democrático pode ser possível exigir do exilado ou refugiado que ele assimile os preceitos ético-político da nação que lhe acolhe. Aponta que esse processo de assimilação poderá ocorrer em dois níveis, sendo num primeiro momento o processo da “concordância”, momento em que o acolhido tende a apreender os princípios da constituição daquele espaço de convívio e de interação que está inserido por meio da “autocompreensão ético-política dos cidadãos”, como também pela “cultura política do país” que o acolhe e a obediência as regras aceitáveis daquela comunidade.

O segundo nível ocorre com a “disposição à aculturação” do sujeito que chega ao novo ambiente, e esse processo não quer dizer que seja plástico ou superficial, ele dever ocorrer de maneira introspectiva que altera o modo de viver e de absorver as novas práticas e costumes, ocorrendo uma certa fusão de culturas no indivíduo, por conta do contato continuado que ele está inserido.

Nessa perspectiva, passam a se submeter às normas jurídicas que devem ser respeitadas não somente porque elas coagem, mas sim porque elas são legítimas. Essa legitimidade característica de uma norma jurídica demonstra que, ao mesmo tempo em que está positivada torna cidadãos politicamente autônomos, já que aqueles incluídos nessa comunidade podem compreender-se em conjunto com os demais como autores das leis as quais se submetem como destinatários.

 

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Por fim, na modernidade, formas rígidas de vida tornam-se vítimas da entropia. Movimentos fundamentalistas podem ser entendidos como a tentativa irônica de, com meios restaurativos, conferir ultra estabilidade ao próprio mundo vital. O nacionalismo também pode se tornar um fundamentalismo, mas não pode ser confundido com ele. Porém, o fundamentalismo que conduz a uma práxis de intolerância é irreconciliável com o Estado de Direito. Essa práxis apoia-se sobre interpretações religiosas ou histórico-filosóficas do mundo que reivindicam exclusividade para uma forma privilegiada de vida.

Portanto, em sociedades multiculturais, a constituição jurídico-estatal só pode tolerar formas de vida que se articulem no médium de tradições não-fundamentalistas, já que a coexistência equitativa dessas formas de vida exige o reconhecimento recíproco das diversas condições culturais de concorrência do grupo. A integração ética de grupos e subculturas com cada uma das identidades coletivas próprias precisa ser desacoplada do plano de uma integração política abstrata, que apreende os cidadãos do Estado de maneira equitativa.

Nesta perspectiva de análise, a neutralidade do direito em face das diferenciações éticas no interior do Estado pode ser explicada pelo fato de que, em sociedades complexas, não se pode mais manter coesa a totalidade dos cidadãos através de um consenso substancial acerca dos valores, mas tão-somente através de um consenso quanto ao procedimento relativo a ações jurídicas legítimas e ao exercício do poder.

Nos dias de hoje, a hostilidade contra estrangeiros é amplamente difundida nos países da União Europeia. Do ponto de vista filosófico, justifica-se essa política de isolamento contra imigrantes? Pois, a afluência de imigrantes altera a composição da população também sob um ponto de vista ético-cultural. Neste sentido, salienta-se que a integração política, não se estende a culturas imigratórias fundamentalistas. O slogan defensivo “o barco está lotado”, presente na discussão sobre políticas de asilo na Alemanha no início dos anos 1990, permite entrever esta indisposição.

 

REFERÊNCIAS

 

ARAGÃO, Lúcia. Razão comunicativa e teoria social crítica em Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992.

 

AUDARD, Catherine. “Le principe de légimité démocratique et le débat RawlsHabermas”. In: Rainer Rochlitz (Org.) L’usage Public de la Raison. Paris: Presses Universitaire de France, 2002, p. 95-132.

 

BUBER, Martin. Eu e tu / Martin Buber. Tradução: Newton Aquiles Von Zuben. São Paulo: Centauro, 2001.

 

HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.

 

HABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa I: racionalidad de la acción y racionalización social. Madrid: Taurus, 1988.

 

HABERMAS, Jürgen. A Inclusão do outro: estudos de teoria política. Tradução: Paulo Astor Soethe. São Paulo, Edições Loyola, 2002.

 

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Vols.1 e 2. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

 

HABERMAS, Jurgen & TAYLOR, Charles. Multiculturalismo: lotte per il riconoscimento. Milano: Feltrinelli, 2006.

 

FERRY, Jean-Marc. Habermas: l’éthique de la communication. Paris: Presses Universitaires de France, 1987.

 

HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento. São Paulo: Editora 34, 2003.

 

NOBRE, Marcos (org). Curso livre de teoria crítica. Campinas: Papirus, 2008.

 

RICOUER, Paul. Percurso do reconhecimento. São Paulo: Loyola, 2010.

 

TAYLOR, Charles. A ética da autenticidade. São Paulo: É Realizações Editora, 2011.

 

TAYLOR, Charles. Multiculturalisme: différence et démocratie. Paris: Éditions Flammarion, 2009.

 

TOURAINE, Alain. Crítica da modernidade. Petrópolis: Vozes, 1997.

 

TUGENDHAT, Ernst. Lições sobre ética. Petrópolis: Vozes, 1997.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO IV

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


A JURIDICIZAÇÃO COMO TENDÊNCIA DE COLONIZAÇÃO DO MUNDO DA VIDA

 

Anderson de Alencar Menezes

 

1INTRODUÇÃO À PROBLEMÁTICA

 

Partindo do diagnóstico weberiano de que o Direito é uma esfera independe da Moral. Habermas persegue a ideia original kantiana de pensar numa linha de complementaridade a relação entre Direito e Moral. O fato é que o avassalador aumento do ordenamento jurídico substitui a integração social pela integração sistêmica. Considerando que o mundo da vida é o espaço de liberdade negativa, e, se constitui como um espaço de ação que não é descrito de forma institucional. Com o surgimento do estado burguês numa linha hobbesiana, o instrumental jurídico vai permitir a institucionalização de uma racionalidade regida pelo poder e pelo dinheiro.Habermas distingue o Direito como medium, associado ao poder e ao dinheiro, do Direito entendido como Instituição. Este último requer uma fundamentação racional, uma vez que se origina diretamente das exigências do mundo da vida, formando, junto com as normas informais, o pano de fundo da ação comunicativa. Assim, não é suficiente o apelo à legalidade, mas clama-se pela legitimidade de tais normas. Na esteira de Habermas o Direito moderno tem uma dupla exigência: positivação e fundamentação. É precisamente porque as instituições jurídicas pertencem ao mundo da vida que se pode ir além das respostas dadas pelo positivismo jurídico. Sobretudo por conter no seu bojo, uma dimensão ética, que se pode perguntar se uma norma jurídica é ou não legítima.

 

 

2 DIREITO E MORAL – DISTINÇÕES A PARTIR DE WEBER E HABERMAS

 

A partir da compreensão de Moreira (1999) Habermas parte do diagnóstico weberiano em que se percebe a perda do formalismo no âmbito jurídico. A primeira a partir da ideia de Reflexividade que passa a acompanhar o direito. Ligadas às questões da arbitragem, em que se delega aos sujeitos a resolução de suas querelas, litígios. Num segundo momento, apontam-se lacunas do ordenamento jurídico, estas sendo preenchidas pela ação do juiz. A tendência a desestatização da conduta jurídica. Uma terceira é abertura do direito aos imperativos funcionais e um quarto a oposição constante da moralidade à positividade do direito.

Na esteira de Moreira (1999) Habermas debruçou-se sobre estas questões em duas aulas sob o título Direito e Moral ministradas na Universidade de Harvard em 1986. De fato, Habermas analisa a concepção weberiana na qual o Direito dispõe de uma independência em relação à Moral. Nesta perspectiva weberiana a legalidade se legitima a partir de si mesma. Por isto que a tentativa weberiana é de perceber que o atrelamento do Direito à Moral significa a perda de sua racionalidade. Partindo desta concepção o conceito weberiano não consegue articular as relações entre moralidade e juridicidade.

Nos processos de juridicização ocorridos durante a passagem para o Estado Social, houve não somente um alargamento do ordenamento jurídico, mas uma vinculação mais forte entre prescrições jurídicas e prescrições morais.

Por sua vez, deve-se salientar que a introdução de elementos éticos e morais no Direito, ocorrido com a emergência do Estado Social, isto provocou uma fissura nas bases liberais do sistema jurídico. Pois, na perspectiva weberiana o Direito só poderá ser racional à medida que se afastar dos elementos morais. A tese weberiana é que o Direito é determinado por elementos formais, impondo-se uma racionalidade neutra em relação à Moral.

Na ótica de Habermas (1997), Weber renuncia ao núcleo prático-moral, como instância deontológica do Direito, pois a moralidade era entendida a partir de uma perspectiva unicamente subjetiva. Salienta-se, portanto que a pergunta weberiana qual legalidade geral legitimidade não consegue se resolver ao modo da compreensão weberiana da esfera jurídica. Pois, torna-se problemática a questão de uma racionalidade jurídica autônoma, isenta de moral.

Na interpretação de Moreira (1999) para corroborar a compreensão de que a validade e a legitimidade do ordenamento jurídico se estabelecem numa relação complexa e interna entre Direito e Moral. Numa perspectiva pós-metafísica a validade encontra plausibilidade na medida em que apresenta argumentos dotados de conteúdos morais.

Para Habermas em oposição a Weber só é legítima a legalidade circunscrita em uma racionalidade cujo procedimento se situa entre processos jurídicos e argumentos morais. Abre-se, portanto para uma racionalidade procedimental prático-moral na esfera deontológica.

Por fim, sob o ponto de vista procedimental o Direito e a Moral distinguem-se. Daí que segundo Habermas “Uma ordem jurídica só pode ser legítima quanto não contrariar princípios morais”(HABERMAS, 1999, v.1 p.140).

 

3 A COMPLEMENTARIDADE ENTRE DIREITO E MORAL SEGUNDO HABERMAS

 

Seguindo a interpretação de Moreira (1999) a partir de um ponto de vista funcional a Moral apresenta algumas fragilidades e sofre de duas debilidades. A primeira fragilidade seria de ordem cognitiva. Em sociedades multiculturais e complexas já que se entende que os a moral enceta processos falibilistas criando certezas estruturais.

A segunda fragilidade diz respeito a uma fragilidade motivacional, sobretudo pelo fato de que a moralidade sozinha não seria capaz de criar motivações para o agir no nível da obrigatoriedade. Pensando a partir de uma moral pós-tradicional.

Por sua vez, na esteira de Dutra (2005) deve-se pensar numa linha de complementaridade entre Direito e Moral. Mas devemos atentar para a significação desta complementaridade. Sobretudo na distinção fundamental entre direito e moral no que tange às relações entre Kant e Habermas.

Seguindo a compreensão habermasiana é reducionista a compreensão kantiana de derivar os deveres jurídicos dos deveres morais. O que Habermas consegue vê nesta posição kantiana é um certo platonismo. Neste sentido, nas palavras de Dutra (2005, p.216) “o direito passa a complementar a moral sob o ponto de vista da eficácia para a ação... além de ser um sistema de saber é, também, um sistema de ação, tendo suas proposições, portanto, eficácia imediata para a ação”.

Nesta direção, as exigências para a real complementaridade entre direito e moral vão além das exigências propriamente morais, o que comporta outras exigências que se referem a três exigências assim denominadas: cognitivas; motivacionais e organizatórias. Seguimos uma linha interpretativa adotada por Dutra (2005).

Com relação às exigências cognitivas, a moral comunicativa se insere num sistema falível, pois não consegue elaborar um catálogo de deveres e sendo assim sofre no conflito das interpretações pela falibilidade de suas opiniões. O direito entra em cena para aliviar esta incerteza cognitiva e absorver esta indeterminação.

Num segundo momento, com relação à motivação para agir moralmente, ligada à vontade que sofre por suas inconstâncias, pois se inclina a interesses particulares, inclusive. O direito aqui impõe um comportamento objetivo, através de sanções e normas como reguladora da vontade.

Num terceiro momento, a exigência de grandes sistemas organizados através do direito administrativo. Sobretudo para a realização dos deveres morais positivos (altruísmo; beneficência; justiça).

Neste sentido, a validade jurídica para Habermas comporta uma gramática de razões do que aquelas compreendidas no âmbito da moral (DUTRA, 2005). Neste âmbito de compreensão, a legitimação do direito acontecerá na visa habermasiana a partir de uma gama de razões: morais, éticopolíticas e pragmáticas.

As razões morais devem ser tratadas do ponto de vista estritamente normativo, em que os interesses diversos precisam ser vistos no âmbito simétrico de todos os envolvidos. Quanto às razões ético-políticas, trata da construção da identidade sociocultural e da construção da cidadania ativa a partir de uma hermenêutica da própria tradição. Saindo de uma mera autocompreensão objetivista e assumindo autocompreensão cultural nas suas orientações axiológicas.

Por fim, quanto às razões pragmáticas, refere-se quando não se consegue visualizar os meios adequados para atingir suas preferências. No que se tem que passar por uma revisão das recomendações hipotéticas sob a forma de impertativos condicionais. (DUTRA, 2005).

A partir destas razões aludidas, percebe-se claramente que a legitimidade jurídica admite uma amplitude maior de razões que estão além das razões morais.

Retomando esta perspectiva do ponto de vista da perspectiva cognitivista da moral abro um parêntese para tratar da genealogia do teor cognitivo da moral. Habermas (2002) defende, no texto ― Uma visão genealógica do teor cognitivo da moral, que a Ética do Discurso justifica o conteúdo racional de uma moral do respeito para cada um e da responsabilidade solidária pelo outro. Contudo, ele faz isso, inicialmente, através da “reconstrução racional dos conteúdos de uma tradição moral abalada em sua base validativa religiosa”. (HABERMAS, 2002, p. 55) O questionamento que o autor em questão coloca é: se ainda pode ser justificado o teor cognitivo dessa moral?

Veremos, a seguir, os passos que Habermas dará para defender o conteúdo racional da moral.

A análise genealógica do teor cognitivo da moral, proposta por Habermas (2002), pode ser dividida (didaticamente) em três etapas: 1) na primeira, a análise genealógica se dirige ao exame da tradição religiosa judaico-cristã, pois essa tradição religiosa consegue conferir às normas de um teor cognitivo; 2) na segunda etapa, a genealogia investiga, após a desvalorização do fundamento religioso de validação das normas na modernidade, algumas propostas da filosofia moral moderna que buscam reconstruir o conteúdo cognitivo das intuições morais; e 3) na terceira etapa, após constatar que os esforços da filosofia moral moderna não conseguiram reconstruir o conteúdo das intuições morais cotidianas, a análise genealógica ajuda a Ética do Discurso a responder, primeiro, quais intuições morais são reconstruídas e, em segundo, como é possível fundamentar, a partir da teoria moral, o ponto de vista moral. Segundo Habermas, em sua Obra A Inclusão do Outro (2002) frases ou manifestações morais têm, quando fundamentadas, um teor claro cognitivo. Precisa-se distinguir dois (2) aspectos iniciais:

Primeiro aspecto: Compreender esta questão quanto à teoria da moral, ou seja, há algum saber nas manifestações morais e como elas podem ser fundamentadas?

Segundo aspecto: A questão fenomenológica, ou seja, qual teor cognitivo os participantes desses conflitos percebem em suas reivindicações ou apelos morais.

Habermas (2002) situa a sua fala a partir de uma fundamentação moral de maneira descritiva. Ou seja, inserindo-a no contexto das interações cotidianas do mundo vivido. Fundamentalmente, seria a reconstrução e a reconstituição destas falas no horizonte da prática comunicativa cotidiana, como elas refletem e revelam os apelos e as reivindicações de ordem moral. Não só a sua compreensão semântica, mas, sobretudo pragmática e epistêmica da linguagem e de seus vários usos no tecido do mundo fenomênico.

Neste âmbito de compreensão, as manifestações morais portam consigo um potencial de motivos que pode ser atualizado a cada disputa moral.

Conforme Habermas (2002), uma nova concepção de moral emerge desta compreensão, ela não diz respeito apenas como os membros da comunidade devem se comportar; ela simultaneamente coloca motivos para dirimir consensualmente os respectivos conflitos de ação.

Na perspectiva de Silva (2011) fazem parte do jogo da linguagem moral as discussões, as quais, do ponto de vista dos participantes, podem ser resolvidas convincentemente com ajuda de um potencial de fundamentações igualmente acessível a todos. Nesta perspectiva, se a moral carecesse de um teor cognitivo crível, ela não seria superior às formas mais dispendiosas de coordenação da ação (como o uso direto da violência ou a influência sobre a ameaça de sanções ou a promessa de recompensas).

A partir do fato de haver normais morais “em vigor” para os integrantes de uma comunidade, não segue necessariamente que as mesmas tenham, consideradas em si, um conteúdo cognitivo. O intuito seria recolher reconstrutivamente, mais ou menos, elementos do conteúdo cognitivo das nossas intuições morais cotidianas.

Neste sentido, o não-cognitivismo severo quer desmascar o conteúdo cognitivo da linguagem moral como sendo, em tudo, ilusão. Ele tenta mostrar que, por trás das manifestações morais passíveis de justificação, se escondem apenas sentimentos, posicionamentos ou decisões de origem subjetiva.

Na compreensão de Silva (2011) descrições revisionistas semelhantes às do emotivismo (Stevenson) e do decisionismo (Popper) foram encontradas pelo utilitarismo, que vê nas preferências a origem do sentido “obrigatório” das orientações de valor e dos deveres. Contudo, diferentemente do não-cognitivismo severo, ele substitui a autoconsciência moral irrefletida dos participantes por um cálculo de benefícios, feito a partir da perspectiva do observador, e, nessa medida, oferece uma fundamentação que parte da teoria da moral para o jogo moral de linguagem.

Nesta perspectiva de análise, o utilitarismo tange algumas formas do não-cognitivismo atenuado, que leva em conta a autoconsciência dos sujeitos que agem moralmente, seja tendo em vista sentimentos morais (como é o caso da tradição da filosofia escocesa), seja a orientação segundo normas vigentes (como no caso do contratualismo hobbesiano). Contudo, a autoconsciência do sujeito que julga moralmente recai em revisão. Em seus posicionamentos e julgamentos, presumidamente justificados de modo objetivo, deveriam exprimir-se de fato apenas motivos racionais, sejam sentimentos ou situações de interesses (fundamentáveis pela razão dos seus fins).

O cognitivismo atenuado também deixa intacta a autoconsciência da práxis cotidiana das fundamentações morais, na medida em que atribui às valorações “fortes” um status epistêmico.

O cognitivismo severo quer, ainda, fazer justiça à reivindicação categórica de validade dos deveres morais. Ele tenta reconstruir o conteúdo cognitivo do jogo moral de linguagem em toda a sua amplidão. Aqui a teoria moral apresenta a possibilidade de fundamentação, na medida em que reconstrói o ponto de vista que os próprios membros das sociedades póstradicionais assumem intuitivamente, quando, diante de normas morais básicas que se tornaram problemáticas, só podem recorrer a motivos sensatos.

Habermas (2002) defende, no texto ― Uma visão genealógica do teor cognitivo da moral, que a Ética do Discurso justifica o conteúdo racional de uma moral do respeito para cada um e da responsabilidade solidária pelo outro. Contudo, ele faz isso, inicialmente, através da “reconstrução racional dos conteúdos de uma tradição moral abalada em sua base validativa religiosa”. (HABERMAS, 2002, p. 55) O questionamento que o autor em questão coloca é: se ainda pode ser justificado o teor cognitivo dessa moral?

Veremos, a seguir, os passos que Habermas dará para defender o conteúdo racional da moral.

A análise genealógica do teor cognitivo da moral, proposta por Habermas (2002), pode ser dividida (didaticamente) em três etapas: 1) na primeira, a análise genealógica se dirige ao exame da tradição religiosa judaico-cristã, pois essa tradição religiosa consegue conferir às normas de um teor cognitivo; 2) na segunda etapa, a genealogia investiga, após a desvalorização do fundamento religioso de validação das normas na modernidade, algumas propostas da filosofia moral moderna que buscam reconstruir o conteúdo cognitivo das intuições morais; e 3) na terceira etapa, após constatar que os esforços da filosofia moral moderna não conseguiram reconstruir o conteúdo das intuições morais cotidianas, a análise genealógica ajuda a Ética do Discurso a responder, primeiro, quais intuições morais são reconstruídas e, em segundo, como é possível fundamentar, a partir da teoria moral, o ponto de vista moral.

Segundo Habermas, em sua obra A Inclusão do Outro (2002) frases ou manifestações morais têm, quando fundamentadas, um teor claro cognitivo. Precisa-se distinguir 2 aspectos iniciais:

Primeiro aspecto: Compreender esta questão quanto à teoria da moral, ou seja, há algum saber nas manifestações morais e como elas podem ser fundamentadas?

Segundo aspecto: A questão fenomenológica, ou seja, qual teor cognitivo os participantes desses conflitos percebem em suas reivindicações ou apelos morais.

Habermas (2002) situa a sua fala a partir de uma fundamentação moral de maneira descritiva. Ou seja, inserindo-a no contexto das interações cotidianas do mundo vivido. Fundamentalmente, seria a reconstrução e a reconstituição destas falas no horizonte da prática comunicativa cotidiana, como elas refletem e revelam os apelos e as reivindicações de ordem moral. Não só a sua compreensão semântica, mas, sobretudo pragmática e epistêmica da linguagem e de seus vários usos no tecido do mundo fenomênico.

Neste âmbito de compreensão, as manifestações morais portam consigo um potencial de motivos que pode ser atualizado a cada disputa moral.

Conforme Habermas (2002), uma nova concepção de moral emerge desta compreensão, ela não diz respeito apenas como os membros da comunidade devem se comportar; ela simultaneamente coloca motivos para dirimir consensualmente os respectivos conflitos de ação.

Na perspectiva de Silva (2011) fazem parte do jogo da linguagem moral as discussões, as quais, do ponto de vista dos participantes, podem ser resolvidas convincentemente com ajuda de um potencial de fundamentações igualmente acessível a todos. Nesta perspectiva, se a moral carecesse de um teor cognitivo crível, ela não seria superior às formas mais dispendiosas de coordenação da ação (como o uso direto da violência ou a influência sobre a ameaça de sanções ou a promessa de recompensas).

A partir do fato de haver normais morais “em vigor” para os integrantes de uma comunidade, não segue necessariamente que as mesmas tenham, consideradas em si, um conteúdo cognitivo. O intuito seria recolher reconstrutivamente, mais ou menos, elementos do conteúdo cognitivo das nossas intuições morais cotidianas.

Neste sentido, o não-cognitivismo severo quer desmascar o conteúdo cognitivo da linguagem moral como sendo, em tudo, ilusão. Ele tenta mostrar que, por trás das manifestações morais passíveis de justificação, se escondem apenas sentimentos, posicionamentos ou decisões de origem subjetiva.

Na compreensão de Silva (2011) descrições revisionistas semelhantes às do emotivismo (Stevenson) e do decisionismo (Popper) foram encontradas pelo utilitarismo, que vê nas preferências a origem do sentido “obrigatório” das orientações de valor e dos deveres. Contudo, diferentemente do não-cognitivismo severo, ele substitui a autoconsciência moral irrefletida dos participantes por um cálculo de benefícios, feito a partir da perspectiva do observador, e, nessa medida, oferece uma fundamentação que parte da teoria da moral para o jogo moral de linguagem.

Nesta perspectiva de análise, o utilitarismo tange algumas formas do não-cognitivismo atenuado, que leva em conta a autoconsciência dos sujeitos que agem moralmente, seja tendo em vista sentimentos morais (como é o caso da tradição da filosofia escocesa), seja a orientação segundo normas vigentes (como no caso do contratualismo hobbesiano). Contudo, a autoconsciência do sujeito que julga moralmente recai em revisão. Em seus posicionamentos e julgamentos, presumidamente justificados de modo objetivo, deveriam exprimir-se de fato apenas motivos racionais, sejam sentimentos ou situações de interesses (fundamentáveis pela razão dos seus fins).

O cognitivismo atenuado também deixa intacta a autoconsciência da práxis cotidiana das fundamentações morais, na medida em que atribui às valorações “fortes” um status epistêmico.

O cognitivismo severo quer, ainda, fazer justiça à reivindicação categórica de validade dos deveres morais. Ele tenta reconstruir o conteúdo cognitivo do jogo moral de linguagem em toda a sua amplidão. Aqui a teoria moral apresenta a possibilidade de fundamentação, na medida em que reconstrói o ponto de vista que os próprios membros das sociedades póstradicionais assumem intuitivamente, quando, diante de normas morais básicas que se tornaram problemáticas, só podem recorrer a motivos sensatos.

1. Duas tentativas de renovação da moral de explicação empirista.

Conforme Habermas (2002) seriam duas linhas distintas. A primeira ligada a Allan Gibbard que segue uma linha mais expressivista da explicação e elucidação de uma convivência solidária; ao passo que, a segunda, ligada à Ernst Tugendhat, segue mais uma linha contratualista da ideia de uma comunidade justa.

Neste âmbito de compreensão, a consciência moral é expressão das legítimas reivindicações que os membros de uma comunidade moral podem exigir e criar expectativas, quando se compreendem enquanto membros cooperativos de um grupo social.

Segundo Tugendhat (1993 apud HABERMAS, 2002, p.27) “os sentimentos morais (vergonha e culpa) sinalizam às pessoas que se reconhecem como sérias, que elas fracassaram enquanto ‘membros cooperativos’ ou ‘bom parceiros sociais’ de uma dada comunidade moral”.

Passaremos agora a analisar, de forma ainda que sumária, as perspectivas apontadas por Gibbard e Tugendhat, na ordem dos autores elencados.

Na compreensão de Habermas (2002), Gibbard distintamente de Kant, compreende as normas para além das normas para ação. Segundo ele, as normas devem ser utilizadas para todas as espécies de padrões, o que significa a consideração do que é racional, ao emitir uma opinião, externar um sentimento ou de agir de determinada forma. O que é mais importante é que para Gibbard (1992, apud HABERMAS, 2002, p.84) denomina “morais as normas que fixam, para uma comunidade, quais as classes de atos que merecem reprovação espontânea”.

Para Gibbard (1992 apud HABERMAS, 2002, p.30) “não se pode compreender o entendimento discursivo sobre normas morais a partir do modelo da busca cooperativa da verdade, mas a no sentido de influenciação retórica. ” Neste âmbito, como o processo discursivo não se pautou pela mobilização dos motivos melhores, mas pela capacidade de contágio das expressões mais impressionantes, não se pode falar de um real “fundamentação”.

Neste ponto de vista, como explicar o ponto de vista, em que sob condições pragamaticamente excelentes, as normas encontrariam anuência sob o ponto de vista funcional no seu “valor de sobrevivência”, objetivamente elevado e específico. (GIBBARD, 1992, apud HABERMAS, 2002, p. 31)

Veremos agora, uma perspectiva distinta da visão funcionalista da moral. Tugendhat faz esta abordagem a partir de 3 pontos. 1) descreve os sistemas de regras morais em geral, quais os motivos para sermos morais em geral; 2) que espécie de moral deveríamos racionalmente escolher sob condições pós-metafísicas. (TUGENDHAT, 1993, apud HABERMAS, 2002, p. 32)

Tugendhat começa com um conceito pleno de comunidade moral. Ele sublinha a questão da autoconsciência daqueles que se sentem vinculados a regras morais. Segundo o autor em questão, faz parte de nossa autonomia pertencer ou não a uma comunidade moral. Entende, por autonomia apenas a capacidade de se agir orientado por regras, a partir de motivos racionais. (TUGENDHAT, 1993, apud HABERMAS, 2002, p. 32)

Tugendhat (1993, apud HABERMAS, 2002, p. 32) apresenta alguns motivos práticos, quais sejam:

 

Prefiro participar de uma comunidade moral, pois diante de um processo de instrumentalização mútua, escolho ser sujeito e destinatário de direitos e deveres; prefiro relações equilibradas de amizade, pelo fato de serem melhores que a solidão estrutural de um ator que age estrategicamente; prefiro a satisfação de me sentir respeitado por pessoas que são, elas próprias, moralmente respeitáveis.

 

No segundo ponto, Tugendhat (1993, apud HABERMAS, 2002, p. 34-35) parte do fato de que, “após a perda da base tradicional da validação de uma moral comum, os participantes têm que refletir juntos sobre quais normas morais deveriam se pôr de acordo”. Neste sentido, todos os pontos de vista para um acesso moral à verdade estão invalidados.

Partindo deste ponto de vista, depois da religião e da metafísica, o que fundamentaria uma moral da consideração igual para todos? Se não há mais, a prescrição transcendente? Precisamos compreender então, este jogo moral de linguagem a partir da perda da base religiosa de validação da moral.

Segundo Tugendhat (1993, apud HABERMAS, 2002, p. 35):

 

Se o que é bom deixa de ser prescrito de forma transcendente, o respeito pelos membros da comunidade, que passa a ser ilimitado, ou seja, o respeito por todos os outros – por sua vontade e seus interesses – é que, segundo parece, passa a fornecer os princípios da bondade.

 

Neste sentido, a intersubjetividade passa a ocupar o lugar da prescrição transcendente. Neste ponto de vista, Tugendhat aproximasse do princípio kantiano da generalização a partir das considerações simétricas da situação de partida, em que as partes se confrontam, destituídas de todos os seus privilégios. Em que se buscam os acordos fundamentais que podem ser aceitas racionalmente por todos os participantes. Portanto, se os participantes aceitam entrar numa práxis de entendimento cooperativo, também aceitam tacitamente a condição da consideração simétrica ou uniforme do interesse de todos. (todo participante sério precisa examinar o que é racional para ele nas condições de consideração simétrica e uniforme dos interesses).

 

 

3 A FUNDAMENTAÇÃO DA MORAL A PARTIR DA TEORIA DISCURSIVA DO DIREITO

 

Ao se perder a autoridade epistêmica da posição divina, os mandamentos morais perdem também sua justificação soteriológica e ontoteológica.

A ética do discurso, por sua vez, não pode nem conservar o teor moral íntegro das instituições religiosas, nem preservar o sentido realista de validação próprio às normas morais.

Segundo Habermas (2002) a ética discursiva justifica o teor de uma moral do respeito indistinto e da responsabilidade solidária por cada um. Assim, propõe-se de saída a tentativa de estabelecer uma base profana, em que as fundamentações éticas possam convergir.

O fato é que os indivíduos perderam o suporte ontoteológico e precisam agora se autoreferirem a sim mesmos. Ou seja, devem criar com base em si mesmos as próprias orientações normativas.

Conforme Habermas (2002) o “bem transcendente” que falta só pode ser compreendido de forma “imanente”. Há 3 passos para se chegar a uma fundamentação do ponto de vista moral, no âmbito da teoria moral.

1 Passo: Introdução do princípio “D”. O participante ao admite que a argumentação é a única maneira de avaliar a imparcialidade das normas morais, já está adotando o princípio “D”.

2 Passo: Introdução do princípio “U”. Aceitação geral e não coativa.

3 Passo: É a satifisfação que talvez os envolvidos tenham com o princípio “U”, à medida que ele se mostre e não conduza a resultados contra-intuitivos.

Por fim, a Ética do Discurso reconstrói, parcialmente, o conteúdo cognitivo da moral. Neste sentido, a justificação da validade de normas morais tem de pressupor a existência de dois elementos reconstruídos: justiça e solidariedade.

Seguindo a interpretação de Moreira (1999) a razão comunicativa afasta-se de uma tradição prescritiva da razão prática. Pois, o princípio do discurso neutro a partir de uma validade deontológica. A partir desta perspectiva se dá a cooriginariedade entre Direito e Moral. No momento em que a normatividade jurídica invade o espaço da liberdade do indivíduo, cessa a legitimidade da produção normativa.

Constata-se, portanto que em sociedades pós-metafísicas o peso da integração social não pode ser solucionado única e exclusivamente pelo agir comunicativo. A pergunta central seria: de que modo as normas jurídicas e as normas morais são cooriginárias? Segundo Habermas (1997, I, p.110) “o direito não representa apenas uma forma de saber cultural, como a moral, pois forma, simultaneamente, um componente importante do sistema de instituições sociais. O direito é um sistema de saber e, ao mesmo tempo, um sistema de ação”

Portanto, a que se distinguir que em Direito e Moral de 1986 não é mais a mesma perspectiva de Direito e Democracia de 1992.

No texto de 92 fala-se de uma simultaneidade genética, ou seja, simultaneidade na origem e complementaridade procedimental. Isto numa compreensão pós-metafísica em que o processo legislativo permite que razões morais fluam para o direito. Concluindo-se assim que a política e o direito devem estar em sintonia com a moral.

Há uma sacudida das bases validativas oriundas da metafísica e da força dos costumes da tradição. Neste sentido, a moral fica adscrita uma forma de saber cultural, carecendo de uma obrigatoriedade institucional. Neste arco de compreensão, a moral não realiza uma passagem obrigatória para a ação. Mas, o Direito além de ser um sistema de saber é um sistema de ação. Neste âmbito de compreensão, alivia a moral da incumbência de integração social que sozinha não consegue realizar. Dado que a moral tem apenas uma ação virtual com a ação. Isto porque a moral não obriga a vontade, não gera obrigatoriedade em sentido jurídico. Cumprindo, portanto, ao direito a passagem da esfera da vontade individual para uma produção de uma normatividade institucional.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Enquanto pessoa moral no bojo de uma cultura, imbuída por um saber faz a passagem do universal ao particular, passa da norma para o fato. Ao fazer estas passagens inscreve-se em três exigências fundamentais. (Cognitivas; motivacionais e organizacionais)

Na esteira de Moreira (1999) a moral não consegue elaborar um catálogo de obrigações que tentem dissolver os conflitos provenientes do universal para a ação. Justamente esta indeterminação cognitiva é dissolvida e absorvida no momento em que o Direito constitui como fonte mediata para a constituição da normatividade. No sentido de que a normatividade elimina a indeterminação cognitiva constituindo-se como fonte geradora de obrigações.

 

REFERÊNCIAS

 

DUTRA, Delamar José Volpato. Razão e consenso em Habermas: a teoria da discursiva da verdade, da moral, do direito e da biotecnologia. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2005.

 

EFKEN, Karl-Heinz. O Estado Democrático de Direito na perspectiva da teoria do discurso de Jurgen Habermas. Tese de Doutorado. Porto Alegre, 2003.

(Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).

 

HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. v. 1 e 2. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

 

HABERMAS, Jurgen. A Inclusão do outro. São Paulo: Loyola, 2002.

 

MOREIRA, Luiz. Fundamentação do direito em Habermas. Belo Horizonte: UFMG/FAFICH,1999.

 

OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética, direito e democracia. São Paulo: Paulus, 2010.

 

SILVA, Bruno Luciano de Paiva. A análise genealógica do teor cognitivo da moral em Jurgen Habermas. Pensar - Revista Eletrônica da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia. v.2 n.1(2011) p. 24-36.

 

PIZZI, Jovino. O Conteúdo moral do agir comunicativo. São Leopoldo: Unisinos, 2005.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO V

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


A CRISE DA RELAÇÃO DE LEGITIMIDADE ENTRE DIREITO E DEMOCRACIA:                DÉFICITS DE MORALIDADE

 

Anderson de Alencar Menezes

Angelina Renata Andrade Ribeiro dos Santos[iv]

Gustavo de Melo Silva[v]

 

1 INTRODUÇÃO

 

O presente artigo teve por objetivo apresentar a problemática da relação entre direito e democracia no que concerne à concepção de legitimidade, tendo como principal aparato a obra Direito e Democracia de Habermas. Para tal, a questão central que guiou este artigo foi “como se dá a crise entre direito e democracia tendo como produto os déficits de moralidade?”

Pensar a crise da relação de legitimidade entre direito e democracia e seus déficits de moralidade requer pensar a conexão existente entre a definição de direito e democracia e as determinações normativas morais. Para tal, é necessário estabelecer a relação entre direito e moral de tal forma que a autonomia de ambos seja respeitada.

Primeiramente e em sentido amplo, a moral (lat. moralis, de mor-, mos: costume) aparece como sinônimo de ética, teoria dos valores que regem a ação ou conduta humana, tendo um caráter normativo ou prescritivo. Em um sentido mais estrito, a moral diz respeito aos costumes, valores e normas de conduta específicos de uma sociedade ou cultura (JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo, 2006, p. 193). Sendo assim, em seus sentidos, convergem para o conceito de moralidade como qualidade de um indivíduo ou ato considerado quanto a sua relação com princípios e valores morais.

Por conseguinte, o direito é entendido como conjunto de normas ou leis criadas pelos homens como forma de guiar uma sociedade em determinada época. De modo genérico, a relação entre direito e moral é compreendida pelo senso comum como sendo uma relação de subordinação do direito em relação à moral.

Em virtude de suas autonomias, o direito se compromete com resultados e necessita de aparato coercitivo que lhe dê efetividade. Ao contrário da moral, não pode depender apenas da motivação interna de cada indivíduo. Dialogando com Habermas (1997), os exemplos apresentados para uma moral no direito significam apenas que certos conteúdos morais são traduzidos para o código do direito e revestidos com outro modo de validade. Uma sobreposição dos conteúdos não modifica a diferenciação entre direito e moral.

Diante desta perspectiva, cabe ressaltar o terreno conflituoso advindo do embate entre duas concepções de direito: direito positivo e direito natural. Nele, a criação das leis e normas é resultado da própria natureza do homem, visto que o direito é o conjunto de leis necessárias, universais, deduzidas pela razão da natureza das coisas. Tem-se aí um desdobramento no conceito de justiça, compreendido como princípio moral que estabelece o direito como um ideal e exige sua aplicabilidade.

Em busca de justiça, então, as demandas de caráter moral por vezes assumem a forma de direitos fundamentais amparados pelas leis, as quais os legalizam, de modo a positivá-los. Entretanto, essas mesmas demandas de caráter moral apresentam em sua construção indeterminações que dificultam a atribuição ou não do caráter jurídico dos mesmos. Podemos pensar como parte dessas indeterminações, como afirma Lois e Dutra (2007), a falta de uma moral comum no seio de suas construções. Questão essa já anunciada por Habermas ao resgatar a tradição kantiana, compreendendo a moral como o âmbito de atribuição de normas universais.

No mundo da vida, os discursos jurídicos incorporam argumentos das mais variadas ordens. Tanto os discursos pragmáticos quanto éticos e morais são justificados através de negociações reguladas por procedimentos. Sendo assim, sempre está em plano de iminência, o risco de ao ser convidado para resolver dilemas morais, o judiciário autorizar decisões que fazem uso de suas convicções pessoais e de sua constituição enquanto sujeito moral.

Entre direito, democracia e moral, vale ressaltar que os problemas advindos da crise entre legitimidade e legalidade trazem à tona questões do fundamento último do direito. Tensionam o direito de tal forma que traz à discussão a Filosofia do Direito. Esta estaria, portanto, apta a pensar as novas demandas do saber jurídico.

Neste viés, a discussão aqui apresentada ao dialogar com a concepção habermasiana, apresenta como hipótese a ausência de coesão interna entre direito e democracia para a crise da legitimidade. Tal problemática é importante na contemporaneidade, em especial no cenário de crise do Brasil, visto que, como dito anteriormente, as demandas morais se estabelecem por vezes como demandas jurídicas, sendo necessário pensá-las a partir de seus paradoxos.

 

2 A CRISE DA RELAÇÃO DE LEGITIMIDADE ENTRE DIREITO E DEMOCRACIA NA PERSPECTIVA DE HABERMAS

 

Prima facie, devemos abarcar no presente trabalho uma noção do que é a democracia e como ela se apresenta na visão habermasiana. A explicação etimológica da palavra Democracia exsurge do Grego, onde demos significa povo e kratos, poder. Assim, chegamos ao entendimento que Democracia é o poder que emana diretamente do povo.

Isto posto, seguimos no sentido de que coexistem e consolidaram-se na filosofia do direito basicamente dois caminhos distintos, sendo um modelo processualista ou instrumental e o outro sendo o modelo deliberativo. O primeiro, interligado ao pensamento de Joseph A. Schumpeter, e o segundo relacionado ao pensamento de Habermas.

Para Habermas (1997), a democracia baseia-se precipuamente no princípio da universalidade dos argumentos racionais como uma metodologia de legitimidade utilizada por sobre as decisões políticas daqueles que estão representando o povo, oferecendo uma metodologia de reconstrução da democracia em termos totalmente discursivos.

O que o sistema democrático de Habermas (1997) alvitra é um modelo de democracia intermediário entre o deliberado republicanismo e o liberalismo, ou seja, uma terceira opção distinta para estes modelos. Tal modelo habermesiano absorve fundamentos de ambas as teorias acima descritas, objetivando, assim, a criação de um determinado procedimento exemplar que pudesse ser utilizado amplamente para as tomadas de decisões.

O modelo deliberativo, defendido por Habermas (1997), nos remete a recursos extraídos de ambos os lados e, com isso, os une de uma maneira inovadora e que difere das outras num determinado pensamento de procedimento ideal para as tomadas de decisões. Tal entendimento exteriorizado por Habermas do método democrático tem significações normativas mais categóricas que o modelo liberal, entretanto um tanto quanto aquém das normativas do que o modelo republicano.

A teoria acima advogada por Habermas (1997), assim, apesar de conter grande destaque de um modelo democrático deliberativo, não consegue ser difundida para que possa ter uma representatividade relevante perante a sociedade. Dessa forma, com a organização e estruturação da sociedade em si, passou-se a ter uma necessidade maior de novos olhares acerca das novas problemáticas que dali exsurgiriam.

Com isso, a consolidação da administração do Estado Social trouxe uma obrigação estatal de estruturação e regulamentação política, na qual a lei, na sua modalidade clássica passou a ser insuficiente para as práticas administrativas que deveriam proporcionar uma avançada gestão capaz de assumir tarefas de planejamento e execução de políticas públicas intervencionista nas relações privadas e principalmente em grupos sociais que carecem da presença do Estado.

Como todo e qualquer ato presente numa democracia, necessitam laquear-se de legitimidade. Dentro da filosofia habermesiana, tem-se levantando diversos questionamentos acerca da autonomia pública dos sujeitos e sua relação com o contexto democrático, demonstrando a total ingerência na relação do direito com os aspectos da moralidade.

Nesse contexto, partindo-se de uma premissa democrática, aponta a necessidade de instituir novos paradigmas sociais, uma vez que diante da aceitabilidade racional do conteúdo elencado na norma por todos aqueles que porventura venham a ser afetados, seja direta ou indiretamente, acaba perfazendo um papel e participando ativamente no mecanismo discursivo designado à elaboração do próprio Direito.

A partir deste prisma, Habermas (1997) sustenta que esse novo contexto de sociedade vai se relacionar por intermédio de uma nova fonte legítima de poder, apoiada na relação comunicativa entre os sujeitos que transpõem aos que se intitula de metodologia discursiva, vital para a composição da organização e execução das duas primárias ordens sociais e normativas: a Moral e o Direito.

Nesse quadro, constatou-se que a legitimidade do direito necessita de um procedimento de legislação democrático, no qual o discurso moral empreende uma conduta significativa para a sua fundamentação. Contudo, o fato desse discurso manifestar um papel basilar para a justificação racional, não resulta num vínculo de subordinação entre ambos.

Tal circunstância pode ser facilmente elucidada pela seguinte afirmação de Habermas:

 

[...] uma ordem jurídica só pode ser legítima, quando não contrariar princípios morais. Através dos componentes de legitimidade da validade jurídica, o direito adquire uma relação com a moral. Entretanto, essa relação não deve levar-nos a subordinar o direito à moral, no sentido de uma hierarquia de normas. A ideia de que existe uma hierarquia de leis faz parte do mundo pré-moderno do direito. A moral autônoma e o direito positivo, que depende de fundamentação, encontram-se numa relação de complementação recíproca (HABERMAS, 1997, p. 140-141).

 

Com isso, tratando-se da estruturação do Estado social, referindo à esfera do direito, fora desencadeada uma verdadeira gama de normas experimentais (temporárias) e leis com arcabouço regulamentar, que, por hora, tais definições indeterminadas acarretaram numa verdadeira insegurança jurídica e institucional, que foram transmitidas para a sociedade num geral.

A consequência deste instituto chamado por Habermas (1997) de “indeterminação do direito” foi parar nos tribunais, no qual as decisões dos juízes passaram a se tornar uma legislação camuflada em ato decisório, pondo em xeque as atribuições legais e originária do direito e principalmente o papel de legitimação do Poder judiciário no cenário de crise.

Essa intervenção do Poder Judiciário acontece, principalmente pela insuficiente regulamentação do ordenamento jurídico administrativo e constitucional onde a relação do Estado com a sociedade passou a ser substituída por uma relação eivada e controlada pelas decisões dos tribunais que muitas vezes afrontam o próprio interesse social.

Isso acontece porque as lacunas normativas existentes no ordenamento jurídico são supridas por intervenções técnico-jurídicas ou o controle de legalidade exercido pelos tribunais locais. O cenário se agrava quando essa intervenção do judiciário parte de uma premissa equivocada, trazendo uma violação aos direitos fundamentais e ao interesse social, gerando uma crise institucional que assola a democracia do país.

Neste cenário, o direito sofre sua principal crítica, quando o Estado Social norteado de atribuições de ordem qualitativa e quantitativa é obrigado a decidir questões eminentemente administrativas, provocado pela ineficiência da lei criada pelo próprio poder legislativo e seu efeito impositivo, gerando uma problemática ainda mais grave que é a intervenção de um poder (Judiciário) no poder executor (Executivo), surgindo uma patente violação na harmonia e separação dos poderes constituídos. Tal argumento sustenta-se através da seguinte citação de Habermas:

 

O pivô da atual crítica ao direito, num Estado sobrecarregado com tarefas qualitativamente novas e quantitativamente maiores, resume-se a dois pontos: a lei parlamentar perde cada vez mais seu efeito impositivo e o princípio da separação dos poderes corre perigo. (HABERMAS, 1997, p.173)

 

Os problemas relacionados a segurança jurídica e a submissão da lei no Estado Democrático de Direito no estado social são evidenciados, principalmente quando uma norma idealizada pelo legislador não consegue regular ações complexas e dinâmicas que são exigidas em estados intervencionistas, trazendo a tona o fracasso dos meios de regulamentação tradicional que buscam combater os “riscos concretos” e não a prevenção de políticas públicas voltadas realmente ao interesse social.

A invasão descontrolada e sem precedentes evidenciada no cenário atual de crise institucional evidencia a transferência de competência (atribuição) legislativa para os tribunais, em razão de uma patente renúncia inconsequente do poder legislativo de cumprir o seu papel constitucional de promover os debates necessários objetivando a aprovação de diplomas legais que realmente tragam o fortalecimento do direito e da democracia.

Neste cenário dotado de ricas e intensas interferências entre os poderes constituídos, os partidos políticos que preteritamente eram capazes de influenciar a política e a mídia de massas, utilizando o poder comunicativo, na busca de normas capazes de atender o interesse social, atualmente evidencia-se a utilização do aparelhamento estatal para trazer pessoas não setores da administração, do judiciário, da mídia de massas e outros setores da sociedade que possam favorecer o interesse particular do partido ou de uma singela elite partidária.

Os partidos políticos também utilizam a instrumentalização do Estado, com o objetivo de realizar interferência no poder administrativo, por meio de acordos informais e negociatas partidárias que são objetos de embates sigilosos realizadas nos bastidores e nas veredas do parlamento, que muitas vezes revelam a ausência de interesse social ou aceitação da sociedade nas propostas legislativas que visam o favorecimento pessoal ou de determinadas categorias elitistas.

 

Nascem, assim, normas em total descompasso ao interesse da sociedade, norteados tãosomente na necessidade de criar ou manter normas que garantam a impunidade e o crescimento das injustiças sociais que tanto assolam a sociedade hodierna. Por outro lado, temos o poder judiciário sendo obrigado a tomar decisões judiciais em razão da existência das chamadas “zonas cinzentas” que surgem entre a legislação repleta de omissões e obscuridades e a aplicação do direito.

Contudo, é possível constatar que o direito regulador é dotado de fragilidades, principalmente numa seara em que a administração pública no estado social é repleta de tarefas de regulamentação, sendo inadmissível a execução de leis a luz da interpretação neutra e restritiva, tomando decisões de cunho pragmático.

Na administração moderna, o Estado deve evoluir nas tomadas de decisões, não apenas amparados na suposta alegada eficiência da administração, acarretando uma problemática ligada a legitimação, mas calcados nos argumentos normativos, deve desenvolver formas de comunicação e procedimentos que consolide as condições de legitimidade do estado de direito. Nesta linha de pensamento, cabe citar Habermas:

 

No entanto, práticas de participação na administração não devem ser tratados apenas como sucedâneos da proteção jurídica, e sim como processos destinados à legitimação de decisões, eficazes ex ante, os quais, julgados de acordo com seu conteúdo normativo, substituem atos de legislação ou da jurisdição. (HABERMAS, 1997, 184-185)

 

Diante da problemática que envolve legitimidade e legalidade, uma indagação deve ser enfrentada. É possível obter a legitimidade por meio da legalidade?

Para Max Weber, a legitimidade depende na fidedignidade da legalidade do exercício do poder. A chamada dominação legal possui um caráter de racionalidade, haja vista que a confiança na legalidade das ordens proferidas não se confunde com a fé na “tradição ou no carisma”. A justificativa de Weber é que a racionalidade reside no direito e que concede a legitimidade do poder exercido. Segundo Habermas (1997), o estudioso Max Weber introduziu uma definição positivista, no qual defendeu o direito como imposição do legislador (democraticamente legitimado ou não) estabeleceu como direito, dentro de um processo juridicamente institucionalizado. Vejamos o pensamento de Habermas:

 

Max Weber interpreta as ordens estatais das sociedades ocidentais modernas como desdobramento da “dominação legal”. Por que a sua legitimidade depende da fé na legalidade do exercício do poder. Segundo ele, a dominação legal adquire um caráter racional, pois a fé na legalidade das ordens prescritas e na competência dos que foram chamados a exercer o poder não se confunde simplesmente com a fé na tradição ou no carisma, uma vez que ela ter a ver com a racionalidade que habita a forma do direito e que legitima o poder exercido nas formas legais (HABERMAS, 1997, p.193)

 

Max Weber vai além ao aduzir que o direito possui sua racionalidade e que não possui necessariamente ligação com a moral. Assim, o direito e morais obrigatoriamente não estão interligados ou conectados, já que a moral pode comprometer a racionalidade intrínseca do direito. (Habermas, p.193, 1997)

Habermas (1997), em desacordo com a posição de Max Weber, defende o conceito positivismo da lei é insuficiente e vazio do ponto de vista normativo, uma vez que o poder exercido no direito positivo deve a sua legitimidade a um conteúdo implicitamente moral. Assim, deixa claro a importância da moral no processo de legitimação da norma no processo democrático. Nesta perspectiva, o direito moderno não pode ser considerado racional quando a moral é neutra. Vejamos o pensamento de Habermas ao tema:

 

Em sociedades semelhantes à nossa, a legitimidade configurada através da legalidade implica a fé numa legalidade destruída das certezas coletivas da religião e da metafisica apoiada, de certa forma, na “racionalidade do direito”. Todavia não se confirmou a opinião de Weber, segundo a qual uma racionalidade autônoma e isenta de moral que habitava do interior do direito, constitui um fundamento da força legitimadora da legalidade. Um poder exercido na forma do direito positivo deve a sua legitimidade a um conteúdo moral implícito nas qualidades formais do direito. (HABERMAS, 1997, p. 214)

 

Assim, a legalidade só poderia confeccionar a legitimidade ao ponto em que forem institucionalizados processos de decisões judiciais eivados dos discursos morais, ou seja, a legalidade e legitimidade para manter consonância e coesão obrigatoriamente deverá ser submetida ao crivo da moralidade, pois se completam e entrelaçam simultaneamente.

Neste passo, a legalidade produzirá legitimidade quando a ordem jurídica reagir a obrigatoriedade da fundamentação resultante no direito posto, na medida em que ocorrer a chamada institucionalização do processo decisório na seara jurídica passível no discurso moral. (HABERMAS, 1997, p.216)

A sustentabilidade da tese habermasiana se dá ao fato de que a legalidade deve surgir de sua legitimidade calcada na racionalidade procedimental de cunho fortemente moral, ou seja a racionalidade defendida por Habermas é resultado de uma junção entre dois processos, já que os argumentos morais são institucionalizados com apoio do ordenamento jurídico pátrio. (HABERMAS, 1997, p.194)

O próprio Habermas (1997) sustentou a posição de que Max Weber não teve sua opinão confirmada, tendo vista que o poder decisório emanado do direito positivo deve possuir sua legitimidade embasado em um conteúdo moral implícito na formalidade do direito.

Contudo, o alemão adverte que a fonte legitimadora não deve ser galgada apenas com a norma política ou na jurisdição, pois no Estado Social o legislador mais zeloso consegue regular os núcleos da justiça e da administração, perfazendo a utilização da lei do ponto de vista semântico, calhando a obrigatoriedade de um direito regulador.

Destarte, neste cenário surge um pensamento extremamente importante, qual seja: a ideia da imparcialidade na fundamentação da norma e da sua aplicabilidade nas obrigatórias regulações, formando a chamada “ núcleo da razão prática”.

A moral sustentada por Habermas (1997) não paira sobre o direito (suprapositivo), mas emigra para o direito positivo, sem desvincular das questões identitária intrínseca a moral. Desta forma, o direito e a moral podem conviver mutuamente, onde os discursos morais limitam-se metodicamente ao direito em vigor, as provas carreadas e a temporariedade das decisões judiciais.

É através das eleições gerais e da pluralidade de opiniões públicas transformam no chamado por Habermas (1997) de “Poder Comunicativo” no qual possui a capacidade de proporcionar a legitimação do legislador sobre a administração regular ao passo que o direito impositivo é naturalmente mais rigoroso e muitas vezes não atende o interesse social.

Com efeito, compreende, desse modo, que de acordo com o modelo teórico de Habermas (1997), a democracia tem assumido uma sujeição metodológica e de caráter discursivo, na logicidade de que é por intercessão de princípios deontológicos, atrelado as relações comunicacionais que se inicia o processo de construção discursiva da vontade.

Nesse escopo, apenas a razão comunicativa a debutar, num contexto de ideias subjetivas, os vínculos interpessoais será eficaz de oportunizar, por meio, primeiramente, do agir comunicativo e em seguida do discurso, a elaboração de uma vontade pública aquinhoada essencial à composição sistemática das ordens normativas de cunho social, maiormente do Direito e da moral.

Com isso, se faz necessário restaurar para a esfera do poder Judiciário a idêntica viabilidade da elaboração discursiva da vontade que assentou base de alicerce ao Parlamento e, portanto, à formação jurídica normativa. Entretanto, essa laboração discursiva dos indivíduos tem o processo como o âmbito social apropriado e a normatividade que dela germinara, equivalerá ao âmago dos vereditos judiciais legitimamente declamados.

Portanto, o que se alvitra é que no campo de utilidade pública, o poder Judiciário seja conduzido a invocar a integração social e deliberativa dos sujeitos, por intermédio das organizações ativas, de maneira a assegurar que as decisões judicias possuam sua normatividade de modo a revesti-la de total legalidade e legitimidade exigida pelo estado democrático de direito.

Dessa forma o Judiciário será plenamente capaz de mitigar o déficit de legitimação que tanto tem motivado críticas, acercando-se, sobretudo, daqueles sujeitos reconhecidos como os legítimos alvos das decisões emanadas. Por conseguinte, o direito normativo subjugará os indivíduos como autores e destinatários, nesse caso em nexo aos julgamentos proferidos pelo judiciário percorrendo um sistema discursivo que os posiciona a uma situação frente a frente com a Justiça.

No Brasil, como recurso para subsidiar legalidade são lançados mecanismos de regulação de discursos, à exemplo as CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito). Nesse sentido, questões de política ocupam franca visibilidade como questões de direito. A política passa a ser entendida como um jogo de convencimento através de ideias reguladoras de conteúdo normativo. (ALEXANDRE, 2000, p. 4)

Outros contextos podem ser citados, tais como temáticas ambientais, econômicas, de defesa de interesses sociais amplos ou de minorias, os quais apresentam medidas e/ou decisões de pouco impacto, gerando um problema de legitimidade nestas medidas e/ou decisões. Diante de conflitos entre garantia de conquistas e interesses políticos, surge, nas palavras de Habermas (1997), o fenômeno de juridificação da política, onde o mundo da vida torna-se positivado.

Ainda na condição de exemplificar, podemos citar o caso recente com relação à polêmica sobre a sucessivas ordens judiciais de prisão e soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com o judiciário dividido, a diversidade de representações valorativas abala os alicerces da norma, que passam a ser vistas como valores em si. Neste sentido, de acordo com Alexandre (2000), quando não se percebe que os tribunais têm o papel da adaptação de princípios do direito a valores, e não vice-versa, preferências atraentes são capazes de apresentar interesses nocivos.

Neste cenário de crise institucional, o Poder Executivo vem exaustivamente realizando investidas em desfavor do Judiciário com pressões e até chantagens legislativas, como por exemplo a tentativa de aprovação da Lei de Abuso de Autoridade, onde o legislativo idealizou a aprovação de norma eivada de vício de cunho ideológicos e principalmente sem interesse da sociedade organizada, buscando apenas punir o judiciário que vem tentando exercer o papel constitucional de julgar as lides judiciais.

O ambiente entre esses poderes se torna mais inóspito quando o poder julgador decide questões que contrariam o interesse da classe política, o exemplo clássico é a decretação da prisão cautelar em desfavor de qualquer político. Surge naturalmente a alegação por parte do legislativo de violação as atribuições privativas dos poderes constituídos, ou seja, a suposta atribuição de apreciar ou convalidar eventual pedido de prisão seria do parlamento brasileiro.

Contudo, em razão da omissão do ordenamento jurídico pátrio acerca do tema, bem como do aparente protecionismo ou corporativismo da classe política surge a impunidade e consequentemente a insatisfação da sociedade organizada de clama por um país melhor.

Por outro lado, o Poder Judiciário vem decidindo questões sem competência ou jurisdição funcional, fato que enseja a majoração desta crise institucional de legitimidade dos poderes. Como é cediço, o poder judiciário não possui a legitimidade constitucional de legislar acerca de questões que não foram objeto de lei e quando a Justiça decide lides por omissão da Lei instala no cenário nacional debates e questionamentos acerca do papel dos poderes.

O cenário é agravado quando o Judiciário julga questões sem apoio da sociedade ou decide de forma equivocada, criando um ambiente propício de questionamentos. Podemos citar um dos questionamentos mais comuns acerca do judiciário é a indicação por parte do chefe do executivo dos desembargadores e ministros dos tribunais superiores, ou seja, questionamento que envolve a parcialidade do judiciário frente a questões de interesse político são sempre objeto de críticas da sociedade.

Novamente surge o conflito de legitimidade, uma vez que tensiona a racionalidade do direito e abre perspectivas de reconhecimento de criação de novos valores. A legitimidade da legalidade resulta, nas palavras do filósofo alemão, do entrelaçamento de processos jurídicos e uma argumentação moral que obedece à sua própria racionalidade procedimental (HABERMAS, 1997, p. 203).

O Tribunal Constitucional Federal tem um papel de grande relevância neste cenário, tendo atribuição de se ocupar com o controle abstrato da norma. Contudo, Habermas (1997) alerta uma preocupação na atuação deste tribunal que deixou de se limitar a suprir as omissões legislativas, desenvolvendo o direito de forma construtiva, no cenário entre os interesses do bem particular do bem comum.

As normas do direito são limitadas pelos princípios, ou seja, pela ordem de valores da Lei Fundamental que pode encadear a chamada insegurança para o direito em razão da instauração de um escalonamento entre a ordem legal e os princípios legitimadores. Habermas sustenta a possibilidade da ocorrência da dissolução do poder legal, ou seja do poder apoiado na legalidade da lei e da medida, através de um “ poder apoiado na legitimidade sancionada por intermédio de juízes”. (Habermas,1997, p.211)

Uma problemática evidenciada por Habermas e facilmente vislumbrada em nosso cotidiano no mundo da vida é a dificuldade de ponderar e valorar esses princípios quando são colidentes e somente as teorias da justiça e da moral norteado no procedimento prometem um processo isento de parcialidade para a fundamentação e avaliação dos princípios. E para o alcance da imparcialidade, é imprescindível o julgamento das questões práticas sob a égide da moral.

Como bem narrado por Denilson Luis Werle em seu artigo “Razão e Democracia - Uso Público da Razão e política deliberativa de Habermas”, a esfera pública tem um papel importante no combate a violação de competências (atribuições) dos poderes constituídos, já que a esfera pública utiliza o campo da mediação dos conflitos por meio de um fluxo comunicacional ideal para comunicação de conteúdos, tomada de decisões. Essa estrutura comunicacional do agir é norteada pelo entendimento.

Essa esfera pública consiste basicamente de grupos sociais fomentadores de opiniões em temas especializados, esses grupos são os sindicatos, instituições culturais, ordens sociológicos e filosóficas, entre outras palavras a sociedade civil organizada que fomentam as bases das estruturas comunicativas do mundo da vida que buscam identificar os problemas e propor soluções convincentes e eficazes. Contudo, o estudioso Werle, alerta:

 

A esfera pública tem o papel de fazer com que complexo formado pelo sistema político institucional, a administração pública e o judiciário se constituam como contextos de justificação que estejam ligados aos contextos de descoberta. A esfera pública só conseguirá desempenhar este papel se estiver enraizada no mundo da vida, ela tem de perceber e tematizar os problemas da sociedade como um todo e, portanto, tem de ser formada a partir dos contextos comunicacionais daqueles potencialmente atingidos. Ela é carregada por um público recrutado da totalidade dos cidadãos. (WERLE, p. 175, 2013)

 

Neste sentido, a sociedade organizada tem um papel de extrema relevância na condição de moderador nas relações institucionais dos poderes, exigindo decisões norteadas na moralidade e na ética para que a efetiva legitimidade seja chancelada pela sociedade.

É neste cenário de debates, argumentos, consenso e de diálogo que surge o agir comunicativo fundamentado na racionalidade comunicativa que possui o condão de proporcionar a sociedade o equilíbrio necessário das decisões administrativa dos poderes executivo, legislativo e judiciário, fazendo com que o limites estabelecidos em nossa magna carta constitucional sejam respeitados.

A esfera pública especializada, mais precisamente as universidades públicas têm um papel preponderante nestas relações institucionais, que é a promoção do debate e da concórdia em busca de soluções comunicativas capazes de vencer os litígios sociais.

Assim, como fora dito anteriormente, as universidades públicas são detentoras legítimas da esfera pública intelectual de um país, e possuem responsabilidades inerentes ao seu papel na sociedade como um todo. Uma das atribuições é a instigação e o fomento às medidas de soluções dos litigantes e que infelizmente esse papel vem sendo negligenciado pelas universidades e que todas as sociedades inevitavelmente acabam sofrendo com essa omissão.

Na atual conjuntura, portanto, as universidades não conseguem cumprir com as responsabilidades inerentes ao seu papel na sociedade. Sendo assim um caminho a menos para o alcance da democracia, na medida em que converge para a crise de relação de legitimidade entre direito e democracia, criando um verdadeiro distanciamento da política deliberativa, majorando o déficit de moralidade.

Em suma, entre ações e discursos, as situações e exemplos contemplados neste artigo demonstram que o atual cenário de crise brasileiro representa a não sustentação de uma ordem normativa que alcance a integração social, aprofundando a crise institucional, já que essa legalidade não se legitima no solo do espaço público e no mundo da vida.

 

3 CONCLUSÃO

 

O intuito deste trabalho foi apresentar a problemática da relação entre direito e democracia pelo viés da legitimidade em Habermas. A proposta de análise tomou como parâmetro a relação entre direito e moral, preservando a autonomia de ambos. Neste sentido, em oposição aos postulados do positivismo jurídico, a relação entre moral e direito deve ser discutida por uma perspectiva que envolva aspectos referentes à filosofia da justiça.

A forçada subordinação entre moral e direito, acarretou em nosso cenário, o que podemos chamar de esgotamento do direito e da moral, onde regras jurídicas e morais buscam tratar dos mesmos problemas de modo que descaracteriza direito e moral em suas distintas concepções. É dentro deste viés que identificamos o objeto de estudo deste artigo, os déficits de moralidade como esgotamento da moral, uma vez que este incompatibiliza a autonomia pública dos cidadãos.

O argumento do texto foi delineado dando destaque que em Habermas, a teoria do discurso do direito busca solucionar o problema da legitimidade do direito a partir da legalidade, fazendo um contraponto a Max Weber. O filósofo parte de uma premissa da teoria da racionalidade comunicativa, o direito e o processo de construção da norma são pautados numa linguagem de cunho moral, ou seja, a norma posta deve possuir uma estreita ligação com a moral e a ausência desta conexão, acarreta a ausência de legitimidade no mundo da vida.

Neste passo, a moral completa o direito no que tange a sua fundamentação jurídica, haja vista que os argumentos morais são garantidores da legitimidade necessária a ponto de que os regramentos jurídicos não podem contrapor os princípios morais, entretanto a moral proporciona um aspecto de efetividade ao direito criando uma complementação. A ausência dessa relação harmoniosa entre o direito, democracia e a moral leva o déficit de legitimidade do direito no mundo da vida, majorando o cenário de crise.

Portanto, não é possível criar uma relação de subordinação entre a moral e o direito já que a criação dos regramentos jurídicos se dá por meio da participação do povo (sociedade) no cenário político e que a democracia possui sustentabilidade quando o arcabouço jurídico não se divorcia da moral, norteando uma esfera pública do dever moral das normas.

Assim, em sua teoria, Habermas representa um retorno à confiança na razão dentre os pensadores críticos, uma vez que espera que conceitos como o de justiça possam ser aplicados tanto globalmente ou em uma dada sociedade desde que incorporadas em instituições solidamente democráticas, sendo o meio para tal a ação comunicativa, cuja força coercitiva e legítima é o direito.

Destarte, a ação comunicativa pressupõe o diálogo, a crítica e o contraste de ideias. Nem sempre será consensual, mas chegará a resultado acordado entre os interlocutores. Nesse debate, a mediação das instituições do direito - seja como ideal na forma de dever-ser, seja como as regras para o próprio debate - têm papel preponderante.

Neste sentido, a teoria habermasiana merece destaque por procurar solucionar os tensionamentos existentes entre democracia e direito enfatizando seus pontos críticos e deficitários. Sendo, portanto, uma pesquisa de caráter filosófica, abre espaços, a partir das reflexões aqui expostas acerca dos déficits de moralidade, para novas questões, tais como os já mencionados durante o texto “déficits de representatividade e legitimidade” no modelo democrático brasileiro. Ademais, pensar à maneira de Habermas tal modelo democrático pautado na representatividade, é um caminho possível para discussões posteriores.

 

REFERÊNCIAS

 

ALEXANDRE, Agripa Faria. Questão de política como questão de direito: a judicialização da política, a cultura instituinte das CPIs e o papel dos juízes e promotores no Brasil. Cadernos de Pesquisa Interdisciplinar em Ciências Humanas, Florianópolis, v. 1, n. 13, p. 2-13, jan. 2000.

 

HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Volume II. Tradução de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

 

JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

LOIS, Cecília Caballero; DUTRA, Delamar José Volpato. Modelos de moralização do direito: um estudo a partir de Jürgen Habermas. Seqüência: Estudos Jurídicos e Políticos, Florianópolis, p. 233-252, jan. 2007.

 

WERLE, Denilson Luis. Razão e democracia: uso público da razão e política deliberativa em Habermas. Trans/Form/Ação, Marília, v. 36, n. spe, p. 149-176, 2013.

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO VI

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


A RACIONALIDADE COMUNICATIVA HABERMASIANA: CONTRIBUIÇÕES NO PROCESSO DE ACEITAÇÃO DO IMIGRANTE E REFUGIADO

 

Virgílio Andrade Neto

Darlan do Nascimento Lourenço[vi]

Anderson de Alencar Menezes

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

A discussão acerca da temática envolvendo imigrantes, refugiados e exilados, isto é, pessoas em deslocamento forçado, têm tomado grande relevância na comunidade internacional, sobretudo, do último meio século passado para cá. Há de se notar que muitos dos fatores que colaboram para esse movimento humano coagido refletem um cenário de violência e opressão sofridas por indivíduos que saem de um lugar a outro em busca de proteção, solidariedade e, em muitos casos, nova cidadania.

Nisto, o aumento do contingente de refugiados, apátridas e destituídos de direitos só aumentou com a chegada do século XX, de acordo com Habermas (1997). Esses, somados a parte do espólio da Segunda Guerra mundial, algo que veio contribuir, portanto, com o avanço exponencial do número de expatriados, desabrigados e exilados que perambulam pelo mundo, principalmente pela Europa, cada vez mais dividida e discriminadora; mas também em países em desenvolvimento, como no caso do Brasil.

A onda de migrantes, por sua vez, cresce assustadoramente e os indivíduos são alocados em assentamentos, cuja semelhança remonta aos campos de concentração durante o regime de guerras; ocasião pela qual reforça cada vez mais a falta de zelo pela dignidade da pessoa humana. Como se não bastasse, o sentimento xenófobo aumenta progressivamente com relação aos refugiados e imigrantes. Situação tal que faz tornar-se mais dramático o quadro social vivido por homens, mulheres e crianças em situação de vulnerabilidade.

Nesse ínterim, segundo levantamento da ACNUR150 a população mundial de refugiados e migrantes ultrapassou novo recorde em 2017 com 68,5 milhões de pessoas em deslocamento pelo mundo151. As tentativas políticas de alguns países da Europa, como acontece na Alemanha, Espanha, França entre outros, já não dão conta do fluxo constante de pessoas que diariamente tentam buscar abrigo em suas fronteiras.

Diante disso, o presente estudo tem por objetivo refletir a condição em que estão submetidos fluxos populacionais inseridos na condição de refugiados à luz da teoria habermasiana, em especial, a partir da sua obra Direito e Democracia. Uma vez que no tocante ao debate em torno da democracia e das garantias de direitos humanos básicos, se faz necessário ponderar de que forma indivíduos em situação de vulnerabilidade são tocados por instrumentos democráticos do Estado que ajudem a afirmar sua condição de cidadão socialmente reconhecido na esfera pública? Ou melhor, como se dá a participação democrática do indivíduo refugiado?

Não obstante, é de nosso interesse propor, respaldado através de categorias fundamentais da teoria habermasiana, tais como: racionalidade comunicativa, validade, entendimento, reconhecimento, um diálogo que tenha como meta a superação de discursos hegemônicos, uma vez que estes estão inclinados à reprodução de formas que priorizam a dominação e a instrumentalização das relações humanas. Além disso, compreender o fenômeno dos fluxos migracionais e de refugiados se mostra imprescindível para entender o modo como a sociedade no capitalismo tardio se desdobra em momentos de crises sociais e, também, como a democracia é capaz de lidar com tais situações extremas passadas por cidadãos e cidadãs de várias nacionalidades.

 

2 SITUANDO A PROBLEMÁTICA EM TORNO DA CONDIÇÃO DOS REFUGIADOS SOB A LEITURA HABERMASIANA EM DIREITO E DEMOCRACIA

 

No segundo volume de Direito e Democracia, Habermas traz a discussão acerca da imigração e da condição dos refugiados a partir de um artigo intitulado: “Imigração e chauvinismo do bem-estar: um debate”. Nele, o autor desenvolve uma série de problematizações, bem como uma argumentação que faz despontar a questão da migração como um dos grandes desafios da contemporaneidade. Muito embora esse tema permaneça sendo fruto de debates acalorados, mesmo distante do ano de 1992, quando do lançamento do livro pelo autor. Mas, é importante frisar que com essa obra, “[...] Habermas se ocupa do problema da legitimidade das instituições do Estado...” (ANDREWS, 2011, p. 143), e no tocante a esse aspecto, o debate em torno da condição dos refugiados se faz presente.

É possível vislumbrar, por conseguinte, que a intenção do filósofo alemão em relação ao tema na supracitada obra, se encaminha a oportunidade de refletir o mundo a partir do pressuposto fundamental que alicerça todo ator social aos princípios do direito em um estado democrático. Isto é, a urgência de reconhecimento da cidadania e da dignidade da pessoa humana, em que há, por sua vez, a imprescindibilidade de contestar a situação extrema vivida por milhões de indivíduos ao redor do mundo que estão submetidos à condição de refugiados, fora de seus territórios nacionais e convivendo diariamente com intensos ataques seja de ordem social, cultural ou política. Ademais, faz emergir a premência de uma razão comunicativa queauxilie no percurso e possa conduzir a dimensão de validade em que indivíduos possam ser reconhecidos enquanto sujeitos capazes de discursos validados na comunidade.

Por este motivo, segundo Habermas (1997), o fluxo migratório do pós-guerra na Europa atuou como um termômetro constrangedor em face do fracasso do ideal socialista de Estado, com isso, influindo no crescente trânsito de refugiados pelo mundo. Na realidade, esse fenômeno tornou-se um dos principais acontecimentos políticos e sociais que marcou a segunda metade do século XX, devido a um cenário de guerras e miséria, como já previra Hannah Arendt, de acordo com o pensador frankfurtiano.

O interessante a se notar nesse quadro é que os fluxos migratórios representam graves mudanças no cenário geopolítico, econômico e social dos territórios ocupados por esses contingentes populacionais. Dito de outro modo, o problema do fluxo migratório descontrolado, sugere inicialmente dois grandes desafios: o primeiro que é de cunho econômico, já que o aumento da população, com a chegada dos imigrantes e refugiados irá impactar diretamente no consumo das utilidades fornecidas pelo estado; o segundo é de cunho social, pois a população local enfrentará o problema da interação e aceitação dos costumes e tradições trazidas nas bagagens dos novos participantes daquela comunidade.

Neste quesito, Habermas (1997) defende a tese que o problema do refúgio só poderá ser resolvido através de políticas comuns entre os países envolvidos. Quer dizer, se faz necessário medidas que garantam a melhoria de vida nas regiões mais pobres da Europa, ou, de acordo com a perspectiva habermasiana, esta “será invadida por refugiados e imigrantes” (p.297). E, neste ponto, nosso autor dirige uma reflexão para a forma como os Estados Nacionais implicados na questão poderão abrir o debate em torno dessas melhorias das condições de vida; mas, também, levanta o olhar diretamente sobre os países que são rotas de chegada de migrantes, uma vez que a constelação de acontecimentos que rodeiam os sujeitos em condição de deslocamento forçados tende a se tornar cada vez mais imprevisíveis.

Não obstante, outro entrave à condição dos imigrantes e refugiados é a dificuldade de assimilação de suas identidades por parte das populações nativas. Os embates envolvendo a integração política e social das pessoas em estado de refúgio esbarra no dilema em torno da cidadania e, consequentemente, da não aceitação da identidade nacional destes indivíduos, tal que “[...] o não reconhecimento cultural coincide com condições rudes de demérito social...” (HABERMAS, 2002, p.232). Em vista disso, uma crescente reação contrária ao ingresso de estrangeiros na Europa fez tornarem-se mais evidentes ondas radicais em relação à chegada de povos advindos de outras localidades. Nessa perspectiva, Habermas (1997) nos diz:

 

[...] Em toda a Europa aumentaram as reações de radicais da direita contra a infiltração de estrangeiros. E as camadas menos ricas – ameaçadas pelo descenso ou já marginalizadas – identificam-se claramente com a supremacia ideologizada de sua própria coletividade, rejeitando tudo o que é estrangeiro. Este é o outro lado do chauvinismo do bem-estar, que cresce em todas as partes. De sorte que o “problema dos refugiados” traz novamente à tona a tensão latente entre cidadania e identidade nacional. (p. 298)

 

Nesse ínterim, nos é possível atestar a constatação feita por parte do nosso filósofo como sendo fruto de uma ideologia segregadora e etnocêntrica, baseada em discursos de supremacia cultural, e não propriamente, em argumentos que remetam a problemas de ordem econômica simplesmente. Igualmente, tais discursos fazem aumentar o drama suportado por imigrantes que se somam a situação de ao mesmo tempo ter a perda de sua antiga cidadania e, a falta de reconhecimento de uma nova identidade nacional.

Contudo, a questão referente à conquista da cidadania para muitos dos povos refugiados na Alemanha, grosso modo, representa um meio de afirmação e pertença a nova cultura. Assim,

 

[...] Para muitos, a nova cidadania é sinônimo de satisfação etnocêntrica, nascida do fato de não ser mais tratado como um alemão de segunda classe. E, assim, eles esquecem que os direitos do cidadão devem o seu caráter libertário ao conteúdo de direitos humanos universais. [...] Na República Federal da Alemanha, como na maioria dos sistemas jurídicos do Ocidente, a situação jurídica dos estranhos e estrangeiros apátridas foi equiparada ao status de cidadãos. E, uma vez que a arquitetônica da Lei Fundamental é determinada pela ideia dos direitos humanos, todos os habitantes gozam da proteção da constituição. Os estrangeiros têm o mesmo status de deveres e direitos que os cidadãos nativos; com relação ao status econômico, também existe tratamento igual, com poucas exceções. (Id., Ibid.)

 

 Nesse quesito, a contenda envolvendo o processo de assimilação e aculturação por parte seja das comunidades nativas, seja das migrantes, respectivamente, faz tornar-se evidente o quão complexa se mostra esta controvérsia. Quer dizer, diante da incerteza de como se darão as relações humanas entre indivíduos em condição de refúgio e nativos das comunidades destino, o que nos vem à tona é qual a forma verdadeiramente democrática de inclusão desses contingentes migracionais, de tal modo que as políticas públicas de inserção social lhes assegurem uma posição legítima na sociedade recém-adotada, de sorte que possam se sentir afirmativamente pertencentes daquele núcleo social sem que haja quaisquer formas de negação de sua cidadania por motivo de ser um estrangeiro.

Há de se considerar outra implicação no tocante ao tema, a saber, uma discussão de ordem teórico-moral baseada no conceito de “special duties”, isto é, enquanto representações de deveres especiais. Com relação a esse ponto, Habermas (1997) discute como estes ‘deveres’ se colocam dentro dos limites sociais de uma comunidade. Entretanto, levanta o questionamento acerca da prioridade entre os deveres especiais sobre as obrigações universais. Nesse arrolar, cinco são os principais pontos trazidos pelo autor que colaboram para o desenvolvimento da argumentação. Todavia, não é de nosso interesse nos aprofundarmos nisto, uma vez que a ordem da questão é poder vislumbrar, em linhas gerais, a problemática em torno do tema da condição dos imigrantes. Haja vista que a conclusão a qual Habermas (1997) chega no artigo aqui discutido, traz consigo considerações que remetem a maneira como o Estado democrático de direito terá de superar, para a perfeita aceitação do refugiado à sua nova pátria, concepções de ordem utilitaristas, individualistas, comunitaristas etc., no intuito de construir uma cidadania democrática que encaminhe à noção de cidadão do mundo, pois, “... no quadro da constituição de um Estado democrático de direito, podem coexistir, em igualdade de direitos, variadas formas de vida.” (HABERMAS, 1997, p. 304)

 

3 A RACIONALIDADE COMUNICATIVA NO PROCESSO DE ACEITAÇÃO DO MIGRANTE E A CONDIÇÃO À CIDADANIA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 

Em outro texto na obra, A Inclusão do Outro: estudos de teoria política de 1996, ao rediscutir a questão dos imigrantes, Habermas (2002) desenvolve não apenas um novo olhar sobre a questão; mas, aprofunda alguns dos pontos referentes aos direitos dos estrangeiros em situação de refúgio em busca da cidadania nas sociedades que os acolhem. Neste ínterim, o filósofo lançará mão de uma argumentação de teor jurídico normativo. E é por esse caminho que passaremos a discutir a questão central do presente estudo, além de fomentar uma interrelação entre a condição dos refugiados e a proposta habermasiana situada no uso de uma razão comunicativa enquanto médium de justificação de relações intersubjetivas de atores sociais em interações linguísticas em busca de consensos.

Nessa perspectiva, vale destacar que a condição de cidadania pleiteada por indivíduos em condição de refúgio não se mostra tão simples de ser assimiladas e legitimadas pelos países que os recebem. Nisto, Habermas argumenta do seguinte modo:

 

Da perspectiva da sociedade que acolhe os imigrantes, o problema da imigração suscita a pergunta acerca das condições legítimas de entrada. Negligenciando os graus intermediários do ingresso, podemos centrar a pergunta sobre um de seus aspectos extremos: o ato de naturalização. É com ele que o Estado controla a ampliação da coletividade, definida justamente através dos direitos à cidadania. Sob que condições cabe ao Estado negar a cidadania aos que tornam válida uma pretensão de naturalização? Sem levar em as medidas de precaução usuais (contra a criminalidade, por exemplo), em nosso contexto é especialmente relevante a pergunta sobre em que medida um Estado democrático de direito, em defesa da integridade da forma de vida de seus cidadãos, pode exigir do imigrante que ele se assimile. (2002, p. 257)

 

Sendo assim, a noção de cidadania é uma prerrogativa atinente ao indivíduo que é reconhecida no plano internacional por toda comunidade. E pela ótica do Direito Internacional é um vínculo político-jurídico que relaciona o indivíduo a um Estado. Por conta disso, o indivíduo possui direitos e se vincula em obrigações para com o estado em que passa a pertencer. Habermas (2011) analisa o conceito de cidadania e destaca a ampliação que o conceito sofreu e passa a incluir outros elementos que participam na formação do Estado.

Hoje em dia, no entanto, as expressões “cidadania” ou “citizenship” são empregadas, não apenas para definir a pertença a uma determinada organização estatal, mas também para caracterizar os direitos e deveres dos cidadãos. A Lei fundamental da República Federal da Alemanha não possui similar explícito para a noção suíça de cidadania ativa; porém, apoiada no Art. 33, Seção 1, da Lei Fundamental a doutrina jurídica estruturou o feixe de direitos e deveres dos cidadãos, especialmente os direitos fundamentais, formando um status global entendido de modo semelhante.

 

Frise-se, conforme preceitua Habermas (2011), que a pertença a um Estado como conceito de cidadania, desemboca em subordinação de pessoas sob a égide de um Estado regulador, cuja existência é reconhecida pelo direito internacional, que amplia o conceito para não apenas definir a pertença a uma determinada organização estatal, mas também para caracterizar os direitos e deveres dos cidadãos. Sem necessariamente levar em conta a organização interna do poder do Estado, essa definição de pertença, unida à demarcação do território da pátria, serve para a delimitação social da nação.

Em nosso ordenamento jurídico, a questão da cidadania também é tratada a nível constitucional, já que a Constituição Federal brasileira de 1988 em seu artigo 12 declara que a nacionalidade está associada a um direito personalíssimo (intuito personae) em que o indivíduo poderá exercer livremente, inclusive, abdicar da nacionalidade brasileira em detrimento de outra quando estiver fora do território pátrio. Todavia, não é possível a sua cumulação outro estando em solo brasileiro. Mesmo sendo um direito personalíssimo e podendo ser exercido livremente, tal prerrogativa não está desassociada de suas obrigações enquanto nacional brasileiro. No contexto dos direitos e obrigações, aparece à capacidade de participar do sistema político da nação, este sendo um direito fundamental e o ponto central da cidadania exercida pelo indivíduo.

Daí surge um enorme desafio em todo o mundo, quando envolve aqueles indivíduos que estão submetidos à condição de refugiados ou migrantes, já que “o status de cidadão fixa especialmente os direitos democráticos dos quais o indivíduo pode lançar mão reflexivamente, a fim de modificar sua situação jurídica material” (HABERMAS, 2011 p.286).

Nesse toque, faz emergir a premência de uma disposição a qual sujeitos sociais possam agir de modo a buscarem entendimento recíproco em suas ações. Tal que, conforme Habermas (2012c, p.147), “... o conceito de entendimento remete a um comum acordo almejado pelos participantes e racionalmente motivado, que se mede segundo pretensões de validade criticáveis”. Por este ângulo, a proposta habermasiana de razão comunicativa surge como meio condutor dessa interação que cria condições para auxiliar no percurso para se chegar à dimensão de validade em que indivíduos possam ser reconhecidos enquanto sujeitos capazes de participar das discursões nessas novas comunidades. Logo, a razão comunicativa impõe uma releitura pelo prisma da sociologia, que contrapôs o conceito de mundo vivido (Lebenswelt) com a concepção sistêmica, considerando o discurso dos sujeitos envolvidos no mesmo contexto. A nova razão comunicativa enseja uma mudança de paradigma para considerar o processo de interação dialógica, levando em conta as pretensões de validade dos sujeitos envolvidos e as refutações argumentativas, desta maneira, colaborando com as trocas simbólicas entre sujeitos na comunidade, sejam estes nativos ou não de um território nacional.

Habermas (2012c) inclui em sua teoria da ação comunicativa a elaboração de um novo conceito de razão, que nada tem em comum com a visão instrumental que a modernidade lhe conferiu, mas que também transcende a visão kantiana assimilada por Adorno e Horkheimer (2006), isto é, de uma razão subjetiva, autônoma capaz de conhecer o mundo e de dirigir o destino dos homens e da humanidade. A concepção de razão comunicativa implica uma mudança radical de paradigma, em que a razão passa a ser implementada socialmente no processo de interação dialógica dos atores envolvidos em uma mesma situação. A razão comunicativa se constitui socialmente nas interações espontâneas, mas adquire maior rigor através do que Habermas (2012c) chama de discurso. Na ação comunicativa, cada interlocutor suscita uma pretensão de validade quando se refere a fatos, normas e vivências, e existe uma expectativa que seu interlocutor possa, se assim o quiser, contestar essa pretensão de validade de uma maneira fundada (begründer), isto é, com argumentos (FREITAG, 1993).

Logo, é imperioso se socorrer do conceito de racionalidade comunicativa habermasiana e não na perspectiva do um sujeito isolado e introspectivo. O locus da discursão da inclusão do sujeito na condição de refugiado ou migrante passa a ser um mote ideal e desafiador para essa experiência argumentativa proposta por Habermas, já que exige dos participantes uma postura procedimental e uma interação dialógica para validação, como também de questionamentos de verdades, que serão reformuladas com base no melhor argumento.

Neste sentido, com a racionalidade argumentativa habermasiana, certamente poderemos galgar um ambiente que melhor possibilite uma mudança de comportamento na política migratória dos Estados, numa tentativa de possibilitar uma mínima participação na tomada de decisões, para selecionar quais as estruturas que pretendem conservar, com vistas a promover uma melhoria da adequação dos novos integrantes que, consequentemente, desembocará numa melhoria da sociedade.

Todavia, as recentes práticas nos cenários políticos demonstradas no continente europeu e na América do Norte, mais precisamente no referendo do BREXIT[8] e nas eleições francesa e americana, demonstram claramente um caminho inverso dessa perspectiva de ‘inclusão do outro’ e dos ‘deveres especiais’. Além de ter sido um momento em que fora evidenciado, mais do que nunca, a resistência ao patriotismo, desenvolvida por um novo nacionalismo com dimensões de uma ideologia dominante da exploração do medo do “outro” pelo desconhecido e na estigmatização do estrangeiro.

O que se viu recentemente foi uma grande e significativa guinada nas eleições presidenciais norte americanas[9], que antes havia depositado certa expectativa em um presidente humanista e visionário - Barack Obama - na busca pela intensificação na superação da injustiça social, que não se concretizou efetivamente; para o ressurgimento do sonho americano, “a América grande outra vez”, através de um projeto de campanha centralizador, autoritário e antissolidário em relação ao tema da imigração e do refúgio.

Tanto é que, uma recente pesquisa intitulada: “Além da economia: o medo do deslocamento cultural empurrou a classe trabalhadora branca para Trump” (2017)[10], realizada pelo jornal americano The Atlantic Report e do Instituto de Pesquisa de Religião Pública (Public Religion Research Institute- PRRI) mostra que o medo sobre “os imigrantes e o deslocamento cultural” foram fatores cruciais na escolha pelo presidente Donald Trump. E isso influenciou mais que as preocupações econômicas entre os eleitores brancos da classe trabalhadora, pois 68% relataram uma forte preocupação com a preservação do “estilo de vida americano” e 50% com o medo da influência cultural que representam os estrangeiros chegando a concordar com a afirmação que “as coisas mudaram tanto que muitas vezes me sinto como um estranho no meu próprio país”. Confira-se alguns dos dados da pesquisa a seguir:

 

No geral, o modelo demonstra que, além do partidarismo, os temores sobre os imigrantes e o deslocamento cultural eram fatores mais poderosos do que as preocupações econômicas na previsão do apoio a Trump entre os eleitores brancos da classe trabalhadora. Além disso, os efeitos das preocupações econômicas eram complexos - com fatalismo econômico prevendo apoio a Trump, mas dificuldades econômicas que preveem apoio a Clinton.

[...]

2. Medos sobre o deslocamento cultural. Eleitores brancos da classe trabalhadora que dizem sentir-se frequentemente como um estranho em sua própria terra e que acreditam que os EUA precisam se proteger contra a influência estrangeira tinham 3,5 vezes mais chances de favorecer Trump do que aqueles que não compartilhavam essas preocupações.

3. Apoio para deportar imigrantes que vivem no país ilegalmente. Eleitores brancos da classe trabalhadora que favoreciam deportar imigrantes que vivem no país ilegalmente eram 3,3 vezes mais propensos a expressar uma preferência por Trump do que aqueles que não o faziam.

[...]

É notável que muitas atitudes e atributos identificados como possíveis explicações para o apoio de Trump entre os eleitores brancos da classe trabalhadora não foram preditores independentes significativos. Sexo, idade, região e afiliação religiosa não foram fatores demográficos significativos no modelo. As opiniões sobre os papéis e atitudes de gênero em relação à raça também não foram significativas. Também é notável que nem a medida de envolvimento cívico - participação em eventos cívicos ou serviços religiosos - provou ser um preditor independente significativo de apoio a Trump.

 

O relatório também fornece um perfil aprofundado dos americanos da classe trabalhadora branca, juntamente com a análise da visão de mundo, perspectivas e atitudes deste grupo sobre mudança cultural e política:

·           Quase dois terços (65%) dos americanos brancos da classe trabalhadora acreditam que a cultura e o modo de vida dos americanos se deterioraram desde os anos 1950.

·           Quase metade (48%) dos americanos de classe trabalhadora branca diz: "as coisas mudaram tanto que muitas vezes me sinto um estranho em meu próprio país".

·           Quase sete em dez (68%) americanos da classe trabalhadora branca acreditam que o modo de vida americano precisa ser protegido da influência estrangeira. Em contraste, menos da metade (44%) dos americanos brancos com educação universitária expressam essa visão.

·           Quase sete em cada dez (68%) americanos brancos da classe trabalhadora - juntamente com a maioria (55%) do público em geral - acreditam que os EUA estão em risco de perder sua cultura e identidade.

·           Mais de seis em cada dez (62%) americanos brancos da classe trabalhadora acreditam que o crescente número de recém-chegados de outros países ameaça a cultura americana, enquanto três em dez (30%) dizem que esses recém-chegados fortalecem a sociedade. [...]

 

A pesquisa supramencionada mostra uma comunidade pautada pela cultura do consumismo frenético, que se sentindo ameaçada com a presença do estrangeiro, em especial do estrangeiro sem dinheiro, foge totalmente da praticada da racionalidade argumentativa Habermasiana. Ademais, as constatações lançadas, não se limitam na não apenas ao desapego a prática da racionalidade comunicativa Habermasiana, vai além e alcança ainda uma ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana, que está no plano constitucional e é uma conquista do direito moderno, deve sempre caminhar junto na interação entre os sujeitos, que sem sombra de dúvidas, é um avanço no que diz respeito ao bem-estar dos indivíduos. Todavia, o conceito de dignidade da pessoa humana sofre algumas ponderações frente à utopia realista dos direitos humanos, por se tratar de um conceito amplo e aberto.

O Direito surge como um médium para a integração social e com o suporte da teoria da ação comunicativa que se mostra como uma luz no fim do túnel para a reconstrução da legalidade para se criar pelas vias do direito discursivo um espaço de atores sociais, que sejam, de fato, os próprios destinatários das leis por eles criadas, surgindo uma autêntica democracia na forma de acordo normativo, em alternativa ao imperativo coercitivo nas questões jurídicas.

A consequência dessa criação é uma esfera social repolitizada que certamente deverá passar também pelo viés da educação reacoplada, nesse contexto, com a presença do estrangeiro. Essa revitalização da esfera pública não pode ser fundamentada sem a presença da racionalidade comunicacional do agir orientado pelo entendimento e a “reconstrução” do tecido sociopolítico, agora como esfera social irá promover uma releitura na perspectiva crítica da presença do indivíduo estrangeiro, que reacoplada ao mundo da vida desfrutará de maior tolerância e mais flexível, apesar de geralmente vermos nos espaços públicos uma integração prevalente das mídias, que “generalizam” o contexto na prática interessada com desvios políticos.

É necessário fortalecer o discurso democrático e o encorajamento das pessoas, numa postura mais disposta a ouvir no momento da tomada de suas decisões.

 

As relações recíprocas e interpessoais, determinadas pelos papeis do falante, tornam possível uma auto-relação, que não precisa mais pressupor a reflexão solitária do sujeito agente ou cognoscente sobre si mesmo enquanto consciência previa. A auto-referência surge de um contexto interativo. A formação linguística do consenso, através da qual as interações se entrelaçam no espaço e no tempo, permanece aí dependente das tomadas de posições autônomas dos participantes da comunicação, que dizem sim ou não a pretensões de validade criticáveis. (HABERMAS, 1990, p.33)

 

É preciso dar vida aos ensinamentos de Habermas para apreender e promover uma mudança na realidade gritante no que diz respeito ao tema da imigração, pois:

 

Aquilo que brota das fontes do pano de fundo do mundo da vida e desemboca no agir comunicativo, que corre através das comportas da tematização e que torna possível o domínio de situações, constitui o estoque de um saber comprovado na prática comunicativa. (HABERMAS, 2002, p. 96).

 

Logo, o exercício de uma racionalidade comunicativa crítica, sempre será, uma tarefa hercúlea, principalmente quando se tratar de uma perspectiva de inclusão do sujeito, pautada no enfrentamento das “patologias” da sociedade moderna. Isto posto, o problema envolvendo os imigrantes e refugiados representam formas de patologias sociais que o Estado tem de procurar sanar, haja vista que como indivíduos detentores de direitos advindos de sua condição de sujeitos pertencentes a uma comunidade pautada na normatização do direito, há a necessidade de se fazer valer os direitos civis de cada um dos participantes do território nacional, sejam eles nativos ou estrangeiros que fixaram moradia devido sua condição de apatriado, uma vez que, “ [...] o ethos juridicamente ordenado de uma nação que se organize sob a forma de Estado não poderá entrar em contradição com os direitos dos cidadãos [...]” (HABERMAS, 2002, p. 256-257).

Essa interação compreendida nesses termos acaba gerando um poder-dever entre os participantes, uma vez que as pessoas envolvidas passam a assumir encargos recíprocos que influenciarão na atuação harmoniosa e eficiente na vida das pessoas. É certo, que nesse contexto de interações, sempre existiram novas aprendizagens, sempre ocorrem transformações nos envolvidos. E sendo a ação interativa pautada no entendimento recíproco, isso irá tornar o espaço público mais aberto ao debate e voltado para o estímulo das liberdades e garantias dos cidadãos.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Nossa breve reflexão acerca da racionalidade comunicativa e sua contribuição nas questões que envolvem os seres humanos estrangeiros, foi ancorada no segundo volume da obra Direito e Democracia, cuja discursão trazida por Habermas acerca da imigração e da condição dos refugiados denuncia um problema antigo e que cresce assustadoramente nos dias atuais, não só por problemas econômicos de alguns deles, mas também pela questão da intolerância ideológica, que demonstra cada vez mais a falta de zelo pela dignidade da pessoa humana. O sentimento xenófobo só aumenta com relação aos indivíduos em deslocamento forçado em toda parte do mundo e isso continua sendo um dos um dos grandes desafios da contemporaneidade.

Habermas (2002) na perspectiva da racionalidade comunicativa deixa claro ser possível se estabelecer um padrão mínimo de racionalidade para permitir uma comunicação pautada em relações éticas, em que tem como ponto central o medo e a intolerância do estrangeiro. A racionalidade comunicativa se mostra como uma grande possibilidade para ser aplicada nessa nova razão moderna pautada no medo e na intolerância.

O postulado da racionalidade comunicativa habermasiana é fundamental para compreender estas percepções atuais, pois sua teoria é considerada uma Teoria Crítica da sociedade em que analisa o sistema do dinheiro e do poder considerado como forma de ação estratégica, que domina e disciplina o mundo das interações sociais, que é chamado por Habermas de mundo da vida.

Não obstante o discurso político das grandes nações estarem inclinados à reprodução de formas que priorizam a dominação e a instrumentalização das relações humanas. O enfrentamento do problema causado pelo fenômeno dos fluxos migratórios se mostra imprescindível para entender o modo como a sociedade no capitalismo tardio se desdobra em momentos de crises sociais e, também, como a democracia é capaz de lidar com tais situações extremas passadas por cidadãos e cidadãs de várias nacionalidades.

E pelos ensinamentos de Habermas, encontramos um fio de esperança contra os impactos dessa racionalidade instrumental, que é o potencial existente na racionalidade comunicativa, para fazer com que os sujeitos ocupem seus papeis de pessoas presentes, mobilizadas por ações de interações que revelam sua presença na busca do entendimento mutuo, amparadas por procedimentos éticos, em especial no enfrentamento do problema da migração que influencia na formação do conhecimento das gerações presentes e futuras. Esses procedimentos são ofertados por Habermas na utilização da razão comunicativa que “encontra seus critérios nos procedimentos argumentativos de desempenho diretos ou indiretos das pretensões de verdade proposicional, justeza normativa, veracidade subjetiva e adequação estética” (HABERMAS, 1990, p.437)

Pois é nesse ambiente, que a espécie humana transita entre o meio natural e orgânico entre o meio social e da cultura, que é ambiente próprio para o desenvolvimento da racionalidade comunicativa que busca na intersubjetividade, o fio condutor capaz de conduzir ao entendimento e ao respeito mútuo. Sobretudo, numa realidade em que o discurso político está centrado em técnicas e instrumentos. Logo, é imprescindível a utilização da hermenêutica habermasiana como uma dimensão para interpretar a aceitação do estrangeiro, possibilitando que os indivíduos descubram a dinâmica dos sentidos que ali atuam.

É possível vislumbrar ainda, que a questão migratória possibilita uma oportunidade de refletir o mundo a partir do pressuposto fundamental que alicerça todo ator social aos princípios do direito em um estado democrático. Isto é, a urgência de reconhecimento da cidadania e da dignidade da pessoa humana, em diversas circunstâncias, em especial daqueles seres humanos ao redor do mundo que estão submetidos à condição de migrantes e refugiados, fora de seus territórios nacionais e convivendo diariamente com intensos ataques seja de ordem social, cultural ou política. Assim, a racionalidade habermasiana nos oportuniza um ambiente melhor com possibilidade de mudanças de comportamentos na política e interação com os estrangeiros, para, quiçá numa tentativa de possibilitar uma mínima participação na tomada de decisões, para selecionar quais as estruturas que pretendem conservar, com vistas a promover uma melhoria da adequação dos novos integrantes que, consequentemente, desembocará numa melhoria da sociedade.

Essa mudança, certamente trará uma nova esfera social repolitizada, com a presença do estrangeiro. E esse novo espaço da esfera pública estará revitalizado pela racionalidade do agir comunicativo na “reconstrução” do tecido sociopolítico, agora com essa nova esfera social teremos uma releitura na perspectiva crítica da presença do indivíduo estrangeiro, que reacoplada ao mundo da vida desfrutará de maior tolerância e mais flexível, sem a prevalência midiática intimidadora na prática interessada com desvios políticos.

A prática de uma racionalidade comunicativa crítica, sempre será difícil, principalmente em se tratando da perspectiva de inclusão do sujeito, contaminada pelas “patologias” da sociedade moderna.

Isto posto, nossa proposta foi vislumbrar, em linhas gerais, a problemática em torno do tema da condição dos seres humanos em deslocamentos forçados que hoje se encontram em todo o planeta, como uma das formas de patologias sociais que o Estado tem de procurar sanar, haja vista que como indivíduos detentores de direitos advindos de sua condição de sujeitos pertencentes a uma comunidade pautada na normatização do direito, há a necessidade de se fazer valer os direitos civis de cada um dos participantes do território nacional, sejam eles nativos ou estrangeiros.

 

REFERÊNCIAS

 

ADORNO, Theodor W., HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.

 

ANDREWS, Christina W. Emancipação e legitimidade: uma introdução à obra de Jürgen Habermas. São Paulo: Editora Unifesp, 2011.

 

FREITAG, Bárbara. A teoria crítica ontem e hoje.4 ed.,São Paulo: Brasiliense, 1993.

 

HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Tradução: George Sperber e Paulo Astor Soethe. São Paulo: Loyola, 2002.

 

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2012a –

 

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade, volume II. Trad. de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2011.

 

HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico: estudos filosóficos. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1990

 

HABERMAS, Jürgen. Sobre a constituição da Europa: um ensaio. São Paulo: Ed. Unesp, 2012b.

 

HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo1: racionalidade da ação e racionalidade social. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012c.


 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO VII

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


FILOSOFIA E EDUCAÇÃO: A FORMAÇÃO MORAL DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO PROCESSO SOCIOEDUCATIVO BRASILEIRO SOBRE A PERSPECTIVA DA CULTURA HABERMASIANA DO DIREITO.

 

Antonio Tancredo Pinheiro da Silva[vii]

Vitor Gomes da Silva[viii]

Anderson de Alencar Menezes

 

1 INTRODUÇÃO

 

A discussão à luz da Teoria Critica cuja principialidade teórica se reporta aos precursores da denominada “Escola de Frankfurt” e que tinha na sua formação intelectuais judeus alemães, que sofreram perseguição do regime totalitário Nazi-Fascismo, que dominava a Europa e especialmente a Alemanha, os membros da citada escola foram tomados como “inimigos” por se oporem intelectualmente e socialmente aos pensamentos hitlerianos. A questão de fundo é estudar a perspectiva filosófica e pedagógica nesta esteira histórica e com esta identidade teórica reler os processos educativos que se apresentam no sistema socioeducativo que articulam a ideia de reconhecimento numa sociedade marcada por patologias sociais. A ausência de reconhecimento social e o declínio da subjetividade simbólica são fatores primordiais para a degradação das relações sociais e a sua consequente desumanização.

A hermenêutica filosófica investiga a competência interpretativa de falantes adultos desde o ponto de vista de como um sujeito capaz de linguagem e de ação pode compreender, em um ambiente estranho, manifestações ou proferimentos incompreensíveis. A hermenêutica se ocupa com uma interpretação excepcional, que se torna necessário quando relevantes setores do mundo da vida ficam problemáticos, quando os meios normais de entendimento falham.

A tarefa da interpretação atribui ao interprete a necessidade de aclarar para si o contexto em que o autor levou em consideração para a construção do texto traduzido, bem como ao público no qual o texto foi direcionado. Não esquecendo de levar em consideração três elementos, quais sejam: cognição, moral e cultural, a partir do qual o texto foi construído.

A partir das premissas apresentadas temos como ponto de partida a discussão da relação entre a filosofia oriunda da escola de frankfut e as ações governamentais de políticas públicas de prevenção e combate à criminalidade infanto juvenil, em como, ao atendimento daqueles que saíram das unidades de internação ou de semi internação que cumpriram as medidas de internação após a pratica de atos infracionais análogos a crimes.

O sistema socioeducativo brasileiro vem apresentando mudanças significativas, onde tem como marco inicial o surgimento do SINASE, assim como o plano decenal que preconiza as ações a serem implementadas para total atendimento das crianças e adolescentes em situações de acolhimento nas unidades de internação, visando não só reinserção destes na sociedade bem como, apresentar possibilidades para que não ocorra à reincidência, fato esse que vem diminuindo conforme será apresentado ao longo desse trabalho.

A nossa perspectiva é de pensar o Sistema Socioeducativo alagoano a partir da categoria filosófica do reconhecimento partindo dos princípios e parâmetros da Teoria Crítica da Educação relidos à luz das categorias da Emancipação e do Reconhecimento no âmbito do Estado Democrático de Direito.

 

2 DESENVOLVIMENTO

 

É mister a efetivação de políticas que consideram como premissa básica a criança e o adolescente como sujeitos de direito consoante previsão normativa constitucional brasileira ao prever o gozo de direitos fundamentais inerentes à pessoa e, assegurando-lhes dentre outros, o desenvolvimento moral, espiritual e social.

É dever da família, da sociedade e do poder público garantir a efetivação dentre outros direitos o acesso irrestrito à educação, cuja participação efetiva do Estado e comunidade na integração dos sistemas e políticas públicas no conhecido mundo da vida, segundo Habermas, perpassa não só pela norma mas pela moral regulamentadora, de modo complementar, validando os atos culturais de convivência e desenvolvimento da comunidade impregnada de projetos sociais.

Nesse passo, as propostas pedagógicas, eficazes de formação desses menores através do sistema socioeducativo/SINASE estão vinculadas a normas morais universal e não institucionalizada, desta forma vem fazendo a ligação com os processos educativos, bem como, fazendo uma conexão direta com o interesse público da participação igualitária visando reorganizar o grande desafio da formação da criança e adolescente inseridas no sistema socioeducativo falido, descentralizado, desconstrutivo, e deformativo, e onde às normas e o desenvolvimento pessoal, profissional e humano em sociedade, são relegados.

Assim, o direito, a democracia e a moral estão entrelaçadas, desta forma não há de se falar em participantes do sistema socioeducativo sem antes os inserir no sistema democrático, principalmente no que tange ao direito formal aplicado.

Não tem como se discutir a inserção de crianças e jovens em um ordenamento jurídico onde esse esteja em desacordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente/ ECA, pois tal regramento surgiu com base positivista e faz a intersecção junto às outras normas do direito que visam não só preconizar os direitos reais, como os direitos materiais das crianças e adolescentes, tentando, desta forma, evitar que tais indivíduos continuem sem perspectivas.

A hermenêutica filosófica defendida por Habermas visa compreender o texto com todas as compreensões simbólicas e saber sob quais condições de validade foi idealizada, levar também em consideração o contexto apresentado, onde para Habermas toda interpretação bem sucedida é acompanhada pela expectativa de que o autor e seus destinatários poderiam compartilhar de nossa compreensão do seu texto, se eles fossem capazes de traspor a distância temporal.

No complexo mundo da vida, segundo Habermas, os indivíduos interagem entre si em sociedade através de diferentes grupos culturais cada qual com suas tradições, mas sob o prisma da formação moral e da educação como um direito universal e obrigatório.

Nesse passo, Habermas entende que “a moral possui uma força socializadora e integradora na sociedade, cuja potencialidade só é possível pela propagação de seus conteúdos através dos canais das regulamentações jurídicas”. Assim, há de refletir a importância do positivismo no mundo contemporâneo, o qual tem, segundo Habermas (1997), um papel importante na propagação dos conteúdos morais.

Desta feita, a escola desenvolve fundamental atividade, pois é por meio da educação que a formação de novos movimentos sociais, propõe reflexão e cidadania na formação do sujeito ético.

Todavia, é mister conceber a escola como um espaço público apara o diálogo e a ação comunicativa do indivíduo como ator no contexto e parte integrante do processo de tomada de construção em contraponto a uma prática positivista do atual modelo de escola, segundo Edon Mühi (2003,148)

 

Essa visão positivista predominante na escola faz com que a educação deixe para o segundo plano a formação do indivíduo e pouco se preocupe com a construção de uma sociedade justa e mais igualitária.

 

É dessa sociedade violenta, historicamente autoritária e patriarcal que se apresentam crianças e adolescentes em conflito com a lei submissas ao processo socioeducativo brasileiro paralelo a escolas comunitárias, duas realidades inseridas no habitat dos interesses políticos.

De acordo com Habermas (1997,199):

 

(...) quando os interesses políticos chocam-se e busca-se decidir quais valores deverão ser acatados, o critério fundamental de decisão, para não ser arbitrário, deverá ser o critério moral que proporciona a universalização de perspectivas.

 

O Estado Democrático de Direito onde essas crianças adolescentes estão inseridas para Habermas (2015,19), principal garantidor da liberdade no mundo contemporâneo.

Pois bem, é no Estado Democrático que os direitos e deveres, cidadania e democracia são submetidos a uma participação popular. Como por exemplo, a dinâmica política através da escolha de representantes no executivo e legislativo.

Para Francisco Souza (2015,61):

 

A ideia de Estado Democrático de Direito reside no fato de o poder político desenvolver-se através de direitos fundamentais discursivamente explicados e validados, dificultando o surgimento e a instalação de um poder dissoluto e tirânico.

 

Acrescenta ainda (2015,57):

 

No Estado Democrático de Direito, todo poder emana do povo, que o exerce através de representantes eleitos, nos termos de uma constituição. Nesse Estado, os direitos fundamentais em conjunto com a juridicidade e a constitucionalidade, são pilares em que este se assenta.

 

Com o advento da Constituição Federal de 1988 os destinatários do direito assim compreendidos por Habermas passaram a ter garantias fundamentais, e nesse interim crianças e adolescentes só foram, de fato, compreendidos como sujeitos de direito a partir de 1990, com a edição da Lei Federal nº 8.069/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

Para Anderson Menezes (2014,109):

 

O Estado Democrático de Direito consolida-se mediante a cristalização da cidadania em que direitos e deveres são juntamente submetidos ao debate, à discussão, e com um fim determinado quanto à realização dos cidadãos de maneira plena, efetiva e afetiva.

 

De acordo com Habermas em dois dos três caminhos apresentados na sua obra direito e democracia, a moral e a política são princípios básicos no que diz respeito a universalidade procedimental, onde se caracteriza como uma lei surgiu respeitando o estado democrático de direito, no Brasil assim como nas outras democracias se faz necessário que se mantenha a independência, e seguindo a premissa que a sociedade além de ser representada também tem que ser ouvida através dos costumes que ao longo do processo modificam leis e as modernizando para atender o real interesse social.

No primeiro momento Habermas trata como exercido o controle do legislador através da razão comunicativa, e da teoria do discurso que apesar de demonstrar sofisticação e eloquência, não deixa de ser controverso, pois, busca comprovar a similaridade da moral e da política no período da historicidade na qual são editadas as normas jurídicas, não tem como se falar dos aspectos citados acima e não lembrar da facticidade com os dias de hoje, onde as políticas públicas costumam ser apolíticas e amorais, vitimando a sociedade como um todo, mas em especial as crianças e adolescentes que ficam cada vez mais cedo expostos as mazelas sociais, comprometendo sobremaneira a sua formação como seres humanos de personalidade jurídica, e futuros formadores de opinião.

Com efeito, a Carta Magna apresenta-nos em seu art. 1º, II e III, a Constituição do Estado Democrático de Direito pautado dentre outras bases, a cidadania e a dignidade humana, nessa vereda, no caput do art 5º, todos são iguais perante a lei e assevera ainda no art. 6º, dos direitos sociais, dentre outros, a educação.

Cuida-se analisar que educação é um direito constitucional, primordial para o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, Habermas (2008,0141-162), destaca que a educação é uma forma de emancipação humana e, assim sendo, deve garantir dignidade e condições de realização pessoal e profissional por meio da ação pedagógica e do agir comunicativo na escola e com as crianças e adolescentes:

 

A emancipação humana não depende de qualquer tipo de determinismo transcendental ou técnico-instrumental, ela só pode realizar enquanto estiver à formação da vontade democrática por intermédio da esfera pública e de processos de libertação dos discursos. (Habermas, 2003, p. 161-162)

 

É notória a ausência de políticas públicas com a finalidade de fomentar a formação educacional de qualidade no Brasil, a ausência da democracia por intermédio da esfera pública traz a baila uma séria violação do discurso governamental e que afeta a gênese da sociedade, as crianças e adolescentes.

É dever da família, do Estado, consoante previsão normativa do art. 227 da Carta Magna e da Declaração Universal dos Direitos Humanos assegurar à criança e ao adolescente à educação prioritariamente, ora, é contumaz nos depararmos um sistema educacional brasileiro com verbas constitucionalmente garantidas, mas com crise de eficiência, ocasionando dentre outros problemas a evasão.

Ainda de acordo com a legislação pátria a defesa da criança e do adolescente, onde a proteção está prevista tanto na lei8.069/90 que o Estatuto da Criança e do Adolescente/ECA, quanto na Lei 12.594/12 que é o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo/SINASE.

Através destes ordenamentos jurídicos, mesmo que de forma tardia, se procurou estabelecer as modalidades de prevenção, proteção, atendimento, além, também das medidas de correição próprias para os pre puberes, para os adolescentes, bem como, para os jovens e adultos (medida socioeducativa extrema com cumprimento de até três anos, para os adolescentes que ao final da Medida terá atingido a maior idade, mas a cumprirá em uma unidade de internamento).

No que tange a primazia do reconhecimento da criança e do adolescente como pessoa humana está preconizado no Capítulo II, do Art.15 até o 18A, do ECA. Destarte à época que foi editado tal ordenamento jurídico além do papel social ser diferente, cabe ao legislador tipificar as condutas de proteção, bem como, as de sanções para as crianças e adolescentes, para que não haja a possibilidade de a ausência de lei cause danos, desta feita irreparável para a sociedade, tendo em vista que os jovens são a base do futuro da sociedade.

Em relação ao perfil do menor infrator no Brasil de acordo com o Ministério dos Direitos Humanos diz:

 

Em relação ao perfil dos adolescentes e jovens em restrição e privação de liberdade pela prática de ato infracional, o levantamento mostra que a maior parte - 96% do total - era do sexo masculino e 59,08% foram considerados negros. A maior proporção (57%) estava na faixa etária 16 e 17 anos.

 

Em relação Estrutura das Unidades de internamento de acordo com o Ministério dos Direitos Humanos:

 

O país contava em 2016 com 477 unidades de atendimento socioeducativo, sendo 419 exclusivamente masculinas, 35 femininas e 23 mistas. Com o maior quantitativo de adolescentes em privação ou restrição de liberdade, São Paulo também é o estado que concentra o maior número de estabelecimentos para atendimento desses adolescentes: 146, no total. Da mesma forma, Roraima, com a menor quantidade de internos do país, possui somente uma unidade. O levantamento identificou ainda um total de 32.465 profissionais atuando nos seus respectivos sistemas estaduais, uma média nacional é de 1,22 profissionais por adolescente.

 

Segundo o que preconiza o ECA em relação as medidas socioeducativas e os estabelecimentos de internação:

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a aplicação de seis medidas para responsabilizar adolescentes em conflito com a lei de acordo com a gravidade da infração, sendo internação em estabelecimento educacional e inserção em regime de semiliberdade, ambas classificadas como meio fechado, e as demais cumpridas em meio aberto: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida. Qualquer adolescente a partir dos 12 anos de idade pode ser sentenciado ao cumprimento de medida de internação, dependendo da gravidade do ato infracional. O período máximo de internação é de três anos.

 

É preocupante o número de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas no Brasil, sob o contexto do mundo da vida, suas causas e consequências diante do mundo sistêmico no passo da necessidade da coesão entre Estado Democrático de Direito e democracia para segundo Habermas, garantir o agir comunicativo.

Após a análise dos dados disponibilizados pela Secretaria de Prevenção a ViolênciaSEPREV, através da metodologia da pesquisa experimental, foi possível verificar que a situação do sistema socioeducativo brasileiro, em especial, Alagoas, das 13 (treze) unidades de internação em funcionamento, com capacidade geral de 355 (trezentos e cinquenta e cinco) leitos e 255 (duzentos e cinquenta e cinco) internos, vem apresentando melhora significativa nos estabelecimentos de internação, onde as boas práticas preconizadas no plano decenal que trata das diretrizes do SINASE, no trato, na prevenção, bem como, ao egresso, cujas fugas declinaram em 2017 de 46 (quarenta e seis) para 5 (cinco) em 2018. E o retorno desses, já no sistema prisional é reflexo de um sério problema social e de saúde pública em virtude do uso de entorpecentes e dependência.

Vale salientar que as ações previstas no planejamento estratégico nacional, tem que ser seguidas pelos estados, no Estado de Alagoas, é cediço que as modificações nas instalações (visando respeitar o que está previsto no SINASE), nas oficinas de laborterapias, assim como nas atividades lúdicas, tem uma contribuição significativa na diminuição não só da violência intramuros, como também na redução da reincidência masculina e consequentemente feminina.

O cerne do agir comunicativo para a presente reflexão deve partir para Habermas, das relações entre esfera jurídica e a esfera moral, e o direito como um médium, ou seja, garantir a integração social, obrigatoriedade do direito para eficácia do agir comunicativo.

Devemos pensar o direito em Habermas além do jusnaturalismo, a partir da sedimentação da cultura dos direitos fundamentais, solidariedade, justiça e políticas públicas que considerem as crianças e adolescentes, de fato, sujeitos de direito conforme previsão constitucional, combinado com o entendimento da Lei Federal nº 8069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente/ECA e, fomentar, assim, a ascensão do Estado Democrático de Direito.

Para Amartya Sen (2017,23-24):

 

Um número imenso de pessoas em todo o mundo é vítima de várias formas de privação de liberdade. Fomes coletivas continuam a ocorrer em determinadas regiões, negando a milhões a liberdade básica de sobreviver. Mesmo nos países que já não são esporadicamente devastados por fomes coletivas, a subnutrição pode afetar numerosos seres humanos vulneráveis. Além disso, muitas pessoas têm pouco acesso a serviços de saúde, saneamento básico ou água tratada, e passam a vida lutando contra uma morbidez desnecessária, com frequência sucumbindo à morte prematura. Nos países mais ricos é demasiado comum haver pessoas imensamente desfavorecidas, carentes das oportunidades básicas de acesso a serviços de saúde, educação funcional, emprego remunerado ou segurança econômica e social. Mesmo em países muito ricos, às vezes a longevidade de grupos substanciais não é mais elevada do que em muitas economias mais pobres do chamado Terceiro Mundo. Além disso, a desigualdade entre mulheres e homens afeta — e às vezes encerra prematura- mente — a vida de milhões de mulheres e, de modos diferentes, restringe em altíssimo grau as liberdades substantivas para o sexo feminino.

É importante ressaltar também a relevância que a moral deve ter, principalmente para aqueles que tem a responsabilidade de legislar bem como, para fiscalizar o cumprimento da lei, não tem como se separar a responsabilidade que temos com os jovens daquela que os representantes da democracia devem ter, os investimentos e compromissos firmados levados a sério para que as políticas públicas, saiam do espectro e possam realmente atender a sociedade, em especial as crianças e os jovens.

 

3 A GUISA DE CONCLUSÃO

 

A dignidade e a efetiva adoção de políticas públicas, assim como, a observância aos direitos e garantias fundamentais, dispensados às crianças e adolescentes evitará que os mesmos entrem no sistema socioeducativo, e que mesmo aqueles que entrem, quando egressos recebam oportunidades para que não reincidam, os jovens precisam viver as suas fases previstas em todas escolas de filosofia, e a educação que preconiza o bem-estar não só formal, como também moral na esfera jurídica do Estado Democrático de Direito como sujeitos, de fato, de direitos, conforme preconiza a Carta Magna do País.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

 

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e Adolescente e dá outras providências. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Acesso em: 13 set. 2018.

 

HABERMAS, Jurgen. Dialética e hermenêutica. Tradução de Álvaro Valls. - Porto Alegre: L&PM, 1987.

 

BRASIL. Direito e democracia: entre factividade e validade. Trad. de Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

 

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta: revisão técnica de Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

 

MENEZES, Anderson de Alencar. Educação e emancipação: por uma racionalidade éticocomunicativa. Maceió: Edufal, 2014.

 

SOUSA, Francisco Pereira de. O estado democrático de direito. Maceió: EDUFAL, 2015.

 

SITE MACEIÓ.7SEGUNDOS. Alagoas reduz entradas de adolescentes nas unidades de internação. Disponível em: https://maceio.7segundos.com.br/noticias/2017/07/21/92366/alreduz-em-20-o-numero-de-entradas-de-adolescentes-nas-unidades-de-internacao.html. Acesso em: 10 set. 2018.

 

SITE MDH.GOV. Adolescentes em unidades de internação e semiliberdade. Disponível em:http://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2018/marco/mdh-divulga-dados-sobreadolescentes-em-unidades-de-internacao-e-semiliberdade. Acesso em: 10 set. 2018.

 

SINASE. Sistema Nacional Socioeducativo. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2018. Sitio: www.sinase.gov.br.

 

MDH. Ministério dos Direitos Humanos, 2018. Sítio: www.mdh.gov.br. Acesso em: 12 set.2018.

 

SEPREV. Secretaria de Prevenção a Violência do Estado de Alagoas, 2018. Sitio: www.paz.al.gov.br. Acesso em: 12 set. 2018.

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO VIII

 

 

 

 

 

 

 


GRAMÁTICAS E ESPAÇOS DE RECONHECIMENTO NO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO: O SISTEMA SOCIOEDUCATIVO ALAGOANO

 

Anderson de Alencar Menezes

 

1 À PROBLEMÁTICA – DISTINÇÕES ENTRE DIREITO E MORAL

 

Partindo do diagnóstico weberiano de que o Direito é uma esfera independe da Moral. Habermas persegue a ideia original kantiana de pensar numa linha de complementaridade a relação entre Direito e Moral. O fato é que o avassalador aumento do ordenamento jurídico substitui a integração social  pela integração sistêmica. Considerando que o mundo da vida é o espaço de liberdade negativa, e, se constitui como um espaço de ação que não é descrito de forma institucional. Com o surgimento do estado burguês numa linha hobbesiana, o instrumental jurídico vai permitir a institucionalização de uma racionalidade regida pelo poder e pelo dinheiro.Habermas distingue o Direito como medium, associado ao poder e ao dinheiro, do Direito entendido como Instituição. Este último requer uma fundamentação racional, uma vez que se origina diretamente das exigências do mundo da vida, formando, junto com as normas informais, o pano de fundo da ação comunicativa. Assim, não é suficiente o apelo à legalidade, mas clama-se pela legitimidade de tais normas. Na esteira de Habermas o Direito moderno tem uma dupla exigência: positivação e fundamentação. É precisamente porque as instituições jurídicas pertencem ao mundo da vida que se pode ir além das respostas dadas pelo positivismo jurídico. Sobretudo por conter no seu bojo, uma dimensão ética, que se pode perguntar se uma norma jurídica é ou não legítima. 

 

2  IMPREGNAÇÃO ÉTICA DO ESTADO DE DIREITO

 

A partir da compreensão de Moreira (1999) Habermas parte do diagnóstico weberiano em que se percebe a perda do formalismo no âmbito jurídico.

A primeira a partir da ideia de Reflexividade que passa a acompanhar o direito. Ligadas às questões da arbitragem, em que se delega aos sujeitos a resolução de suas querelas, litígios. Num segundo momento, apontam-se lacunas do ordenamento jurídico, estas sendo preenchidas pela ação do juiz.  A tendência adesestatização da conduta jurídica.  Uma terceira é abertura do direito aos imperativos funcionais e um quarto a oposição constante da moralidade à positividade do direito.

Moreira (1999) Habermas debruçou-se sobre estas questões em duas aulas sob o título Direito e Moral ministradas na Universidade de Harvard em 1986. De fato, Habermas analisa a concepção weberiana na qual o Direito dispõe de uma independência em relação à Moral. Nesta perspectiva weberiana a legalidade se legitima a partir de si mesma.  Por isto que a tentativa weberiana é de perceber que o atrelamento do Direito à Moral significa a perda de sua racionalidade. Partindo desta concepção o conceito weberiano não consegue articular as relações entre moralidade e juridicidade.

     Nos processos de juridicização ocorridos durante a passagem para o Estado Social, houve não somente um alargamento do ordenamento jurídico, mas uma vinculação mais forte entre prescrições jurídicas e prescrições morais.

Por sua vez, deve-se salientar que a introdução de elementos éticos e morais no Direito, ocorrido com a emergência do Estado Social, isto provocou uma fissura nas bases liberais do sistema jurídico.  Pois, na perspectiva weberiana o Direito só poderá ser racional à medida que se afastar dos elementos morais. A tese weberiana é que o Direito é determinado por elementos formais, impondo-se uma racionalidade neutra em relação à Moral.

     Segundo Habermas(1997), Weber renuncia ao núcleo prático-moral, como instância deontológica do Direito, pois a moralidade era entendida a partir de uma perspectiva unicamente subjetiva.  Salienta-se, portanto que a pergunta weberiana qual legalidade geral legitimidade não consegue se resolver ao modo da compreensão weberiana da esfera jurídica. Pois, torna-se problemática a questão de uma racionalidade jurídica autônoma, isenta de moral.

      Segundo Moreira (1999) para corroborar a compreensão de que a validade e a legitimidade do ordenamento jurídico se estabelecem numa relação complexa e interna entre Direito e Moral.  Numa perspectiva pós-metafísica a validade encontra plausibilidade na medida em que apresenta argumentos dotados de conteúdos morais.

Para Habermas em oposição a Weber só é legítima a legalidade circunscrita em uma racionalidade cujo procedimento se situa entre processos jurídicos e argumentos morais. Abre-se, portanto para uma racionalidade procedimental prático-moral na esfera deontológica.

Por fim, sob o ponto de vista procedimental o Direito e a Moral distinguem-se. Daí que segundo Habermas “Uma ordem jurídica só pode ser legítima quanto não contrariar princípios morais” (HABERMAS, 1999, V.1 -. p.140).

 

3 A CONCEPÇÃO HABERMASIANA DO DIREITO ENQUANTO INTEGRAÇÃO SOCIAL

 

Na esteira de Moreira (1999) a partir de um ponto de vista funcional a Moral apresenta algumas fragilidades e sofre de duas debilidades. A primeira fragilidade seria de ordem cognitiva. Em sociedades multiculturais e complexas já que se entende que os a moral enceta processos falibilistas criando certezas estruturais.

A segunda fragilidade diz respeito a uma fragilidade motivacional, sobretudo pelo fato de que a moralidade sozinha não seria capaz de criar motivações para o agir no nível da obrigatoriedade. Pensando a partir de uma moral pós-tradicional. Retomando esta perspectiva do ponto de vista da perspectiva cognitivista da moral abro um parêntese para tratar da genealogia do teor cognitivo da moral.

Habermas (2002) defende, no texto ―Uma visão genealógica do teor cognitivo da moral, que a Ética do Discurso justifica o conteúdo racional de uma moral do respeito para cada um e da responsabilidade solidária pelo outro. Contudo, ele faz isso, inicialmente, através da “reconstrução racional dos conteúdos de uma tradição moral abalada em sua base validativa religiosa”. (HABERMAS, 2002, p. 55) O questionamento que o autor em questão coloca é: se ainda pode ser justificado o teor cognitivo dessa moral?

Veremos, a seguir, os passos que Habermas dará para defender o conteúdo racional da moral.

A análise genealógica do teor cognitivo da moral, proposta por Habermas (2002), pode ser dividida (didaticamente) em três etapas: 1) na primeira, a análise genealógica se dirige ao exame da tradição religiosa judaico-cristã, pois essa tradição religiosa consegue conferir às normas de um teor cognitivo; 2) na segunda etapa, a genealogia investiga, após a desvalorização do fundamento religioso de validação das normas na modernidade, algumas propostas da filosofia moral moderna que buscam reconstruir o conteúdo cognitivo das intuições morais; e 3) na terceira etapa, após constatar que os esforços da filosofia moral moderna não conseguiram reconstruir o conteúdo das intuições morais cotidianas, a análise genealógica ajuda a Ética do Discurso a responder, primeiro, quais intuições morais são reconstruídas e, em segundo, como é possível fundamentar, a partir da teoria moral, o ponto de vista moral.

Segundo Habermas, em sua Obra A Inclusão do Outro (2002) frases ou manifestações morais têm, quando fundamentadas, um teor claro cognitivo.  Precisa-se distinguir 2 aspectos iniciais:

 

1.   Aspecto: Compreender esta questão quanto à teoria da moral, ou seja há algum saber nas manifestações morais e como elas podem ser fundamentadas?

2.  Aspecto: A questão fenomenológica, ou seja qual teor cognitivo os participantes desses conflitos percebem em suas reivindicações ou apelos morais.

 

Habermas (2002) situa a sua fala a partir de uma fundamentação moral de maneira descritiva. Ou seja, inserindo-a no contexto das interações cotidianas do mundo vivido. Fundamentalmente, seria a reconstrução e a reconstituição destas falas no horizonte da prática comunicativa cotidiana, como elas refletem e revelam os apelos e as reivindicações de ordem moral. Não só a sua compreensão semântica, mas, sobretudo pragmática e epistêmica da linguagem e de seus vários usos no tecido do mundo fenomênico.

Neste âmbito de compreensão, as manifestações morais portam consigo um potencial de motivos que pode ser atualizado a cada disputa moral.

Conforme Habermas (2002), uma nova concepção de moral emerge desta compreensão, ela não diz respeito apenas como os membros da comunidade devem se comportar; ela simultaneamente coloca motivos para dirimir consensualmente os respectivos conflitos de ação.

            A partir do fato de haver normais morais “em vigor” para os integrantes de uma comunidade, não segue necessariamente que as mesmas tenham, consideradas em si, um conteúdo cognitivo. O intuito seria recolher reconstrutivamente, mais ou menos, elementos do conteúdo cognitivo das nossas intuições morais cotidianas.

            Neste sentido, o não-cognitivismo severo quer desmascar o conteúdo cognitivo da linguagem moral como sendo, em tudo, ilusão. Ele tenta mostrar que, por trás das manifestações morais passíveis de justificação, se escondem apenas sentimentos, posicionamentos ou decisões de origem subjetiva.

 

4 A LUTA POR RECONHECIMENTO NO ESTADO DE DIREITO DEMOCRÁTICO DEBATE HABERMAS E TAYLOR

 

Segundo Habermas é consensual a declaração de Amy Gutmann, o Reconhecimento público pleno conta com duas formas de respeito: 1) o respeito pela identidade inconfundível de cada indivíduo, independentemente de sexo, raça ou procedência étnica. 2) o respeito pelas formas de ação, práticas e visões peculiares de mundo que gozam de prestígio junto aos integrantes de grupos desprivilegiados, ou que estão intimamente ligados a essas pessoas.

Evidentemente, o mesmo vale para croatas na Sérvia, russos na Ucrânia, curdos naTurquia; vale também para deficientes, homossexuais. Essa exigência não visa em primeiralinha ao igualamento das condições sociais de vida, mas sim à defesa da integridade de formas de vida e tradições com os quais os membros de grupos discriminados possam identificar-se. Normalmente, segundo Habermas ocorre que o não reconhecimento cultural coincide com o demérito social, de modo que as duas coisas se fortalecem de maneira cumulativa.

Polêmico é definir se a exigência 2 resulta da exigência 1, ou seja, se ela resulta do princípio de que deve haver igual respeito por cada indivíduo em particular, ou se essas duas exigências têm mesmo de colidir, ao menos em alguns casos. Habermas em sua obra, A Inclusão do Outro, ao citar Taylor nos diz que o asseguramento de identidades coletivas passa a concorrer com o direito a liberdades subjetivas iguais - com o direito humano único e original, portanto, segundo Kant, de modo que no caso de uma colisão entre ambos é preciso decidir sobre a precedência deum ou de outro. Significa uma política de respeito por todas as diferenças, por um lado, e uma política de universalização de direitos subjetivos, por outro.

Por sua vez, liberais da grandeza de Rawls ou Dworkin propugnam por uma ordem jurídica eticamente neutra que deve assegurar chances iguais a todos, de modo que cada um possa orientar-se por uma concepção própria do que seja bom. Em face disso, comunitaristas como Taylor e Walzer contestam que haja neutralidade ética no direito. Com o Liberalismo 1, Taylor designa uma teoria segundo a qual se garantem liberdades de ação subjetivas iguais para todos os jurisconsortes, sob a forma de direitos fundamentais; em casos controversos os tribunais decidem que direitos cabem a quem. Essa interpretação do sistema dos direitos continua sendo paternalista, porque corta pela metade o conceito de autonomia.

Quando tomarmos a sério a concatenação interna entre o Estado de Direito e a democracia radical ficará claro que o sistema dos direitos não fecha os olhos nem para as condições de vida sociais desiguais, nem muito menos para as diferenças culturais. Portanto, feminismo, multiculturalismo, nacionalismo e a luta contra a herança eurocêntrica do colonialismo, todos esses fenômenos aparentados entre si, lutam porreconhecimento no âmbito do Estado Democrático de Direito. Seu parentesco coincide quando as mulheres, as minorias étnicas e culturais, as nações e culturas, todas se defendem da opressão, marginalização e desprezo, lutando, assim, pelo reconhecimento de identidades coletivas, seja no contexto de uma cultura majoritária, seja em meio à comunidade dos povos.

Deve-se salientar que quanto mais profundas forem as diferenças religiosas, raciais ou étnicas, ou quanto maiores forem os assincronismos histórico-culturais a serem superados, tanto maior será o desafio; e tanto mais ele será doloroso, quanto mais as tendências de autoafirmação assumirem um caráter fundamentalista-delimitador, ora porque a minoria em luta por reconhecimento se desencaminha para regressões, por causa de experiências anteriores de impotência, ora porque ela precisa primeiro despertar a consciência em prol da articulação de uma nova identidade nacional, gerada por uma construção através da mobilização de massa. Ressalta-se, portanto, que a mudança de coloração da cultura majoritária, por sua vez, fez emergir outras novas minorias.

Quanto à impregnação ética do Estado de Direito, sob uma visão da teoria do direito, o multiculturalismo suscita em primeira linha a questão sobre a neutralidade ética da ordem jurídica e da política. Gramaticalmente, o que está inscrito nas questões éticas é a referência à primeira pessoa e, com isso, a remissão à identidade de um indivíduo ou de um grupo.

A perspectiva de Taylor e Walzer segundo a qual o sistema dos direitos ignoraria reivindicações de defesa em prol de formas culturais de vida e identidades coletivas, agiria com indiferença em face delas, e careceria, portanto, de correção.

Porém, deve-se salientar que uma cultura majoritária que não se vê ameaçada só conserva sua vitalidade através de um revisionismo irrestrito. Isso vale em especial para as culturas de imigrantes, as quais, pela pressão assimiladora das novas circunstâncias, vêem-se desafiadas a um isolamento étnico relutante e à revivificação de elementos tradicionais, mas estabelecem logo a seguir uma forma de vida igualmente distanciada da assimilação e da origem tradicional.

Neste sentido, em sociedades multiculturais, a coexistência equitativa das formas de vida significa para cada cidadão uma chance segura de crescer sem perturbações em seu universo cultural de origem. Pois, a mudança acelerada das sociedades modernas manda pelos ares todas as formas estacionárias de vida. As culturas só sobrevivem se tiram da crítica e da cisão a força para uma autotransformação. Garantias jurídicas só podem se apoiar sobre o fato de que cada indivíduo, em seu meio cultural, detém a possibilidade de regenerar essa força. E essa força, por sua vez, não nasce apenas do isolamento em face do estrangeiro e de pessoas estrangeiras, mas nasce também – e pelo menos em igual medida – do intercâmbio com eles.

            Neste âmbito de compreensão, Taylor propõe 3 concepções de identidade que se opõem à visão anglo-saxônica:

 

1   TESE – É a formação da Identidade individual para uma orientação do bem moral. Minha Identidade é definida pelos engajamentos e pelas identificações que constituem as molduras ou horizontes no interior dos quais posso definir passo a passo, o que é bom ou valorável.

2  TESE – É a tese Hermenêutica -  O indivíduo é um Self capaz de responder por si mesmo à questão: quem sou eu? Mas essa auto-supõe, de forma transcendental, um espaço de interlocução no interior de uma comunidade de Reconhecimento.

3  TESE – Como o indivíduo pode conferir um sentido singular à sua existência? Taylor adota uma posição Narrativa da existência se apoiando na analítica existencial heideggeriana e nas bases ricouerianas. Nesta perspectiva, a Narração é necessária à auto-compreensão e à orientação no espaço moral.

 

 

5 RECONHECIMENTO MORAL E CONSTRUÇÃO DAS IDENTIDADES: NARRAÇÃO, INTERPRETAÇÃO, ARGUMENTAÇÃO E RECONSTRUÇÃO

 

Não falo de gramática a partir de uma realidade linguística. Parto de uma distinção kantiana, entendo-a partir de um conceito cósmico (Weltbegriff) e não-escolástico (schulbegriff). A gramática constitui então, uma realidade ontológica, ela exprime as diferenciações das nossas relações com o mundo.

Essas diferenciações resultam da história pragmática do espírito humano, feita de desilusões, desencantamentos e frustrações. A gramática nesta percepção não comporta apenas as pessoas, mas os tempos e os modos. A gramática é uma mediação que permite a tradução das línguas uns dos outros. Ela se apoia em diferentes registros do discurso: narração, intepretação, argumentação, reconstrução.

 Mas o discurso não é o poder primeiro. Antes vem o sentir, após o agir e por fim o discurso.  Reporto-me à Hegel para falar de um conceito amplo de razão, que não se inicia com a argumentação. A razão já está lá no próprio processo de construção do espírito que retorna a si mesmo. Por sua vez, as sensações ocupam o primeiro lugar, recobra as sensações passadas, produzindo assim uma profunda reflexão: a memória sensível.  A memória qualifica as sensações e lhes preenche de reservas de sentidos e significados, recobrando os sentimentos de prazer e plenitude. Este recobrar faz nascer o desejo que abre o caminho do agir.

Na esteira de Jean-Marc Ferry na sua obra – Le Puissances de L`Experience, ele nos propõe dois percursos que se complexificam. A questão central proposta por Ferry é de que forma se pode reconstruir as condições efetivas do Reconhecimento. A ideia central é que a gramática é mais do que uma gramática. Ela se constitui o núcleo em que as Identidades se descobrem num espaço ético de Reconhecimento. Na expressão de Ferry pode-se falar de um mundo compartilhado gramaticalmente.

Ele propõe em sua obra – Os Poderes da Experiência – antes mesmo de falar do discurso é preciso sentir e agir.

A preocupação de Ferry é com as mutações identitárias na contemporaneidade. Ele propõe uma hierarquia nos registros discursivos: passar de narração, explicação à argumentação e Reconstrução.

Neste sentido, a Narração permanece indiferente à distinção entre ficção e verdade. Já a Interpretação fica presa aos grandes relatos e não consegue separar de modo suficiente a razão da religião.

Por sua vez, a Argumentação é a instância crítica de todo o discurso. Ou seja, o poder emancipador da argumentação na perspectiva habermasiana.

Segundo Ferry – a função da Argumentação é de justificar uma ação ao olhar as boas razões. Já a Reconstrução significa reconhecer e identificar as posições em que as boas razões podem ser emitidas.

É justamente à pretensão à verdade que a Reconstrução quer não somente preservar, mas promover nos mais diferentes contextos históricos. Como fazer isto? Integrando o trabalho formal da Argumentação ao Reconhecimento de boas razões dos Outros. As boas razões dos outros serão também as nossas. O discurso reconstrutivo reconhece em suas bases os outros discursos e a história dos outros se constitui também como a sua própria história.

      Ferry, por sua vez, aproxima-se muito da perspectiva Taylorista apontada acima. Assim como, Taylor, Ferry critica a perspectiva insuficiente de uma visão puramente argumentativa (formalista) do lugar ético. Mas, não adota uma perspectiva Narrativa e sim Reconstrutiva (proximidade ao pensamento de Habermas)

     Segundo Ferry (1991) a Narração e a Interpretação constituem dois registros do Discurso que não conferem suficientemente um pleno reconhecimento moral do Outro como Outro. Fixar-se nestes dois registros é esbarrar nas concepções de violência e egoísmo.

Ao contrário, a Argumentação reconhece o outro como sujeito de direito. Na compreensão de que na Argumentação abrange duas dimensões centrais: teórica e prática. Os discursos argumentativos não se reduzem apenas a justificar os enunciados em vista das boas razões, pelo contrário, ele tem uma função prática como reconhecer o outro como sujeito de direito.

Essa razão é uma razão comunicacional descentrada encarnada no interior da linguagem. Por sua vez, Ferry não adere ao pressuposto de Apel de uma versão da pragmática transcendental. Ele discorda da ideia do fundamento último. Pois, segundo Ferry o respeito ao outro não se origina dos seus predicados universais – natureza, razão. Mas na sua dignidade.

Neste sentido, os processos éticos de reconhecimento não se assentam no lugar jurídico em que dois sujeitos de direito abstratos se encontram, mas se apoiam profundamente numa predisposição pré-discursiva (sentir, agir, discursar) de abertura comunicativa à singularidade do outro. Isto significa que o discurso ético abre-se a uma dimensão crítica e não se reduz a justificar a validade das normas numa base puramente jurídica. Pelo contrário, o discurso ético deve tematizar a identidade singular a fim de produzir a história do reconhecimento ou do não-reconhecimento.

Portanto, a argumentação e a reconstrução não são conceitos do mesmo nível. A argumentação, como a Narração e a Intepretação são registros do discurso. Já a reconstrução tem uma função no discurso que é de reconstruir uma história singular do reconhecimento em direção à constituição de uma Identidade Individual ou Coletiva.

 

6 HABERMAS E FERRY - GRAMÁTICAS DO RECONHECIMENTO: ADOLESCENTES NO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO ALAGOANO

 

Por fim, a Ética do Discurso reconstrói, parcialmente, o conteúdo cognitivo da moral. Neste sentido, a justificação da validade de normas morais tem de pressupor a existência de dois elementos reconstruídos: justiça e solidariedade.

 Seguindo Moreira (1999) a razão comunicativa afasta-se de uma tradição prescritiva da razão prática. Pois, o princípio do discurso neutro a partir de uma validade deontológica. A partir desta perspectiva se dá a cooriginariedade entre Direito e Moral. No momento em que a normatividade jurídica invade o espaço da liberdade do indivíduo, cessa a legitimidade da produção normativa.

Constata-se, portanto que em sociedades pós-metafísicas o peso da integração social não pode ser solucionado única e exclusivamente pelo agir comunicativo.  A pergunta central seria: de que modo as normas jurídicas e as normas morais são cooriginárias? Segundo Habermas (1997, I, p.110) “o direito não representa apenas uma forma de saber cultural, como a moral, pois forma, simultaneamente, um componente importante do sistema de instituições sociais. O direito é um sistema de saber e, ao mesmo tempo, um sistema de ação”

Portanto, a que se distinguir que em Direito e Moral de 1986 não é mais a mesma perspectiva de Direito e Democracia de 1992.

No texto de 92 fala-se de uma simultaneidade genética, ou seja, simultaneidade na origem e complementaridade procedimental. Isto numa compreensão pós-metafísica em que o processo legislativo permite que razões morais fluam para o direito. Concluindo-se assim que a política e o direito devem estar em sintonia com a moral.

Há uma sacudida das bases validativas oriundas da metafísica e da força dos costumes da tradição.  Neste sentido, a moral fica adscrita uma forma de saber cultural, carecendo de uma obrigatoriedade institucional.  Neste arco de compreensão, a moral não realiza uma passagem obrigatória para a ação. Mas, o Direito além de ser um sistema de saber é um sistema de ação. Neste âmbito de compreensão, alivia a moral da incumbência de integração social que sozinha não consegue realizar. Dado que a moral tem apenas uma ação virtual com a ação. Isto porque a moral não obriga a vontade, não gera obrigatoriedade em sentido jurídico.

Cumprindo, portanto, ao direito a passagem da esfera da vontade individual para uma produção de uma normatividade institucional.

A temática da violência será estudada a partir de uma perspectiva filosófica e educativa em que a ideia filosófica do reconhecimento possa possibilitar novos horizontes de discussão para além da mecânica relação entre violência-sociedade. Pretende-se compreender esta problemática, a partir do Sistema Socioeducativo(Sumese) em Maceió/Alagoas ligado à SEPREV (Secretaria de Estado de Prevenção à Violência).  Intenta-se compreender o universo e o imaginário dos adolescentes alagoanos que cumprem medidas socioeducativas, sobretudo as conseqüências das ausências de reconhecimento no âmbito familiar e social numa sociedade historicamente autoritária, patriarcal e semifeudal como é a sociedade alagoana. Neste âmbito de compreensão partiremos de uma análise documental cuidadosa e criteriosa do Projeto Político-Pedagógico a partir de dois Programas de Internação Masculina(UIME II- Extensão - Kerigma)  e a Unidade de Internação Feminina (UIF), ou seja, como a dimensão pedagógica e suas ações educativas e preventivas conseguem articular processos de restabelecimento da concepção de Reconhecimento, considerando a fase crítica em que estes adolescentes se encontram num período de identificação com adultos significativos.  A política estadual de Medidas Socioeducativas de Alagoas está estruturada em cinco programas, em meio fechado e em regime de semiliberdade, com a finalidade de executar ações destinadas ao atendimento inicial de adolescente apreendido(a) para apuração de ato infracional, bem como aquelas destinadas a adolescente a quem foi aplicada medida socioeducativa privativa ou restritiva de liberdade. Os referidos programas são: Programa de Internação Provisória, com duas unidades de internação provisória e uma de atendimento inicial; Programa de Internação, com quatro unidades de internação e uma unidade de inclusão; Programa de Internação de Jovens e Adultos, com três unidades socioeducativas; Programa Feminino de Internação Provisória, Internação e Semiliberdade; Programa de Semiliberdade Masculino, com duas unidades socioeducativas.  Considerando a proposta pedagógica de atendimento socioeducativo, através deste Projeto Político Pedagógico (PPP) buscamos promover ações que possibilitem ao adolescente autor de ato infracional construir uma nova visão de mundo, vislumbrando outras oportunidades a partir da qualificação escolar, profissional e da formação cultural-esportiva.  Na visão de Veiga (2001), o Projeto Político Pedagógico objetiva traçar um rumo, uma direção, de forma intencional, com sentido explícito e compromisso definidos coletivamente, seguindo uma linha de ações que leve à resolução de eventuais problemas que se traduzem em entraves ao processo educativo.   No caso específico do ambiente socioeducativo, essas ações devem possibilitar a implementação de um plano individualizado de atendimento que fortaleça o crescimento pessoal e social do adolescente, além dos vínculos familiares e comunitários. Para tanto, as propostas pedagógicas devem ser realizadas considerando as peculiaridades inerentes a cada adolescente – a capacidade de cumprir a medida socioeducativa, as circunstâncias e gravidade do ato infracional, as necessidades pedagógicas do adolescente na escolha da medida, com preferência pelas que visem o fortalecimento dos vínculos familiares, assim como dispõem os artigos 100, 112, § 1º, e 112, § 3º. do ECA.   Segundo Honneth (2003) o indivíduo desenvolve, em cada forma de reconhecimento, um tipo da relação prática positiva consigo mesmo (a autoconfiança nas relações amorosas e de amizade; o autorespeito nas relações jurídicas e a auto-estima na comunidade social de valores), ressaltando os vínculos entre liberdade e autonomia individual e os vínculos comunitários/societários. A ruptura ou violação dessas condições gera formas de desrespeito social que levam a lutas sociais e conflitos políticos motivados por diferentes razões morais. A cada uma das formas de reconhecimento corresponde uma forma de desrespeito: maus-tratos e violação, que ameaçam a integridade física e psíquica, em relação à primeira; privação de direitos e exclusão, que atingem a integridade social do indivíduo como membro de uma comunidade políticojurídica, na segunda; e degradação e ofensas, que afetam os sentimentos de honra e dignidade do indivíduo como membro de uma comunidade cultural de valores, no caso da terceira esfera de reconhecimento. Cada uma delas abala de modos diversos a auto-relação prática da pessoa, privando-a do reconhecimento de determinadas dimensões de sua identidade. 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Por fim, enquanto pessoa moral no bojo de uma cultura, imbuída por um saber faz a passagem do universal ao particular, passa da norma para o fato. Ao fazer estas passagens inscreve-se em três exigências fundamentais. (Cognitivas; motivacionais e organizacionais)

 Na esteira de Moreira (1999) a moral não consegue elaborar um catálogo de obrigações que tentem dissolver os conflitos provenientes do universal para a ação. Justamente esta indeterminação cognitiva é dissolvida e absorvida no momento em que o Direito constitui como fonte mediata para a constituição da normatividade. No sentido de que a normatividade elimina a indeterminação cognitiva constituindo-se como fonte geradora de obrigações.

 

REFERÊNCIAS

 

ENCARNAÇÃO, João Bosco da.Filosofia do direito em Habermas: a hermenêutica. Taubaté: Cabral Editora Universitária, 1997.

 

EFKEN, Karl-Heinz. O Estado democrático de direito na perspectiva da teoria do discurso de Jurgen Habermas. Tese de Doutorado. Porto Alegre, 2003. (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).

 

FERRY, Jean-Marc. Les puissances de l`experience. Paris: Cerf, 1991.

 

HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade.v. 1 e 2. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,1997.

 

HABERMAS, Jurgen. A inclusão do outro. São Paulo: Unesp, 2018.

 

MOREIRA, Luiz. Fundamentação do direito em Habermas. Belo Horizonte: UFMG /FAFICH, 1999.

 

OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética, direito e democracia. São Paulo: Paulus, 2010.

 

PIZZI, Jovino. O Conteúdo moral do agir comunicativo. São Leopoldo: Unisinos, 2005.


 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO IX

 

 

 

 

 

 

 

 

 


A INEFICÁCIA DO POSITIVISMO JURÍDICO NA REDUÇÃO DOS LITÍGIOS SOCIAIS EM FACE DA AUSÊNCIA DE RECONHECIMENTO

 

Anderson de Alencar Menezes

Gustavo de Melo Silva

 

O mundo da vida é induvidosamente o pano de fundo das interações comunicativas nela contidas por parte dos sujeitos contidos de uma situação de fala, que acataria a interpretação reciproca de suas pretensões de validade.

            O mundo da vida é composto do entendimento entre o falante e o ouvinte. É a partir deste mundo detentor de notável complexidade nas relações interpessoais que as pessoas necessitam alcançar o entendimento, por meio de um conjunto de sentidos que passam a definir a compreensão, as interpretações e as ações dos interlocutores no mundo. (MELO NETO, 2011, p. 87)

Por isso, Habermas confere ao mundo da vida o pano de fundo da ação comunicativa, especialmente os sujeitos se movimentam, intersubjetivamente, nesta seara quase-transcendental[11] em que os falantes e ouvintes se acham e podem concordar com o mundo (objetivo, subjetivo e social) ou censurar as pretensões de validade, decidir suas divergências e avizinhar-se a um consenso. Notemos a posição de Habermas em sua obra Teoria do Agir Comunicativo (2016):

 

[...] O mundo da vida constitui, pois, de certa forma, o lugar transcendental em que os falantes e ouvintes se encontram; onde podem levantar, uns em relação aos outros, a pretensão de que suas exteriorizações condizem com o mundo objetivo, social e subjetivo; e onde podem criticar ou confirmar tais pretensões de validade, resolver seu dissenso e obter consenso. [...] ( 2016, Vol. 2, p.231)

 

Nesta linha de interlocução, surge a importância do “saber” como parte integrante do pano de fundo do mundo da vida, vez que é por meio do saber que os sujeitos podem alcançar um acordo acerca de algo no mundo (objetivo, social ou subjetivo), correspondendo respectivamente as tradições culturais, os ordenamentos sociais e as estruturas de personalidade, onde o alemão atribui como elementos fundamentais do mundo. (BOUFLEUER, 2001, p. 46)

            Assim, Habermas busca combater às patologias existentes neste mundo, procurando a preservação das interações sociais guiadas pela solidariedade, configurando um pano de fundo de uma teoria não mais fundada pelas lutas de classes, mas norteada pela racionalidade comunicativa e a linguagem como um medium da ação social, na busca das junções solidárias, justas e cooperativas. Citamos a professora Edna Brennand, no seu texto apresentado e publicado no XIV Colóquio Habermas:

 

O autor defende a premissa básica de que a linguagem é o medium da ação social, o ponto de referência principal, por meio da qual os coletivos humanos constroem espaços para encontros e diálogos com os quais podem criar laços solidários, justos, cooperativos e aprendentes.

 

Deste modo, a situação de crise ocorre e se funda quando o mundo sistêmico dotado de uma linguagem voltada para o poder econômico, coloniza a seara do mundo da vida, restringindo a força da reprodução simbólica, designando o que Habermas define como “patologias sociais”.

Essa colonização interior do mundo da vida, também conceituada de “irracionalismo” é norteada pela racionalidade instrumental e pelo tecnicismo dominante na sociedade atual, trazendo à baila uma grande problemática estudada pelos frankfurtianos caracterizada como a reificação e coisificação da sociedade.

Essas patologias do mundo da vida descritas por Habermas, podem ser influenciadas por eventos fatídicos como guerras, miséria, corrupção, epidemia, inanição, e outras forças do mundo sistêmico, que possuem o condão de reduzir a força da comunicação mediada pela linguagem e permutar por outros meios que manipula e aliena, como por exemplo o poder econômico.

Logo, o dissenso é consequência das interações sociais criadas no mundo da vida e que não deve ser totalmente repelida, haja vista que em face dos diversos enfoques que dispõe o mundo da vida, coligado ao fato de que as influências da mídia, as desigualdades sociais, a busca pelo poder e pelo êxito econômico sem precedentes e sobretudo da deficiência na comunicação são circunstâncias que agravam os conflitos sociais, dando ensejo aos litígios existentes.

            Na visão de Filho (2012, p.25), as interações sociais de uma sociedade se constroem por intercessão de duas modalidades, quais sejam: a cooperação e o conflito. A primeira espécie caracteriza-se pelo cumprimento voluntário das obrigações e no respeito aos limites exatos de legitimidade do outro para exercer seus direitos. Os conflitos sociais (leia-se: dissensos ou contraposição de ideias) têm seu nascedouro com a negação da cooperação e do consenso.

            E para o nascimento do dissenso no mundo da vida, basta a oposição de ideais com resultado insatisfação e a pretensão de combater o pensamento posto, gerando muitas vezes uma contenda judicial. Essa insatisfação tem uma natureza mais subjetiva, visto que na grande parte das situações cotidianas, ficam limitadas ao âmbito interior do indivíduo, apenas no campo das emoções do homem e não evolui para o palco da pretensão. 

Logo, a pretensão nada mais é que a intensão de externar a insatisfação causada pela contrariedade ou oposição existente. Já a lide surge com a conjuntura dos conflitos, insatisfações, pretensões de oposição e a resistência de limitar ou eliminar a pretensão do outro tido como adversário. Neste passo, o litígio é um conflito que teve seu nascimento no âmbito subjetivo que evoluiu para uma pretensão resistida.

Para administrar esses litígios sociais, o judiciário é instado a interferir nesta relação social, por meio de um processo judicial lento, protocolar e dotado de todos os regramentos positivados.

O processo passa a ser uma instrumentalização do judiciário para buscar resolver a disputa suscitada por um dos sujeitos processuais, por meio de um jogo de interesses particulares. Neste sentido, o professor Jovino Pizzi afirma:

 

Em outras palavras, o direito – ou o âmbito jurisdicional – tem o encargo de fazer justiça. Em uma sociedade individualista, trata-se de nutrir a perspectiva egocentrista, ou seja, o processo concerne ao jogo dos interesses particulares. Afinal, a predominância dos interesses individuais exige, do sistema judiciário como tal, um comportamento voltado a responder às preocupações e exigências particularistas. (2005, p.5)

 

Esse processo de judicialização é dotado de todo o arcabouço jurídico e regramentos que são calcados num complexo de normas jurídicas construídas ao longo da história de um país e são aplicadas de forma geral e universal para todos os indivíduos, sem levar em consideração a individualidade do sujeito e sua intersubjetividade.

É neste cenário que Habermas critica positivismo por recusar a reflexão e pautar o método cientifico como única verdade, onde o conhecimento passa a ser identificado como ciência, ou seja, constituir-se uma fé na validade exclusiva da ciência empírica.

O positivismo prefere uma investida teórica, que torna supérfluo o princípio da interpretação subjetiva dos fatos, portanto, um panorama de comunicação linguística não seria imperativo; seria sempre satisfatório a observação ao invés de uma compreensão problemática de sentido.

Uma crítica de Habermas ao positivismo é o fato da utilização de leis criadas sem observância a realidade do mundo da vida, a partir do desenvolvimento de técnicas para tentar solucionar problemas sociais. As leis são criadas para antecipar regularidades e gerir ações controladas pelo seu sucesso. Assim, as ciências empírico-analíticas são conduzidas por um interesse cognitivo técnico, não atendendo os interesses sociais e a complexidade das relações interpessoais que ladeiam o piso do mundo da vida.

Habermas sustenta também que a visão positivista predominante na técnica e ciência que se estabeleceu desde a modernidade, é norteada de contradições e limitações do próprio positivismo, diagnosticando as patologias da modernidade e explicando os mecanismos ideológicos que regem as consciências dos indivíduos na sociedade capitalista.

O positivismo, segundo Habermas, é um método científico neutro, sem qualquer relação com aspectos normativos e históricos, essa neutralidade é calcada na possibilidade de o método garantir por meio de regras lógico-formais o acesso à verdade.

Contudo, o frankfurtiano adverte que o positivismo se torna ineficaz, principalmente ao desconsiderar o sujeito e sua individualidade, ou seja, cada indivíduo é detentor de sua particularidade e heterogeneidade. Assim, o mundo da vida se torna um terreno dotado de complexidade das relações intersubjetivas dos sujeitos que devem ser analisados e interpretados de forma individual, entretanto dentro de um contexto comunicativo.

O positivismo apresenta um tipo de aplicação mecânica e uma ordem artificial para os casos de baixa complexidade e, para os casos difíceis, uma aplicação baseada na discricionariedade do estado Juiz, sendo que onde há arbítrio do juiz não há lei.

Vejamos o pensamento de Habermas:

 

As decisões políticas se servem das formas de regulamentação do direito positivo para se tornarem efetivas em sociedades complexas em geral. Mas com o médium do direito nos defrontamos com uma estrutura artificial que implica determinadas decisões normativas prévias. O direito moderno é formal porque se baseia na premissa de que tudo o que não é explicitamente proibido é permitido. Ele é individualista porque transforma a pessoa individual em portadora de direitos subjetivos. É um direito coercitivo porque é sancionado pelo Estado e se aplica apenas aos comportamentos legais ou conformes à regra — por exemplo, ele pode deixar à escolha de cada um o exercício da religião, mas não pode prescrever nenhuma consciência moral. É um direto positivo porque remonta às decisões — modificáveis — de um legislador político; e, por fim, ele é um direito estabelecido em termos procedimentais porque é legitimado por meio de um procedimento democrático. O direito positivo somente exige, é claro, o comportamento legal, mas ele precisa ser legítimo: embora ele nos dispense dos motivos da obediência ao direito, ele precisa estar constituído de maneira tal que a qualquer momento possa também ser obedecido pelos destinatários em virtude do respeito à lei. (2012, p. 359)

 

A falência do sistema positivo e coercitivo evidenciado por Habermas é constatado ao analisar os dados estatísticos do Conselho Nacional de Justiça que demonstra no período de 2009 a 2017, a taxa de crescimento médio da judicialização foi de 4% ao ano. O crescimento acumulado no período 2009-2017 foi de 31,9%, ou seja, acréscimo de 19,4 milhões de processos.

 

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A Justiça Estadual concentra a maior parte do estoque de processos: 63.482 milhões, o que equivale a 79% dos processos pendentes. A Justiça Federal concentra 12,9% dos processos, e a Justiça Trabalhista, 6,9%. Os demais segmentos, juntos, acumulam 1% dos casos pendentes.

Em 2017, cada juiz brasileiro julgou, em média, 1.819 processos, o que equivale a 7,2 casos por dia útil - esse é o maior índice de produtividade desde 2009. Vejamos:

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O positivismo não oferta respostas admissíveis aos problemas jurídicos hodiernos e que devemos extrapolar os perímetros auto-impostos pelo sistema positivista. A definição de demarcações para liberdade dos sujeitos é uma condição necessária à vida em sociedade, e esse é o papel do Direito nas sociedades atuais. Contudo, no Estado Democrático de Direito, uma reserva arbitrativa aos direitos de liberdade e igualdade não pode ser acolhida no mundo jurídico: ela pode ser aplicada nas leis, mas não acolhida no Direito. Neste passo, para serem legítimas, as decisões tomadas pelo poder legislativo (representantes do povo) devem ser aceitáveis pela sociedade e está de acordo com os princípios morais, e para serem eficazes é necessário que a norma produza o efeito no mundo da vida, atingido a sua finalidade. Neste sentido, calha citar, mais uma vez, Habermas em sua obra “A Inclusão do Outro”: O direito positivado em termos políticos, para ser legítimo, precisa ao menos estar de acordo com princípios morais que reivindicam uma validade universal para além de uma comunidade jurídica concreta. ( p. 408)

Nesta perspectiva, o pensamento habermasiano nos impõe duas notáveis críticas ao sistema positivado, primeiramente é fato de que a construção de normas não atendem a complexidade das relações interpessoais constante no piso do mundo da vida e a outra crítica reside do fato de que a norma não é dotada da legitimidade necessária para atende sua finalidade e produzir a eficácia necessária, notadamente em razão do déficit de moralidade que ladeia o poder legislativo, ou seja, o poder originário com a atribuição constitucional de produzir uma norma capitaneada pela moral não é capaz de produzir uma norma que consiga aglutinar o direito e a moral.

Para Habermas, em sua obra a inclusão do outro, aduz:

 

Porém, uma vez que a ordem jurídica legítima também precisa poder ser seguida por razões morais, a posição legítima das pessoas de direito privadas é definida pelo direito a iguais liberdades subjetivas de ação. Por outro lado, esse médium exige, como direito positivo ou codificado, o papel de um legislador político segundo o qual a legitimidade da legislação pode ser explicada a partir de um procedimento democrático que assegura a autonomia política dos cidadãos. ( 2018,  p. 142)

 

Por isso, podemos afirmar que, a luz do pensamento habermasiano, o positivismo se caracteriza, principalmente, pela separação entre direito e moral. Com tal pensamento, o direito passa a ser explicado seja de forma completamente autônoma de qualquer teoria moral seja, em sua quintessência, por algum tipo de positivismo moral, como aquele sustentada por Kelsen.

Criando um contraponto ao positivismo, o alemão estatui o procedimento moral e ético como padrão de correção do processo positivista estabelecido, ou seja, o procedimento moral deve nortear o campo gravitacional dos atos decisórios, vinculando o direito a uma racionalidade moral. Urge citar Habermas: “O direito positivo temporalizado — no sentido de uma hierarquia de leis — deveria permanecer subordinado ao direito moral válido de modo eterno e receber dele suas orientações permanentes.” (HABERMAS, P. 422.)

 A consequência de um sistema coercitivo, positivado e neutro de normas é a inobservância da profundidade da diversidade e dos conflitos de valores nas sociedades pluralistas, o desafio reside na criação de normas que protejam o multiculturalismo existente na sociedade, promovendo a igualdade e os valores democráticos de uma sociedade que se reconhece reciprocamente.

A confecção de normas com a capacidade de promover o ideal de igualdade em diferentes grupos sociais é um desafio quase que intransponível para o direito positivado, notadamente pela dificuldade de criação de regramentos capazes de agenciar a defesa da opressão, a marginalização e o desrespeito a grupos minoritários étnicos e culturais.

O direito na concepção habermasiana deve respeitar a identidade individual de cada sujeito, independente de sexo, raça ou procedência étnica. Assim, embasado em Taylor, Habermas sustenta que por meio das interações intersubjetivas e dialogais os sujeitos passam a ser reconhecidos como tais.

 

REFERÊNCIAS

 

BOUFLEUER, José Pedro. Pedagogia da ação comunicativa. Uma leitura de Habermas. 3. ed. Rio Grande do Sul: Unijui, 2001.

 

BRENNAND, Edna Gusmão de Góes. A Ciberdemocracia como movimento para racionalizar e descolonizar o mundo da vida. 15. Colóquio Habermas. 5. Colóquio de Filosofia da Informação. Anais... Rio de Janeiro: Salute. 2018.

 

FILHO, Humberto Lima de Lucena. A constitucionalização da solução pacífica de conflitos na ordem jurídica de 1988. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2012.

 

HABERMAS. Jürgen. A inclusão do outro. São Paulo. Editora Uniesp. 2018.

 

HABERMAS. Jürgen Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalidade, volume I. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

 

HABERMAS. Jürgen Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalidade, volume II. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.

 

MELO NETO, José Francisco de. Diálogo em educação (Platão, Habermas e Freire). João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2011.

 

MENEZES. Anderson de Alencar. Educação e emancipação: por uma racionalidade ético-comunicativa. Maceió: Edufal, 2014. 

 

MENEZES. Anderson de Alencar. Habermas: com Frankfurt e além de Frankfurt. Instituto Salesiano de Filosofia. Recife: Faculdade Salesiano do Nordeste, 2006.

 

PIZZI, Jovino. O conteúdo moral do agir comunicativo. Uma análise sobre os limites do procedimentalismo. São Leopoldo: Unisinos, 2005.


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO X

 

 

 

 

 

 

 

 

 


FILOSOFIA E EDUCAÇÃO: COMO SER RECONHECIDO NO MUNDO DA VIDA: UMA ANÁLISE DO SISTEMA SOCIOEDUCATIVO ALAGOANO NA ÓTICA HABERMASIANA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

 

Vitor Gomes da Silva

Anderson de Alencar Menezes

 

1 INTRODUÇÃO

 

A discussão à luz da Teoria Critica cuja teoria se reporta aos precursores da denominada “Escola de Frankfurt” e que tinha na sua formação intelectuais judeus alemães, que sofreram perseguição do regime totalitário Nazi-Fascismo, que dominava a Europa e especialmente a Alemanha, os membros da citada escola foram tomados como “inimigos” por se oporem intelectualmente e socialmente aos pensamentos hitlerianos. A questão de fundo é estudar a perspectiva filosófica e pedagógica nesta esteira histórica e com esta identidade teórica reler os processos educativos que se apresentam no sistema socioeducativo e que articulam a ideia de reconhecimento numa sociedade marcada por patologias sociais. A ausência de reconhecimento social e o declínio da subjetividade simbólica são fatores primordiais para a degradação das relações sociais e a sua consequente desumanização.

A partir das premissas apresentadas temos como ponto de partida a discussão da relação entre a filosofia oriunda da escola de frankfurt e as ações governamentais de políticas públicas de prevenção e combate à criminalidade infanto juvenil, bem como, ao atendimento daqueles que saíram das unidades de internação ou de semi internação cumpriram as medidas socioeducativas após a pratica de atos infracionais análogos a crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Mesmo que o sentimento em relação a “punição” imposta aos menores traga uma ideia de ser “branda”, o reflexo psicossocial imposto aos jovens e adultos que cumprem tais medidas é inominável, pois eles são expostos ao “regime prisional”, e desta forma mesmo que com nome diferente são tratados como “ex presidiários”, e sofrem toda sorte de discriminação carregando essa pecha ao longo de sua vida.

Esses fatores não levados em consideração pela maioria da sociedade, são fatores preponderantes para a reincidência ou mesmo para a morte desses “egressos”, já que as oportunidades para estes “delinquentes” são cada vez mais escassas, e desta forma a tão sonhada reintegração à sociedade depende cada vez mais de politicas públicas que tratem essa população de forma séria e com medidas eficazes, respeitando as suas peculiaridades, trazendo assim uma possibilidade de reinserção destes no meio social, melhores de que quando entraram no sistema socioeducativo.

O sistema socioeducativo brasileiro vem apresentando mudanças significativas, onde tem como marco inicial o surgimento do SINASE, assim como o plano decenal que preconiza as ações a serem implementadas para total atendimento das crianças e adolescentes em situações de acolhimento nas unidades de internação, visando não só reinserção destes na sociedade bem como, apresentar possibilidades para que não ocorra a reincidência, fato esse que vem diminuindo conforme será apresentado ao longo desse trabalho. A nossa perspectiva é de pensar o Sistema Socioeducativo alagoano a partir da categoria filosófica do reconhecimento partindo dos princípios e parâmetros da Teoria Crítica da Educação relidos à luz das categorias da Emancipação e do Reconhecimento no âmbito do Estado Democrático de Direito.

 

1

 

É cediço a efetivação de políticas que consideram a criança e o adolescente como sujeitos de direito consoante previsão normativa constitucional brasileira ao prever o gozo de direitos fundamentais inerentes à pessoa e, assegurando-lhes dentre outros, o desenvolvimento moral, espiritual e social.

Nessa guisa, as propostas pedagógicas de formação desses menores através do sistema socioeducativo/SINASE estão vinculadas a normas morais universal e não institucionalizada, desta forma vem fazendo a ligação com os processos educativos, bem como, fazendo uma conexão direta com o interesse público da participação de todos visando reorganizar o grande desafio da formação da criança e adolescente inseridas no sistema socioeducativo falido, descentralizado, desconstrutivo, e deformativo, e onde às normas e o desenvolvimento pessoal, profissional e humano em sociedade, são relegados.

Assim, o direito, a democracia e a moral estão entrelaçadas, desta forma não há de se falar em participantes do sistema socioeducativo sem antes os inserir no sistema democrático, principalmente no que tange ao direito formal aplicado.

Neste passo, torna-se fundamental a implantação de mecanismos capazes de obter soluções sensatas para as demandas sociais, no que diz respeito aos menores em conflito com a lei, principalmente em relação a educação. Tradicionalmente, o processo pedagógico formal vem defendendo a busca e defesa do direito dos menores a partir da inclusão destes pelo processo educacional, desta forma e importante tratar também da educação profissional como ferramenta para reinserção, tendo em vista que a profissionalização pode apresentar oportunidades de quebra de paradigmas ao coloca-los no mercado de trabalho formal.

            A teoria do agir comunicativo aplicada no sistema educacional mostra-se como uma importante ferramenta para a implantação de uma cultura mais democrática, possibilitando aos sujeitos de direito chegarem ao entendimento quanto as pretensões e o papel de cada um na sociedade, promovendo a cidadania e o garantindo o acesso aos direitos fundamentais, restabelecendo laços formais imprescindíveis para a harmonização, inclusão e a paz social.

 

CONCLUSÃO

                       

É mister a efetivação de políticas que consideram como premissa básica a criança e o adolescente como sujeitos de direito consoante previsão normativa constitucional brasileira ao prever o gozo de direitos fundamentais inerentes à pessoa e, assegurando- lhes dentre outros, o desenvolvimento moral, espiritual, social e econômico.

Nesse passo, as propostas pedagógicas, eficazes de formação desses menores através do sistema socioeducativo/SINASE estão vinculadas a normas morais universal e não institucionalizada, desta forma vem fazendo a ligação com os processos educativos, bem como, fazendo uma conexão direta com o interesse público da participação igualitária visando reorganizar o grande desafio da formação da criança e adolescente inseridas no sistema socioeducativo falido, descentralizado, desconstruído, e deformativo, e onde às normas e o desenvolvimento pessoal, profissional e humano em sociedade, são relegados.

Assim, o direito, a democracia e a moral estão entrelaçadas, desta forma não há de se falar em participantes do sistema socioeducativo sem antes os inserir no sistema democrático, principalmente no que tange ao direito formal aplicado.

No complexo mundo da vida, segundo Habermas, os indivíduos interagem entre si em uma sociedade através de diferentes grupos culturais cada qual com suas tradições, mas sob o prisma da formação moral e da educação como um direito universal e obrigatório.

Nesse passo, Habermas entende que “a moral possui uma força socializadora e integradora na sociedade, cuja potencialidade só é possível pela propagação de seus conteúdos através dos canais das regulamentações jurídicas”. Assim, há de refletir a importância do positivismo no mundo contemporâneo, o qual tem, segundo Habermas (1997), um papel importante na propagação dos conteúdos morais.

De acordo com Habermas (1997,199):

 

(...) quando os interesses políticos chocam-se e busca-se decidir quais valores deverão ser acatados, o critério fundamental de decisão, para não ser arbitrário, deverá ser o critério moral que proporciona a universalização de perspectivas.

                       

O Estado Democrático de Direito onde essas crianças adolescentes estão inseridas para Habermas (2015,19), principal garantidor da liberdade no mundo contemporâneo.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 os destinatários do direito assim compreendidos por Habermas passaram a ter garantias fundamentais, e nesse meio termo crianças e adolescentes só foram, de fato, compreendidos como sujeitos de direito a partir de 1990, com a edição da Lei Federal no 8.069/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente.

De acordo com Habermas em dois dos três caminhos apresentados na sua obra direito e democracia, a moral e a política são princípios básicos no que diz respeito a universalidade procedimental, onde se caracteriza como uma lei surgiu respeitando o estado democrático de direito, no Brasil assim como nas outras democracias se faz necessário que se mantenha a independência, e seguindo a premissa que a sociedade além de ser representada também tem que ser ouvida através dos costumes que ao longo do processo modificam leis e as modernizando para atender o real interesse social.

No primeiro momento Habermas trata como exercido o controle do legislador através da razão comunicativa, e da teoria do discurso que apesar de demonstrar sofisticação e eloquência, não deixa de ser controverso, pois, busca comprovar a similaridade da moral e da política no período da historicidade na qual são editadas as normas jurídicas, não tem como se falar dos aspectos citados acima e não lembrar da facticidade com os dias de hoje, onde as políticas públicas costumam ser apolíticas e amorais, vitimando a sociedade como um todo, mas em especial as crianças e adolescentes que ficam cada vez mais cedo expostos as mazelas sociais, comprometendo sobremaneira a sua formação como seres humanos de personalidade jurídica, e futuros formadores de opinião.

Cuida-se analisar que educação é um direito constitucional, primordial para o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, Habermas (2008,0141-162), destaca que a educação é uma forma de emancipação humana e, assim sendo, deve garantir dignidade e condições de realização pessoal e profissional por meio da ação pedagógica e do agir comunicativo na escola e com as crianças e adolescentes:

 

A emancipação humana não depende de qualquer tipo de determinismo transcendental ou técnico-instrumental, ela só pode realizar enquanto estiver à formação da vontade democrática por intermédio da esfera pública e de processos de libertação dos discursos. (Habermas, 2003, p. 161-162).

 

É notória a ausência de políticas públicas com a finalidade de fomentar a formação educacional de qualidade no Brasil, a ausência da democracia por intermédio da esfera pública traz à baila uma séria violação do discurso governamental e que afeta a gênese da sociedade, as crianças e adolescentes.

            Ainda de acordo com a legislação pátria a defesa da criança e do adolescente, onde a proteção está prevista tanto na lei8.069/90 que o Estatuto da Criança e do Adolescente/ECA, quanto na Lei 12.594/12 que é o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo/SINASE.

Através destes ordenamentos jurídicos, mesmo que de forma tardia, se procurou estabelecer as modalidades de prevenção, proteção, atendimento, além, também das medidas de correição próprias para os pre puberes, para os adolescentes, bem como, para os jovens e adultos (medida socioeducativa extrema com cumprimento de até três anos, para os adolescentes que ao final da Medida terá atingido a maior idade, mas a cumprirá em uma unidade de internamento).

No que tange a primazia do reconhecimento da criança e do adolescente como pessoa humana está preconizado no Capítulo II, do Art.15 até o 18A, do ECA. Destarte à época que foi editado tal ordenamento jurídico além do papel social ser diferente, cabe ao legislador tipificar as condutas de proteção, bem como, as de sanções para as crianças e adolescentes, para que não haja a possibilidade de a ausência de lei cause danos, desta feita irreparável para a sociedade, tendo em vista que os jovens são à base do futuro da sociedade.

Em relação ao perfil do menor infrator no Brasil de acordo com o Ministério dos Direitos Humanos diz:

 

Em relação ao perfil dos adolescentes e jovens em restrição e privação de liberdade pela prática de ato infracional, o levantamento mostra que a maior parte - 96% do total - era do sexo masculino e 59,08% foram considerados negros. A maior proporção (57%) estava na faixa etária 16 e 17 anos.

 

Em relação Estrutura das Unidades de internamento de acordo com o Ministério dos Direitos Humanos:

 

O país contava em 2016 com 477 unidades de atendimento socioeducativo, sendo 419 exclusivamente masculinas, 35 femininas e 23 mistas. Com o maior quantitativo de adolescentes em privação ou restrição de liberdade, São Paulo também é o estado que concentra o maior número de estabelecimentos para atendimento desses adolescentes: 146, no total. Da mesma forma, Roraima, com a menor quantidade de internos do país, possui somente uma unidade. O levantamento identificou ainda um total de 32.465 profissionais atuando nos seus respectivos sistemas estaduais, uma média nacional é de 1,22 profissionais por adolescente.

 

Segundo o que preconiza o ECA em relação as medidas socioeducativas e os estabelecimentos de internação: 

 

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a aplicação de seis medidas para responsabilizar adolescentes em conflito com a lei de acordo com a gravidade da infração, sendo internação em estabelecimento educacional e inserção em regime de semiliberdade, ambas classificadas como meio fechado, e as demais cumpridas em meio aberto: advertência, obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida. Qualquer adolescente a partir dos 12 anos de idade pode ser sentenciado ao cumprimento de medida de internação, dependendo da gravidade do ato infracional. O período máximo de internação é de três anos.

 

É preocupante o número de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas no Brasil, sob o contexto do mundo da vida, suas causas e consequências diante do mundo sistêmico no passo da necessidade da coesão entre Estado Democrático de Direito e democracia para segundo Habermas, garantir o agir comunicativo, onde a não observância do reconhecimento dos menores em situação de risco como sujeito de direito possibilita o retorno destes( reincidência), ou tem como resultado a ida dos mesmos para o sistema prisional ao atingir a maior idade, isso é reflexo de um sério problema social ,bem como, de saúde pública em virtude alto índice do uso de entorpecentes e dependência química entres os jovens e adultos internos ou egressos do sistema socioeducativo.

Após a análise dos dados disponibilizados pela Secretaria de Prevenção a Violência-SEPREV, através da metodologia da pesquisa experimental, foi possível verificar que a situação do sistema socioeducativo brasileiro, em especial, no Estado de Alagoas o sistema socioeducativo tem 13 (treze) unidades de internação em funcionamento, com capacidade geral de 356 (trezentos e cinquenta e seis) leitos e 282 (duzentos e oitenta e dois) internos (dados de 22/02/19 fornecidos pela SUMESE).

As melhoras percebidas são significativas nos estabelecimentos de internação, onde as boas práticas preconizadas no plano decenal que recomenda as diretrizes do SINASE, no trato, na prevenção, bem como, ao egresso, essas diretrizes somadas a outras oas práticas apresentou como um dos principais resultados o número de fugas que declinaram em 2017 de 46 (quarenta e seis) para 5 (cinco) em 2018 até o mês de fevereiro, usando como referência o mês de fevereiro de 2019 não houve registro de fuga nesse período de um ano, ficando evidente com esse dado uma melhora significativa nas unidades de internação masculina e feminina.

Vale salientar que as ações previstas no planejamento estratégico nacional, tem que ser seguidas pelos estados, no Estado de Alagoas, é cediço que as modificações nas instalações (visando respeitar o que está previsto no SINASE), nas oficinas de laborterapias, assim como nas atividades lúdicas, tem uma contribuição significativa na diminuição não só da violência intramuros, como também na redução da reincidência masculina e consequentemente feminina.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

 

BRASIL. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e Adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/L8069.htm. Acesso em: 22 fev.2019.

 

GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

 

HABERMAS, Jurgen. Dialética e hermenêutica. Porto Alegre: L&PM, 1987.

 

BRASIL. Direito e democracia: entre factividade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

 

MACEIÓ 7 SEGUNDOS. Alagoas reduz entradas de adolescentes nas unidades de internação. Disponível em: https://maceio.7segundos.com.br/noticias/ 2017/07/21/92366/al-reduz-em-20-o-numero- de-entradas-de-adolescentes-nas-unidades-de-internacao.html. Acesso em: 22 fev. 2019.

 

MDH.GOV.  Adolescentes em unidades de internação e semiliberdade. Disponível em: http://www.mdh.gov.br/todas-as-noticias/2018/marco/mdh-divulga-dados-sobre-adoles centes-em-unidades-de-internacao-e-semiliberdade. Acesso em: 22 fev. 2019.

 

SINASE. Sistema Nacional Socioeducativo. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, 2018. Diponível em: www.sinase.gov.br. Acesso em: 22 fev. 2019.

 

MDH. Ministério dos Direitos Humanos, 2018. Diponível em: www.mdh.gov.br. Acesso em: 22 fev. 2019.

 

SEPREV. Secretaria de Prevenção a Violência do Estado de Alagoas, 2018. Diponível em: www.paz.al.gov.br. Acesso em: 22 fev. 2019.

 


 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO XI

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


O RECONHECIMENTO DE ADOLESCENTES EM SITUAÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL NO BRASIL: INVISÍVEIS NO ESTADO DE DIREITO

 

Antônio Tancredo Pinheiro da Silva

Anderson de Alencar Menezes

 

1 INTRODUÇÃO

 

O direito para Habermas (1997, p. 82) é o médium no paralelo das forças privadas e o positivismo em uma sociedade.

Nesse sentido, é através das relações em sociedade que os indivíduos interagem e se relacionam enquanto participe do contexto social e político, assim como, define Platão em sua obra “A República”, é na sociedade que os homens externam suas necessidades que se consolidam com a colaboração do outro.

Para Dalmo de Abreu (2005, p. 9), a convivência em sociedade proporciona benefícios e limitações ao homem:

 

A vida em sociedade traz evidentes benefícios ao homem mas, por outro lado, favorece a criação de uma série de limitações que, em certos momentos e em determinados lugares, são de tal modo numerosos e frequentes que chegam a afetar seriamente a própria liberdade humana.

 

O Estado por meio do processo de eficiência de suas normas deve promover o exercício da liberdade e a primazia dos direitos humanos basilares, a fim de viabilizar a dignidade humana através da autonomia dos cidadãos.

Nesse sentido, segundo estatística do Cadastro Nacional de Adoção atualmente registra 23.359 adolescentes de 12 a 17 anos aptas para a adoção devido às condições de vida e de trabalho das famílias, na impossibilidade dos pais garantirem os direitos básicos das crianças e adolescentes à proteção familiar e às condições satisfatórias para o seu desenvolvimento.

Inicialmente o perfil da criança desejada para adoção pelos pretendentes é da faixa etária de zero a três anos de idade e branca, condicionantes para que a manutenção da situação de acolhidas até a maioridade, momento em que por força da legislação, deverão deixar abrigos.

Assim, só há que se falar na inclusão do outro, em especial, desses adolescentes, através do compromisso normativo e de políticas públicas de educação, profissionalização, eficientes sob o viés da promoção da autonomia social do adolescente, da atenção ao direito fundamental da redução das desigualdades sociais (art.3º, III, CF/88) de que todos são iguais perante a lei no Estado Democrático de Direito (art.5º, C/88) em atenção à sua dignidade enquanto sujeitos de direitos.

Por oportuno, é de suma importância a observância do estado, da família e da sociedade o respeito à dignidade desses adolescentes institucionalizados na igualdade de oportunidades por meio da profissionalização, do saber, por meio da educação inclusiva para a formação de uma sociedade também inclusiva.

Entende Habermas (1997, p. 51-53) quanto ao ordenamento jurídico e a integração social:

 

Deve garantir que os direitos de uma pessoa sejam reconhecidos pelos demais, esse reconhecimento deve apoiar-se em leis legitimas que garantam liberdades iguais a todos. No sistema jurídico o processo de legislação assume o lugar de integração social segundo regras reconhecidas normativamente.

 

É preocupante a realidade dos adolescentes institucionalizadas no tocante a ausência de profissionalização que consolide a autonomia, admissão no ensino superior, técnico, liberdade desses quando da maioridade na sociedade, motivo pelo qual, e situação de rua muitos enveredam pelo consumo de drogas, álcool, prática de furtos e roubos, crimes, internação e cumprimento de medidas socioeducativas, vidas sem perspectivas, uma grave contradição violação ao melhor interesse do adolescente, até então de responsabilidade do Estado e da sociedade.

A nossa perspectiva é de pensar essa realidade a partir da categoria filosófica do reconhecimento partindo dos princípios e parâmetros da teoria crítica da educação relidos à luz das categorias da emancipação e do reconhecimento no âmbito do Estado Democrático de Direito que estão inseridos.

 

1

 

Para se garantir aos sujeitos a integração social no processo de cooperação de aprendizagem, esses jovens precisarão de independência e emancipação, consoante nos afirma Habermas (1992ª, p. 23) “Nas sociedades modernas não será possível a integração social sem a intervenção do sistema jurídico: é ele quem faz a mediação entre sistema e mundo da vida”.

Todavia, não há previsão normativa para a participação dos adolescentes acolhidos em atividades profissionalizantes para fins de acompanhamento e desenvolvimento na formação e inserção desses adolescentes no mercado de trabalho.

Motivo pelo qual é de suma importância a participação do governo, do legislativo para garantir a esses adolescentes a previsão normativa e a execução eficiente, continuada, da educação profissional como direito fundamental.

É no mundo da vida que as minorias expressam suas lutas e dificuldades na garantia de direitos fundamentais básicos capazes de possibilitar mudanças sociais significativas ou, retardar.

No entendimento de Habermas (1997, p. 190):

 

O Estado só é competente na medida em que é capaz de efetivar a liberdade por meio de uma normatização dos direitos fundamentais. É por meio da autonomia dos sujeitos de direito que o Estado se estrutura como normatividade da liberdade e da justiça: o direito é concebido como obra de liberdade.

 

Nesse sentido, a problemática versa sobre a eficiência da norma vigente sobre as políticas de atuação do governo para fazer acontecer nos abrigos, o direito da educação profissional aos instrumentos do conhecimento, dignidade e respeito a personalidade dos adolescentes abrigados que são sujeito de direitos, cidadãos e, pois, devem exercerem a autonomia pública e privada de seus atos.

Para Habermas (1996, P.113):

 

Os destinatários do direito devem gozar, a um só tempo, de autonomia pública e privada, o que quer dizer que eles devem compreender como coautores da norma jurídica a que são submetidos, na condição de sujeitos privados de direitos.

 

Nesse viéis, Habermas (1989, p.89) entende que:

 

(...) a emancipação é inerente à comunicação, de modo que seja necessário desenvolver projetos educativos que privilegiem, consensualmente, o fortalecimento da competência comunicativa dos educandos, a fim de torná-los copetentes para o enfrentamento dos desafios do nosso tempo.

 

Hegel (1997, p. 185) assegura que “O direito é, então, algo de conhecido e reconhecido, e querido universalmente, e adquire a sua validade e realidade objetiva pela mediação desse saber e desse querer”. A conduta consciente de desmarginalização de adolescentes institucionalizados requer de planos, concretos, nacionais com o objetivo de se atingir uma educação profissonal para todos os sujeitos de direitos.

É mister, portanto, que o querer no Estado Democrático de Direito, segundo Habermas (1992), assuma o papel de garantidor de direitos, dignidade.

Diante de um complexo e vasto ordenamento jurídico, se faz importante a adoção de leis objetivas que não apenas reproduzam um direito constitucional já expresso, mas que fortaleça a clareza e efetividade de sua edição aos adolescentes em acolhimento institucional.

De acordo com Sousa (2015, p. 74):

 

O Estado deve ser, segunda a perspectiva habermasiana, uma realidade normativa, devido a processos democráticos de tomada de decisão que possibilitam resultados racionais e equitativos. A descrição do processo democrático permite, segundo ele, a conceitualização normativa do Estado e da Sociedade.

 

Há com isto, submedidas às minorias na sociedade tida como democrática, segundo entendimento de Habermas (2002, p. 164):

 

O problema surge em sociedades democráticas, quando uma cultura majoritária, no exercício do poder político, impinge às minorias a sua forma de vida, negando assim ao cidadão de origem cultural diversa uma efetiva igualdade de direitos. (...), as minorias não devem ser submetidas sem mais nem menos às regras da maioria.

 

A educação desenvolve sem dúvidas um importante na papel para a formação do cidadão e das futuras gerações cujo potencial crítico não deve esgotar o fortalecimento da inclusão social dos adolescentes em situação de acolhimento e dos que passaram, mas de modo compartilhado fomentar metodologias ativas para a conscientização social e jurídica sobre o tema pouco difundido.

Observa-se que a deficiência vista até então como um problema de saúde, ganha espaço sob a visão de um modelo social dos direitos humanos, cujas limitações do corpo passou também a conviver com as limitações impostas pelo ambiente.

Para isso, Gomes (2007, p. 1) reforça sob a perspectiva habermasiana:

 

A educação do nosso tempo deve basear-se, portanto, na competência comunicativa, de tal modo que nos permita participar mais ativamente e de forma mais crítica e reflexiva na sociedade. Se pretendemos superar a desigualdade que gera a exclusão das pessoas que não tem acesso ao universo cultural global, devemos pensar sobre que tipo de habilidades estão sendo potencializadas nos contextos formativos e se com isso é facillitada a interpretação da realidade a partir de uma perpectiva críticoemancipatória que busca coordenar às ações por meio do consenso.

 

Não há que se falar em inserção de adolescentes em um ordenamento jurídico em desacordo com direitos fundamentais que visam não só preconizar os direitos reais, como direitos materiais desses menores de modo a evitar que tais indivíduos constinuem sem perspectivas.

A teoria do agir comunicativo aplicada a educação revela-se como um importante instrumento na implantação de uma cultura democrática, viabilizando aos sujeitos de direitos chegarem ao entendimento da sua participação na sociedade enquanto integrante, promovendo cidadania e garantindo o acesso e gozo dos direitos fundamentais, humanização e inlusão social.

Segundo Habermas, no mundo da vida os indivíduos interagem entre si na sociedade sob o prisma da formação moral e educação como um direito universal e obrigatório, assegurado constitucionalmente.

É no Estado Democrático que os direitos e deveres, cidadania e democracia são submetidos a uma participação popular.

Com efeito a Carta Magna de 1988 em seu art. 1º, incisos II e III, a Constituição do Estado Democrático de Direito pautado dentre outras bases, a cidadania e a dignidade humana, propõe em seu art. 5º que todos são iguais perante a lei e assevera ainda no art. 6º, dentre outros, o direito social à educação.

A educação é um direito constitucional, primordial para o desenvolvimento dos sujeitos de direitos e da sociedade, Habermas destaca que a educação é uma forma de emanciapação humana e, assim sendo, deve garantir dignidade e condições de realização pessoal e profissional por meio da ação pedagógica e do agir comunicativo na escola, nos espaços públicos com as crianças e adolescentes, neste caso, de modo especial aos que encontram-se em situação de vulnerabilidade social e familiar institucionalizados em abrigos.

O proceso de educação e ensino acontece enviesado ao processo de situação de identidade do aluno e do lugar que este ocupa na sociedade, assim, a interdisciplinaridade é de suma importãncia para a formação dos adolescentes, não só em termos de conteúdo, mas uma formação do aluno para a vida, aos novos desafios.

Porém, os abrigos não estão preparados para essa realidade dos adolescentes, sob a responsabilidade do Judiciário, no tocante a sua formação profissional durante os longos anos à espera da adoção e que em sua maioria não acontece, chegando a maioridade sem família adotiva, sem formação profissional, sem perspectivas, para onde ir e o que fazer para se manter, suscetivel a criminalidade.

É notorio a ausência de políticas públicas com a finalidade de fomentar a formação profissional de qualidade, preparação para o ingresso às Universidades, a ausência de democracia por intermédio da esfera pública traz a baila uma séria violação a direitos fundamentais que afetam os adolescentes e inviabilizam a inclusão social.

Nesse contexto é de suma importância que os adolescentes abrigados tenham acesso a educação profissional regular, desta forma os processos educativos funcionam como uma ferramenta disponiveis aos sujeitos na conquista pela cidadania e autonomia na sociedade.

Assim destaca Robinson (1998, p.21):

 

No momento em que o indivíduo se descobre como autônomo construtor de si mesmo, a partir de sua razão, inteligência e experiência, ele se firmará como ser que cria e recria o mundo e saberá autodeterminar, agindo com segurança no meio em que vive.

 

A educação é vista segundo Brandão (1984), como um processo de humanização, que se dá ao longo de toda a vida, em sociedade.

É o momento de se voltar o olhar para a função do Estado, da família e das escolas e verificar se as atividades sociais, interativas, coletivas e dos abrigos, estão contribuindo para a formação dos adolescentes institucionalizados e da sociedade.

Deve-se pensar em uma educação participativa, que contribua para o desenvolvimento dos seres humanos nas diferentes áreas de desenvolvimento – uma educação holística, que venha a contribuir na formação de um cidadão feliz e, consquentemente, de uma sociedade mais humana, onde todos possam viver dignamente e em harmonia.

A tarefa da educação segundo Habermas, consiste em lutar contra esses processos de perda de sentido e de perda da liberdade, opondo-se à crescente tentativa de monetarização e burocratização da esfera escolar e insistindo para que a escola volte a ser gerida, prioritariamente, pela esfera do mundo da vida.

Habermas considera ainda que um dos pressupostos fundamentais para a emancipação humana é a apropriação crítica dos conhecimentos produzidos.

Assim, na condição de acolhidos em abrigos e sem a perspectiva de uma educação de qualidade e da profissionalização para quando da maioridade daqueles inadotavéis estarão expostos às ruas, drogadição e a conflitos com a lei.

A educação é para os adolescentes acolhidos a única forma de (re)construção da dignidade, formação moral, pessoal e profissional na sociedade, de emancipação e inclusão.

O Estatuto da Criança e do Adolescente/ECA prever que é dever de todos prevenir a violação de direitos dos adolescentes, uma incoerência quando o próprio Estado na condição de garantidor é violador do direito Constitucional à direitos fundamentais, educação e a preparação para saída das instituições de abrigamento. É na faixa etária dos 18 anos o momento mais crítico para esses adolescentes quando são desligados do único espaço que durante anos moraram. E agora, o que esperar desses adolescentes?

Mais que um processo de desligamento institucional, um novo abandono, ausência de diálogo inclusivo e dignidade, sem condições de pleno enfrentamento da nova situação de vida, autonomia financeira, à recepção pelas ruas ou a marginalização, uma crise de inclusão, um impacto social anunciado, afinal não reconhecemos esses sujeitos de direitos portadores de direitos no Estado que se diz democrático, social e de direito.

A evidência da coisificação do indivíduo pela sociedade que o não reconhece, logo não há o que se falar em equidade, ética formal. Habermas parte da compreensão kantiana de que “todo sujeito é fim em si mesmo”, o reconhecimento acontece quando o outro é reconhecido na sua identidade inconfundível. Não se pode validar a moral no mundo da vida retomando as tradições fundamentalistas, não há espaço na esfera pública, explica Habermas.

Esse amontoado de jovens, depositados e inadotavéis em abrigos no Brasil, invisiveis, enfrentam problemas de identidade advindo de sua história de abandono, a institucionalização prolongada impede a ocorrência de condições favoráveis ao sádio desenvolvimento por conta da submissão e rotinas rígidas, do convívio restrito, da precariedade de atenção individualizada e da ausência de vida familiar e comunitária.

 

CONCLUSÃO

 

Os adoslescentes em condição de abrigo são as principais vítimas dos processos de desigualdade. A burocracia e excesso de requisitos tornam a adoção um problema social transvestido na sociedade moderna, quando deve na verdade salvaguardar a integridade, inviolabilidade, a dignidade, afastando segundo Habermas a neutralidade da ética e do procedimento democrático de privação de direitos, afastar a ausência de informações, preconceitos e a adoção tardia cingida de mitos, aproximar a relação dialética entre o reconhecente e o reconhecido.

É, pois, a adoção tardia, a consolidação do não reconhecimento, o multiculturalismo esta presente no mundo da vida e o direito se faz importante para recepcionar a todos, tutelar e proteger o direito das minorias, evitando-se a segregação desses adolescentes que chegam a maioridade transitando por abrigos e que certamente enfrentarao maior vulnerabilidade pelo desenvolvimento da identidade, falta de capacidade cognitiva, autononomia, prejuízos de ordem somática, emocional, intelectual, social, emancipação, que refletirão na adultez e na sociedade do universalismo abstrato que implique segundo Habermas em restrições à autonomia individual a medida que não se compreendem destinatários de direitos e parte no processo do discurso de pertencimento, do exercício da cidadania e validade na edição das leis.

Para Habermas inclusão do outro significa que as fronteiras da comunidade estão abertas para a diversidade, onde se é possivel esclarecer o que é igualmente bom para todos sem excluir ninguém. Acrescenta ainda que o ordenamento jurídico e a integração social devem garantir que os direitos de uma pessoa sejam reconhecidos pelos demais, esse reconhecimento deve apoiar-se em leis legitimas que garantam liberdades iguais a todos. No sistema jurídico o processo legislativo assume o lugar de integração social segundo regras reconhecidas normativamente.

O Estado só é competente, segundo Habermas, na medida em que é capaz de efetivar a liberdade por meio de uma normatização dos direitos fundamentais. É por meio da autonomia dos sujeitos de direito que o Estado se estrutura como normatividade da liberdade e da justiça, conclui Habermas que o direito é concebido como obra de liberdade.

Nossa perspectiva, pois, é (re)pensar essa realidade a partir da categoria filosófica do reconhecimento partindo dos princípios e parâmetros da teoria crítica da educação relidos à luz das categorias da emancipação e do reconhecimento no âmbito do Estado Democrático de Direito que esses adolescentes estão inseridos enquanto sujeitos de direitos, inconfundíveis e singulares no seu direito no mundo da vida.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Diario Oficial da União de 23 de dezembro de 1996.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: 1988. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Politica nacional de educação especial. Brasília:: MEC/SEESP, 1994ª.

 

BRASIL. Lei brasileira de inclusão. Lei nº 13.146/2015.

 

BRASIL. Lei da acessibilidade. Lei nº 10.098/2000.

 

BRASIL. Decreto sobre educação especial, o atendimento educacional especializado. Decreto nº 7.611/2011.

 

BRASIL. Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 jul. 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_ 03/LEIS /L8069.htm#art266. Acesso em: 15 set. 2019.

 

BRANDÃO. Carlos Rodrigues. O que é educação. 12. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. DALLARI, Dalmo Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

 

GOMES, Luiz Roberto. Educação, consenso e emancipação na teoria da ação comunicativa de Habermas. Artigo Publ. UEPG Ci. Hum., Ci. Soc. Apl., Ling., Letras e Artes. Ponta Grossa, 15 (2) 53-63, dez. 2007. Publicação em 01/10/2007.

 

HABERMAS, Jurgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. São Paulo: Edições Loyola, 2002.

 

HABERMAS,Jurgen. Teoria de la acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1992ª, t.I e II.

HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre factividade e validade. V.I, tomo II. Trad. Fláio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

 

HABERMAS, Jurgen. Consciência moral e agir comunicativo. Trad. Guido A. De Almeida. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.

 

HEGEL, George Wilhelm Friedrich. Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

 

MENEZES, Anderson de Alencar. Educação e emancipação: por uma racionalidade éticocomunicativa. Maceió: EDUFAL,2014.

 

ROBINSON. Marineida. Ação do orientador educacional na construção da cidadania do aluno. Monografia (especialização). Universidade Federal de Santa Maria, 1998.

 

SOUSA, Francisco Pereira de. O estado democrático de direito Habermasiano. Maceió: EDUFAL, 2015.

 


 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO XII

 

 

 

 

 

 

 

 

 


RACIONALIZAÇÃO DO MUNDO DA VIDA: UM ANTIDOTO CONTRA A INVESTIDA SISTEMICA DAS MILICIAS DIGITAIS

 

Anderson de Alencar Menezes

Antônio Tancredo Pinheiro da Silva

 

1 INTRODUÇÃO

 

Os tempos atuais são sumamente complexos e desafiadores em contextos de pandemia. Por sua vez, estes tempos, revelam uma crise maior de uma racionalidade que que se instrumentalizou e que massificou a existência humana. Pululam de todas as partes neste contexto pandêmico “irracionalidades” (HABERMAS, 2012). Este contexto pandêmico tem afetado lesivamente comportamentos pessoais e coletivos em sua globalidade. Na cultura hodierna, os comportamentos lesivos são impulsionados pelas Milícias Digitais que estão tomando corpo na cultura contemporânea de forma muito preocupante. Essas Milícias têm um objetivo central, ou seja, desestabilizar o sistema Democrático e produzir patologias sociais, destruindo biografias, instaurando e proliferando Fake News que aterrorizam e destroem identidades pessoais e coletivas.

 .

2 CRISES DA RACIONALIDADE NA CONTEMPORANEIDADE

 

Adorno e Horkheimer, na obra, Dialética do Esclarecimento (2020), apontam que o conceito de Esclarecimento apoiado na razão não se cumpriu enquanto desejo de Emancipação. Pelo contrário, esta razão tornou-se instrumento da técnica e da ciência despindo-se de todo o caráter crítico e emancipador. Os contornos da denominada, razão instrumental, soterrou a humanidade nos mais tenebrosos e bárbaros momentos da história da humanidade.  Assim, para Adorno e Horkheimer (2020, p. 20)

O mito converte-se em esclarecimento, e a natureza em mera objetividade. O preço que os homens pagam pelo aumento de seu poder é a alienação daquilo sobre o que exercem o poder. O esclarecimento comporta-se com as coisas como o ditador se comporta com os homens. Este conhece-os na medida em que pode manipulá-los. O homem de ciência conhece as coisas na medida em que pode fazê-las. É assim que seu em-si torna para-ele. Nessa metamorfose, a essência das coisas revela-se como sempre a mesma, como substrato da dominação. Essa identidade constitui a unidade da natureza.

Neste âmbito de compreensão, a razão é seduzida pelos poderes da técnica e da ciência positivista provocando rupturas e destituindo a unidade da razão. Eles se referem claramente à razão instrumental e os seus incontornáveis e aterradores movimentos sádicos de destruição das subjetividades e da natureza em sua complexidade. Há uma relação dialética entre Mito e Esclarecimento, ou seja, o mito contém em si aquela racionalidade autoconservadora, ao passo que o esclarecimento moderno possui resquícios do conhecimento mítico. Esta tendência leva à novas formas de barbárie e de embrutecimento oriundos do pensamento iluminista que apostando na razão e negando a história provocou uma erosão na constituição das subjetividades modernas.       

            Por sua vez, para Habermas (2012) o conceito de racionalidade adquire novos contornos de acordo com a reviravolta linguística (Linguistic Turn) em que a racionalidade instrumental é superada por uma racionalidade comunicativa com interesses não apenas cognitivo- instrumental, mas com um caráter ético, estético, normativo e expressivo.

            Assim, Habermas (2012) nos diz quando se refere à racionalidade.

 

Como “racionais” podemos designar homens e mulheres, crianças e adultos, ministros de Estado ou motoristas de ônibus; mas não os peixes ou os sabugueirinhos-do-campo, as montanhas, ruas ou cadeiras. Podemos chamar de “irracionais” as desculpas, os atrasos, as intervenções cirúrgicas, as declarações de guerra, os consertos, os planos de construção ou as resoluções expedidas em conferências, mas não uma tempestade, um acidente, um sorteio na loteria ou um adoecimento. O que significa, afinal, comportar-se “racionalmente” em determinada situação?

                       

De fato, na esteira de Habermas (2012) a crise de racionalidade manifesta-se contemporaneamente como “irracionalidades”. A covid-19 é neste âmbito de compreensão, fruto de “irracionalidades” pessoais e coletivas. Diz respeito aos modos como as relações foram perturbadas em seus sentidos e significados pelas lógicas predatórias do capitalismo avançado. A degeneração da existência humana no planeta em seus diversos âmbitos e contextos socioculturais, pluriétnicos, sociognitivos e político-econômicos revelam uma racionalidade saturada e despedida de seu sentido simbólico mais profundo.

Urge pensar outras formas de racionalidade que incluam seus processos: sensibilidade, solidariedade, justiça, reconhecimento, dignidade, integridade, eticidade, esteticidade, linguagem e comunicabilidade. Uma racionalidade mais ampla e complexa que possa se pensar para além dos contornos cognitivo-instrumentais. É preciso pensar que para além da racionalidade cognitivo-instrumental (mundo objetivo das coisas); existe uma racionalidade prático-moral (mundo social das normas) e a racionalidade estético-expressiva (mundo subjetivo).

Neste sentido, o próprio Habermas (2012, p. 35-36) assevera.

 

Quando partimos do uso não comunicativo do saber proposicional em ações orientadas por um fim, tomamos uma decisão prévia em favor do conceito de racionalidade cognitivo-instrumental, que, por meio do empirismo, marcou fortemente a autocompreensão da modernidade. Nós, ao contrário, ao adotar como ponto de partida o emprego comunicativo do saber proposicional em ações de fala, tomamos uma decisão prévia em favor de outro conceito de racionalidade, filiado a noções mais antigas de logos. Este conceito de racionalidade comunicativa traz consigo conotações que, no fundo, retrocedem à experiência central da força espontaneamente unitiva e geradora de consenso própria à fala argumentativa, em que diversos participantes superam suas concepções inicialmente subjetivas para então, graças à concordância de convicções racionalmente motivadas, assegurar-se ao mesmo tempo da unidade do mundo objetivo e da intersubjetividade de seu contexto vital.

 

            Nesta perspectiva, é preciso retomar neste contexto de pandemia e de crise de legitimação da racionalidade instrumental, a perspectiva habermasiana e sua proposta de reabilitar as discussões a partir de uma racionalidade intercompreensiva, comunicativa e intersubjetiva. Reafirma o que diz Habermas, em recente entrevista, a Nicola Truong, publicada por Le Monde e reproduzida por La Repubblica, 12-04-2020. “A solidariedade é a única cura.”

            O que caracteriza o momento de crise ocasionado pelo Corona vírus é a desconfiança num tipo de racionalidade que produziu a própria pandemia, ocasionada por diversos comportamentos, estilos e práticas extremamente “irracionais” expurgando da própria racionalidade as suas motivações de ordem ética e moral. Assim, como afirma o próprio Habermas (2012, p. 55) “denominamos racional uma pessoa que se comporta com disposição positiva diante do entendimento e, diante de problemas de comunicação, reage de modo que reflita sobre as regras da linguagem”.

            Neste horizonte de compreensão, será preciso retomar a categoria de mundo da vida (Lebenswelt) como conceito central e articulador desta discussão. Segundo Habermas (2002, p.96-97):

 

Podemos imaginar os componentes do mundo da vida, a saber, os modelos culturais, as ordens legítimas e as estruturas da personalidade, como se fossem condensações e sedimentações dos processos de entendimento, da coordenação da ação e da socialização, os quais passam através do agir comunicativo.... Quem age estrategicamente continua mantendo às costas o seu mundo da vida ou pano de fundo ante os olhos as instituições ou pessoas de seu mundo da vida – ambas as coisas, porém, numa figura modificada. O mundo da vida que serve de pano de fundo é curiosamente neutralizado quando se trata de vencer situações que caíram sob imperativos do agir orientado pelo sucesso; o mundo da vida perde sua força coordenadora em relação à ação, deixando de ser a fonte garantidora do consenso.

           

Nesta perspectiva, o mundo da vida em suas estruturas simbólicas, foram amplamente perturbadas por várias razões. A primeira razão, os modelos culturais foram danificados por uma racionalidade instrumental que despe a arte de seu caráter crítico e de protesto. Neste contexto de pandemia, as artes foram retomadas de forma bastante singular com distintas expressões em diferentes partes do mundo; a segunda razão, as ordens legítimas societárias, aquilo que vincula as pessoas a partir de normas que garantem a inviolabilidade e integridade da vida humana. Existe aqui uma crise de legitimidade das estruturas normativas societárias, já que as milícias digitais criam as Fake News criando vácuos morais profundos no tecido social.  A terceira razão, toca às estruturas da personalidade abaladas em suas estruturas tomadas por um narcisismo pessoal e coletivo que acabou trazendo consequências danosas e abruptas para a vida no planeta. Ou seja, as milícias digitais passaram a induzir comportamentos possessivos e compulsivos em direção ao controle excessivo das redes de sociabilidade.

            Nesse sentido, a proposta para este contexto de uma sociedade não esclarecida e longe dos horizontes utópicos de emancipação é retomar uma outra racionalidade a partir do âmbito da modernidade. Habermas reafirma que a modernidade é um projeto inacabado. Segundo Coutinho (2002, p.271) “afirmar que a modernidade é um projeto inacabado, uma vez que não estão esgotadas as novas formas de representação da experiência que a Ilustração deixou abertas, isto é, a ciência, a moral e a arte”.  Será preciso retomar este outro da razão que é a linguagem. Para assim, reabilitarmos processos educativos que se pautem por distintas linguagens e que inclua em seus processos a sensibilidade, a justiça e a solidariedade. Portanto, deve-se compreender que o mundo da vida é o lugar simbólico e natural de legitimação da ciência, da moral e da arte, numa perspectiva weberiana e habermasiana.

            Neste horizonte de compreensão, precisamos retomar o conceito de mundo da vida, segundo Muhl (2003, p. 301):

 

A ciência e a técnica mantêm uma inevitável referência ao mundo da vida. O mundo da vida é o contexto de origem das esferas da ciência, da ética e da estética; sobre as experiências pré-científicas do mundo da vida é que são originalmente construídas as próprias ciências. Por maior objetividade que apresentem e por mais autônomas que sejam, é no mundo da vida que ciência e técnica encontram seu fórum de validade; o mundo da vida é a última instância em que os saberes são postos à prova e recebem seu selo de confiabilidade.

 

            Assim, o mundo da vida é o lugar legítimo para a validação dos saberes: científicos, morais e estéticos.  O mundo da vida exige uma racionalidade capaz de acolher as diferenças, socializar os saberes de forma construtiva e crítica, dialogar de forma ampla e complexa com a natureza e com a biodiversidade, reconhecendo as bionarrativas e expurgando as patologias da comunicação, como as Fake News produzidas pelas milícias digitais.

            As crises de Racionalidade provocadas pelas milícias digitais no âmbito político e pandêmico provocaram novas aprendizagens sociais, socioculturais, político-semânticas e sociognitivas. É preciso compreender que o mundo da vida que é o mundo cotidiano constituído vitalmente pelo simbólico em que habitam as intersubjetividades embaladas por desejos, lutas e ideais. O mundo da vida no contexto das milícias digitais vem sendo minado pelas forças da integração sistêmica, cujas regras fundam-se no dinheiro e no poder (lavagem de dinheiro), em oposição à integração social que se nutre e constrói a partir da solidariedade, da justiça e da sensibilidade para com as diferenças e a garantia constitutiva dos direitos fundamentais.

            Nesse âmbito de compreensão, é preciso postular novos paradigmas para a construção intersubjetiva do ponto de vista educativo e formativo a partir desta nova conjuntura produzida pela pandemia. Assim, somos impulsionados a pensar uma educação que reconheça os avanços da ciência e da técnica numa ótica crítica, tendo como critério fundamental a construção de identidades reflexivas. Conforme Muhl (2003, p. 298):

 

A reflexão envolve uma dupla dimensão: o descentramento do sujeito do conhecimento e o desenvolvimento de uma visão reconstrutiva dos saberes. Asssim, o conhecimento deve deixar de ser visto como produto de uma subjetividade que age solipisticamente, passando a ser entendido como uma produção social, coletiva, inerente ao processo de descentramento da visão de mundo.

 

            Assim, no âmago desta questão, a reflexão passa a ser um imperativo no contexto da pandemia. Ou seja, uma tarefa impulsionada pela Educação na sua dupla perspectiva. A primeira perspectiva é que a educação deve conduzir processos de descentramentos alargados das identidades do eu e do outro, entendidos como sujeitos do conhecimento, ou seja, precisamos nos reconhecer como humanos aprendentes. Um segundo aspecto, deve impulsionar um processo reconstrutivo dos saberes. Uma crítica aos denominados saberes úteis que arquivam os processos de humanização. Estes aspectos foram relegados e a pandemia revela os seus sintomas a partir da miniaturização dos mesmos, agravados pelas milícias digitais.

            Por fim, propomos a partir dos sintomas da pandemia uma aprendizagem social fundada na concepção de Esfera Pública. Assim, a aprendizagem maior do ponto de vista educativo neste contexto de pandemia é a aprendizagem coletiva no âmbito da Esfera Pública. Como afirma Berten (2012, p. 16).

Aliás é exatamente o que o próprio Habermas defende quando mostra que a ciência institucionalizada é a forma racional de resgatar as pretensões à verdade quando a linguagem ordinária se torna incapaz de resolver as questões erguidas no mundo da vida, assim como o direito é a forma racional de responder às exigências de universalização incluídas nas pretensões normativas, de concretizar e atualizá-las.

Nesta perspectiva, a ciência e o direito adquirem formas racionais no contexto da Esfera Pública no sentido da justiça, verdade e retitude. Assim, o maior escopo da Educação em tempos de pandemia a partir desta visão é de reabilitar a partir do discurso científico e educativo as pretensões de verdade ligadas às questões de justiça social.

 

3 CONCEITO CIENTÍFICO-SOCIAL DE CRISE NO CAPITALISMO AVANÇADO

 

Primeiramente, podemos perceber o conceito de Crise num contexto muito complexo em que se desenvolveu o capitalismo avançado. De fato, as ideias. A crise de um sistema é muito peculiar em vários âmbitos da vida humana. Por sua vez, Habermas (2002) admite que o conceito de crise está associado à uma ideia de uma força objetiva que nos priva, que nos cerceia e nos imobiliza.

Neste âmbito de compreensão, as crises individuais e coletivas fazem parte da longa história da Humanidade. Do ponto de vista subjetivo, as crises humanas provocam mudanças profundas no contexto da nossa formação identitária. Claro que podemos pensar estes aspectos a partir das transformações biológicas e psicossociais que atravessam a nossa longa história de desenvolvimento de nossas personalidades.

Num primeiro momento, pensamos as crises subjetivas, assim retomamos Piaget (2013) que desenvolve a partir do conceito de desenvolvimento das quatro fases caraterísticas do desenvolvimento da Personalidade em fases muito delicadas do desenvolvimento cognitivo e psicoafetivo. A passagem da etapa do pré-operatório ao operatório concreto é uma crise na primeira infância que provoca múltiplas transformações e rupturas na constituição identitária.

Freud (2011) realça o contexto de crise no desenvolvimento psicossexual das fases (oral, anal, fálica e latência). Estas fases também provocam certas rupturas na existência humana, sobretudo em contextos de individuação das identidades. Ou seja, uma fase destas interrompidas, provoca lacunas profundas nas relações consigo mesmo e com os outros. Neste sentido, as crises revelam nossas carências, insuficiências, imaturidades, desejos e vontades.

Num segundo momento, pensamos as crises no sentido histórico (objetivo). Na compreensão de Habermas (2002, p. 13), hoje nas ciências sociais é usado frequentemente um conceito teórico sistêmico de crise. Conforme esta perspectiva sistêmica, as crises surgem quando a estrutura de um sistema social permite menores possibilidades para resolver o problema do que são necessárias para a contínua existência do sistema. Neste sentido, as crises são vistas como distúrbios persistentes da integração do sistema.

Esta compreensão é de fundamental importância para a compreensão de crise como um conceito científico-social. Ou seja, na percepção de Habermas (2002) as crises são ocasionadas pelos distúrbios provocados da integração sistêmica que abalam e danificam a integração social, quando as estruturas normativas da integração social são corroídas e desintegradas ocasionando dificuldades de legitimação no âmbito do capitalismo avançado. Pois os sistemas sociais têm identidade e podem perdê-las.

Na compreensão de Habermas (2002) um conceito científico-social de crise precisa compreender a tensão que se dá entre integração social e integração do sistema. Perceber este duplo movimento de interação entre mundo da vida e Sistema. Ou seja, interações simbólicas mediadas pela linguagem mediante o mundo da vida, e a linguagem dos sistemas, dinheiro e poder. Habermas (2002) reconhece que são relações tensas que provocam no âmbito do capitalismo avançado crises de legitimação dos sistemas sociais que validam o universo dos saberes em torno dos aspectos socioculturais e político-semânticos que validam o mundo da vida.

Nesta perspectiva, Habermas (2002) percebe no capitalismo avançado sinais de crise de legitimação. Portanto, para Habermas (2002, p. 50) “com a aparência e fraqueza do mercado, e efeitos colaterais disfuncionais do mecanismo de condução, a básica ideologia burguesa de livre competição entra em colapso. Reacoplar o sistema econômico ao político, que de certo modo repolitiza as relações de produção, cria uma crescente necessidade de legitimação.”Portanto, surge o debate entre democracia, direito e moral no âmbito da Esfera Pública. Em que medida o sistema democrático assegura os direitos fundamentais de identidades subjetivas e coletivas? Como pensar estas relações a partir do âmbito de um capitalismo avançado em que as estruturas normativas de reconhecimento estão sensivelmente abaladas.

No mundo hodierno, apresentam-se todos estes movimentos. Vivemos uma profunda crise de legitimação do capitalismo avançado, com a etiqueta de neoliberal. O Corona vírus no contexto atual aprofunda e escancara esta crise em todos os sentidos: antropológico, econômico, social, cultural, étnico. Põe a descoberto as nossas mais profundas fragilidades humanas e sociais. A crise atual sinaliza para o colapso deste capitalismo avançado que se esgotou em sua totalidade. O que salta aos olhos as constantes perturbações sofridas nos sistemas de integração social ocasionadas pelos sistemas de integração sistêmica (os grandes brancos; as grandes indústrias) detentoras de grandes fortunas que sonegam impostos, cuja finalidade é regular um Estado mínimo, privatizado, vendido ao capital estrangeiro, como é o caso do Brasil e das economias do continente Latino-Americano.

Neste sentido, Habermas (2012) retoma o conceito de mundo da vida numa perspectiva reconstrutora para salvaguardar a integridade dos atores sociais envolvidos em suas relações e funções subjetivas, objetivas e sociais. Detalharemos melhor esta perspectiva na próxima seção.

 

4 COLONIZAÇÃO DO MUNDO DA VIDA E MILÍCIAS DIGITAIS

 

4.1 CONCEPÇÃO DE MUNDO DA VIDA

 

Primeiramente, é preciso compreender o que Habermas (2002) pensa e propõe com o mundo da vida.  Habermas (2002, p. 96) assim afirma:

 

Podemos imaginar os componentes do mundo da vida, a saber, os modelos culturais, as ordens legítimas e as estruturas de personalidade, como se fossem condensações e sedimentações dos processos de entendimento, da coordenação da ação e da socialização, os quais passam através do agir comunicativo. Os componentes do mundo da vida resultam da continuidade do saber válido, da estabilização de solidariedades grupais, da formação de atores responsáveis e se mantêm através deles. A rede da prática comunicativa cotidiana espalha-se sobre o campo semântico dos conteúdos simbólicos, sobre as dimensões do espaço social e sobre o tempo histórico, constituindo o meio através do qual se forma e se reproduz a cultura, a sociedade e as estruturas da personalidade.

 

Neste âmbito de compreensão, a compreensão habermasiana da sociedade se faz a partir das relações entre mundo da vida e mundo sistêmico. Eles acontecem de forma simultânea e entrelaçada. A percepção habermasiana do mundo da vida como lócus de sentido e o espaço natural de sedimentação das estruturas simbólicas da vida humana que acontece na facticidade do cotidiano repleto de contradições e aspirações próprias da cultura contemporânea. O mundo da vida como estrutura intacta em que preserva os três mundos dos quais o próprio Habermas (2002) se refere e que resguarda três aspectos constitutivos e que estruturam o mundo da vida: cultura, sociedade e estruturas da personalidade. Assim, afirma Habermas (2002, p.98), os componentes do mundo da vida – a cultura, a sociedade e as estruturas da personalidade – formam conjuntos de sentido complexos e comunicantes, embora estejam incorporados em substratos diferentes. O saber cultural está encarnado em formas simbólicas – em objetos de uso e tecnologias, em palavras e teorias, em livros e documentos, bem como em ações. A sociedade encarna-se nas ordens institucionais, nas normas do direito ou nas entrançadoras de práticas e costumes regulados normativamente. As estruturas da personalidade, finalmente, estão encarnadas no substrato dos organismos humanos.

Assim, percebe-se que o mundo da vida torna-se o lugar para a repolitização e para a reconstrução dos saberes culturalmente válidos em que as ciências têm um papel fundamental de crítica e esclarecimento com fins de emancipação das mazelas humanas e dos terrores sistêmicos; por sua vez, a sociedade deve criar consensos em torno da integridade humana, dos seus direitos fundamentais, salvaguardando a inviolabilidade das estruturas normativas que garantam a o direito ao corpo, à vida digna, à solidariedade e promoção humana e integral; por fim, as estruturas da personalidade que se formam em sociedades que reconhecem os vínculos afetivos, as expressões de sensibilidade e a quebra da autorreferencialidade.

Esta concepção habermasiana de mundo da vida é abalada quando o mundo sistêmico tenta colonizar o mundo da vida criando as patologias sociais e vários distúrbios nos âmbitos das esferas de sentido e que compõem o mundo da vida simbolicamente estruturado. No dizer do próprio Habermas em sua obra, A crise de legitimação no capitalismo tardio (2002), isto acontece quando os sistemas entram em crise de legitimação e está diretamente ligado às crises das identidades criando distúrbios no equilíbrio ecológico, antropológico, sociocultural e internacional. No momento contemporâneo isto se torna evidente, a partir do momento

 Assim, as crises sistêmicas (crise econômica, crise de racionalidade, crise sociocultural, crise política). Como se observa, a crise de racionalidade provoca uma crise de legitimação que impacta nas crises de motivação, por exemplo.

Isto acontece segundo Muhl (2003, p. 209), quando o sistema se independentiza do mundo da vida e se torna mais complexo, a dinâmica da influência entre ambos se modifica. Se, inicialmente, o mundo da vida determinava a estrutura sistêmica, com complexificação social e, especialmente, com a necessidade de o sistema ter de se manter diante das crises que emergem do seu interior, os papéis se invertem e o sistema passa a se impor sobre o mundo da vida. Disso decorre o processo que Habermas denomina de “colonização do mundo da vida”, cujo sistema mais representativo é a instrumentalização do mundo da vida e a restrição sistemática da comunicação através da violência estrutural. As milícias digitais funcionam como técnicas de controle de narrativa, ou seja, as pessoas passam a ver o mundo através de uma bolha digital fechada. Esta bolha digital deslegitima a Imprensa e a Esfera Pública. Como é o caso Brasileiro e em outras partes do mundo, o Twiter passa a ser o novo diário oficial. Nesse sentido, as milícias digitais passam a ocupar um espaço bastante ambíguo na vida pública e vida política.  Ou seja, criam ambiguidades em torno das relações entre liberdade e controle/ espontaneidade e manipulação. Tudo passa a ser comunicado via Whatsapp, que se constitui ou não uma rede social? Por trás do Whatsapp movimentam-se verdadeiros exércitos midiáticos, pondo em risco o equilíbrio democrático criando rupturas e patologias incuráveis no mundo da vida.

Neste âmbito de compreensão, a colonização do mundo da vida pelas milícias digitais gera anomias, danifica as subjetividades num processo contínuo de despersonalização, abalando as estruturas da personalidade, minando as estruturas normativas de reconhecimento implicando na desintegração dos direitos fundamentais e na corrosão da integridade dos atores sociais. Veremos estes desdobramentos na próxima seção, quando discutiremos as relações entre patologias sociais e contextos educativos em tempos de pandemia.

 

5 AS MILÍCIAS DIGITAIS ENGENDRAM NOVAS PATOLOGIAS SOCIAIS E CORROEM OS SISTEMAS DEMOCRÁTICOS

 

Segundo Honneth (2009) ao tratar dos padrões do Reconhecimento que tocam as esferas da amizade, do direito e da solidariedade numa compreensão de uma nova gramática dos conflitos sociais em sociedades complexas em que as patologias sociais pululam e tomam corpo e feições em Instituições e nas mais variadas e distintas subjetividades.

Na percepção de Honneth (2009, p. 213):

 

Em nossa linguagem quotidiana está inscrito ainda, na qualidade de um saber evidente, que a integridade do ser humano se deve de maneira subterrânea a padrões de assentimento ou reconhecimento. Pois, na autodescrição dos que se veem maltratados por outros, desempenham até hoje um papel dominante categorias morais que, como as de ofensa ou de rebaixamento, se referem a formas de desrespeito, ou seja, às formas do reconhecimento recusado, o que se observa e percebe nos contextos impulsionados pelas milícias digitais.

           

Esta percepção de Honneth (2019) é muito importante num contexto de economia neoliberal em que o mercado dita as regras e miniaturiza o Estado tornando-o impotente e autorregulado pela lógica do lucro e do consumo. Este modelo de desenvolvimento econômico provoca vários processos degenerativos no tecido social, fraturando relações, minando subjetividades e subvertendo valores e processos a partir de um plano de civilização mais global.

            Na interpretação de Honneth (2009) toda experiência de desrespeito provoca inúmeras patologias sociais que motivam grupos e subjetividades a entrarem numa luta moral motivada. Estas patologias sociais danificam o psiquismo e as estruturas normativas nas quais os sujeitos vivem em interação.

Assim, para Honneth (2009, p.216):

 

Se a primeira forma de desrespeito está inscrita nas experiências de maus-tratos corporais que destroem a autoconfiança elementar de uma pessoa, temos de procurar a segunda forma naquelas experiências de rebaixamento que afetam seu autorrespeito moral: isso se refere aos modos de desrespeito pessoal, infligidos a um sujeito pelo fato de ele permanecer estruturalmente excluído da posse de determinados direitos no interior de uma sociedade.

 

Nesta perspectiva de análise, as patologias sociais se refletem nos maus-tratos, nas ofensas, nas humilhações, nos rebaixamentos que subjetividades ou grupos minoritários sofrem através das milícias digitais. No contexto atual de pandemia do Corona vírus, isto ficou escancarado e atingiu de forma profunda os vários continentes do Planeta, mas, sobretudo, os grupos minoritários dos diversos Continentes assolados pela Covid-19.  Ou seja, as patologias sociais se aprofundaram ainda mais em todos os Continentes do Planeta trazendo consequências ainda mais danosas e drásticas para os povos mais vulneráveis. Pensando aqui também nos Povos Indígenas e nas Populações Quilombolas. Também em torno deles, as milícias digitais agem, danificando suas subjetividades, mobilizando grupos e pessoas para verdadeiras queimadas genocidas na Amazônia, no Pantanal.

No âmago desta questão, precisamos pensar em práticas educativas que fortaleçam as diversas formas de reconhecimento que recusem de todos os modos práticas que destruam ou afetem a dignidade e integridade das subjetividades radicadas em suas culturas e em seus contextos sociais e históricos.

Neste sentido, Muhl (2003) propõe uma questão interessante ao se referir ao papel da ciência na conjuntura atual. Ela tem um caráter formativo, educativo, a sua preocupação não é apenas com a verdade do saber, mas também com a justiça social. Isto é de fundamental importância na conjuntura atual brasileira, em que o governo desdenha da ciência e dos seus princípios educativos e científicos.  Ainda na esteira de Muhl (2002, p. 304) “a ciência e a técnica mantêm uma inevitável referência ao mundo da vida. O mundo da vida é o contexto de origem das esferas da ciência, da ética e da estética. É no mundo da vida que ciência e técnica encontram seu fórum de validade”.

           

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Neste âmbito de compreensão, o mundo da vida torna-se o lugar fundamental para a validação e a legitimação da ciência, da moral e da arte. Portanto, os contextos educativos devem resguardar o mundo da vida da invasão sistêmica que fratura as relações e subalterniza as subjetividades. Assim, os processos formativos em tempos de pandemia devem sedimentar espaços simbólicos e estruturantes de formação. Daí a ideia de que a racionalização do mundo da vida é um caminho legítimo e um antídoto eficaz contra as crises desencadeadas pelas milícias digitais.

 

REFERÊNCIAS

 

DUBAR, Claude. A crise das identidades: a interpretação de uma mutação. Porto: Edições Afrontamento, 2006.

 

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização.  São Paulo: Penguin, 2011.

 

HABERMAS, Jürgen. A crise de legitimação do capitalismo tardio. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2002.

 

HABERMAS, Jürgen. Pensamento pós-metafísico. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro,2002.

 

HABERMAS, Jürgen. Técnica e ciência como “ideologia”. Tradução Felipe Gonçalves da Silva. São Paulo: Editora Unesp, 2014.

 

HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: a gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: Editora 34, 2009.

 

MORA, José Ferrater. Dicionário de filosofia. Tomo I. São Paulo: Loyola, 2000.

 

MUHL, Eldon. Henrique. Habermas e a educação. Passo Fundo: UFP, 2003.

 

Nicola Truong, A Solidariedade é a única Cura.  Entrevista com Jurgen Habermas. Publicada por Le Monde e reproduzida por La Repubblica, 12-04-2020. Revista Instituto Humanitas. Porto Alegre: Unisinos, Edição: 546.

 

PIAGET, Jean. A psicologia da inteligência. Petrópolis: Vozes, 2013.

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO XIII

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E A TEORIA DO RECONHECIMENTO DE HONNETH

 

Virgílio Andrade Neto

Henrique dos Santos Andrade[ix]

Anderson de Alencar Menezes

 

1 INTRODUÇÃO

 

O Brasil é o país com mais “negros” fora da África (GIFE, 2018), com metade da população autodeclarada preta ou parda (MORAES, 2013). Mesmo assim, a intolerância religiosa ataca principalmente as religiões de matriz africana.

Direito constitucionalmente garantido, a liberdade de culto não parece efetivamente tutelada. Existem inúmeros exemplos de desrespeito.

O debate sobre a intolerância religiosa passa pelo debate sobre ignorância, falta de reconhecimento e sobretudo, a intolerância ao modo de vida diferente. Neste contexto, Axel Honneth propõe una teoria social crítica na qual os conflitos surgem da negação ao reconhecimento, que atingem níveis tais a ponto de funcionarem como força impulsora para mudanças sociais que acomodam estes direitos.

Neste estudo, apresentaremos as religiões de matrizes africanas, alguns dados sobre e, também, uma breve estudo sobre a teoria social de Honneth, criando um paralelo entre a intolerância religiosa e esta teoria do reconhecimento.

O debate sobre reconhecimento é promissor o suficiente na sociedade moderna para abordar questões como o multiculturalismo ou a religião para diagnosticar a falta de respeito para com as minorias (ARAÚJO NETO, 2011).

 

2 PRÁTICAS RELIGIOSAS NO BRASIL

 

Segundo Santos (2016, p. 2), o “processo de construção da cultura religiosa se deu por meio de quatro grandes matrizes: indígena, ocidental, africana e oriental”. No Brasil, as práticas religiosas com maior número de praticantes são os católicos, os evangélicos, os espíritas, os praticantes de religiões de matriz africana e os judeus (7GRAUS).

A Igreja Católica Apostólica Romana tem sede na Cidade do Vaticano e é comandada pelo Papa, seu líder máximo, responsável por disseminar os dogmas da religião, praticada por aproximadamente 50% dos brasileiros (DATAFOLHA, 2020). Trazido para o Brasil pela Ordem dos Jesuítas, durante a colonização (7GRAUS).

Os Evangélicos representam 31% dos brasileiros (DATAFOLHA, 2020). Esta prática surgiu com a Reforma Protestante e chegou ao Brasil a partir da metade do Século XIX, com luteranos, batistas, presbiterianos e metodistas. No começo do Século XX chegaram os pentecostais (LAMEGO, 2020). Não há muitos cultos, não acreditam em santos e oram exclusivamente à Jesus. A Bíblia é a palavra de Deus e deve ser estudada. Categorizada em três grupos: pentecostais e neopentecostais, evangélicos de missão e evangélicos não determinados (7GRAUS).

Os Pentecostais pregam o batismo pelo Espírito Santo e creem que este pode conceder dons divinos. São pentecostais a Igreja Assembleia de Deus, a Igreja do Evangelho Quadrangular, a Igreja Pentecostal Deus é Amor e a Igreja o Brasil para Cristo (7GRAUS).

Os Neopentecostais surgiram nos anos 70 numa renovação ao movimento pentecostal original. Diferem daqueles por crerem que o cristão tem direito a uma vida satisfatória em todos os aspectos, inclusive o financeiro. As dificuldades da vida estão diretamente relacionadas ao pecado ou à falta de fé.  Cresceu muito no Brasil, por seu poder midiático e o alcance às comunidades afastadas dos grandes centros urbanos (7GRAUS). A teologia da prosperidade, a guerra santa e o televangelismo são características fortes (SANDES, 2018). Após surgir a Nova Vida, com curas e exorcismos públicos de demônios, esta deu origem à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e à Igreja Internacional da Graça de Deus. (OLIVGEIRA, C., 2019), principais deste movimento (7GRAUS).

O Evangelho de Missão tem origem no protestantismo clássico, com uma visão mais conservadora do evangelho. Fazem parte deste grupo os Luteranos, os Anglicanos, os Metodistas, os Batistas e os Presbiterianos. Organizam missões de evangelização ao redor do mundo (ROSSI, 2012) (7GRAUS).

Os Evangélicos Não-Determinados são os que se consideram evangélicos sem especificar a igreja ou a corrente, frequentam cultos diferentes, além dos que fazem parte de pequenas igrejas não pentecostais (ROSSI, 2012). São independentes e não se enquadram nos demais movimentos, por vezes com liturgias muito particulares. A Congregação Cristã no Brasil é um exemplo (7GRAUS).

O Espiritismo é uma doutrina de cunho científico-filosófico, criada no século XIX, por Denizard Hippolyte Leon Rivail, conhecido como Allan Kardec, influenciado pelo cientificismo e pelo pensamento evolucionista (SOUSA). Os Espíritas têm Chico Xavier como um importante disseminador, com grande produção literária (SOUSA). Eles representam 3% da população brasileira (DATAFOLHA, 2020), sendo a do Brasil a maior comunidade do mundo. Acreditam na mediunidade, capacidade de comunicação entre as pessoas vivas e os espíritos e se consideram cristãos, pois se inspiram em Jesus Cristo. A Bíblia é fonte de prova da mediunidade (7GRAUS).

O Judaísmo tem 0,3 % de praticantes dentre os brasileiros (DATAFOLHA, 2020), entre 12 a 15 milhões no mundo (PERCÍLIA). Com mais de 3 mil anos de existência, originada no Século XVIII a. C., é a primeira religião monoteísta do mundo. Junto com o cristianismo e o islamismo compõem as 3 grandes religiões abraâmicas. Abraão, ordenado por Deus, abandonou as práticas politeístas, migrou para a terra prometida, Canaã. Jacó, seu neto, gerou doze filhos, que fundaram as doze tribos que constituíram o povo judeu. A escritura sagrada é o Torá ou Pentateuco, revelado diretamente por Deus (PERCÍLIA), e seu templos são denominados de Sinagoga (PERCÍLIA), onde são lidos os textos sagrados. O sacerdote é o Rabino, mestre ou professor, responsável pelo ensino e aplicação das práticas judaicas (7GRAUS).

Outras religiões como o budismo, o hinduísmo, o islamismo e as religiões esotéricas somam 2% da população brasileira. Os que se declaram sem religião apesar de acreditarem em Deus somam 10% dos brasileiros. Há 1% de ateus, que não creem na existência de um Deus e, em regra, são ligados à ciência (7GRAUS) (DATAFOLHA, 2020).

Sobre as religiões de matrizes africanas, há diversas manifestações religiosas que compartilhem influências e filosofias vindas da África. As principais são o Candomblé e a Umbanda, mas também podemos citar o Ketu, Jêje, Jarê, Terecô e Xangô de Pernambuco (VICK, 2018). Estas têm um grande sincretismo religioso com o catolicismo, por repressão que recebiam para não ser praticadas (7Graus). Apenas 2% dos brasileiros são adeptos de religiões afro-brasileiras (DATAFOLHA). Umbanda e o Candomblé são as principais e dividem semelhanças como os Orixás, considerados forças da natureza, mas diferem nas práticas de culto, nas designações de líderes religiosos e natureza das entidades espirituais, que desembocam em outras distinções de doutrina e ritualística (VICK, 2018).

A Umbanda é uma religião genuinamente brasileira, fundada, na versão dos próprios umbandistas, em 15 de novembro de 1908, quando o médium Zélio de Moraes incorporou o Caboclo das Sete Encruzilhadas (SALES, 2017, p 15). Na versão sociológica, a Umbanda nasceu no início do século XX, em decorrência do contexto social, como “uma forma de aplacar as mudanças vividas, de forma a trazer a sua raiz para a nova sociedade urbano-industrial que estava se consolidando” (SALES, 2017, p 4).

Apesar da semelhança com religiões praticadas na África, a Umbanda mistura elementos do culto aos Orixás africanos com o Espiritismo (Kardecista), com cultos indígenas (por exemplo: a Pajelança) e com o Catolicismo (SALES, 2017, p. 5) (VICK (2018), em decorrência da proibição, no período colonial, de os negros escravizados no Brasil cultuar suas divindades livremente. Deviam seguir o catolicismo, que era religião oficial no país (VICK, 2018). Para burlar esta imposição, criaram estas misturas. Como exemplo, Iemanjá está associada à Nossa Senhora da Conceição. Isso também acontece no Candomblé. Há um único Deus onipresente, chamado Olorum, os Orixás e as Entidades espirituais, também chamadas de Guias.

O Candomblé, vindo provavelmente da Nigéria e República do Benim, trazida pelos escravos, apesar de influenciada pelo catolicismo, mantem-se fiel às origens das religiões africanas, o que pode ser explicado por serem praticados, em regra, apenas por membros da casa. Também acreditam em um Deus criador e nos Orixás. A noção de certo ou errado, bom ou mau, depende sempre da relação com o seu Orixá regente. Os cultos seguem rituais complexos que envolvem música, dança, indumentária própria, sacrifícios de animais, oferta de comidas e objetos. (MAIORES E MENORES). O Candomblé “resgata uma cultura religiosa ancestral e milenar africana” (VICK, 2018).

            Usar branco no Ano Novo, pular sete ondas ou oferecer espumante ao mar, folha de arruda na orelha contra mau olhado, vaso de sete ervas, e outros, são exemplos de contribuições destas religiões a nossa cultura (VICK, 2018). Tais práticas sofrem muitos preconceitos por razões diversas, principalmente o desconhecimento, que chega ao ponto de tais manifestações religiosas afro-brasileiras não serem reconhecidas como em religiões, numa sentença, sob argumentando de que lhe faltavam um texto base, como uma bíblia, uma estrutura hierárquica e até um Deus a ser venerado (FONSECA; ADAD, 2016, p.84).

 

3 INTOLERÂNCIA RELIGIOSA OU RACISMO RELIGIOSO

 

Algo que sempre se apresenta na história das religiões é a luta por hegemonia. Com a Reforma Protestante, os líderes foram obrigados a buscar aliança com o poder monárquico para sobreviver e se expandir. A ideologia inicial da doutrina religiosa foi afastada e ao final o intuído de reformar efetivamente o poder clerical com maior participação popular não ocorreu. A ligação entre a monarquia e a Igreja era oportuna para ambos os lados, com a sobrevivência de poucos dissidentes (OLIVEIRA, A., 2017, p. 41). É neste contexto de luta por hegemonia que surge a discussão sobre tolerância religiosa.

Para Dussel (2001, p. 1) intolerância é

 

la posición intransigente ante posibles oponentes. [...] El intolerante afirma ‘poseer’ la verdad o encontrarse en un acceso privilegiado con respecto a lo que se conoce como ‘verdadero’. Esta confianza ingenua, lejos de todo escepticismo o conciencia de la finitud de la inteligencia y la voluntad humanas, da al dogmático una certeza inequívoca y un sentido mesiánico a su misión de extender dicha verdad en toda la humanidad (si tuviera el poder para hacerlo). Cuando la intolerancia dogmática tiene de manera suficiente ese poder político para imponer a otros su Voluntad de Poder, es cuando se usa la violencia como un modo natural de expandir la ‘verdad’ y exigir ser aceptada por todos los demás.

 

Ou seja, o intolerante tem a absoluta convicção de que se está na religião “certa”, e isto se associa a um poder suficiente que o “legitima” a impor a sua religião, até com o auxílio de violência.

Segundo Oliveira (2017, p. 42) “[...] a intolerância religiosa se daria através do não reconhecimento ou da não aceitação da religião não hegemônica o que pode acarretar desde atos isolados de agressividade e demonstração de ódio, até perseguições institucionalizadas, como foi o caso das inquisições promovidas pela Igreja Católica durante a Idade Média e a Contrarreforma”.

A intolerância religiosa, apesar de não exclusiva, é mais exacerbada quando se refere a religiões com matrizes africanas. Segundo reportagem vinculada pela BCC, em 21 de janeiro de 2016, são dois os principais motivos: a discriminação pelo simples fato de serem de origem africana e a ação de movimentos neopentecostais que se valem de mitos e preconceitos para "demonizar" e insuflar a perseguição a umbandistas e candomblecistas (SALLES, 2017, p. 21). Esta demonização tem origem no racismo infligido há séculos aos povos africanos escravizados que para cá foram trazidos, indo além de uma questão de religião (OLIVEIRA, 2019).

Segundo Sales (2017, p. 5), algumas possíveis razões para o preconceito sofrido por pelas religiões de matrizes africanas estaria nas incorporações (transes) pelos médiuns, na entrega de oferendas para orixás e no trabalho com o orixá Exu.

Para Ariadne Oliveira (2017, p. 47), os episódios de intolerância religiosa mostram que as agressões não se limitam à religião. Mentir sobre a própria religião, esconder sua fé em ambiente de trabalho ou social temendo inferiorização ou associação negativa, ser expulsa de um ônibus por trajes religiosos ou a destruição de cinco terreiros de candomblé não seria apenas intolerância à religião, mas intolerância a própria raça, música, dança, culinária, artes e tudo o mais relacionado.

Expressões do tipo “chuta que é macumba”, olhares tortos por usar branco ou guias no pescoço, até apedrejamentos demonstram que o racismo religioso está presente no dia a dia (FERNANDES; ARAÚJO, 2019).

Para Clemir Fernandes, teólogo, pastor batista e pesquisador do Instituto de Estudos da Religião (ISER), do Rio de Janeiro, o que faz com que 2% de praticantes de religiões de matriz africana incomode 22% de evangélicos[12] é o fato destes 2% terem aparecido, ido a público para se manifestar, com suas indumentárias, gramática e ritos (OLIVEIRA, C., 2019). Sonia Maria Giacomini, professora do Departamento de Sociologia e Política da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro também identifica um movimento em busca de maior visibilidade, por seus direitos religiosos, para existirem enquanto religião (OLIVEIRA, C., 2019).

 

4 DADOS HISTÓRICOS SOBRE INTOLERÂNCIA OU RACISMO RELIGIOSO

 

Antes dos relatos de intolerância associados ao racismo, a cor da pele, há relatos de intolerância aos sem religião (GROSFOGUEL, 2012, p. 90). Quando os colonizadores chegaram ao que pensavam ser as Índias Ocidentais, o debate era se aqueles habitantes tinham ou não alma: “La pregunta sobre si los ‘indios’ tenían alma o no era ya una pregunta racista que remitía directamente en la época a la pregunta de si eran humanos o animales” (GROSFOGUEL, 2012, p. 90). O debate sobre religião era, na verdade, um debate econômico, de dominação colonialista: se os índios não têm alma, são animais e podem ser usados em processo de produção como escravos sem que isso seja pecado (GROSFOGUEL, 2012, p. 91).

Em 1552, como resultado do juízo da Escola de Salamanca, o Império decidiu que os índios não possuíam alma, eram bárbaros que deviam ser cristianizados e que seria pecado escravizá-los. Eles ainda eram forçados ao trabalho, mas não trabalho escravo, um trabalho forçado denominado de trabalho por encomenda. Também como resultado disto, o trabalho escravo passou a ser atribuído aos africanos, que eram classificados também como povos sem alma. Para Grosfoguel (2012, p. 92): “con la esclavización africana en las Américas el discurso racista religioso se transformó en discurso racista de color”. Para Fonseca e Adad (2016, 14), “o desenho da intolerância religiosa no Brasil colonial acompanha as questões comerciais e a valorização do europeu versus o indígena e o africano”.

No Brasil, os colonizadores/escravagistas não só aprisionavam e subjugavam as pessoas que vinham da África. Intentavam arrancar suas raízes, memória, ancestralidade, religiosidade, impedindo que se expressassem de forma livre. Neste movimento, no fim da escravidão, final do Século XIX, o preconceito, o racismo e a intolerância já haviam alcançado os contornos de hoje (OLIVEIRA, C., 2019).

Segundo Clemir Fernandes, a perseguição aos terreiros e adeptos das religiões de matrizes africana tem origem no catolicismo português, que resistiu à reforma protestante. No mesmo período já há a demonização destas religiões: “o outro, que não se sabia o que era, do que nem se queria aproximar, era o demônio” (OLIVEIRA, C., 2019). Esta posição é corroborada pela informação de que, antes mesmo da criação do direito nacional, que veio apenas com a Constituição Imperial de 1824, numa época em que as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas, de Portugal eram no Brasil aplicadas, já havia a criminalização da heresia, com penas corporais (título I), e a feitiçaria (título III), com a pena capital, ambos do Livro V das Ordenações Filipinas (VAZ, 2019).

Há casos em que o direito foi utilizado para ressaltar a voz da intolerância e, “nesse sentido, as religiões afro-brasileiras foram submetidas, ao longo da história, não apenas à marginalização social, mas também à repressão do Estado, por meio de seu aparato jurídico e policial” (VAZ, 2019). O Código Criminal de 1830, em consonância com a Constituição de 1824, “criminalizava, em seu artigo 276, a celebração pública, ou em casa ou edifício com forma exterior de templo, de cultos de outra religião, que não fosse a oficial do Estado”, com pena de dispersão do culto pelo juiz de paz, demolição da forma exterior do templo e multa imputada individualmente aos participantes das reuniões (VAZ, 2019).

Em 1832 havia a obrigação por decreto para a conversão dos escravos à religião católica (VAZ, 2019). Século XXVII, “o Código Penal de 1890 [...] tipificava [...] o espiritismo e o curandeirismo, diretamente associadas às religiões de matriz africana” (VAZ, 2019). A Constituição Republicana de 1891 trouxe o Estado Laico, com a separação entre Estado e Igreja e revogou a limitação aos cultos não católicos, consolidando a liberdade de crença e culto (VAZ, 2019).

Em 1912, em Alagoas, ocorreu o “Quebra” ou “Operação Xangô”. Os principais terreiros da capital foram destruídos, houve espancamento, em praça pública, de religiosos afro-brasileiros. O evento se espalhou pelo interior do Estado silenciando essas práticas religiosas, que passaram “a evitar o uso de tambores, danças e palmas em seus rituais e, por isso, tornaram-se conhecidas como xangô-rezado-baixo” (VAZ, 2019).

Em 6 de novembro de 1966, na Paraíba, foi publicada a Lei nº 3.443, que “[...] determinava que sacerdotes e sacerdotisas das religiões de matriz africana se submetessem a exame de sanidade mental, com emissão de laudo psiquiátrico” (VAZ, 2019).

Em 17 de outubro de 1969, a liberdade de crença foi erigida a norma constitucional pela Emenda Constitucional nº 1/69. Os cultos, contudo, deveriam observar à conformidade com a ordem pública e com os bons costumes, numa clara alusão às religiões afro-brasileiras (VAZ, 2019).

Na Bahia, a partir da Lei nº 3.097, de 1972 e até 1976, com o Decreto-Lei nº 25.095, os terreiros deveriam ser cadastrados nas delegacias de jogos e costumes. Durante este período, era “habitual a ostensiva repressão policial aos terreiros, com interrupção de atividades religiosas, prisão de filhos de santo e apreensão de objetos sagrados” (VAZ, 2019).

Em 1989, a Lei n° 7.716 definiu os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Denominada de Lei Caó, de autoria do ex-deputado Federal Carlos Alberto Caó de Oliveira (MOREIRA, 2020), tipificou como crime o racismo em suas variadas formas. Com a mudança trazida pela Lei n° 9.459/97, passou a incluir também como crime a intolerância religiosa. Apesar da tipificação, os casos são tipificados, em regra, como injúria racial.

Em 1988, a Constituição Federal, com Estado Laico, definiu, no artigo 5°, inciso V, a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.

Em 2003, a Lei nº 9.394, lei de diretrizes e bases da educação nacional, incluiu a obrigatoriedade do ensino sobre a História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional. Após dezesseis anos, ainda não foi implementada, em virtude, na visão de alguns estudiosos, da “branquitude”, herança da colonização (GIFE, 2018).

No final dos anos 1960, com o pentecostalismo e a Igreja Universal do Reino de Deus, surge “Edir Macedo, ex-umbandista, que se converteu e se casou nessa igreja”, pregando a libertação dos praticantes umbandistas. Segundo Clemir Fernandes, traços da Umbanda foram incorporados à Universal, a exemplo da campanha do pai das luzes, culto de descarrego (OLIVGEIRA, C., 2019). Em abril de 2018, a Rede Record, que pertence ao referido pastor, foi condenada por exibir conteúdo ofensivo às religiões de matrizes africanas (VELOSO, 2019).

Em 12 de outubro de 1995, um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), chutou a imagem de Nossa Senhora Aparecida, no dia da padroeira, se tornando, este ato, um símbolo da intolerância religiosa (ALCÂNTARA, 2021) (FIGUEIREDO, 2013, p. 11).

Em 27 de dezembro de 2007, a Lei nº 11.635 criou o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, celebrado no dia 21 de janeiro em homenagem à Mãe Gilda, a Iyalorixá Gildásia dos Santos, sacerdotisa do Ilê Axé Abassá de Ogum, em Salvador-BA, que faleceu nesta data, no ano de 2000, de enfarto, após sofrer sucessivos ataques de intolerância religiosa, de uma igreja neopentecostal, que veicularam na mídia uma reportagem com o título "Macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes (SALLES, 2017, p. 20-21).

Em 03 de junho de 2009 duas mulheres, que se diziam evangélicas da Igreja Pentecostal, destruíram seis peças sacras, incluindo quatro imagens históricas, de uma igreja matriz da cidade de São Miguel do Guamá, nordeste do Pará. As imagens foram trazidas de Roma e Portugal em 1758 (FIGUEIREDO, 2013, p. 11).

Ainda em 2009, no município de Macaé, Rio de Janeiro, uma professora umbandista foi impedida de usar uma obra da literatura brasileira, recomendada pelo Ministério da Educação (MEC), intitulada ‘Lendas de Exu’, de Adilson Martins, pela diretora da escola, evangélica. Após suspensão, a professora voltou a lecionar, mas foi proibida pelas mães evangélicas de dar aula sobre a África, sendo acusada de fazer magia negra, comercializar os órgãos das crianças e até de fazer apologia do diabo (FIGUEIREDO, 2013, p. 13-14).

Em 2014, incendiaram os automóveis de uma sacerdotisa de Umbanda e de seu filho, tiros foram disparados contra sua casa, contra ela própria e contra o barracão. Muitos se afastaram das atividades do terreiro por receio. Em 26 de junho de 2014, um incêndio criminoso destruiu todo o barracão da Casa do Criador, que a sacerdotisa coordenava em Duque de Caxias, Rio de Janeiro. Em todos os ataques foram feitos boletins de ocorrência, mas nenhum autor foi identificado (OLIVEIRA, C., 2019). Em 2015, Kaylane Campos, de apenas 12 anos, recebeu uma pedrada na cabeça por estar com vestimenta do Candomblé (SALLES, 2017, p. 21). No dia 27 de maio de 2019, em Alagoinhas, Bahia, um grupo de religiosos evangélicos foi para a porta do Ilê Asé Oyá L’adê Inan, um terreiro, batendo com bíblias no portão e gritando que “Satanás iria sair”.  A prefeitura de Alagoinhas divulgou nota de repúdio. Na Pedra de Xangô em Cajazeiras, local tombado pela prefeitura e que faz parte do antigo Quilombo do Tatu foram jogados 100 quilos de sal. Em agosto de 2019 (JANSEN, 2019), a cúpula de um grupo criminoso, que teria sido convertida em neopentecostal, invadiu o terreiro Ilê Axé de Bate Folha, em Duque de Caxias, quebrando imagens e oferendas e ameaçando de morte a mãe de santo. Em maio de 2022, no aniversário da cidade de Itaboraí, no Rio de Janeiro, um pastor se referiu aos praticantes das religiões de matrizes africanas como endemoniados, bradando para sua plateia de fiéis que os templos seriam fechados[13].

Em 2015 foram registradas 556 denúncias de intolerância religiosa, contra 149 denúncias em 2014, resultando num aumento de 273%, com uma média de 3 denúncias a cada 2 dias (SALLES, 2017, p. 4). Segundo CAPLER (2021), conforme certificações oficiais, a intolerância religiosa aumentou desde as eleições de 2018, agravada na pandemia da corona vírus (COVID-19), com ataques mais acirrados nos últimos 16 meses. Foram 245 denúncias em 2020 contra 211 em 2018, de atos discriminatórios contra umbandistas, candomblecistas e outros praticantes de expressões de fé de matriz africana (CAPLER, 2021).

Em 2019 mais da metade dos crimes foram cometidos contra pessoas e comunidades de religião afro. Em 2020, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), apenas no Rio de Janeiro, houve registro de mais de 1,3 mil crimes que podem estar ligados a intolerância religiosa. Em 2021, a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) contabilizou 571 denúncias de violação à liberdade de crença no Brasil (RODRIGUES, 2022). Um dos grandes problemas é que não há preocupação em acompanhar os desdobramentos e consequências dos casos ocorridos (FONSECA; ADAD, 2016, p. 35).

 

5 A TEORIA CRÍTICA SOCIAL DE HONNETH, A REGRA DO RECONHECIMENTO

 

As teorias sociais buscam identificar e explicar por que as relações sociais são como são, levando em conta as relações de poder e as estruturas e normas sociais. Elas estão num campo de estudo interdisciplinar, envolvendo a psicologia, o direito, a sociologia, a biologia, dentre tantas outras.

Sobre o tema teoria social, os três autores considerados mais conhecidos são Kant, Hegel e Marx (SOBOTTKA, 2013, p. 145). Em 1784, Kant publica um ensaio sobre o iluminismo, ou esclarecimento, definindo-o como a saída do homem da sua menoridade, a qual ele próprio é culpado, deixando de ser incapaz de fazer uso do entendimento sem que outrem oriente esse uso (KANT, 1784, p. 2). O esclarecimento seria a capacidade e vontade de cada qual para governar-se a si próprio, sendo um ato emancipatório, esta busca da maioridade, da autonomia (SOBOTTKA, 2013, p. 145). Para Kant, “a liberdade e o uso público da razão seriam então os meios para chegar ao livre autogoverno de cada um” (SOBOTTKA, 2013, p. 145), “a liberdade necessária para a formação pública da opinião não exclui a necessidade da obediência aos imperativos que a estrutura da organização social impõe” (SOBOTTKA, 2013, p. 145). E, “se discordar das obrigações ou leis vigentes, deve colocá-las publicamente em discussão – observando-as, no entanto, enquanto não forem revogadas” (SOBOTTKA, 2013, p. 145-246). Kant define uma espécie de pacto social: abandar o estado de natureza para o ingressar no estado civil, passando do estado de liberdade e igualdade da natureza, por consenso, a um Estado de direito. O direito nato de liberdade de todo homem permanece, porém, conjugado a um limite para possibilitar a sociedade civil (MESQUITA, 2014, 84-85). Somente com a coação da lei o homem racional e autônomo é capaz de numa coletividade sólida, que busca a plena paz social (MESQUITA, 2014, 90).

Marx, por sua vez, definiu os elementos fundamentais do capitalismo como um sistema econômico, definindo o homem como ser natural, social que se desenvolve através da luta de classes. Teve seu pensamento influenciado por Hegel pela concepção social como sistema de relações, pela interpretação unitária e dinâmica dos movimentos da história e pela visão do progresso como resultado do conflito de forças opostas (DONÁRIO, 2016, p. 3-4). As crises tornam o capitalismo mais fraco, mas o perpetuam com novas oportunidades de investimento e lucros e de concentração de capital (DONÁRIO, 2016, p. 31).

A teoria social do jovem Hegel, de Jena, estabelece uma luta social entre os homens, que Maquiavel e Hobbes empregaram, de forma independente um do outro, num contexto teórico totalmente alterado (HONNETH, 2003, p. 37). Maquiavel e Thomas Hobbes defendem a ideia de luta social pela autoconservação: o conflito é uma luta por poder ou autoconservação (HONNETH, 2003, p. 31) (MALMESBURY, 1651, p. 47). Para o jovem Hegel o conflito não é uma luta natural de indivíduos isolados uns dos outros por autoconservação ou aumento de poder. Ao invés da busca pela autoconservação há uma luta por reconhecimento perante as situações de desrespeito.

A teoria social crítica de Hegel tem como núcleo central o conflito decorrente do não reconhecimento individual e coletivo perante as situações de desrespeito (ARAÚJO NETO, 2011, p. 142). Segundo Sobottka (2013, p. 146), Hegel também coloca a liberdade como orientação central na vida social. Hegel retoma a discussão sobre a gênese dos conflitos sociais, definido um sistema de eticidade, considerando as esferas de reconhecimento amor, direito e Estado (HONNETH, 2003, p. 117-121). A autoconsciência, o autorrespeito e a autorrealização, definidas por três tipos de relação: as primárias, guiadas pelo amor, as jurídicas, pautadas por leis, e a esfera do trabalho, na qual os indivíduos poderiam mostrar-se valiosos para a coletividade (ARAÚJO NETO, 2011, p. 142). O amor seria a primeira etapa de reconhecimento recíproco de que são serem carentes e dependentes, um do outro. Denominada de eticidade natural, envolvendo a família. Amor indo além das relações sexuais, um “ser-si-mesmo em um outro”. São as relações primárias, mais fortes e entre poucas pessoas (HONNETH, 2003, p. 160). A segunda esfera da eticidade é a Sociedade civil, definida pelo Direito. A terceira esfera é o Estado, definido pela solidariedade.

Honneth concorda com a proposta de Hegel, reconhece a profundidade e fecundidade do projeto hegeliano de construção da teoria da intersubjetividade e, também, seus conceitos de reconhecimento e eticidade, mas discorda quanto a forma de execução, que ao final se distancia do empirismo e se aproxima do metafísico (ARAÚJO NETO, 2011, p. 146). Para Honneth, apesar de se aproximarem do empirismo e do concreto, as construções de Hegel partem, em grande parte, de condições de validade da certeza metafísica de fundo, sobre a razão. Esta reaproximação à metafísica e o consequente distanciamento do empirismo é a grande crítica de Honneth a Hegel. Na visão de Honneth, Hegel “[...] abandonou a meio caminho seu propósito original de reconstituir filosoficamente a construção de uma coletividade ética como uma sequência de etapas de uma luta por reconhecimento” (2003, p. 60).  Neste ponto, Honneth se socorre de George Herbert Mead, que, segundo ele, traduz a teoria hegeliana da intersubjetividade em uma linguagem teórica pós-metafísica (HONNETH, 2003, p. 123), usando os meios mais apropriados para reconstruir as intuições da teoria da intersubjetividade do jovem Hegel num quadro teórico pós-metafísico” (HONNETH, 2003, p. 125). Honneth (2003, p. 155) aponta que, “com a inclusão da psicologia social de Mead, a ideia que o jovem Hegel traçou em seus escritos de Jena[14], com rudimentos geniais, pode se tornar o fio condutor de uma teoria social de teor normativo”. Honneth identifica traços de similaridade entre Hegel e Mead, uma vez que este “também procura fazer da luta por reconhecimento o ponto referencial de urna construção teórica que deve explicar a evolução moral da sociedade” (2003, p. 125). Honneth identifica em Mead três tipos de relação: as primárias (guiadas pelo amor), as jurídicas (pautadas por leis) e a esfera do trabalho (na qual os indivíduos poderiam mostrar-se valiosos para a coletividade) (ARAÚJO NETO, 2011, p. 142).

Segundo Honneth (2003, p. 130), a partir dos processos ontogênicos e de seu discernimento sobre a teoria da comunicação, Mead aborda a capacidade de um sujeito suscitar em si o significado que sua própria ação tem no outro, a autoconsciência. Uma criança aprender o bom e o mau pela reação de suas pais às suas ações (HONNETH, 2003, p. 130). Esta percepção da reação da própria ação em outrem é, segundo Honneth (2003, p. 131), o primeiro passo para uma fundamentação naturalista da teoria do reconhecimento de Hegel.

Para Mead, a atividade lúdica infantil é dividida em duas fazes: dos papéis ou play (a criança imita os pais) e competição ou game (todos os papéis dos parceiros para perceber seu próprio papel no jogo). Nesta segunda etapa surgem as normas sociais de ação de um outro generalizado, a base do processo de socialização do ser humano como um todo (HONNETH, 2003, p. 134-135). A criança aprende a negociar, e percebe que sua vontade não é a única que existe. Neste ponto o indivíduo desenvolve sua identidade completa, sendo aceito (reconhecimento) como membro da sua coletividade, aprendendo suas obrigações e direitos, podendo exigi-los e devendo obedecê-los (HONNETH, 2003, p. 135-136). Aqui estamos na esfera do autorrespeito, na qual, tanto para Mead quanto para Hegel, há um “outro generalizado” reconhecido como portador de direitos (HONNETH, 2003, p. 179). Segundo Honneth, todo homem possui direitos quando reconhecido socialmente pela coletividade e a observação destes direitos pode ser reclamada em casos normais, apelando a seu cumprimento ao poder de uma autoridade (HONNETH, 2003, p. 179). Segundo Honneth, “o autorrespeito é para a relação jurídica o que a autoconfiança era para a relação amorosa” (HONNETH, 2003, p. 194).

O passo seguinte ao autorrespeito é o desenvolvimento das capacidades e propriedades reconhecidas pelo parceiro de interação. O autorrespeito só se torna integral quando se identifica a contribuição positiva que o indivíduo traz para a coletividade, encontrada através de uma divisão funcional do trabalho (HONNETH, 2003, p. 150-151), na esfera da autorrealização, na pesquisa de Hegel, ou eticidade da rela.

O que é chamado por Mead de autorrealização ou divisão democrática do trabalho, é o que Hegel denomina de Estado ou solidariedade, que se cristaliza quando o amor, sob a pressão cognitiva do direito, se purifica, constituindo-se numa solidariedade universal entre os membros, com o respeito ao outro criando uma forma mais exigente de reconhecimento recíproco (HONNETH, 2003, p. 154). Há um padrão organizacional de estima social (HONNETH, 2003, p. 208), organizada em estamentos, com relações simétricas por dentro, mas assimétricas por fora. Ou seja, entre os membros estamentais os grupos determinados por status podem se estimar mutuamente (HONNETH, 2003, p. 202-203). Segundo Honneth, o mecanismo da estima simétrica pode explicar um interesse coletivo que pode criar relações espontâneas de interesse solidário até mesmo em guerras, grandes fardos ou privações (HONNETH, 2003, p. 209-210). Estas relações são ditas “solidárias” porque, além de despertar a tolerância para com a particularidade individual da outra pessoa, estima simétrica, também desperta interesse afetivo por essa particularidade.

Hegel defende as lutas moralmente motivadas de grupos sociais como as promotoras a transformação normativamente ferida das sociedades (HONNETH, 2003, p. 156). Mead também coloca a luta por reconhecimento na esfera jurídica como mola propulsora das transformações sociais (HONNETH, 2003, p. 194).

Além disso, ambos intensificam a ênfase na intersubjetivista (ARAÚJO NETO, 2011, p. 142). Honneth, seguindo o entendimento da tripartição das formas de reconhecimento recíproco, tanto em Hegel quanto em Mead, defende três formas de reconhecimento, distintas pelo grau de autonomia que o sujeito possui e decisivas para a integração e a reprodução social: dedicação emotiva (amor, família e amizades), respeito cognitivo(direito) e solidariedade (alterada depois para Leistung - contribuição social ou estima social) (HONNETH, 2003, p. 24). Com o reconhecimento do amor o indivíduo desenvolve autoconfiança, do direito, o autorrespeito, e da solidariedade, a autoestima (SOBOTTKA, 2013, p. 156). Para formar sua identidade pessoal sadia e atingir sua autonomia, o indivíduo precisa experimentar cada esfera correspondente de reconhecimento, o que não resulta de uma generosidade generalizada, mas de processos de luta pela negação deste reconhecimento (SOBOTTKA, 2013, p. 156).Com base nisso, Honneth (2003, p. 30), também defende que a luta dos sujeitos por reconhecimento recíproco da sua identidade provoca uma pressão interna na sociedade para o estabelecimento prático e político de garantias à liberdade.

Com isso, Honneth cria sua própria teoria crítica social com teor normativo, a partir de um conceito de luta motivada por sentimentos morais de injustiça, apoiado na teoria do reconhecimento do jovem Hegel, confrontada com empirismo da psicologia social de Mead, defendendo que a luta por reconhecimento como motivadora das transformações sociais. Para Peñafiel (2017, p. 305-306), el reconocimiento intersubjetivo es el acto de expresar que el otro tiene un valor para mí, porque la otra persona es fuente de valores y derechos”.

Para Araújo Neto (2011, p. 143) o trabalho realizado por Honneth traz uma atualização dos argumentos de Hegel e de Mead, extraindo deles três princípios integradores: as ligações emotivas fortes, concretizadas pelo amor, fundamental para a estruturação da personalidade do sujeito; a adjudicação de direitos, pautada pelos princípios morais universalistas construídos na modernidade, com interesses universais de todos os membros da sociedade, sem privilégios ou gradações; e, por fim, a orientação por valores, pela solidariedade, que propicia algo além de um respeito universal, uma estima social, uma valorização na sociedade.

Contudo, Honneth observa que nem em Hegel nem em Mead há um tratamento sistemático aos tipos de desrespeito relativos as formas de reconhecimento (HONNETH, 2003, p. 157), que podem influir no surgimento de conflitos sociais como motivadores de ação (HONNETH, 2003, p. 24). As recusas, como ofensa ou rebaixamento, podem abranger graus diversos de profundidade na lesão psíquica de um sujeito (HONNETH, 2003, p. 202-211). Para a esfera da dedicação emotiva, os ataques são à integridade física, na forma de maus-tratos corporais e violação, que destroem a autoconfiança elementar de uma pessoa. Para a esfera do respeito cognitivo, são privação de direitos ou sua exclusão no interior de uma sociedade (HONNETH, 2003, p. 216). Para a esfera da estima social, pela degradação ou ofensa à honra, à dignidade. A contribuição individual é menosprezada ou a dignidade pessoal é negada a ponto de que o indivíduo ou todo o grupo a que pertence não possa desenvolver uma estima positiva de si mesmo (HONNETH, 2003, p. 211).

Honneth não identifica, em Hegel ou Mead, como o não reconhecimento motiva a luta, não respondendo “como a experiência de desrespeito está ancorada nas vivências afetivas dos sujeitos humanos, de modo que possa dar, no plano motivacional, o impulso para a resistência social e para o conflito, mais precisamente, para urna luta por reconhecimento?” (HONNETH, 2003, p. 214). Falta o ele psíquico entre sofrimento e ação, que poderia ser, segundo o autor, pelas reações emocionais negativas como a vergonha, a ira, a vexação ou o desprezo (HONNETH, 2003, p. 220). No pensamento de Honneth, “se por um lado, o rebaixamento e a humilhação ameaçam identidades, por outro, eles estão na própria base da constituição de lutas por reconhecimento” (ARAÚJO NETO, 2011. P. 143). Assim, segundo Honneth, es posible constatar históricamente sucesivas luchas por el reco­nocimiento que, sobre la base de relaciones intersubjetivas de reconocimiento recíproco, actúan como motores de las sociedades” (Peñafiel, 2017, p. 305). 

 

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Nossa breve reflexão acerca da intolerância religiosa tendo como norte a regra do reconhecimento ancorada na teoria social de Honneth acerca dos conflitos que envolvem os indivíduos praticante de diferentes credos, pois é um problema antigo e que cresce assustadoramente nos dias atuais, inclusive incentivados por algumas vertentes do chamado neopentecostalismo pautados não só por problemas raciais, mas também pela questão do preconceito generalizado, da intolerância ideológica, que demonstra cada vez mais a falta de zelo pela dignidade da pessoa humana.

            O sentimento xenófobo só aumenta com relação aos indivíduos praticantes das religiões de matrizes africanas e isso continua sendo um dos um dos grandes desafios da contemporaneidade. No Brasil se tronou comum que religiões preguem o ódio, com caso que vão desde o linchamento, até outros de violência extrema como os neste estudo relatados. Grupos neopentecostais direcionam ataques contra religiões de matrizes africadas. A situação é alarmante quando levamos em conta que, no Congresso Nacional temos o total de 105 deputados e de 15 senadores que fazem parte da “bancada evangélica”, o que equivale a 20% do Congresso[15].

Não obstante o discurso político da defesa da família e dos bons costumes, as grandes correntes protestantes estão sempre inclinadas à reprodução de formas que priorizam o seu “Deus” e sua dominação com forma de instrumentalização das relações humanas. O enfrentamento do problema causado pela intolerância se mostra imprescindível para entender o modo como a sociedade no capitalismo tardio se desdobra em momentos de crises sociais e, também, como a democracia é capaz de lidar com tais situações extremas passadas por cidadãos e cidadãs de várias correntes religiosas.

Nos casos de intolerância entre religiões, entendemos que o não reconhecimento do outro gera esforços proselitistas, de imposição religiosa, até com o auxílio de violência, facilitando a impunidade pelas agressões e numa perspectiva da luta dos sujeitos por um reconhecimento recíproco, a teoria de Honneth deixa claro ser possível se estabelecer um padrão mínimo de racionalidade para se permitir a formação de sua identidade o que gera uma pressão interna na sociedade para o estabelecimento prático e político de garantias à liberdade, possibilitando a formação de relações éticas, em que tem como ponto central o medo e a intolerância.

Com isso, Honneth cria sua própria teoria crítica social com teor normativo, a partir de um conceito de luta motivada por sentimentos morais de injustiça, apoiado na teoria do reconhecimento do jovem Hegel, confrontada com empirismo da psicologia social de Mead, defendendo que a luta por reconhecimento como motivadora das transformações sociais. Para Peñafiel (2017, p. 305-306),

 

A racionalidade da teoria de Honneth se mostra como uma grande possibilidade para ser aplicada nessa nova razão moderna pautada no medo e na intolerância e fica evidente diante de práticas que buscam negação ao reconhecimento da cultura, da religião destes grupos agredidos, muitas vezes utilizada como propaganda para atrair novos adeptos, demonizando e denegrindo as demais práticas religiosas.

 

Pois é nesse ambiente, que a espécie humana transita entre o meio natural e orgânico entre o meio social e da cultura, que é ambiente próprio para as ameaças para o desenvolvimento humano e que deve existir o fio condutor capaz de conduzir ao entendimento e ao respeito mútuo. Sobretudo, numa realidade em que o discurso político está centrado em técnicas de desinformação e dominações estratégicas. Logo, é imprescindível a utilização da hermenêutica numa visão pautada em Honneth como uma dimensão para interpretar a aceitação do outro, possibilitando que os indivíduos descubram a dinâmica dos sentidos que ali atuam.

Por outro lado, presenciarmos rituais de celebração do Candomblé nas ruas. E de forma surpreendente e animadora, a aceitação do público, batendo palmas e apreciando o ritual, numa nítida manifestação de curiosidade e respeito, serve de exemplo para aproximação e desmistificação, com algum reconhecimento e respeito.

O postulado da teoria crítica social ao analisar as três vertentes das interações humanas: as primárias (guiadas pelo amor), as jurídicas (pautadas por leis) e a esfera do trabalho (na qual os indivíduos poderiam mostrar-se valiosos para a coletividade) é fundamental para compreender estas percepções atuais, pois sua teoria é considerada uma teoria que analisa os vértices basilares da sociedade e do mundo da vida.

Contra qualquer tipo de racismo, e como viabilizador do reconhecimento, a principal arma é a educação, que começa na primeira esfera ou dimensão defendida por Honneth, na família e nos grupos sociais primários, como amigos e escola, informando e orientando. A seguir, cabe também dar atenção ao que Honneth defende como segunda esfera ou dimensão, com diálogos e instrumentos institucionais a favor da solução destes conflitos, especificamente, com o Estado impedindo que grupos religiosos rivais possam usar a ferramenta racistas em proveito próprio. Por fim, tendo em conta a terceira esfera ou dimensão defendida por Honneth, havemos de reconhecer cada vez mais a contribuição trazida pelos povos sequestrados da África como escravos, na culinária, música, dança, idioma e religião, e festejar este grande legado.  Axé!!!

 

REFERÊNCIAS

 

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CAPÍTULO XIV

 

 

 

 

 

 

 

 

 


INEFICÁCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ASSISTÊNCIAFARMACÊUTICA NO BRASIL, A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE COM  POLÍTICA PÚBLICA

 

Anderson de Alencar Menezes

Antonio Tancredo Pinheiro da Silva

                                         Clarissa Maria Cavalcante Silva[x]

Edmilson Pinto Ribeiro[xi]

Tiago Mesquita Duarte da Rocha[xii]

 

1 INTRODUÇÃO

 

Iniciativas políticas e jurídicas voltadas à articulação sobre a política pública de assistência farmacêutica, judicialização da saúde, orientações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF) de modo a estabelecer diretrizes para as ações de saúde têm assumido centralidade como objetos de investigação no desenvolvimento das políticas públicas de medicamentos no Brasil. As décadas de 80 e 90, especialmente após o processo de institucionalização do Sistema Único de Saúde (SUS) a partir da Constituição Federal de 1988, permitiu discutir sobre a necessária segurança, eficácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais.

Embora esse campo de estudo abranja uma ampla gama de iniciativas normativas, muitos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) enfrentam as consequências negativas do descompasso entre o SUS previsto na Constituição de 1988 e a realidade da prática institucional. Nesse contexto, a judicialização da saúde se apresenta aos cidadãos como alternativa legítima e democrática de concretização de direitos fundamentais e acesso à saúde. Como consequência, há que se falar na relevante atuação institucional da Defensoria Pública em prol do acesso à saúde dos cidadãos das classes populares. Parte-se da compreensão de que o acesso à justiça é especialmente necessário à parcela menos favorecida da população, que convive com dificuldades de obter serviços de saúde básicos. Logo, o atendimento às demandas dessa parcela da população tem o potencial de garantir efetiva cidadania ao tempo em que colabora para a adequada estruturação da saúde pública.

O exame desses desafios impostos à efetivação da assistência farmacêutica e ao direito à saúde terá como pano de fundo metodológico, a partir das concepções da razão comunicativa proposta por Jürgen Habermas, a análise da atuação da Defensoria Pública frente aos casos de judicialização.

As estruturas jurídicas consolidadas com a formação do Estado Democrático de Direito correspondem a um tipo de sistema social que abre espaços institucionalizados para a participação comunicativa dos indivíduos, com base na autonomia e garantia da liberdade subjetiva. Tais espaços possibilitam o questionamento, a proposta de sugestões e críticas que podem resultar na reformulação das normas vigentes, além da argumentação em favor do estabelecimento de novas normas para a orientação da ação humana em sociedade.

Considerando esse cenário, o objetivo do presente artigo é empreender uma análise acerca da (i)eficácia das políticas públicas de assistência farmacêutica no brasil, a judicialização da saúde como política pública e o empenho da Defensoria Pública apto a garantir o direito de acesso à justiça a partir da teoria discursiva do Direito Habermasiano.

O presente o artigo se divide em três tópicos centrais, nos quais desenvolve-se, inicialmente, uma breve revisão da literatura Habermasiana, com o intuito de se ressaltar a compreensão de fatores relacionados as mudanças estruturais do Estado Democrático de Direito. Após, a abordagem, discute a organização do sistema de saúde brasileiro e, com maior ênfase, a política de assistência farmacêutica. Além disso, busca-se avaliar a narrativa crítica construída pelos estudos acadêmicos acerca da judicialização da saúde, bem como, afirmar o papel da Defensoria Pública como importante garantidor do direito de acesso à justiça, onde se evidencia a prática da razão comunicativa.

 

2 SITUANDO A TEORIA DA AÇÃO COMUNICATIVA DE HABERMAS

 

A teoria da ação comunicativa de Habermas apresenta uma concepção ético-normativa que oferece subsídios conceituais para uma reflexão acerca da efetivação do direito de acesso à saúde e à justiça. Formulando uma concepção ética com base na teoria do discurso, Habermas (1997b) sugere que a razão prática kantiana seja substituída pela razão comunicativa.

Por intermédio da razão comunicativa torna-se possível o entendimento mútuo entre participantes capazes de estabelecer um diálogo, coordenando a ação humana em sociedade. “O conceito ‘agir comunicativo’ [...] leva em conta o entendimento lingüístico como mecanismo de coordenação da ação [...]” (HABERMAS, 1997b, p. 35). Os indivíduos compreendidos como atores/atrizes que reivindicam a criação de normas para a orientação da ação pretendem que seus argumentos sirvam “para a construção e a manutenção de ordens sociais: pois estas se mantêm no modo do reconhecimento de pretensões de validade normativa” (HABERMAS, 1997b, p. 35).

A teoria da ação comunicativa desenvolvida por Habermas é a base de uma concepção sobre a ética fundamentada no diálogo e no acesso à justiça. Habermas propõe uma ética discursiva, a qual envolve discussões acerca das normas jurídicas, das sanções e dos valores culturais, concebendo uma teoria da razão comunicativa. Desse modo, a teoria de racionalidade comunicativa propicia uma reflexão sobre valores e normas jurídicas vigentes na sociedade a partir de um enfoque interdisciplinar ao conciliar concepções teóricas da Sociologia, da Psicologia, da Filosofia e do Direito.

Habermas (2002a, p. 43-44) defende “a orientação para a verdade”, entendida a partir da ideia de “processos de justificação fundamentalmente falíveis” que definem “a aceitabilidade racional” ao invés da verdade de sentenças assertivas. Assim, a comunidade científica não é entendida como a única instância capacitada para estabelecer a verdade, tendo em vista que a construção da verdade depende de processos argumentativos de justificação. A razão com base no agir comunicativo possibilita o alcance da intersubjetividade através de negociações e do entendimento mútuo entre indivíduos capazes de defender discursos racionais por meio de processos argumentativos.

Nesta perspectiva, o agir comunicativo se distancia da razão prática kantiana, ao destacar o papel central dos sujeitos agentes e a capacidade argumentativa deles para se entenderem, justificando argumentos e apresentando justificativas para reavaliação do sistema normativo. Desse modo, há a possibilidade de legitimação do direito.

 

O agir comunicativo coloca em jogo um espectro mais claro dos fundamentos — fundamentos epistêmicos para a verdade das asserções, pontos de vista éticos para a autenticidade de uma escolha de vida, indicadores para a sinceridade das declarações, experiências estéticas, explicações narrativas, padrões de valores culturais, exigências de direitos, convenções.

A imputabilidade não se limita apenas aos critérios da moralidade e da racionalidade objetiva (com respeito a fins). É muitas vezes somente objeto da razão prática, porém consiste universalmente na capacidade de um ator de orientar seu agir por exigências de validez (HABERMAS, 2002a, p. 49).

 

Logo, a razão comunicativa oferece subsídios para orientar os processos argumentativos de validação da normatividade entendida como “orientação obrigatória do agir” (HABERMAS, 1997b, p. 21).

 

3 A ORGANIZAÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA DE ASSISTÊNCIA FARMACÊUTICA NO SISTEMA DE SAÚDE BRASILEIRO

 

As políticas públicas farmacêuticas surgiram no Brasil entre as décadas 80 e 90, especialmente após o processo de institucionalização do SUS a partir da Constituição Federal de 1988, inaugurando a formulação de uma política de medicamentos voltada para a universalização e integralidade da assistência. Porém é importante salientar que a CEME ( Central de Medicamentos) criada em 1971, nasceu da preocupação do Estado em relação ao acesso ao medicamento pelos estratos da população de reduzido poder aquisitivo. Nesse contexto, a ideia é importante, pois visa a prevenção do agravamento do estado de saúde do cidadão acometido por alguma enfermidade, evitando assim a superlotação dos hospitais públicos e maiores gastos do Estado no tratamento dos casos graves.

O primeiro documento norteador da política de medicamentos após a criação do SUS foi a Política Nacional de Medicamentos (PNM), por meio da portaria ministerial n⁰ 3.916 de 1998 com o objetivo de “garantir a necessária segurança, eficácia e qualidade destes produtos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais”. Outro importante passo foi a criação do Departamento de Assistência Farmacêutica (DAF) em 2003, com a atribuição de formular e implementar a PNM. Como parte desse trabalho, realizou-se a I Conferência Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, a partir da qual aprovou-se em 2004 através da Resolução n. 338, a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF).

Embora a adoção de diferentes mecanismos para melhorar o acesso e a gestão da assistência farmacêutica, ainda ocorre descontinuidade no abastecimento público, o que pode ser atribuído, em parte, ao fato de não englobar todo o elenco definido no RENAME. Como consequência, a população tem utilizado de forma crescente a via judicial como um recurso para obter os medicamentos de que necessita, seja pela falha na dispensação de medicamentos registrados, seja para buscar produtos novos sem eficácia comprovada ou não recomendados pelos protocolos terapêuticos do SUS, provocando elevados gastos e desperdício de recursos.

Aqueles que mais sofrem com a exclusão no acesso e a precarização do sistema público, é exatamente para eles que a judicialização — tornada possível pela atuação da Defensoria Pública — se apresenta como instrumento mais precioso para o acesso à saúde (SANT’ANA, 2018).  A Defensoria Pública zela pelo direito à obtenção de ações, produtos e serviços para a garantia da promoção, proteção e recuperação à saúde, tais como medicamentos, leitos de internação cirúrgica e de UTIs, cirurgias (urgentes ou eletivas), consultas com especialistas, exames e procedimentos, dentre outros.

Os desafios no acesso à saúde têm acarretado aos cidadãos a buscar no acesso à Justiça nova postura de agir e, assim, cobrar do Estado responsabilidade com o direito à saúde. Tal prática incide no Sistema de Justiça, especialmente na atuação da Defensoria Pública. Nesse sentido, a Defensoria Pública tem permitido inserir no Sistema de Justiça as demandas por saúde dos cidadãos das classes populares, bem como, contribuído para o aperfeiçoamento das políticas públicas de saúde com base em sua atuação essencial, integral e gratuita no contexto do acesso à saúde.

Analisando a lei 11.347 de 27 de setembro de 2006 sobre a distribuição de medicamentos e insumos para o controle do diabetes é fato o que discorre o artigo 1⁰: "os portadores de diabetes receberão, gratuitamente, do SUS - Sistema Único de Saúde, os medicamentos necessários para o tratamento de sua condição e os materiais necessários a sua aplicação e a monitoração da glicemia capilar". Porém Constatamos que a portaria ministerial da saúden⁰ 2.583  datada de 10 de outubro de 2007 em seu artigo 1⁰, II contrapõe-se a lei, pois dispõe os insumos do controle da glicemia apenas para quem faz o uso de insulina, ou seja, os insulinos dependentes.

Desse modo, o desafio de quem se sente prejudicado é judicializar a aquisição por meio da Defensoria Pública, uma vez que há controvérsia entre a lei e a portaria. E o fato mais controverso ainda é entender como uma portaria se sobrepõe a uma lei. Concluímos que, o Estado dar com uma mã[16]o e tira com a outra, utilizando uma linguagem do senso comum.

 

4 A ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA E A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE COMO INSTRUMENTO DE ESTRUTURAÇÃO DO SUS

 

Dentro do jogo de forças que conformam os debates acerca da judicialização da saúde, é inegável que a repercussão desse fenômeno alcançou em âmbito político e institucional numerosas reflexões e pesquisas acadêmicas, capazes de influenciar iniciativas institucionais e a atividade adjudicativa. Nesse sentido, revela-se de suma importância, entender os principais argumentos e posicionamentos presentes na produção acadêmica, suas limitações e quais contribuições podem oferecer.

Tem-se observado uma tendência acadêmica firme na ideia de que o fenômeno da judicialização da saúde pode incorrer em prejuízos, os quais, segundo Miriam Ventura et al. identificou em 2010 dentre os efeitos negativos: o comprometimento da governabilidade e da gestão da saúde e o aprofundamento de iniquidades de acesso, em razão do privilégio obtido por segmentos e indivíduos com maior poder de reivindicação.

De outro lado, tal enfoque é desconstruído por outros pesquisadores que entendem nas deficiências ou insuficiências do SUS uma condição que justifica a judicialização. Por conseguinte, observa-se que o aumento da atuação do sistema de justiça, mesmo que atinja a gestão, ao menos em parte era consequência das deficiências da própria administração pública[17].

Apesar da corrente que rejeita a importância do acesso à justiça como forma de demandar a concretização de direitos afirmando ser a judicialização e o protagonismo do Poder Judiciário como excesso e descabido, há evidente esforço de pesquisadores que visualizam a judicialização como instrumento apto a efetivar o acesso aos bens e serviços de saúde, inclusive, positivo para o SUS, e principalmente para os seus usuários que resistem a serem “estratificados para fora da existência”[18]. Neste contexto, Telma Menicucci, José Machado e Luís Roberto Barroso, reconhecem o acesso à justiça, em especial, as demandas coletivas, como uma possibilidade de a judicialização ter efeito positivo sobre a implementação de políticas públicas[19], de modo a promover a alteração e a atualização das políticas públicas de assistência farmacêutica[20].

Ademais, ainda quanto ao conjunto de pesquisas acadêmicas existentes que afirmam ser a judicialização da saúde uma ferramenta elitista, percebem-se equivocadas haja vista serem fundamentadas por bases empíricas ou argumentos ideológicos com limitada cobertura geográfica ou exame de poucas variáveis, portanto, muito reduzidas[21].

Ao analisar as alegações de Vieira e Benevides que apontam que o aumento da judicialização contribui para o “desequilíbrio ainda maior na distribuição da oferta de bens e serviços entre os grupos sociais, em desfavor da parcela mais vulnerável da população”[22] e de Dutra e Campos, que por sua vez, afirmam que a judicialização reforça a lógica de “concentração do acesso a serviços de saúde nas mãos dos que já possuem acesso privilegiado à justiça [...]”[23], verifica-se que tais ilações a respeito da suposta iniquidade da judicialização da saúde no Brasil resumem-se a dados colhidos apenas no município de São Paulo entre os anos de 2006 e 2009.

Revela-se como contraditório e injusto realizar uma pesquisa a nível nacional, baseando-se apenas no Munícipio de São Paulo. Além disso, há ainda uma outra questão a ser destacada: a Defensoria Pública só foi instituída em São Paulo no ano de 2006, ou seja, nos anos que serviram de base para os estudos, a instituição ou não existia ou ainda estava se estruturando.

Uma investigação de Ana Messeder et al. avaliou demandas judiciais por acesso a medicamentos no estado do Rio de Janeiro entre os anos de 1991 e 2001, mesmo naquele momento, mais da metade dos demandantes (53,5%) eram assistidos pela Defensoria Pública estadual; além desse número, outros 6,7% por escritórios-modelos; e apenas 20,3% dos litigantes eram representados por advogados particulares[24]. Já uma outra pesquisa realizada por Barreto et al. em municípios do estado da Bahia, entre 2006 e 2010, aponta que, em 57% das ações, o requerente foi patrocinado pela Defensoria Pública ou até pelo Ministério Público[25].

Os dados mais expressivos são aqueles obtidos em estudos sobre o perfil das demandas no Distrito Federal. Janaína Penalva, ao analisar demandas que tramitaram entre 2005 e 2010, identificou que “praticamente todos os processos (95,06%) no Distrito Federal foram conduzidos pela Defensoria Pública, o que permite presumir a hipossuficiência dos recursos”[26].

Demais disso, a narrativa crítica à judicialização da saúde também passa despercebido que são comuns os litígios para obtenção de serviços de saúde disponíveis, porém, seu acesso demanda longa espera por atendimento o que pode, inclusive, implicar diagnóstico tardio ou perda da oportunidade de tratamento. Esse aspecto da judicialização da saúde, contudo, carece da atenção dos estudos acadêmicos. O perfil de atuação da Defensoria Pública aponta que muitas das reinvindicações dos cidadãos dizem respeito ao acesso a serviços, tratamentos e medicamentos previstos nas políticas públicas[27].

O detalhamento dos contextos locais permite identificar que as falhas na oferta dos serviços previstos nas políticas públicas geram perfil de demandas muito plural, com destaque para dificuldade de acesso até a consultas, o mais básico dos serviços. Além disso, há acentuada judicialização para acesso a medicamentos que, apesar de padronizados para uso no SUS, não são fornecidos aos pacientes. Em suma, mesmo nas demandas por acesso à assistência farmacêutica, uma parte relevante das demandas busca, apenas, o cumprimento do que está estabelecido nas políticas públicas do SUS[28].

Nessa perspectiva, conclui-se que a tese da judicialização pelas elites é um mito propugnado pelo nível político da gestão do SUS e, equivocadamente, ratificado por parte da academia, inclusive em âmbito internacional. Em verdade, a “elitização” não nada tem a ver com a judicialização da saúde no Brasil, pois trata-se de um instrumento à disposição de todas as classes sociais, e notadamente aos indivíduos e grupos das classes populares, principais excluídos no acesso e vítimas da precarização do sistema público. É exatamente para eles que a judicialização tornada possível pela atuação da Defensoria Pública — se apresenta como instrumento mais precioso para o acesso à saúde.

 

5 CONCLUSÃO

 

Podemos dizer que, é importante nesse viés em termos de legislação fazer referência a lei n⁰ 10.742/2003, que regula o setor farmacêutico de um modo amplo, no sentido de tornar os medicamentos, principalmente aqueles de uso contínuo mais acessível para a população com poder de compra reduzido. Essa tentativa do Estado norteia os agentes públicos/privados a se enquadrarem nos aspectos qualitativo e quantitativo das drogas utilizadas como fármacos pelos cidadãos.

Do ponto de vista aplicado podemos citar também a lei 11.347/2006, essa uma lei específica que garante ao portador do diabetes acesso a medicamentos e insumos para o controle da glicemia, uma política pública muito importante por se tratar de uma doença silenciosa e que no seu estágio avançado pode causar muitos males a saúde em geral do Cidadão.

Quando o assunto é jurisprudência, é comum observar o julgado 793 do STF sobre a responsabilidade solidária tocante a União, Estados, Municípios e Distrito Federal. É comum o judiciário ao julgar uma ação se referir ao mesmo para decidir sobre o Direito do Autor em ter ou não ter acesso ao medicamento negado pelo ente federativo, mesmo que esse medicamento não esteja na relação imposta pelo Ministério da Saúde.

Em termos de Direito Comparado é possível mencionar que tal política pública sobre a distribuição de medicamentos para população com poder de compra reduzido é implantada em outros países e as dificuldades na sua implementação praticamente são comuns, visto versarem sobre:

1)     falta de verbas para custear a aquisição;

2)     pouca pesquisa para diminuir custos de fabricação.

3)     Outras políticas associadas ao acesso, principalmente de informação e comunicação.

É preciso discutir muito mais em termos de Política Pública de acesso a Saúde como forma de garantir os acessos ao Cidadão, principalmente aqueles que não podem arcar com os custos do próprio bolso. Essa visão macro fará com que os casos de litígio sejam cada vez maus menos frequentes a partir do momento que o Estado cumpre o seu papel

 

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CAPÍTULO XV

 

 

 

 

 

 

 

 

 


ESTELIONATO CULTURAL OS EFEITOS DA INDÚSTRIA CULTURAL E A AÇÃO COMUNICATIVA NOS CURSOS DE DIREITO EM ALAGOAS

 

Gabriel Soares de Azevedo Filho[xiii]

Ana Carolina de Araújo Azevedo[xiv]

Anderson de Alencar Menezes

 

1 INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho foi inspirado ao observar um número expressivo de Bacharéis em Direito que não conseguem aprovação no Exame Unificado da Ordem dos Advogados do Brasil - EUOAB. Percebemos que muitos prestam o Exame várias vezes até conseguir passar, outros chegam a desistir de continuar prestando o EUOAB. Justifica-se também esta pesquisa o fato de estar cursando o sexto período do Curso de Direito.

Diante do exposto foi suscitado o seguinte problema: o que tem causado o insucesso de muitos estudantes recém-formados em Direito no Exame da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB? Até onde as políticas Públicas de Educação podem contribuir para minimizar esse trauma na vida dos candidatos ao título de Advogado no Brasil e especialmente em Alagoas? Isso porque o Estatuto da OAB diz que o Advogado não é o Bacharel em Direito. Advogado é aquele que aprovado no Exame se inscreve na OAB. “Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ”. (BRASIL 2022). O Estatuto é claro: somente os inscritos são advogados. Ninguém se inscreve na Ordem se não for aprovado no Exame.

Percebemos que no Estado de Alagoas é crescente o número de instituições de Ensino Superior que tem como propósito a formação de Bacharéis em Direito. Estes teoricamente serão os futuros Advogados. Inspirado no título: ESTELIONATO CULTURAL: os efeitos da indústria cultural e a ação comunicativa nos cursos de Direito em Alagoas, a nossa pesquisa pretende se debruçar nesse crescimento para verificar até onde este avanço tem comprometido o êxito dos candidatos ao título de Advogado, quando vão realizar o Exame da Ordem. Pretendemos verificar até onde a indústria cultural tem contribuído com o crescimento do número de Faculdades de Direito e com o insucesso dos candidatos no Exame da OAB.  Esta pesquisa tem a intenção de constatar uma possível prática de estelionato cultural nas Faculdades de Direito em Alagoas. No percurso da pesquisa esperamos entender quais são as ações do Governo Federal por meio das políticas públicas para autorizar o funcionamento das Faculdades de Direito.

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica documental. Para dar conta da pesquisa lançaremos mão em autores que contribuirão com o desenvolvimento teórico do nosso trabalho.  Entre eles destacamos: Adorno, Bakhtin, Bitencourt, Horkheimer, entre outros. Este artigo desenvolvido em três seções: Na primeira faremos uma reflexão sobre o crime de estelionato. Na segunda, nos concentraremos no pensamento da Escola de Frankfurt. Por fim, na terceira, refletiremos sobre o crescimento dos cursos de Direito em Alagoas e a prática de um estelionato educacional. Ao concluir essa pesquisa pretendemos obter respostas esclarecedoras sobre o problema motivador desse trabalho.

 

2 O CRIME DE ESTELIONATO COMO ELEMENTO DE MANIPULAÇÃO DAS MASSAS PARA PRÁTICA DE DEFRAUDAÇÃO EDUCACIONAL

 

2.1ENTENDENDO O ESTELIONATO

 

Antes de apresentar o significado do termo estelionato, gostaria de ressaltar que não pretendemos fazer uma aplicação ao pé da letra sobre o real significado do crime de estelionato. Todavia em face dos problemas existentes na educação brasileira e em especial no ensino superior com atenção especifica ao curso de Direito, nos apropriamos do termo estelionato para fazer uma interpretação simbólica deste, com a finalidade de mostrar como a Industria Cultural tem levado simbolicamente muitas instituições de Ensino Superior a praticar um verdadeiro estelionato cultural na educação superior de Alagoas. Por meio de uma simbólica pratica estelionatária a Industria Cultural tem manipulado as massas e defraudando-a sem que esta perceba os danos culturais que estão sendo causados a aqueles que frequentam as Faculdades de Direito no Estado de Alagoas.

O sentido etimológico da palavra estelionato vem do Latim stellionātu, engano; logro, que tem sua raiz em “estellio”, que significa “camaleão”, é uma espécie de lagarto originário da África, cuja característica mais evidente é a facilidade de mudar sua coloração natural, adaptando-se ao ambiente em que ele se encontra, com a dupla finalidade de camuflar-se para enganar os seus predadores e apreender suas presas. Greco, constitui-se nesta escrita como fonte basilar para entendermos a origem e o significado do vocábulo estelionato:

 

[...] a palavra estelionato se origina de stellio, ou seja, camaleão, justamente pela qualidade que tem esse animal para mudar de cor, confundido sua presa, facilitando, assim, o bote fatal, bem como para poder fugir, também, dos seus predadores naturais, que não conseguem, em virtude de suas mutações, perceber a sua presença, tal como ocorre com o estelionatário que, em razão de seus disfarces, sejam físicos ou psíquicos, engana a vítima com sua fraude, a fim de que tenha êxito na sua empresa criminosa. (GRECO, 2011, p. 515).

 

Como o réptil, assim é o estelionato, tem a capacidade de enganar a vítima. Imbuído da essência do estelionato, oestelionatário tem em si a extraordinária habilidade em se adequar na sociedade e nos negócios, com seus disfarces e aparências enganosas, ludibriando suas vítimas com seus atos e práticas fraudulentas, agindo desta forma com uma atitude Ímproba em suas relações de negócios. Alcançando dessa maneira fraudulenta, seu objetivo, enganar suas vítimas e obter a vantagem ilícita. Sobre essa prática estelionatária, Marques aponta a sua existência em um tempo bastante remoto.

 

Pesquisas recentes indicam que por volta de 500 anos antes de cristo, já existiam rumores de que alguns egípcios ludibriavam os ricos e nobres comercializando falsos felinos e outros animais embalsamados para serem utilizados nas cerimônias fúnebres, segundo a tradição religiosa daquele povo. Na verdade, as múmias eram fraudulentas, e na maioria das vezes continham em seu interior pequenos pedaços de madeira e outros objetos, que simulavam o peso e o tamanho, e em alguns casos, restos de ossada de outros animais. Figura típica fundamental do estelionato. (MARQUES, P. 38, 2009).

 

Percebe-se com clareza, segundo o texto em destaque, que a prática fraudulenta, enganadora, biltre, já existia entre os indivíduos que compunha os primórdios da vida social em seu tempo mais remoto.  Os elementos deste contexto de vida, em suas práticas comerciais e nas diversas formas de convívio e de negócios, já agiam com um comportamento fraudulento, o que podemos entender que em um passado bem distante, já existia a remota presença da prática estelionatária.

 

2.2 A POSITIVAÇÃO DO CRIME DE ESTELIONATO

 

O crime de estelionato foi instituído no Brasil por meio do Decreto Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940 – Culminado e exarado no Código Penal Brasileiro – CPC. Segundo este Código em seu Artigo 171, o delito de estelionato apresenta as seguintes características:

 

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.

§ 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º.

§ 2º - Nas mesmas penas incorre quem:

Disposição de coisa alheia como própria

I - Vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;

Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria

II - Vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;

Defraudação de penhor

III - defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;

Fraude na entrega de coisa

IV - Defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém;

Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro

V - Destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;

Fraude no pagamento por meio de cheque

VI - Emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.

§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência. (BRASIL, 20221).

 

Percebemos que de acordo com o que está escrito no preceito legal do CPC, o crime de estelionato não tem como exigência uma precípua especialidade, o que se se aplica a todos os sujeitos envolvidos nessa prática criminal. Falo do sujeito ativo e do sujeito passivo. Nesse sentido qualquer indivíduo poderá configurar-se como autor ou vítima do ato criminoso de estelionato. Considera-se primordialmente que o crime de estelionato deve vim carregado de três caracteres fundamentais: fraude, vantagem ilícita e prejuízo alheio.

2.3 A ISENÇÃO DA CONDUTA CULPOSA NO CRIME DE ESTELIONATO

 

Não cabe no crime de estelionato a conduta culposa, por se tratar indubitavelmente de uma prática criminosa intencional, pode-se dizer que todo crime de estelionato é de caráter doloso. Pois este culmina-se pela vontade própria, voluntária e consciente. Bitencourt (2011, p. 276-277) acrescenta dizendo: o dolo é “representado pela vontade livre e consciente de ludibriar alguém, por qualquer meio fraudulento, para obter vantagem indevida, em prejuízo de outrem.” O agente deste delito age em pleno uso das suas faculdades mentais, racionalmente saudáveis, induzindo suas vítimas ao erro, captando para si ou para outros, como diz o mecanismo legal, vantagens ilícitas e uma vez obtendo sucesso nesse intento criminoso, leva a vítima ao erro. Nesse sentido é que o doutrinador afirma que o crime de estelionato é essencialmente um crime doloso.

O crime de estelionato praticado em sua forma típica, caracteriza-se quando o agente criminoso (sujeito ativo) age com dolo, na intenção de enganar e tirar proveito ilícito, causando danos a outro (sujeito passivo). O agente ativo utiliza de meios fraudulentos para obter sucesso em sua prática criminosa. Esta conduta criminosa é conhecida também pela via de dois sentidos, vantagem ilícita/ prejuízo alheio. A vantagem ilícita caracteriza-se quando o sujeito da ação adquiri vantagem sem a cobertura da Lei, ele age na contramão do mecanismo legal e consequentemente do ordenamento jurídico. Essa vantagem ilícita alcança uma dimensão ampla que ultrapassa as barreiras da materialidade. A esse respeito Prado, em meio as tensões sobre o assunto, afirma:

 

Prevalece o entendimento doutrinário de que a referida vantagem não necessita ser econômica, já que o legislador não restringiu o seu alcance como o fez no tipo que define o crime de extorsão, no qual empregou a expressão indevida vantagem econômica. (PRADO, P. 523, 2002)

 

Do outro lado dessa realidade existe o sujeito passivo, que chamamos de vítima, pesa sobre esta, a frustação do prejuízo, cuja a natureza vai além da ordem econômica. Este prejuízo não se limita apenas a quantia de dinheiro que o sujeito passivo deixou de ganhar por falta de pagamento do estelionatário, mas também, o prejuízo se caracteriza por ter a vítima deixado de receber o que o sujeito ativo havia prometido.

O propósito do legislador ao instituir o tipo penal do estelionato no rol das leis brasileira foi o de garantir a inviolabilidade do patrimônio do cidadão, assim como a dignidade dos indivíduos de boa índole e de boa fé, que labutam diariamente para construir e adquirir seus bens. No entender do legislador o cidadão não pode ficar à mercê do transgressor estelionatário.

O crime de estelionato em sua essência etimológica é estabelecido no Código Penal Brasileiro, caracteriza-se pelo o uso de artificio, ardil, fraudulento que engana a vítima, impedindo que o indivíduo de boa-fé não tenha noção e muito menos conhecimento da ação enganadora e ilusória que está a sofrer. Mirabete sobre o crime de estelionato, acrescenta:

 

O artifício existe quando o agente se utiliza de um aparato que modifica, ao menos aparentemente, o aspecto material da coisa, figurando entre esses meios o documento falso ou outra falsificação qualquer, o disfarce, a modificação por aparelhos mecânicos ou elétricos, filmes, efeitos de luz, etc. (MIRABETE, p. 1348, 2003)

 

Mirabete diz que o estelionato se estabelece pelo uso de aparato que modifica a aparência daquilo que se promete ao agente passivo, levando-o a acreditar em uma realidade sobre o bem ou patrimônio em questão que não existe. A falsificação, a ilusão, o engano e o benefício ilícito em proveito próprio, caracterizam o crime de estelionato.

Obter para si ou para outra vantagem ilícita em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento", constitui-se em um verdadeiro estelionato. Podemos denominar de estelionato cultural quando este ato ardil, é praticado no mundo acadêmico e educacional.

 

3 A ESCOLA DE FRANKFURT E A TEORIA CRÍTICA

 

3.1 OS PRIMÓRDIOS DA ESCOLA DE FRANKFURT

 

Em seus primórdios a Escola de Frankfurt no ano de 1922 inicia como Instituto para o Marxismo posteriormente passa a ser identificado como Escola de Frankfurt. Era uma instituição autônoma que tinha como propósito fazer uma análise minuciosa e crítica da sociedade burguesa de sua época que exercia o poder hegemônico social e econômico. Entre os ilustres pensadores que participaram da criação dessa escola podemos destacar, Max Horkheimer (1895-1973), Herbert Marcuse (1898- 1979), Theodor Adorno (1903-1969), Walter Benjamin (1892-1940) e Jürgen Habermas (1929). Esses pensadores se debruçavam exaustivamente em compreender como a dinâmica da formação humana que mantinha em uma condição alienante os indivíduos, estabeleceu-se na vida social e moderna, levando-os a replicar a vida social consolidado no modo de produção capitalista. Preocupado com essa realidade e com a possibilidade da barbárie voltar a acontecer, Adorno afirma:

 

Entendo por barbárie algo muito simples, ou seja, estando na civilização do mais alto desenvolvimento tecnológico, as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação a sua própria civilização – e não apenas por não terem em sua arrasadora maioria experimentado a formação nos termos correspondentes ao conceito de civilização, mas também por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva, um ódio primitivo ou, na terminologia culta, um impulso de destruição, que contribui para aumentar ainda mais o perigo de que toda esta civilização venha a explodir, aliás, uma tendência imanente que a caracteriza. Considero tão urgente impedir isto que eu reordenaria todos os outros objetivos educacionais por esta prioridade (ADORNO, 2011, p. 155).

 

Adorno mostra-se preocupada com a possiblidade da barbárie voltar a acontecer, por conta agressividade e do ódio acampando-se nos seres humanos devido ao desenvolvimento tecnológico em virtude da soberba do capitalismo, sugeri que os objetivos educacionais sejam todos reorganizados em função de promover uma educação contra a barbárie. Ele vê isso como uma atitude urgente para evitar que a barbárie volte a acontecer.

 

3.2 A RELAÇÃO DOS FRANKFURTIANOS COM O MARXISMO

 

Os frankfurtianos tinham como fundamentos de estudos o pensamento marxista e considerava como princípio de análise as suas bases ideológicas, e por esta razão concentrou seus estudos na concepção materialista de sociedade segundo a ideologia marxista.

A preocupação dos pensadores da Escola de Frankfurt estava voltada para a forma como a sociedade desconsiderava as contradições históricas posta pelo capitalismo estabelecendo uma promoção da burguesia e depreciando o proletariado. Eles acentuavam a discussão sobre a realidade histórica que era nua e patente na Europa e no mundo capitalista. Nesse sentido o que passava na mente dos pensadores frankfurtiano era, encaminhar estudos com um olhar psicanalítico, com a finalidade de entender as minúcias da cultura e da subjetividade do ser humano.

Na ótica de Jay (2008), os pensadores da Escola de Frankfurt foram austeros em seus apontamentos sobre o modo de produção capitalista. Nesse sentido um frankfurtiano afirma:

 

[...] o poder material e ideológico tem a função os privilégios contra a associação dos homens livres, na qual cada um tem as mesmas possibilidades de desenvolvimento [...]. A arbitrariedade e a suposta independência não são próprias deste pensamento, mas sim a tenacidade da fantasia. Cabe ao teórico introduzir essa tenacidade nos grupos mais avançados das camadas dominadas, pois é justamente dentro dessas camadas que esses grupos se encontram ativos (HORKHEIMER, 1991, p. 52-53).

 

Segundo a visão de Horkheimer a ideologia materialista tem o interesse em manter a sociedade, presa a uma fantasia rígida e inflexível, para que possa permanecer sob uma suposta liberdade. Dessa forma preserva e difunde a ideologia materialista no interior da classe social menos privilegiada. 

O primeiro momento da Escola de Frankfurt foi interrompido com ascensão do nazismo liderado por Adolpho Hitler e início da Segunda Guerra Mundial. Todo trabalho de pesquisa ali iniciado teve que ser interrompido e os seus intelectuais tiveram que sair do pais, fugindo das perseguições nazistas.

 

O período inicial do Institut, na Alemanha, chegara ao fim. Na breve década decorrida desde a sua fundação, ele havia reunido um grupo de jovens intelectuais com talentos variados, dispostos a coordená-los a serviço das pesquisas sociais, tais como concebidas pelo Institut (JAY, 2008, p. 69).

 

Jay (2008) falou que os pensadores de Frankfurt, que eram revolucionários e marxista em Frankfurt na década de 1920, foram levados por força da circunstância para o centro do mundo capitalista na cidade de Nova York, isso contribui muito com a vida dos americanos, enriquecendo-os culturalmente. Com o fim da guerra e a derrota de Hitler eles voltaram par a Europa e reestabeleceram o Instituto.

A teoria crítica, após o retorno dos membros frankfurtianos a Europa passa a ter seus fundamentos fortalecidos diante da realidade em que se encontrava o continente europeu marcado e influenciado pela turbação entre totalidade e totalitarismo. Nesse sentido houve-se a necessidade de levantar questionamentos sobre o próprio dogmatismo marxista. 

Horkheimer (1991), influenciado pelo momento marcado pelo questionamento das teorias que justificavam os processos sociais, durante seu exílio escreveu um ensaio que abordava sobre as bases da Teoria Tradicional e da Teoria Crítica. Nessa abordagem Horkheimer levanta uma reflexão com a finalidade de posicionar-se como opositor claro a Teoria Tradicional.

A abordagem de Horkheimer (1991), surge como uma tentativa de apresentar um posicionamento mais crítico no seu contexto social. Estava longe de Horkheimer (1991), apresentar um pensamento teórico absoluto, ele queria colocar um posicionamento crítico com ampla aplicação prática nas análises das tensões sociais presentes em seu tempo, esse posicionamento entrava em contradição com a Teoria Tradicional, em sua gênese caminhava em direção contrária aos tensionamentos existentes na sociedade com seus participes.   

Nesse sentido Horkheimer (1991) apresenta uma crítica, colocando, os pontos que estabelecem a formação e a base da teoria crítica e expõe os processos que constituem a Teoria Tradicional. Caminhando nessa linha, o pensador frankfurtiano apresenta as bases que estabelecem a Teoria Tradicional, assim ele apresenta os fundamentos teóricos da sua noção de ciência, tendo como ponto de partida o pensamento de René Descartes (1596-1650), quando escreveu o Discurso do Método. Para Horkheimer, Descartes no Discurso do Método apresentava seu modo olhar a sociedade:

 

A dedução tal como é usual na matemática deve ser estendida à totalidade das ciências. A ordem do mundo abre-se para uma conexão de deduções intelectuais (deduktivengedanklichen Zusammenhang). As longas cadeias formadas por motivos racionais, de muito simples e fácil compreensão, habitualmente utilizados pelo geômetra para chegar às mais difíceis demonstrações, me levaram a imaginar que todas as coisas que possam ser do conhecimento do homem se encontram na mesma relação, e que, atendo-se apenas em não considerar verdadeira uma coisa que não o seja, e mantendo-se a ordem que é necessária para dizer uma coisa da outra, não pode haver nenhum conhecimento que, por mais distante que esteja, não possa ser alcançado, nem conhecimento que, por mais oculto que esteja, não possa ser descoberto (HORKHEIMER, 1991, p. 32).

 

O autor no texto em destaque expõe como funciona as regras do método, falando que tudo deve ser colocado em ordem, tudo dever ser exposto a dúvida e levado as deduções para que seja conhecido, e enfatiza que não há conhecimento por mais oculto que esteja que não seja conhecido.

A Teoria Crítica, fundou seus aspectos principais tendo como embasamento na “Crítica da Economia Política”, de Karl Marx (1818-1883). Nesta obra Horkheimer percebe a concepção dialética e encontra uma nova noção da sociedade. Por tanto para Horkheimer, a Teoria Crítica da Sociedade possui características próprias:

 

A teoria crítica da sociedade começa, portanto, com a ideia de troca simples de mercadorias, ideia esta determinada por conceitos relativamente universais. Tendo como pressuposto a totalidade do saber disponível e a assimilação do material adquirido através da pesquisa própria ou de outrem, mostra-se então como a economia de troca, dentro das condições humanas e materiais dadas, e sem que os próprios princípios expostos pela economia fossem transgredidos, deve conduzir necessariamente ao agravamento das oposições sociais, o que leva a guerras e a revoluções na situação histórica atual (HORKHEIMER, 1991, p. 57).

 

Para o autor o princípio de trocas evidenciados nas condições reais dos indivíduos só agrava mais e acirra as relações, considerando que as condições são desiguais e consolida uma relação de negócio desigual. Para Horkheimer (1991) essa realidade material e histórica provoca o agravamento das rivalidades sociais, das guerras e revoluções.

Nota-se que, na intenção de apresentar as condições contraditórias existente entre Teoria Tradicional e Teoria Crítica, o autor evidencia a sua posição contrária ao dogmatismo hegemônico no marxismo. Para Jay (2008, p. 90) esta realidade “se transformara em um campo de verdades estabelecidas” Ressalta-se que Horkheimer reconhecia a ideologia marxista como contemporânea e oportuna. Nesse sentido ele coloca que o pensamento ideológico marxista deveria ir muito mais além dos aspectos puramente econômico.

A Escola de Frankfurt notabilizou-se por gerar em seu interior um termo que até nos dias atuais é atualíssimo e aplicado às diversas áreas do conhecimento e cultural. Me refiro a Industria cultural. Foi um termo cunhado por dois pensadores da Escola de Frankfurt[29], Theodor Adorno e Max Horkheimer, entre o final do século XIX e início do século XX. Eles partiram de uma análise do desenvolvimento tecnológico oriundo da Revolução Industrial e a consolidação do capitalismo e sua influência no campo das artes e da cultura de um modo em geral.

 

A verdade, cujo nome real é negócio, serve-lhes de ideologia. Esta deverá legitimar os refugos que de propósito produzem. Filme e rádio se auto definem como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores-gerais tiram qualquer dúvida sobre a necessidade social de seus produtos. Os interessados adoram explicar a indústria cultural em termos tecnológicos. A participação de milhões em tal indústria imporia métodos de reprodução que, por seu turno, fazem com que inevitavelmente, em numerosos locais, necessidades iguais sejam satisfeitas com produtos estandardizados. O contraste técnico entre poucos centros de produção e uma recepção difusa exigiria, por força das coisas, organização e planificação da parte dos detentores. O conceito desenvolvido por Adorno e Horkheimer se refere à ideia de produção em massa, comum nas fábricas e indústrias, que passou a ser adaptada à produção artística. É uma nova concepção de se fazer arte e cultura, utilizando-se técnicas do sistema capitalista. (HORKHEIMER, ADORNO, P. 2, 2002).

 

Nesse sentido, as músicas, os filmes, os espetáculos e outras obras, são produzidas sob égide da lógica de produção em massa. Essa hegemonia passa a exercer influência na forma como os artistas produzem e como a sociedade de massa absorve a cultura. A partir dessa ótica, um quadro, uma peça teatral ou uma música são replicados seguindo um padrão ideológico, ainda que estes tenham cores e estéticas diferentes. 

 

3.3 O PROPÓSITO DA INDUSTRIA CULTURAL

 

O propósito primário da indústria cultural é a mas valia e a impregnação da ideologia dominante. Dessa forma a cultura mantem-se como uma massa de manobra social, que deve ser preservada debaixo da influência da ideologia dominante.

Seguindo esse raciocínio, é possível dizer que a Indústria Cultural determina como mercadoria, a cultua, seu modo de produção e o que deve ser consumido. Para os pensadores da Teoria Crítica a indústria cultural, está a serviço das classes dominantes, dessa forma produz a mercadoria de acordo com os interesses dessa classe. Nesse sentido podemos entender que a indústria cultural é um mecanismo de controle social. Esse controle surge do topo da pirâmide (classe dominante), cujo propósito é fortalecer os princípios capitalistas. A indústria cultural, busca padronizar e evidenciar os valores do capitalismo. Em um processo de alienação das pessoas, ela se reocupa em tornar homogêneo os gostos e preferência para que os indivíduos consumam todos os produtos sem fazer uma reflexão sobre o que está consumindo.

Pensando na ação comunicativa desenvolvida por Habermas na Escola de Frankfurt podemos ousar em dizer que a emancipação do indivíduo é apenas um fim em si mesma, mas um referencial onde a teoria crítica visualiza-se como interessada e as diversas áreas do conhecimento também. Por meio da atitude crítica, de uma reflexão e um questionamento de si mesmo, os instantes sufocados marcados por via do desenrolar histórico do conhecimento podem ser restruturados e esclarecidos, abrindo uma possibilidade de uma redescoberta daquilo que é básico na sociedade: a emancipação humana (Freitag & Rouanet, 1993).

Sobre esta reconstrução dialética Habermas afirma

 

Somente quando a filosofia descobre no curso dialético da história os traços da violência deformantes de um diálogo continuamente tentado, leva avante o progresso do gênero humano rumo à emancipação. (...) A unidade do conhecimento com o interesse verifica-se numa dialética que reconstrua o elemento reprimido a partir dos traços históricos do diálogo proibido (Habermas, 1975, p. 300).

 

Para Habermas a ação comunicativa se constitui como um elemento essencial para a reconstrução do homem emancipado. O caminho que o autor toma, é o caminho do desenvolvimento de um diálogo não reprimido pelas forças do capital, mas um diálogo liberto, longe da opressão das forças dominantes. Um diálogo de um homem emancipado promovido pela ação comunicativa

Seguindo essa linha de entendimento Habermas acrescenta:

 

É lógico que o processo de comunicação só pode realizar-se numa sociedade emancipada, que propicie as condições para que seus membros atinjam a maturidade, criando possibilidades para a existência de um modelo de identidade do Ego formado na reciprocidade e na ideia de um verdadeiro consenso (Habermas, 1975, p. 300).

 

Habermas afirma que a possibilidade de uma sociedade emancipada só será possível quando houver uma consciência clara dos indivíduos da necessidade de se desenvolver entre os seres humanos uma ação comunicativa.

Ligada ao Instituto de Pesquisa Social, a Escola de Frankfurt, debruçou-se em reflexões filosóficas e sociológicas. Desenvolveu a Teoria Crítica que proporcionou um novo olhar para o marxismo, a sociologia e a política nos primórdios do século XX. Constituiu-se assim, como uma sala de discussões, cujo objetivo era debater a sociedade carregada por diferentes problemas e questões de ordem sociais.

4 O CRESCIMENTO DOS CURSOS DE DIREITO EM ALAGOAS E A PRÁTICA DE UM ESTELIONATO EDUCACIONAL SOB A INFLUÊNCIA DA INDÚSTRIA CULTURAL

 

4.1 A INDUSTRIA CULTURAL E A OCULTAÇÃO DAS DIFERENÇAS

 

A indústria cultural na visão de Adorno (2002), coloca todos enquadrado em um só patamar de elementos, e leva-os a pensar que estão entre pares, subtraindo suas especificidades. Sobre isto Adorno acrescenta:

 

Para todos, alguma coisa é prevista a fim de que nenhum possa escapar; as diferenças vêm cunhadas e difundidas artificialmente. O fato de oferecer ao público uma hierarquia de qualidades em série serve somente à quantificação mais completa. Cada um deve-se portar, por assim dizer, espontaneamente, segundo o seu nível, determinado a priori por índices estatísticos, e dirigir-se à categoria de produtos de massa que foi preparada para o seu tipo (Adorno, 2002, p. 271).

 

No contexto da Industria cultural as diferenças são apresentadas de modo que não sejam percebíveis. O propósito é colocar tudo e todos em uma aparência de igualdade sem que se perceba suas diferenças. Isto acontece na realidade em forma de símbolos e signos ideológicos.

 

Conforme este pensamento, o signo ideológico reflete e refrata a realidade de cada esfera ideológica, podendo distorcê-la, ratificá-la ou apreendê-la de um ponto de vista específico. Desta forma, de acordo com Bakhtin/Volochínov, “o signo, então, é criado por uma função ideológica precisa e permanece inseparável dela” (BAKHTIN, 1981, p. 37)

 

Na concepção do linguista o signo tem a sublime missão de distorce a realidade das coisas e dos seres, reflete e refrata a realidade. O signo é originário de uma função ideológica, é de natureza elemento inseparável da ideologia.

 

4.2 TRANSFORMAR EM MERCADORIA PARA GERAR LUCRO

 

O propósito da Indústria Cultural é transformar tudo em mercadoria consumível pela sociedade. Quando entendemos transformar tudo, envolve a educação e no nosso caso aqui, o Curso de Direito no Estado de Alagoas. A força ideológica do capital distorce a realidade do ensino superior de para que as pessoas não percebam que estão na verdade recebendo a educação superior como uma mercadoria e não como uma formação essencialmente para a vida e a realização profissional do indivíduo. 

A cultura é profundamente minada pela Industria Cultural, cujo objetivo é gerar lucro sem esboçar nenhuma preocupação com a real formação do ser humano. Como o nosso foco é a influência da Industria cultural nos Cursos de Direito no Estado de Alagoas podemos ressaltar que a Industria Cultural deseja formar consumidores das vagas existentes nos cursos de Direito do que mesmo capacitar profissionais autônomos e devidamente capacitado para exercer sua atividade profissional como Advogado. E para gerar esse consumo a mídia tem sido por meio das propagandas um instrumento parceiro da Industria Cultural na geração de fieis consumidores das vagas existentes em Alagoas.

 

4.3 O ALIMENTO DO SISTEMA CAPITALISTA

 

O sistema capitalista se alimenta da produção constante em larga escala e a Industria Cultural tem a função por meio da ideologia, escondida nos signos de gerar um número crescente de consumidores para absorver toda produção do mercado capitalista educacional no Ensino Superior de Alagoas

Estas discussões devem ser levantadas no âmbito da educação. Calar-se diante da multiplicação indiscriminada sem considerar a qualidade das entidades educacionais de Ensino Superior em Alagoas é permitir que o grupo empresarial da educação pratique um verdadeiro estelionato educacional. É preciso que as discussões sejam acirradas e constantes, como diz Adorno, para evitar, que a barbárie volte a acontecer:

 

A tese que gostaria de discutir é a de que desbarbarizar tornou-se a questão mais urgente da educação hoje em dia. O problema que se impõe nesta medida é saber se por meio da educação pode-se transformar algo de decisivo em relação à barbárie. Entendo por barbárie algo muito simples, ou seja, que, estando na civilização do mais alto desenvolvimento tecnológico, as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação a sua própria civilização — e não apenas por não terem em sua arrasadora maioria experimentado a formação nos termos correspondentes ao conceito de civilização, mas também por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva, um ódio primitivo ou, na terminologia culta, um impulso de destruição, que contribui para aumentar ainda mais o perigo de que toda esta civilização venha a explodir, aliás uma tendência imanente que a caracteriza. Considero tão urgente impedir isto que eu reordenaria todos os outros objetivos educacionais por esta prioridade. (ADORNO p. 155, 2010).

 

As autoridades constituídas no âmbito da educação deveriam acordar para evitar a barbárie na educação. Isto torna-se possível, à medida que todos os imbuídos de competência legal, voltassem a repensar os objetivos e projetos educacionais e rever os critérios de autorização do curso de Direito para evitar o estelionato educacional e como consequência disso, a barbárie.  

 

4.4 O CRESCIMENTO DAS FACULDADES DE DIREITO E A QUALIDADE DO ENSINO

 

É preocupante a forma veloz em que o Ministério da Educação (MEC) tem autorizado a abertura indiscriminada de cursos de Direito em todo território nacional. É preciso que a Ordem dos Advogados do Brasil e as organizações sociais de educação dispensem uma dedicação especial para tentar conter essa indiscriminada ação educacional. O Brasil é a nação que possui o maior número de faculdades de Direito em todo mundo. Para que se tenha uma ideia da disparidade dessa realidade, no ano de 2018 em toda a nação já existia 1.502 instituições de Ensino Superior que ofertavam o curso, formando Bacharéis em Direito. O crescimento dos cursos de Direito no espaço temporal de 23 anos, entre os anos de 1995 a 2018 foi de 539%. Em 1995 havia em todo Brasil apenas 235 cursos de Direito.  Nesta mesma época em todo mundo só existia 1266 cursos.

A preocupação reside nessa quantidade de cursos que não está sendo convertida em formação de qualidade. Isto fica evidente no fato de que a partir do que revela o estudo “Exame de Ordem em Números”. Desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas – FGV em parceria com a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.

Em 2021 a OAB realizou seu 33º Exame de Ordem e houve um aumento no percentual de aprovados em relação aos exames anteriores. Retratamos essa realidade no quadro abaixo:

 

 

 

 

 

Quadro 1 - Percentual dos aprovados no Exame Unificado da OAB

EXAME

ANO DE REALIZAÇÃO

MÉDIA DE APROVAÇÃO

2010

13%

2011

17%

2012

13%

10º

2013

22%

13º

2014

14%

16º

2015

20%

19º

2016

10%

22º

2017

18%

25º

2018

14%

28º

2019

18%

31º

2020

15%

32º

2021

16%

33º

2021

33%

Fonte: https://www.correiodosmunicipios-al.com.br

 

Ainda que os números do quadro apontem uma melhora no percentual de aprovados em 2021, mas ainda é preocupante, porque entendemos que o percentual de aprovados no Exame de Ordem poderia ser bem maior. Isso reflete a qualidade do ensino jurídico em Alagoas. Esta realidade descrita no quadro revela que precisamos avançar muito na formação dos futuros advogados no Brasil e em especial no Estado de Alagoas. A Ordem dos Advogados do Brasil deve ser mais enérgica em suas ações, frente ao Ministério da Educação - MEC, cobrando uma fiscalização mais séria e um acompanhamento mais rígido dos cursos autorizados pelo MEC.

No Estado de Alagoas segundo a página da OAB (2022) a Instituição que apresenta o melhor desempenho no Exame da OAB é a Universidade Federal de Alagoas – UFAL com 59,2% de aprovação. O centro Universitário Tiradentes - UNIT aparece em segundo lugar com 20% de aprovação:

 

Já em Alagoas, das 100 primeiras instituições de ensino superior do país, de acordo com a taxa de aprovação média, a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), ocupa a 14ª colocação, com 169 inscritos, 100 aprovados, e taxa de aprovação média de 59,2%. Na lista das instituições de Ensino Superior com melhor desempenho, separadas por estados, a UFAL aparece em primeiro lugar, com 59,2% de taxa aprovação média. Em seguida está o Centro Universitário Tiradentes (UNIT), com 492 inscritos e 100 aprovados (20,3%), e a Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL), com 51 inscritos e 16 aprovados (31,4%). Na relação dos cursos premiados com selo de qualidade da OAB, estão a Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e a Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL), em Arapiraca. (BRASIL 2022).

 

Percebemos que a Instituição de melhor desempenho no Exame de Ordem foi a Pública e a segunda melhor foi uma instituição privada que já apresenta um percentual de aprovação baixo em relação a UFAL. Quando a pública teve no XXIX Exame 59,2 de aprovação a privada aparece com 20% de aprovação no Exame da OAB. Ressaltamos que essa instituição foi a melhor entre as privadas. Nesse sentido podemos ter uma noção negativa a respeito do aproveitamento das outras instituições.

 

5CONCLUSÃO

 

Diante dessa realidade, concluímos com a convicção da necessidade urgente do Governo Federal juntamente com o Ministério da Educação por via das políticas Públicas para Educação Superior implementar uma fiscalização mais eficaz nas Instituições de Ensino do Direito, primando por qualidade de ensino e cumprimento do seu propósito. Percebemos também a necessidade de um processo de autorização de cursos mais rígido para as novas Instituições de Ensino Superior do Direito em Alagoas.

É tempo do Ministério da Educação – MEC. Órgão que possui prerrogativas legais para fiscalizar e intervir nesse desenfreado processo de autorização e reconhecimento de cursos de Direito em todo território nacional e em especial no Estado de Alagoas; é preciso tomar medidas sérias para frear as instituições que não possuem as condições necessárias para ofertar um ensino de qualidade, capaz de capacitar seus alunos para serem aprovados no Exame Unificado da Ordem dos Advogados do Brasil. Caso contrário a prática de um verdadeiro estelionato educacional vai continuar acontecendo indiscriminadamente.

Os mercadores da educação movidos pela ganância da indústria cultural vão continuar ludibriando pessoas de boa fé e justo título educacional. Estes alunos acham que vão se formar e ter competência profissional suficiente para ingressarem no mercado de trabalho, sem perceberem que estão sendo vitimados pela ambição capitalista e pela a incúria das autoridades competentes.

Os alunos ao concluírem o curso tem que passar por um verdadeiro calvário chamado Exame Unificado da Ordem dos Advogados do Brasil. É nessa hora que visivelmente se percebe o despreparo desses alunos para serem aprovados. Nesse sentido é que constatamos a ineficiência das Faculdades de Direito em capacitar seus alunos para serem aprovados no Exame da OAB.

A indústria Cultural assemelha o curso de Direito a uma mercadoria que pode ser jogada no mercado como fardos de objetos a serem comercializados, induzindo os compradores a adquirirem uma mercadoria achando que estão levando um objeto X, mas que na verdade por meio de um estelionato educacional os compradores neste mercado, eivado da ambição capitalista terminam levando um objeto Y. É preciso que haja um freio nessa prática desenfreada de oferecer uma formação e conceder outra que não capacita o aluno para exercer sua função de Advogado e realizar seu sonho profissional.

Pensando em Habermas (2002), quando fala na emancipação humana, podemos ressaltar que essa emancipação advém do diálogo ou da ação comunicativa. A emancipação do Bacharel em Direito será real quando por meio do diálogo, promovido por uma educação de qualidade e comprometida com a formação do aluno acontecer no interior das Faculdades de Direito em Alagoas. Isso é que esperamos.

 

REFERÊNCIAS

 

ADORNO, T. Palavras e sinais: modelos críticos. Petrópolis: Vozes, 1995.

 

ADORNO, T. De larelacion entre sociaologia y psicologia. In: Actualidade de la filosofia. Barcelona; Buenos Aires: Paidós, 1955.

 

ADORNO, T. Educação e emancipação. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2000.

 

ADORNO, T. Tempo livre. In: ADORNO, T. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

 

ADORNO, Theodor. Educação e Emancipação. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

ADORNO, T. A Educação Contra a Barbárie, Rio de Janeiro, Paz e Terra, primeira edição 2011.

 

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Teixeira Wisnik e Carlos Henrique D. Chagas Cruz. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1981. (Originalmente publicado sob o pseudônimo de Valentin Nikolaïevitch Volochinov)

 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, v. 3.

 

BRASIL. Código Penal Brasileiro. Organização dos textos, notas remissivas e índices por Juarez de Oliveira. 52. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

BRASIL. Exame de Ordem da OABem números. Disponível em: https://www.oab-al.org.br/2020/04/exame-de-ordem-em-numeros-tres-instituicoes-de-ensino-superior-de-alagoas-se-destacam-em-estudo/. Acesso em: 28 jul. 2022.

 

­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­­ BRASIL. Código Civil Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /leis/l8906.htm. Acess em: 21 out.2022.

 

GRECO, Rogério. Código penal comentado. 5. ed. Niterói: Impetus, 2011.

HABERMAS, J. Conhecimento e Interesse. In: Escola de Frankfurt. Os Pensadores, XLVIII. São Paulo: Abril Cultural, 1975.

 

HORKHEIMER, Max & ADORNO, Theodor. A indústria cultural:o iluminismo como mistificação de massas. In: LIMA, Luiz Costa. Teoria da cultura de massa. Tradução de Júlia Elisabeth Levy, São Paulo: Paz e Terra, 2002.

 

HORKHEIMER, Max; ADORNO, Theodor. Os pensadores. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

 

JAY, Martin. A imaginação dialética: história da Escola de Frankfurt e do Instituto de Pesquisas Sociais (1923-1950). Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.

 

MARQUES, Samuel. Estelionato: Prática comum ao longo da história. Panorama Empresarial. Resende, 2009.

 

MATTOS, Daniel. Repensando o papel das marcas. Revista ECO-Pós, v. 6, n. 1, 2003.

 

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Código penal interpretado. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 1348.

 

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 304.

 

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. Parte Especial - arts. 121 a 183. V. 2. p. 523. Ed. Filiada. 2002.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPÍTULO XVI

 

 

 

 

 

 

 

 


OS REFLEXOS PANDÊMICOS NO ENSINO OFERTADO PELA REDE PÚBLICA DE MACEIÓ/AL: POLÍTICAS PÚBLICAS E DIGNIDADE SOB AS PERSPECTIVAS DE HABERMAS

 

Anderson de Alencar Menezes

Antônio Tancredo Pinheiro da Silva

Martha Vanessa Lima do Nascimento Cardoso[xv]

 

1INTRODUCÃO

 

Levando-se em consideração a prerrogativa referente à Saúde, expressa no Artigo 196 da Constituição Federal de 1988, que diz: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Foi decretada no dia 23 de março do ano de 2020, a situação de emergência em saúde pública no município de Maceió em Alagoas[30]. A referida conjuntura, decorrente da pandemia do novo coronavírus[31] (COVID-19), apontou para a necessidade do emprego de medidas urgentes relativas à prevenção, ao controle, a contenção de riscos, de danos e de agravos à saúde pública.

Diante disso, e para o enfrentamento da situação emergencial de caráter internacional, passaram a ser adotadas as seguintes medidas: o isolamento social, a quarentena, a determinação de realização compulsória de exames médicos, de testes laboratoriais, de coleta de amostras clínicas, de vacinação, entre outras medidas profiláticas, além de tratamentos médicos específicos, do estudo e da investigação epidemiológica. Com o isolamento social, também foi decretado o fechamento temporário de órgãos públicos e de unidades educacionais que prestam serviços essenciais para a manutenção da vida dos cidadãos brasileiros. Salienta-se que segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) [32], tais medidas tiveram como objetivo: evitar a contaminação e/ou propagação do novo coronavírus.

Nesse contexto, observa-se que a suspensão das aulas presenciais nas redes pública e privada de ensino foi uma das inúmeras consequências da Pandemia do Covid 19 e que afetou tanto crianças e adolescentes, quanto jovens e adultos matriculados em escolas nos mais diferentes níveis e segmentos educacionais[33] e que apenas após um período considerável de adaptação para (escola e familía), passaram a ter aulas no formato remoto (síncrono e assíncrono)[34].

Cabe ressaltar, que o modelo de ensino no formato remoto não contemplou um número significativo de estudantes da rede pública de ensino[35], e por diversos motivos, a saber: a precariedade ou a falta de equipamentos (celulares e computadores), a falta de acesso a internet, a falta de propriedade para o manuseio das ferramentas digitais ou a falta de familiariedade com as plataformas e aplicativos gratuitos disponibilizados no período da pandemia, a falta de capacitação dos professores para ministrar aulas no formato remoto, a falta de compromisso com a determinação de uma rotina de estudo individual dos estudantes em seus lares, entre outros fatores igualmente importantes.

Portanto, passados dois anos de isolamento social[36], ainda é possível constatar que algumas unidades de ensino do município de Maceió/Alagoas, sequer iniciaram o ano letivo para algumas turmas, noutras, observa-se que o retorno às aulas embora tenha inicado, ainda ocorre de maneira lenta e com bastante dificuldade no sentido de fornecer um ensino de qualidade mediante um cenáro tão caótico em sala de aula.

Enquanto professores, nos deparamos com estudantes que durante a pandemia se encontravam na fase da alfabetização e letramento, e que após a reabertura das escolas (pós-pandemia), passaram para as séries seguintes sem ter construído conhecimentos essenciais que contemplam essa importante fase e que servem de base sólida para a construção de outros conhecimentos. Muitos desses estudantes, não sabem sequer ler e escrever seus prórpios nomes.

 Para Habermas, o ordenamento jurídico deve garantir que os direitos de uma pessoa sejam reconhecidos pelos demais, esse reconhecimento deve apoiar-se em leis legitimadas que garantam liberdades iguais a todos. Contudo, faz-se necessário salientar que além dos prejuizos a longo prazo no ensino formal, como a defazagem na aprendizagem, também são notórios os efeitos negativos em relação as questões emocionais desses sujeitos, pois o contato com outras pessoas da mesma idade nessa importante fase da vida é fator essencial para o amadurecimento das crianças e adolescentes que foram privados dessa convivência.

O presente artigo aborda sobre a educação formal num contexto pós-pandêmico e contribui para as reflexões acerca dos desafios enfrentados pelos educadores ao lidar com as atuais exigências que versam sobre a recomposição e a aceleração do ensino-aprendizagem, tendo que nivelar o ensino para todos os alunos, sem muitas vezes, a devida orientação para lidar com as necessidades tão diversas e individuais que esse público atravessa e no qual não se tem um diagnóstico médico para uma condição especial, como por exemplo, o autismo ou se o atraso na aprendizagem apresentado pelo estudante no decorrer do seu processo de escolarização caracteriza-se de fato pelo cenário pandêmico vivenciado, ou seja, pela falta de frequência nas aulas (presenciais ou remotas).

Para ilustrar a temática buscaremos nas ideias de Habermas um contexto amplo que nos dê subsídios para afirmar que tal Política Pública visa oferecer dignidade aqueles mais vulneráveis uma contribuição de cunho social e que esta fundamenta-se nos direitos humanos fundamentais e devem ser assegurados pelo Estado a partir do reconhecimento dos sujeitos direitos à educação como direito fundamental e de qualidade.

Nesse sentido, Jurgen Habermas afirma que o ordenamento jurídico deve garantir que os direitos de uma pessoa sejam reconhecidos pelos demais, esse reconhecimento deve apoiar-se em leis legitimadas que garantam liberdades iguais a todos no Estado Democrático de Direito.

Contudo e diante do exposto, enfatizamos os Art. 205. da Constituição Federal de 1988 que dispõe sobre a educação: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, e Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.

 

OS REFLEXOS PANDÊMICOS NO ENSINO NA PERSPECTIVA DE HABERMAS

 

É fato que a pandemia do Covid 19 é um tema ainda bastante sensível no qual nitidamente acentuou profundamente questões historicamente arraigadas, pois, a falta de atenção dada no âmbito da educação por parte do poder público é visível e se materializa com a desvalorização da educação e com falta de investimentos no setor. Com isso, no pós-pandemia, nos encontramos imersos a sentimentos que afirmam e reafirmam a condição de exclusão e de desamparo, com a negação de direitos fundamentais, e, portanto, essenciais e inerentes a uma condição de vida humana digna. O contexto apresentado aponta, sobretudo, para um cenário de frustação e de grandes incertezas quanto ao futuro.

Diante disso e de acordo com dados da pesquisa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef Brasil) e do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária)[37], um total de 124.106[38] crianças e adolescentes, em idade escolar, que se encontram na faixa etária entre 6 e 17 anos[39], não frequentaram as aulas presenciais no ano de 2020, no estado de Alagoas. A referida pesquisa apontou ainda que, o estado de Alagoas ocupa atualmente a quarta posição em relação aos piores índices educacionais da região nordeste.

Com isso, e em face aos fatos expostos, não apenas o estado de Alagoas, mas o Brasil corre o risco de regredir duas décadas no acesso de crianças e adolescentes que estão com o seu direito à educação, negado. Com isso, salientamos que, retrocedendo, conforme aponta a pesquisa, voltaríamos a alcançar os números alarmantes de evasão escolar, uma dura realidade vivenciada nos anos 2000. Contudo, nota-se que a pandemia acelerou os problemas e acentuou visivelmente as desigualdades sociais existentes em nosso país. E, diante disso, compreendemos que, como forma de reverter o fatídico panorama apresentado, garantir e ampliar os direitos humanos, na perspectiva de Habermas, torna-se fator que além de primordial, se configura como emergente.

     Diante disso e corroborando com Freire (2001), falar em educação e direitos humanos já nos coloca um primeiro direito negado e negando-se que é o direito a educação. Pois, para o autor, é a própria educação que pretendemos que se dê ao esforço de desafiar a quem proíbe que a educação se faça, é a própria educação como direito de todos, que é negada a grande parte da população.

Com isso, observamos, portanto a pandemia com um olhar sensível e diferenciado, compreendendo-se que além de viral, a pandemia se configura como emocional, pois, muitos estudantes além de terem o seu direito de liberdade e/ou convívio com outras crianças cerceado, em plena fase de desenvolvimento e descobertas, na qual a interação se torna fundamental, também tiveram que lidar com episódios de contaminação do vírus e da experiência do luto dentro de seus próprios lares.

Contudo, enfatizamos que o nosso estudo tem como foco os estudantes: crianças, adolescentes e jovens que vivem em situação de vulnerabilidade, que contaram com o acesso precário ou não tiveram condições de acesso à internet, a computadores ou celulares e que na maioria dos casos, não contam com o apoio da família para os estudos em casa, pois, muitos pais, tios, avós e demais responsáveis, são analfabetos, e, no qual alguns deles também são estudantes da Educação de Jovens e Adultos – EJA de Maceió, Alagoas, igualmente afetados com o advento da pandemia.

O retorno às aulas presenciais, no município de Maceió, Alagoas, se deu em 14 de fevereiro de 2022, e, como podemos analisar, muitos problemas relacionados à educação foram aprofundados e muitos desafios foram também intensificados, e, enquanto se comenta sobre uma possível aceleração da aprendizagem dos estudantes da rede pública de ensino (a nível Brasil), enfatizamos o fortalecimento de políticas públicas eficazes, capazes não apenas de reconhecer as mazelas sociais, mas de garantir a efetivação dos direitos da população cotidianamente marginalizada. Frisamos que as discussões em torno da recomposição do ensino, considere, sobretudo, o emocional desse público tão afetado durante a pandemia e constantemente massacrado por ser posto na condição de invisibilização desde a mais tenra idade.

Nesse sentido, compreende-se a necessidade de assegurar o direito a uma educação emancipadora, por meio de uma educação libertadora, que assuma postulados freireanos, à todas as pessoas, considerando-se, principalmente, àquelas que se encontram na condição de extrema pobreza, e que tem os seus direitos educacionais cotidianamente violados na sua integralidade, sendo agravados no contexto da pandemia do coronavírus, desde 2020[40], sujeitos esses que vivenciam constantemente o descaso do poder público e omissão.

A teoria da ação comunicativa desenvolvida por Habermas é a base de uma concepção sobre a ética fundamentada no diálogo e no acesso à justiça. Habermas propõe uma ética discursiva, a qual envolve discussões acerca das normas jurídicas, das sanções e dos valores culturais, concebendo uma teoria da razão comunicativa.

Desse modo, a teoria de racionalidade comunicativa propicia uma reflexão sobre valores e normas jurídicas vigentes na sociedade a partir de um enfoque interdisciplinar ao conciliar concepções teóricas da Sociologia, da Psicologia, da Filosofia e do Direito no contexto em que esses indivíduos estão inseridos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Os direitos devem ser  operacionalizados via democracia, tendo como parâmetro, a busca de igualdade pois, empiricamente, a desigualdade material afeta o exercício das liberdades e faz com que os direitos sociais adentrem no sistema, justamente, para corrigir as desigualdades materiais, com o intuito de restabelecer a igualdade necessária no âmbito da democracia e em especial na educação emancipadora.

Habermas afirma que o ordenamento jurídico deve garantir que os direitos de uma pessoa sejam reconhecidos pelos demais, esse reconhecimento deve apoiar-se em leis legitimadas que garantam liberdades iguais a todos no Estado Democrático de Direito.

Nesta breve leitura, Habermas nos permite a compreensão sob um contexto amplo que nos dê subsídios para afirmar que tal Política Pública visa oferecer dignidade aqueles mais vulneráveis uma contribuição de cunho social e que esta fundamenta-se nos direitos humanos fundamentais e devem ser assegurados pelo Estado a partir do reconhecimento dos sujeitos direitos à educação como direito fundamental e de qualidade.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988.

 

BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Brasília: MEC, 1996.

 

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 31.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.

 

FREIRE. Paulo. Pedagogia do oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2001.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 3.ed. São Paulo, Paz e Terra, 1994.

 

DIÁRIO OFICIAL ELETRÔNICO DO MUNICÍPIO DE MACEIO. Disponível em: http://www.cress16.org.br/admin/wp-content/uploads/2020/04/DECRETO-8853MACEIO.pdf. Acesso em: 05 de setembro de 2022.

 

 

 


SOBRE OS AUTORES

 

 

 

i Anderson de Alencar Menezes - Licenciado em Filosofia pela Universidade Católica de Pernambuco, Bacharel em Teologia pelo Centro Unisal - Campus Pio XI (São Paulo), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Pernambuco e Doutor em Ciências da Educação pela Universidade do Porto/Portugal. Pós-Doutorado em Ciências da Linguagem pela Universidade Católica de Pernambuco. Atualmente é Professor Associado da Universidade Federal de Alagoas. Foi Diretor Executivo da Faculdade Salesiana do Nordeste e Diretor Pedagógico do Instituto Salesiano de Filosofia em Recife. Integra como Pesquisador o Grupo de Investigação em Teoria Crítica da Universidade de Valência-Espanha, sob a direção do Professor Dr. Benno Herzog. Membro do IBDFAM (Instituto Brasileiro do Direito de Família) no Estado de Alagoas, pertence no âmbito deste Instituto à Comissão da Criança e do Adolescente. Pesquisador da Rede RIEV (Rede Interdisciplinar de Estudos sobre Violência - Ufpb; Ufal; Ufsc; Universidade de Valência - Espanha). Exerceu a função de Coordenador do Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade Federal de Alagoas. Membro do Conselho Editorial da Edufal (Editora da Universidade Federal de Alagoas). Atualmente é professor e pesquisador do mestrado e doutorado em educação do ppge/cedu/ufal. Membro do conselho editorial da revista eletrônica - cognitio da PUC São Paulo; Membro da sociedade brasileira de teologia moral. Membro do corpo editorial da Revista Filosofia e Educação da UNICAMP. Tem interesse pelas seguintes linhas de pesquisa: 1) Área da educação: infâncias, privação e reconhecimento; educação escolar e saberes biográficos; educação escolar e educação socioemocional.2) Área da filosofia: teoria crítica; fenomenologia; epistemologias; hermenêutica, bioética. Área da teologia/ciências da religião - antropologia teológica; ecumenismo/diálogo inter-religioso; pneumatologia; filosofia da religião. E-mail: anderufal@gmail.com.

 

iiVirgílio Andrade Neto- Mestre em Educação pela UFAL - Universidade Federal de Alagoas. Especialista em Direito Público pela Faculdade Maurício de Nassau. Pós-Graduando em Direito do Trabalho pela Uniasselvi - Centro Universitário Leonardo da Vinci. Licenciado em LETRAS - Português e Inglês pela Fundação Educacional Jayme de Altavila - FEJAL. Bacharel em DIREITO pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió-CESMAC. Licenciado em PEDAGOGIA pela Faculdade de Pedagogia da Universidade de Santo Amaro - UNISA. Atua como professor de graduação no Curso de Direito. Exerce Advocacia nas áreas Cível, Trabalhista. E-mail: andradevirgil@gmail.com.

 

iiiJosé Aparecido de Oliveira Lima - Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Alagoas (2015), mestrado em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (2018) e doutorado em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (2022). Atualmente é professor efetivo de filosofia - Secretaria de Estado da Educação de Alagoas. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia, atuando principalmente nos seguintes temas: educação, filosofia, ensino médio, ensino de filosofia e filosofar. E-mail: aparecido.filosofia@gmail.com.

 

ivAngelina Renata Andrade Ribeiro dos Santos- Possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal de Alagoas (2009) e graduação em Psicologia pelo Centro Universitário CESMAC (2011). Atualmente faz Mestrado em Educação dentro da linha Educação, Culturas e Currículos e grupo de pesquisa Filosofia e Educação/Ensino de Filosofia. Membro do Grupo de Pesquisa Teoria Crítica, Emancipação e Reconhecimento (TeCER) vinculado ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Alagoas, sob supervisão do Prof. Dr. Anderson de Alencar Menezes. Possui interesse em investigar os processos educativos através da atuação em áreas que envolvem ensino e metodologias em Filosofia, estudos de filosofia e cinema, intercessão entre filosofia e psicologia, formação de professores. E-mail: randraderibeiropsico@gmail.com.

 

vGustavo de Melo Silva – Possui graduação em Direito pela Faculdade de Alagoas (2008), Bolsista do CNPQ e da FAPEAL na graduação, Pós-graduado em Processo Civil, Pós-Graduando pela UFRN em Jurisdição Inovadora e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Doutorando em educação pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Professor da Graduação e Pós-graduação do Curso de Direito (UNEAL, Estácio e CESMAC) e Diretor da 1a Vara Federal de Alagoas - Justiça Federal de Alagoas. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Penal, Processo Penal, Previdenciário e Prática Jurídica. Foi Coordenador de Prática Jurídica da FRM e Coordenador Adjunto do Curso de Direito da FRM, além de ter sido membro do Colegiado e do NDE do Curso de Direito. É componente do Grupo de Pesquisa Tecer da Universidade Federal de Alagoas. E-mail: gustavomelojfal@gmail.com.

 

viDarlan do Nascimento Lourenço – Licenciado em Filosofia pela Faculdade São Tomás de Aquino (FACESTA). Mestre em Educação Brasileira pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Alagoas (PPGE/UFAL). Doutorando em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (PPGE/UFAL). Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Ensino de Filosofia, História da Filosofia, Antropologia Filosófica, Filosofia Política , Filosofia da Educação e Metodologia Científica. Membro do Grupo de Pesquisa Teoria Crítica, Emancipação e Reconhecimento (TeCER) vinculado ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Alagoas, sob supervisão do Prof. Dr. Anderson de Alencar Menezes. Desenvolve pesquisas em torno da Teoria Crítica da sociedade, Escola de Frankfurt, Jürgen Habermas, Walter Benjamin, Filosofia e Educação. Atualmente é docente do ensino básico no Colégio Ativo e ex-professor substituto no Instituto Federal de Alagoas (IFAL). Além disso, atua como docente do ensino superior nas IES Faculdade São Tomás de Aquino onde também é o atual Coordenador do Curso de Filosofia Licenciatura, e na Faculdade Raimundo Marinho, nos cursos de Direito, Serviço Social e Estética e Cosmética. E-mail: darlan.nlourenco@gmail.com.

 

viiAntonio Tancredo Pinheiro da Silva – Doutorando em Educação pelo PPGE/CEDU da Universidade Federal de Alagoas. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Alagoas. Especialista em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pelo Centro Universitário CESMAC.Graduado em DIREITO pela Faculdade Raimundo Marinho/FRM. Professor Civilista do Curso de Direito no Programa Especial para Formação de Servidores Públicos - PROESP/UNEAL, do Curso de Especialização da Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL, Professor Civilista e de Práticas Jurídicas, Voluntário, no Campus VI da UNEAL. Membro do Núcleo de Apoio à Pesquisa e Extensão Universitária no Campus VI da UNEAL. Advogado Civilista, Familiarista e Previdenciarista, inscrição OAB/AL 12.210. Vice-Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família em Alagoas. Vice-Presidente da Comissão da Criança e do Adolescente do IBDFAM/AL. Secretário Geral da Comissão do Exame de Ordem da OAB/AL. Coordenador Geral das Coordenações da Caixa de Assistência da Ordem dos Advogados da Seccional Alagoas. Atuou como Presidente da Comissão da Pessoa Idosa do Instituto Brasileiro de Direito de Família/IBDFAM em Alagoas. Atuou como Membro da Comissão do Fortalecimento do Controle Social da Ordem dos Advogados do Brasil da seccional Alagoas. Atuou como Coordenador do Curso de Direito da FRM Maceió e Penedo. Membro do Grupo de Estudos TeCER - PPGE/CEDU/UFAL.. Membro e Pesquisador da Rede Interdisciplinar de Estudos sobre Violências-RIEV fruto da parceria das Universidades Federais de Alagoas, Paraíba, Santa Catarina e de Valência na Espanha. Membro da União Brasileira de Escritores/UBE, Membro Vitalício da Academia Internacional de Literatura/AILAP. Escritor e Pesquisador. Atuou como Presidente do Núcleo Docente Estruturante do Curso de Direito da FRM. Atuou como Presidente do Colegiado do Curso de Direito da FRM. Atuou como assessor técnico da Direção Administrativa da Secretaria Municipal de Educação de Maceió. E-mail: tancredo.juridico@gmail.com.

 

viiiVitor Gomes da Silva - Policial Penal do Estado de Alagoas. Bacharel em Direito pela Faculdade da Cidade de Maceió, FACIMA, 2012. Especialista em Política e Estratégia pela Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra-ADESG/ESG, 2013. Especialista em Inteligência Policial pela AVM Integrada, MESTRE em Educação pela UFAL/CEDU,na linha de pesquisa Filosofia e Educação, DOUTORANDO em Educação pela UFAL/CEDU,na linha de pesquisa Filosofia e Educação, Membro do Grupo de Estudos TECER/PPGE/CEDU/UFAL. Professor no ensino superior, Ciências Jurídicas, Tendo experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional, Direito Ambiental, Direito Penitenciário e Execução Penal, Criminologia, Medicina Legal, Linguagem Jurídica e Redação. Orientador e Avaliador de trabalhos de Conclusão de Curso. E-mail: profespvitorgomes@gmail.com.

 

ixHenrique dos Santos Andrade – Graduação em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL(1997) e em Direito pelo Centro Universitário CESMAC (2003). Especialização em Engenharia de Software, Direito Público, Direito do Trabalho e Direito Tributário. Mestrado em Direito pela FMU (2016) E-mail: atalaiense@hotmail.com.

 

xClarissa Maria Cavalcante Silva- Graduanda em Direito na Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL). Coordenadora de Ensino na Liga Acadêmica de Estudos Constitucionais (LAEC/UFAL). Diretora de Pesquisa na Liga de Empreendedorismo Jurídico (LAJE/CESMAC). Estagiária na Defensoria Publica do Estado de Alagoas com atuação na 2ª Instância Cível e Tribunais Superiores. Membra da Liga Acadêmica de Estudos dos Direitos das Mulheres (LAEDIM/UFAL). Desenvolve pesquisa nas áreas do Direito Constitucional, Acesso à Justiça e em Criminologia Feminista, Gênero e Feminismo. E-mail: ccavalcante935@gmail.com.

 

xiEdmilson Pinto Ribeiro - Possui Graduação em Química (Licenciatura) pela Universidade Federal de Alagoas(UFAL - 2003), Mestre em Ciências na área de Química Orgânica com ênfase em Produtos Naturais ( UFAL - 2009 ). Professor de Química efetivo da Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL) nos Cursos de Química e Biologia do Campus I. Atuou 17anos no ensino básico como Professor de Química ( ensino médio ) das redes estadual e particular do Estado de Alagoas. Tem experiência na Indústria Química, Petroquímica e de Petróleo como Técnico Químico em ensaios da qualidade de produtos químicos, petroquímicos, Petróleo e seus derivados e também no controle de qualidade de álcool e suas misturas. E-mail: edmilsonquimica@hotmail.com.

 

xiiTiago Mesquita Duarte da Rocha – Graduando de Direito na Universidade Estadual de Alagoas (Uneal). Ainda no início do curso, estagiei com o advogado que representava empresas multinacionais e bancos, oportunidade em que estive em algumas cidades do estado para audiências em Juizados Especiais. Subsequentemente, fui estagiário voluntário no Ministério Público, na 12º PJC e no GAESF, durante aproximadamente 1 ano e 6 meses, quando fui aprovado para estagiar no PROCON-AL, onde passei 3 meses. Depois fui ao respeitado escritório Martorelli advogados, no qual passei 10 meses de muito aprendizado prático profissional e teórico. Hoje me encontro estagiando no Núcleo de Defesa da Saúde Pública - Ministério Público. Busco sempre novos conhecimentos e experiências na área do Direito, com o intuito de aperfeiçoar a qualidade do meu trabalho. E-mail: tiagomesquita011@gmail.com.

 

xiiiGabriel Soares de Azevedo Filho - Pedagogo - SEMED. Mestre em Educação Brasileira pela Universidade Federal de Alagoas, Especialista em Docência do Ensino Superior, graduação em Pedagogia pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió (1993), graduação em Licenciatura Plena em Educação Religiosa - Seminário Teológico Evangélico do Nordeste (1988), graduação Bacharel em Teologia - Seminário Teológico Evangélico do Nordeste (1988) e graduação em Psicanálise Clínica pela Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil (1994). Membro da Academia Alagoana de Educação. Atua como Pedagogo da Secretaria Municipal de Educação de Rio Larg (SEMED). Experiência na Docência do Ensino Superior nas disciplinas: metodologia do ensino da história; metodologia do ensino da língua portuguesa, metodologia científica, metodologia do ensino das ciências naturais, filosofia e ética; filosofia geral e do direito; educação em direitos humanos, diversidade cultural; financiamento da educação; fundamentos da educação; aspectos sócio antropológicos; educação de jovens e adultos; direitos humanos, corpo e movimento. didática; organização do trabalho acadêmico. E-mail: gs.azevedo11@gmail.com.

 

xiv Ana Carolina de Araújo Azevedo – Bacharel em Direito, pelo Centro Universitário Maurício de Nassau. E-mail: carolina-azevedo@live.com.

 

xvMartha Vanessa Lima do Nascimento Cardoso - Mestre em Educação pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), com graduação em Pedagogia (UFAL), Pós-Graduação Latu Sensu em Educação em Direitos Humanos e Diversidade (UFAL) e Pós-Graduação Latu Sensu em Docência do Ensino Superior pelo Centro de Estudos Superiores de Maceió (CESMAC). Possuo experiência profissional como Formadora Pedagógica em Programas Educacionais Governamentais (PROJOVEM), docente da graduação em Pedagogia (UNINASSAU-Maceió), professora em cursos Profissionalizantes (PRONATEC), Coordenadora de cursos EAD do Núcleo de Ensino da Secretaria de Estado de Defesa Social, experiências as quais considero bastante relevantes para o meu aprendizado. Dedico-me a pesquisas na área de Juventudes, EJA, Políticas Públicas Educacionais e história e memória na busca contínua por conhecimento. E, ressalto os Grupos de Pesquisa: Multieja e Gestão e Avaliação Educacional e Teoria Crítica Emancipação e Reconhecimento da UFAL como parte importante para a minha formação social crítica. E-mail: martha.nascimento@cedu.ufal.br



[1] HABERMAS, Jürgen (1984). Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 169.

[2] HABERMAS, Jurgen. A Inclusão do Outro: estudos de teoria política. São Paulo: Loyola,2002, p.232.

[3] Ibid., 232.

[4] Ibid., 232.

[5] HONNETH,Axel. Luta por reconhecimento. São Paulo: Editora 34, 2003, p.164.

[6] Ibid., p. 174.

[7] NOBRE, Marcos (org). Curso livre de teoria crítica. Campinas: Papirus, 2008, p. 192-198.

[8]2 Sigla utilizada para referenciar a saída da Inglaterra do bloco de países que compõem a União Europeia, ou propriamente, a zona econômica do Euro.

[9] O ponto aqui referido dá conta das mais recentes eleições nos Estados Unidos da América para a sucessão do governo do ex-presidente Barack Obama ocorrida no ano de 2016. Tendo como vencedor do pleito o candidato do Partido Republicano norte americano Donald Trump para o mandato de 2017 a 2021.

[10] Beyond Economics: Fears of Cultural Displacement Pushed the White Working Class to Trump (2017). Cf. https://www.prri.org/research/white-working-class-attitudes-economy-trade-immigration-election-donaldtrump/.

[11] O pensamento habermasiano define o conhecimento como sendo o instrumento de autoconservação da espécie, entretanto, transcendendo a mera autoconservação. Para o mestre da linguagem, o interesse não é exclusivamente transcendental, como em Kant, nem puramente empírico como afirma Comte. Ele advoga uma virada pragmática antropológica na filosofia transcendental de Kant, chamada de pragmática quase-transcendental, nascendo a ideia da ação instrumental e ação comunicativa. É nesta perspectiva que a teoria da ação comunicativa demonstra o surgimento da ética discursiva com suas pretensões de validade. A ética do discurso lançar-se como sendo uma reformulação do Imperativo Categórico kantiano, ao permutar a consciência (subjetividade) pela linguagem (intersubjetividade). (LODEA, 2005, p. 175)

[12] Censo IBGE 2010. Site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) com as informações sobre religião disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/populacao/9662-censo-demografico-2010.html?edicao=9749&t=destaques. Acesso em: 23 out. 2019.

[13] Reportagem da TV GLOBO. Itaboraí tem protesto contra a intolerância religiosa após pastor atacar religiões de matriz africana em evento da prefeitura. 22 mai 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2022/05/22/itaborai-tem-protesto-contra-a-intolerancia-religiosa-apos-pastor-atacar-religioes-de-matriz-africana-em-evento-da-prefeitura.ghtml. Acesso em: 07 set. 2022.

[14] Jena é a cidade onde se situa a Universidade Friedrich Schiller de Jena, na Turíngia. A Universidade é uma das dez mais antigas da Alemanha, estabelecida em 2 de fevereiro de 1558 e atingiu seu auge com os auspícios do duque Carlos Augusto, patrono de Goethe (1787–1806), na época em que Fichte, Hegel, Schelling, Friedrich von Schlegel e Friedrich Schiller faziam parte do corpo docente.

[15] Dados do site Congresso em Foco, disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/ area/congresso-nacional/veja-quais-deputados-e-senadores-fazem-parte-da-bancada-evangelica/. Acesso em: 17 out. 2022.

[16] VENTURA, Miriam; SIMAS, Luciana; PEPE, Vera Lúcia Edais; SCHRAMM, Fermin Roland. Judicialização da saúde, acesso à justiça e a efetividade do direito à saúde. Physis – Revista de Saúde Coletiva, v. 20, n. 1, 2010. p. 79-80

[17] SANT’ANA, Ramiro Nóbrega. Atuação da Defensoria Pública para a garantia do direito à saúde: a judicialização como instrumento de acesso à saúde. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, nº 3, 2018. P. 194-211.

[18] BIEHL, João. Patient-Citizen-Consumers: judicialization of health and metamorphosis of biopolitics. Lua Nova, n. 98, p. 77- 105, 2016. p. 94, 100

[19] 19 MENICUCCI, Telma Maria Gonçalves; MACHADO, José Angelo. Judicialization of health policy in the definition of access to public goods: individual rights versus collective rights. Brazilian political science review, Rio de Janeiro, v. 5, 2010. p. 61-64. Disponível em: http://socialsciences.scielo.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S198138212010000100002&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 24 de outubro de 2022. p. 61-64.

[20] BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Jurisp. Mineira, Belo Horizonte, v. 60, n. 188, p. 29-60, jan./mar., 2009. p. 47-50.

[21] BIEHL, João. Patient-Citizen-Consumers: judicialization of health and metamorphosis of biopolitics. Lua Nova, n. 98, p. 77- 105, 2016. p. 91-92

[22] VIEIRA, Fabíola Sulpino; BENEVIDES, Rodrigo Pucci Sá. Os impactos do novo regime fiscal para o financiamento do Sistema Único de Saúde e para a efetivação do direito à saúde no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2016. p. 15.

[23] DUTRA, Roberto; CAMPOS, Mauro Macedo. Por uma sociologia sistêmica da gestão de políticas públicas. Conexão Política, Teresina, v. 2, n. 2, p. 11-47, ago./dez., 2013. p. 35.

[24] MESSEDER, Ana Márcia; CASTRO, Claudia Garcia Serpa Osorio de; LUIZA, Vera Lucia. Mandados judiciais como ferramenta para garantia do acesso a medicamentos no setor público: a experiência do Estado do Rio de Janeiro, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, n. 2, p. 525-534, mar./abr., 2005. p. 527.

[25] BARRETO, Joslene Lacerda. Perfil das demandas judiciais por medicamentos em municípios do estado da Bahia. Revista Baiana de Saúde Pública, v. 37, n. 3, p.536-552, jul./set., 2013. p. 542.

[26] PENALVA, Janaína et al. Judicialização do direito à saúde: o caso do Distrito Federal. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2010/2011. p. 14.

[27] SANT’ANA, Ramiro Nóbrega. Atuação da Defensoria Pública para a garantia do direito à saúde: a judicialização como instrumento de acesso à saúde. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, nº 3, 2018. P. 194-211.

[28] SANT’ANA, Ramiro Nóbrega. Atuação da Defensoria Pública para a garantia do direito à saúde: a judicialização como instrumento de acesso à saúde. Rev. Bras. Polít. Públicas, Brasília, v. 8, nº 3, 2018. P. 194-211.

[29] "A Escola de Frankfurt foi uma escola de pensamento filosófico e sociológico, filiada ao Instituto de Pesquisa Social, que nasceu como um projeto de intelectuais vinculados à Universidade de Frankfurt. A Teoria Crítica foi o elo conceitual que uniu os intelectuais da Escola de Frankfurt, criando uma nova interpretação do marxismo, da sociologia e da política no início do século XX”. https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/a-escola-frankfurt.htm

 

[30] Diário Oficial Eletrônico do Município de Maceió. ANO XXIII - Maceió/AL, Segunda-Feira, 23 de março de 2020 - Nº 5925a - Edição Extraordinária. Disponível em: http://www.cress16.org.br/admin/wp-content/uploads/2020/04/DECRETO-8853-MACEIO.pdf

[31]O coronavírus (COVID-19) é uma doença infecciosa causada pelo vírus SARS-CoV-2. Faz parte de uma ampla família de vírus que pode causar uma variedade de condições, do resfriado comum a doenças mais graves, como a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS-CoV) e a síndrome respiratória. Aguda grave (SARS-CoV). Disponível em: https://www.paho.org/pt/topicos/coronavirus.

[32] Agência governamental, fundada em 7 de abril de 1948 e subordinada à Organização das Nações Unidas. Sua sede é em Genebra, na Suíça. 

[33] Educação infantil, Educação Fundamental Anos Iniciais,Educação Fundamental Anos Finais, Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos – EJA.

[34]Síncrono é um adjetivo que se aplica a algo que acontece simultaneamente. Na comunicação, indica que a mensagem é recebida e pode ser respondida imediatamente. Ou seja, permitindo a interação. Em contrapartida, o formato assíncrono é algo que não possibilita essa interação.

[35] Os estudantes da rede pública de ensino de Maceió, Alagoas, são o foco do nosso estudo.

[36] Referimo-nos ao ano vigente (2022).

[37] Pesquisa disponível em: https://www.cenpec.org.br/.

[38]O número representa um percentual de 17,7% dessa população, considerado pela pesquisa como o quarto maior do Nordeste, segundo a Unicef.

[39] Idades dos estudantes partícipes da pesquisa.

[40] De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz, apesar do cenário favorável em relação às taxas de mortalidade por conta do coronavírus, cientistas ressaltam ainda que a pandemia não acabou e os riscos continuam presentes. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/boletim-covid-19-apesar-de-cenario-favoravel-pandemia-ainda-nao-acabou.



 

 

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