A função social da Academia Brasileira de Ciências

Eduardo Krieger

Presidente da Academia Brasileira de Ciências.

Inclusão Social – Qual o papel da Academia Brasileira de Ciências para inclusão social no Brasil?

Eduardo Krieger – Como todo brasileiro que tem noção do que está acontecendo em nosso país, sobre o nível de desenvolvimento e o grau de instrução da população, em suma, as condições sociais do país, eu estou muito preocupado com a questão da inclusão social. Não é possível continuarmos com uma parcela tão grande da população que não participa ativamente dos benefícios do progresso, dos benefícios da educação, em suma, da merecida melhoria das condições de vida. Existe uma preocupação, e evidentemente a Academia Brasileira de Ciências, como uma instituição que zela pela vida, que promove a pesquisa, tem muito claro o papel que a ciência e tecnologia jogam nesse campo. Nós sabemos que hoje os instrumentos de ciência e tecnologia são essenciais para resolver qualquer um dos grandes problemas sociais e econômicos enfrentados pelos diferentes países. Evidentemente que a ciência e a tecnologia permeia as atividades, como a educação, a informação e a capacidade de transmissão do conhecimento existem para uso da população. Queremos facilitar o acesso às novas tecnologias para as pessoas que estão menos habilitadas a usá-las e, principalmente, facilitar o acesso dessas tecnologias para pequenos grupos. Veja, por exemplo, o caso da agricultura. Nós estamos preocupados não só com a grande agricultura, mas também com o pequeno agricultor, criando formas que façam como que ele receba mais elementos para poder ser mais eficiente na sua pequena agricultura, muitas vezes de subsistência. Eu quero resumir dizendo o seguinte: Academia Brasileira de Ciências tem a preocupação e acredita que a ciência e a tecnologia são instrumentos fundamentais para a inclusão social. Não só para a melhoria da educação, mas também para gerar maior desenvolvimento capaz de atingir todas as camadas da população.

Inclusão Social – Professor Krieger, o que está sendo feito de prático pela Academia Brasileira de Ciências sobre esse aspecto? Já existe algum trabalho, algum projeto, alguma atividade que a Academia está tentando ou procurando viabilizar?

Eduardo Krieger – Primeiro, devemos partir do princípio de que, fazendo a promoção da ciência, nós estamos indiretamente trabalhando para isso. A ciência permeia a educação em todos os níveis. Ela prepara melhor o cidadão e, ao fazer isso, está colaborando, evidentemente, para preparar o indivíduo para ele ter melhores condições de vida, em qualquer circunstância. Tudo que se faz hoje para promover a ciência tem reflexos imediatos na possibilidade de melhorar as condições de vida. Essa é a primeira coisa. Também temos coisas que são mais diretas. Uma delas é o programa Educação em Ciência – um dos mais intensos que temos hoje na Academia e que é feito também pelas academias de todo mundo. Nós temos uma rede de academias que tem esse programa em comum – Educação em Ciência. Nós estamos preocupados em fazer com que a educação das crianças tenha um componente moderno de ciência. Para isso, nós estamos usando vários programas, alguns deles consagrados internacionalmente, ensinando os estudantes a “meter a mão na massa”, ou como o programa Learning by doing, que faz com que as crianças aprendam ciência objetivamente, fazendo as coisas. Não uma coisa teórica, mas uma técnica que mostra como as coisas funcionam na prática. A criança precisa conhecer melhor a natureza, como se dá a relação dos fenômenos físicos, químicos e outros fenômenos. Então, isso aí é uma das coisas objetivas que a Academia está fazendo.

Inclusão Social – Como se dá a parceria entre a Academia Brasileira de Ciências e o setor público e privado para a implementação dos programas sobre os quais o senhor acaba de se referir?

Eduardo Krieger – Olha, a Academia Brasileira de Ciências faz a sua parte. Tudo começa em alguns núcleos, evidentemente que essas coisas têm sempre um início. Nosso trabalho começou em núcleos principalmente no Rio de Janeiro, São Paulo, São Carlos. São as cidades que iniciaram primeiro. Hoje, nós temos várias cidades integradas, vários estados que estão sendo incorporados. É uma ação que se faz um pouco lenta. A velocidade precisa aumentar, porque a nossa idéia é exatamente fazer modelos. Porque quem vai levar isso para as massas, para as crianças, é o setor educacional, o setor público e o setor privado. Principalmente o setor público que é o responsável. Não somos nós que vamos implementar tudo isso aí. Nós vamos levar oknow-how, nós vamos treinar os professores. Anualmente, nós estamos mandando para Paris 20 ou 30 professores de ciência, que vão lá fazer os programas de treinamento e voltam capacitados. Este professores transformam-se em multiplicadores. A nossa idéia é trabalhar exatamente o treinamento. Agora fazer com que isso se estenda para toda a rede é uma tarefa do setor público.

Inclusão Social – Saindo um pouco da esfera pública. O senhor poderia citar alguns mecanismos que a Academia Brasileira de Ciências está desenvolvendo para gerar uma aproximação com a iniciativa privada?

Eduardo Krieger – A Academia sempre teve uma vocação para trabalhar na institucionalização de mecanismos de ciência e tecnologia no Brasil. Nós tivemos uma atuação pioneira na criação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), na década de 50. O primeiro presidente do CNPq, Dr. Álvaro Alberto, era presidente da Academia Brasileira de Ciências. Nós participamos da criação do Ministério da Ciência e Tecnologia. Nós estamos muito atentos à institucionalização da ciência e da tecnologia e, nos últimos anos, temos nos preocupado muito em ver criado um fórum no qual a comunidade científica, a sociedade e, principalmente, os empresários possam dialogar com o governo. Nos últimos anos, temos refletido muito sobre o funcionamento do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, porque é nele que estão a maioria dos ministérios que se dedicam às questões referentes a ciência e à tecnologia. Essas preocupações não estão apenas no Ministério de Ciência e Tecnologia, mas também o Ministério da Saúde, Educação, Agricultura e Meio Ambiente, todos trabalham com ciência e tecnologia, juntamente com a representação dos empresários que atuam no setor científico e tecnológico. O Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia é um dos locais em que nós podemos dialogar com a iniciativa privada, a comunidade científica e o governo. Todos precisam ter uma idéia mais global do que se faz no país em matéria de ciência e tecnologia, precisamos discutir prioridades, ter uma agenda para o país. Um país democrático precisa ter um fórum em que diferentes atores se reúnam. Não podemos esperar que aconteçam as coisas que acontecem nos países autoritários, em que alguém decide e faz. Aliás, em alguns casos, com sucesso. Com sucesso, porque não consultam ninguém e, às vezes, se fazem coisas boas. Ninguém está apregoando isso. Nós queremos viver em um país democrático e precisamos aperfeiçoar o diálogo com a sociedade. Então, o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, é um desses locais. Eu tenho freqüentado o Conselho, como tenho freqüentado os outros da área social, e cada vez mais me convenço do papel da ciência e tecnologia para promover a inclusão social. A ciência e tecnologia têm um papel fundamental porque são instrumentos indispensáveis para você resolver problemas sociais como a violência. Nos dias de hoje tudo precisa de um embasamento científico para ser analisado, medidas têm de ser definidas de forma racional, devem ser equacionadas de forma ética e profissional. Isso tudo é ciência e tecnologia. Nós estamos muito convencidos de que a ciência e tecnologia têm um papel muito grande no dia-a-dia do cidadão. Não é só uma coisa que é para ser usada no futuro. Não, ciência e tecnologia é uma coisa atual, do momento, para ser usada. É um instrumento do cidadão. Um homem, para uso pleno da cidadania, precisa de tecnologias elementares, a inclusão digital, por exemplo. Especialmente os jovens precisam hoje saber como funciona um computador.

Inclusão Social – O senhor mencionou agora a necessidade do acesso dos jovens às tecnologias digitais, como, por exemplo, o computador. De que maneira a inclusão digital pode proporcionar a inclusão social?

Eduardo Krieger – A primeira coisa é a transferência do conhecimento em si. Você precisa dar a todos o mínimo de conhecimento, porque isso possibilita um melhor entendimento do mundo em que o indivíduo vive. Dar a possibilidade de o indivíduo fazer escolhas, porque muitas vezes o indivíduo não muda de vida. Por não ter conhecimento, ele ignora as coisas. Então, à medida que você dispõe de conhecimento, possibilita que ele tenha acesso a novas visões, novas coisas, novos ambientes. Hoje a Internet é uma coisa fantástica como fator de educação, fator de transmissão de informação, de atualização do cidadão. Então, em qualquer lugar, ligado à rede, ele está incluído pelo menos no conhecimento. Evidentemente, a inclusão social ainda precisa de mais coisas, mas pelo menos ele está com informações, que é o fundamental.

Inclusão Social – O senhor, também quando mencionou a questão do Conselho de Ciência e Tecnologia, falou da necessidade de o Brasil criar uma agenda sobre esse tema. Na sua opinião, como seria a criação dessa agenda?

Eduardo Krieger – Já existe no próprio Conselho, embora seja nossa intensão que ele funcione com mais regularidade, com diferentes comissões. Uma delas é do desenvolvimento regional, e essa comissão tem se preocupado muito em identificar quais as prioridades de cada região. Prioridades em termos de ciência e tecnologia, porque uma região como a região Sul e o Sudeste tem o problema diferentes. Em outros lugares, às vezes o problema é de outra ordem. O problema é até do pequeno agricultor, que precisa de tecnologias em pequena escala, uso individual, e que também precisa de assessoramento. Então, essas coisas devem ser debatidas em reuniões com algumas idéias sobre como fazer. Existem vários planos elaborados por diferentes agências do governo sobre desenvolvimento regional. Em todos eles, sempre há um componente do papel da universidade, da ciência e tecnologia. É claro que varia um pouco em cada região. Claro que todos precisam de universidade, mas a necessidade às vezes de conhecimento e de aplicação de conhecimento varia de região para região, mas sempre a ciência e tecnologia estão presentes.

Inclusão Social – O senhor conhece experiências adotadas em outros países sobre inclusão social?

Eduardo Krieger – De acordo com a riqueza e a capacidade de uso da ciência e tecnologia, os países são ou desenvolvidos ou em desenvolvimento, mas há aí hoje uma nova classificação, alguns países em desenvolvimento já têm certa capacidade científica: formam recursos humanos de qualidade, possuem nichos de aplicação da ciência e tecnologia, mas não é um uso difuso e generalizado, com benefícios à maior parte da população. Países que têm esse movimento científico, tecnológico e de riqueza generalizado são industrializados. Nos países em desenvolvimento, há um grupo de países que estão no meio, já criaram alguma coisa, mas não chegaram lá, ainda. O Brasil está nesse grupo. O Brasil, a China e a Índia estão nesse bloco de países que já estão atingindo um certo grau de desenvolvimento. Já sabem aplicar a ciência e tecnologia, só que essa aplicação ainda não é tão intensa e generalizada para permitir o país dar o salto e chegar aostatus de país industrializado. Então, nesses países como a China, Índia, o México, a África do Sul, estamos vendo experiências parecidas como as nossas – há um esforço muito grande em usar o conhecimento no desenvolvimento. Quando eu falo em conhecimento e desenvolvimento, penso naquilo que atinge a toda a população. Então, que a inclusão social passa por isso, passa pelo desenvolvimento do país, passa pela possibilidade de um número maior de pessoas se beneficiar com a melhor qualidade de vida. Foi o que aconteceu na Coréia do Sul, que deu esse salto enorme de desenvolvimento, e tinha uma renda per capita, na década de 60, de menos de 1.000 dólares, e hoje tem uma renda per capita de 11 mil dólares. Evidentemente que, em parte, os problemas sul-coreanos foram solucionados com a inclusão social. Então, é isso que estamos precisando aqui no Brasil, que aumente a nossa capacidade de fazer ciência e criar recursos humanos qualificados em todos os níveis, desde operários instruídos, os profissionais formados, até os pesquisadores que vão realmente gerar o conhecimento. São aqueles que vão depois ali na indústria, no setor produtivo, usar o conhecimento para fazer o desenvolvimento. Devemos olhar o nosso país nesse conjunto de países que, no momento, estão em uma situação muito particular. Já saíram do pelotão dos países chamados sem desenvolvimento, mas não chegaram ainda no pelotão dos países industrializados. Mas tem condições.

Inclusão Social – Como o conhecimento científico, de fato, é capaz de proporcionar a inclusão social?

Eduardo Krieger – O que eu quis passar é que a inclusão social é vista sobre vários ângulos. Nós, da Academia Brasileira de Ciência, vemos sob o ângulo do que a ciência pode fazer, o que o conhecimento pode fazer. Há um campo enorme. Se nós atuarmos direta ou indiretamente, melhorando a educação, dando melhores condições para todos melhorarem a sua condição de vida, é uma forma de fazer inclusão social. Em contrapartida, a ciência e tecnologia geram instrumentos poderosos que podem alavancar um desenvolvimento social e econômico, proporcionando a inclusão social, a melhoria das condições de vida, alimento, saúde, água, saneamento. Às vezes é preciso haver novos conhecimentos ou pelo menos pessoal capacitado para usar o conhecimento. Não é necessário conhecimento novo, mas sempre a aplicação do conhecimento existente. Mas, mesmo assim, são pessoas qualificadas e educadas que fazem essa aplicação. Então, o papel que a ciência tem na educação consiste em alavancar o desenvolvimento, ela é um fator fundamental para o desenvolvimento do país, para a inclusão social e a diminuição das desigualdades.

Entrevista concedida no dia 21 de março de 2006 a Pedro Anísio Sousa de Figueiredo (Ibict).

 

</