Informação e desenvolvimento em uma sociedade digital

Antonio Miranda*

Doutor em ciência da comunicação pela Universidade de São Paulo, USP, 1987. Desenvolve pesquisas em planejamento de sistemas de informação e comunicação científica. Possui licenciatura em bibliotecologia pela Universidade Central da Venezuela e mestrado na Loughborough University of Technology, Inglaterra, 1974. É professor titular do CID/UnB.

E-mail: cmiranda@unb.br

Ana Valéria Machado Mendonça

Doutoranda em ciência da informação pela universidade de Brasília, UnB, mestre em comunicação e cultura pela ECO/UFRJ, é bacharel em comunicação social. Consultora da Unesco para a área de comunicação junto à Secretaria de Estado de Combate à Pobreza em Sergipe. Pesquisadora do Grupo Comunicação, Educação e Sociedade (CNPq).

E-mail: valeriamendonca@unb.br

Resumo

Apresenta uma síntese dos resultados do Mapa da Exclusão Social e discute algumas diferenças sociais em torno das novas tecnologias da informação e da comunicação, mostrando os principais pensamentos da atualidade sobre a sociedade da informação e sua construção no universo pós-moderno.

Palavras-chave

Sociedade da informação. Inclusão digital. Informação. Desenvolvimento. Sociedade.

Information and development in a digital society Abstract

This article presents a synthesis of the results of the Social Exclusion Map and discusses some social differences existing in the new information and communication technologies pointing out the main up-to-date thoughts about information society and its building-up in the post-modern universe.

Keywords

Information society. Digital inclusion. Information. Development. Society.

INTRODUÇÃO

A exclusão digital é um fenômeno complexo e de várias dimensões. O incentivo somente ao desenvolvimento tecnológico não é suficiente para superá-la, sendo necessário também incentivar a democratização da informação, ampliando o acesso do cidadão aos espaços públicos de produção e divulgação do conhecimento, e melhorar a distribuição de renda, assim como o desenvolvimento dos recursos humanos locais e a construção de uma rede digital rizomática. É preciso que cada ponto se transforme em uma base que possa desencadear novos pontos, estruturados nas relações coletivas, e constituídos a partir de suas necessidades e características, assim como de demandas provenientes dos cenários nacional e mundial, interligando cada grupo, desde suas raízes locais, permitindo o trânsito em mão dupla do conhecimento.

O nível de exclusão digital dos países é medido em termos do número de telefones, computadores e usuários da Internet. Essa medição se faz em termos de raça, gênero, idade, deficiência, localização e renda entre grupos específicos dentro de cada país. É difícil entender completamente a exclusão digital, as soluções propostas e o impacto real que ela exerce quando existem múltiplas definições do problema, pontos de vista conflitantes sobre a melhora ou piora da situação e várias opiniões sobre os principais fatores que a afetam.

Fonte: acesso global à internet por continente. União Internacional de Telecomunicações, 2002. http://usinfo.state.gov/journals/itgic/1103/ ijgp/gj08.htm

* O professor de jornalismo e diretor do Center for New Media, da Universidade de Columbia, em NY, John Pavlík, define como nova mídia a convergência entre computadores, telecomunicações e os meios tradicionais de comunicação. O resultado dessa ‘mistu-ra digital’ on-line inclui não somente a Internet, mas também ou-tros recursos, como as ferramentas para apuração de notícias, todos os tipos de câmeras, as imagens remotas via satélite, as formas de transmissão da informação e as formas de armaze-namento dessas informações.In: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação . v. XXIII, nº 1, jan./jun.2000. p. 140. Professor doutor Antônio Lisboa Carvalho de Miranda (UnB) foi coordenador do GT de Conteúdos e Identidade Cultural durante a elaboração do LivroVerde da Sociedade da Informação .

No caso das populações excluídas que, em decorrência de inadequado funcionamento da sociedade, sofrem cerceamento de parte significativa dos direitos humanos, sociais, econômicos e culturais, é fundamental que essa mesma sociedade promova, em conjunto, condições para a reinserção desse grupo, criando e mantendo espaços de socialização positiva. A falta de acesso à informação e às tecnologias, assim como aos serviços e direitos cidadãos, deve ser uma preocupação constante dos governos no momento de pensar, planejar e instituir políticas e programas de inclusão social e combate à pobreza.

Sabe-se, hoje, que a pobreza não é um fenômeno puramente econômico que pode ser superado apenas com a distribuição de renda. Ela não se caracteriza somente pela falta de acesso a riquezas produzidas, mas pela falta de acesso à educação, à saúde, à habitação, à participação social, aos direitos humanos e às tecnologias de informação e comunicação.

Portanto, há de se considerar a importância à democratização do acesso às informações mediadas pelas tecnologias de informação, educação e comunicação como um capital fundamental no combate à exclusão digital, à pobreza e à ampliação dos direitos do cidadão.

Segundo o IBGE, censo de 2000, no Brasil, a população de pessoas com acesso doméstico a computador é de 16.209.223.00. Em uma população de 169.872.850, o total de excluídos digitais é de 153.663.627. Ampliando as possíveis análises sobre esses dados, a Fundação Getúlio Vargas construiu o Mapa Social do Brasil, que amplia a visão sobre o contexto em que ocorre a exclusão digital.

Considerando neste quadro o nível de participação dos excluídos no acesso à informação, à produção e à circulação do conhecimento através das novas tecnologias de informação e comunicação, as demandas aumentam e os índices de exclusão do cidadão tornam-se imensuráveis.

Nesse sentido, é importante considerar que em uma sociedade caracterizada ou definida como sociedade da informação, na qual o avanço tecnológico tem afetado não somente as condições culturais, mas principalmente as relações de trabalho, a oferta de novos postos de produção e a extinção de tantos outros, estar excluído desses processos por causa do des-conhecimento ou da não-utilização condena o indivíduo à miséria permanente.

Fonte: Mapa da Exclusão Digital, FGV/RJ, Abril de 2003.

Segundo Peters, a Bridges.org., uma organização in-ternacional não-governamental com sede na Cidade do Cabo, África do Sul, e que promove o uso eficaz de TIC no mundo a fim de reduzir a pobreza e melhorar a vida do indivíduo, famílias e comunidades, chama isso de Acesso Real à TIC, e seu trabalho identifica 12 fatores interrelacionados que determinam se a TIC pode ser usada efetivamente pela população:

• Acesso físico: a tecnologia está disponível e acessível a todas as pessoas e organizações?

• Tecnologia adequada: a tecnologia disponível é adequada às necessidades e condições locais? Qual é a tecnologia adequada considerando o que as pessoas precisam e como querem usá-la?

• Preço acessível: a tecnologia está disponível a um preço acessível para a população?

• Capacitação: a população tem a capacitação e os conhecimentos necessários para o uso efetivo da tecnologia? Ela sabe como usar a tecnologia e conhece seu potencial de uso?

• Conteúdo relevante: está disponível um conteúdo local relevante, especialmente em termos de linguagem?

• Integração: a utilização da tecnologia é um ônus na vida das pessoas ou está integrada às suas rotinas diárias?

• Fatores socioculturais: há restrições à utilização da tecnologia com base em gênero, raça ou outros fatores socioculturais?

• Confiança: as pessoas confiam na tecnologia e compreendem as implicações de seu uso, por exemplo, em termos de privacidade, segurança ou cibercrime?

• Estrutura jurídica e normativa: as leis e regulamentações limitam o uso da tecnologia? É necessário proceder a mudanças para criar um ambiente que estimule o uso da tecnologia?

• Ambiente econômico local: o ambiente econômico local é propício ao uso da tecnologia? A tecnologia faz parte do desenvolvimento econômico local? O que é preciso fazer para integrar a tecnologia ao desenvolvimento econômico local?

  • Ambiente macroeconômico: o uso da tecnologia é limitado em razão do ambiente macroeconômico do país ou região, por exemplo, em termos de falta de regulamentação, questões de investimento e questões trabalhistas?

• Vontade política: existe vontade política da parte do governo para promover a integração tecnológica de toda a sociedade e apoio popular para o processo de tomada de decisão do governo?

Fonte: Mapa da Exclusão Digital, FGV/RJ, Abril de 2003.

Fruto de uma parceria entre o Comitê para a Democratização da Informática (CDI), a Fundação Getúlio Vargas, a Sun Microsystems e a USAID –The United States Agency for International Development, foi construído o Mapa da Exclusão Digital, resultado de dez meses de estudo detalhado sobre a exclusão digital, que se tornou referência no processo de planejamento e definição de políticas públicas e estratégias para superação da exclusão, definindo e redefinindo programas, investimentos de empresas privadas e ações das organizações não-governamentais.

Este documento traça perfis nos diversos segmentos da sociedade no que diz respeito ao acesso às tecnologias da informação e comunicação, considerando o capital físico (a máquina, ossoftwares), o capital humano (educação e capacitação) e social.

UM EXEMPLO QUE VEM DO NORDESTE

Em todo o Nordeste brasileiro, os índices de desenvolvimento humano refletem uma realidade extremamente perversa em quase todos os estados, cujas populações – mais de 50% – são consideradas abaixo da linha de pobreza.

Embora ocupe a terceira melhor posição na região segundo o Mapa da Exclusão Digital, Sergipe apresenta apenas 5,41% de sua população com relação à proporção; moradores com acesso a computador, ou seja, mais de 94% dos sergipanos não têm acesso a computador. Esse percentual cresce muito quando se refere à população com acesso a Internet.

A implantação de um programa estadual de inclusão digital voltado para a melhoria da qualidade de vida requer, do governo estadual, a constituição de um leque de parcerias dentro e fora do estado que envolva secretarias de governo, universidades, organizações não-governamentais e governos federal e municipais. Fortalecidos, pode-se desenvolver ações que tenham por objetivo a melhoria dos índices de inclusão digital a exemplo do sergipano.

SOCIEDADE DA COMUNICAÇÃO – INFORMANDO E DESENVOLVENDO

O modelo condensado tradicional de percepção do social dos últimos 50 anos mistura-se ao inovador técnico,“advindo das experiências pós-industrialistas dos anos 40-50 nos EUA e em 1958, na França, com a 5ª República”, ressaltados por Lemos (LEMOS, 2002, p. 68), ao tentar construir os atuais paradigmas de uma sociedade cujo sentimento persegue o presente, com ênfase nas promessas tecnológicas e no elevado índice de produção de bens e serviços que possam oferecer.

Fazendo uma analogia entre o uso dos instrumentos tecnológicos e a influência dos aspectos sociais ora buscados, Vattimo observa que: ... Quando falamos de civilização da técnica, devemos compreender que aquilo a que nos referimos não é apenas o conjunto dos utensílios técnicos que mediatizam a relação entre o homem e a natureza, facilitando-lhe a existência através de todos os tipos de utilização das forças naturais. Embora esta definição da tecnologia seja válida, em geral, para todas as épocas, revela-se hoje demasiado genérica e superficial: a tecnologia que domina e modela o mundo em que vivemos é certamente feita de máquinas, que fornecem os meios para ‘dominar’ a natureza externa; mas é sobretudo definida, e de maneira essencial, por sistemas de recolha e transmissão de informações. (1989, p. 24)

Ele diz ainda que:

... A sociedade da comunicação se torna um ideal normativo, com a introdução do termo comunidade, que evoca uma idéia de maior organicidade e imediatismo da própria comunicação(...). A sociedade da comunicação ilimitada, aquela em que se realiza a comunidade do socialismo lógico, é uma sociedade transparente (VATTIMO, 1989, p. 29), motivando uma avaliação direta sobre o fator sociocultural diante das novas mídias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base em tais afirmações, conclui-se sobre o caráter fenomenológico dos novos paradigmas da sociedade conhecida como tecnológica ou pós-moderna, como prefere chamar Mattelart (2002, p.105), ao especificar que: “o saber pós-moderno é ambivalente. Ele é ao mesmo tempo um novo instrumento de poder e uma abertura para as diferenças”, Lyotard (2000, XV) designa o termo como “o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes a partir do final do século XIX”, palavras que fazem valer que “o saber é ou será afetado em suas principais funções: a pesquisa e a transmissão de conhecimentos”. (LYOTARD, 2000, p.4)

As relações em rede devem ser explicadas de imediato, uma vez que sua contextualização será uma constante no decorrer desta análise, sob o ponto de vista da construção do conhecimento genérico entre homens e máquinas, com ênfase na construção de uma memória social, em um espaço onde há lugar para a redefinição de valores e conceitos chamada por Pierre Lévy de ciberespaço.

Com a Internet, dão-se as relações entre o concreto e o virtual, o real e o atual. Considerada pelo Livro Verde da Sociedade da Informação como “território” agregador de múltiplas identidades, a Internet é o mais novo meio de comunicação associado à idéia de espaço virtual, de multilinguagens e atribuições de tarefas de transferência de informação por princípios estéticos e culturais, da mesma forma multifacetados. Segundo Miranda , o futuro organizado está associado à propositura de novos modos de vida e novas visões de mundo, de conteúdos e de instrumentos de comunicação que busquem a transformação da estrutura social.

Historicamente, o registro das revoluções tecnológicas mostra que todas elas foram avaliadas pelo grau de penetrabilidade nos domínios da atividade humana. Segundo Castells, ela induz o aparecimento de novos produtos, centraliza conhecimentos e informações, gerando uma espécie de ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e o seu uso. Sobre isso, podemos sintetizar a idéia de Castells sobre os três estágios distintos de usos das novas tecnologias de telecomunicações nas últimas duas décadas da seguinte forma:

Nos dois primeiros estágios (a automação de tarefas e as experiências de usos), o progresso da inovação tecnológica baseou-se em aprender usando. No terceiro estágio (a reconfiguração das aplicações), os usuários aprenderam a tecnologia fazendo, o que resultou na reconfiguração das redes e na descoberta de novas aplicações. (1999, p.51)

Essas novas tecnologias precisaram de uma condição sine qua non de confiabilidade, para que a sociedade buscasse, paulatinamente, a adaptação ao novo globalizado. Observar somente não bastaria. Assim sendo, nada melhor do que o apelo à sociedade para participar do todo reconstruído e a partir de então acompanhar as revoluções tecnológicas que vêm acontecendo no mundo, ou seja, o que Castells chama de aplicação imediata no próprio desenvolvimento da tecnologia gerada, fato observado entre meados dos anos 70 e 90 do século XX.

Na atualidade, o Programa Sociedade da Informação traz como objetivos integrar, coordenar e fomentar ações para a utilização de tecnologias de informação, educação e comunicação, de forma a contribuir para a inclusão social de todos os brasileiros na nova sociedade e, ao mesmo tempo, contribuir para que a economia do país tenha condições de competir no mercado global.

Investir na inclusão digital, portanto, não significa apenas alfabetizar tecnologicamente os indivíduos, as famílias e comunidades, mas também inserir conteúdos, avaliar seus processos de recepção e mediação, tendo como finalidade a aplicabilidade social desses conteúdos trabalhados a partir de conceitos e práticas da alfabetização da informação junto às escolas, por conseqüência, junto aos professores e alunos, a fim de que a sociedade esteja bem preparada para os desafios da informação e do desenvolvimento tecnológico.

REFERÊNCIAS

CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra. 1999.

LEMOS, André. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. Porto Alegre: Sulina, 2002.

LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.

LYOTARD, J. F. A condição pós-moderna . 6. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000.

MATTELART, A. História da sociedade da informação . São Paulo: Loyola, 2002.

PAVLÍK, J.; MOREIRA, S.V. O impacto das novas tecnologias da informação na prática do jornalismo.Revista Brasileira de Ciências da Comunicação , São Paulo, v. 23, n. 1, jan./jun. 2000.

RELATÓRIO sobre o desenvolvimento mundial de 2004: fazendo com que os serviços atendam os pobres. São Paulo: FGV, 2003.

REZENDE, Laura V. R. O processo de alfabetização em Informação inserido em projetos de inclusão digital: uma análise crítica. 2005. Dissertação (Mestrado)- Departamento de Ciência da Informação e Documentação. Universidade de Brasília, Brasília, 2005.

SCHAUER, Thomas. Igualdade e diversidade na era da informação . [S.l.: s.n.], 2003.

TAKAHASHI, Tadao (Org.). Sociedade da informação no Brasil : livro verde. Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia, 2000.

VATTIMO, G. A sociedade transparente. Lisboa: Edições 70, 1989.

Documentos eletrônicos:

BRASIL. Ministério das Comunicações.Telecentro. Disponível em: <http://www.idbrasil.gov.br/menu_interno/docs_telecentro/ gestao>. Acesso em: 2005.

BRASÍLIA. Secretaria de Estado para o Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia. Sub-Secretaria de Inclusão Digital.Projeto de inclusão digital. Disponível em: <http://www.sdct.df.gov.br/>. Acesso: 2005.

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS - FGV. Mapa da exclusão digital. São Paulo, 2003. Disponível em: <http://www2.fgv.br/ibre/ cps/mapa_exclusão>. Acesso em: 2005.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Censo geográfico e estatístico, 2000 . [S.l.], 2000.

PETERS, Tereza. Combate à exclusão digital.Revista eletrônica do departamento de Estado dos EUA, v. 8, n. 3, nov. 2003. Disponível em: <http://usinfo.state.gov/journals/itgic/1103/ijgp/gj08.htm>. Acesso em: 2005.

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