Ibict, trabalho infantil e recentes acontecimentos na política nacional
Isa Maria de Oliveira (FNPETI)
Socióloga. Secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI), desde 2002. Secretária-executiva do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), 1996-1998.
Inclusão Social Como a senhora descreveria a importância da parceria OIT/IPEC/FNPETI com o Ibict na ação do combate ao trabalho infantil?
Isa Maria de Oliveira Antes de comentar essa parceria estratégica, gostaria de contextualizar a trajetória do Fórum Nacional desde sua criação, em 1994, até a presente data, na luta contra o trabalho infantil no Brasil. Vale ressaltar que o Fórum é uma invenção brasileira, que eu saiba sem similares na América Latina nem outras partes do mundo. A concepção é singular e abriga um espaço permanente de articulação e mobilização dos representantes do governo federal, de organizações de trabalhadores, de empregadores e de entidades da sociedade civil. Se incluirmos os 27 fóruns estaduais, que têm uma estrutura semelhante, temos aproximadamente 79 entidades.
A atuação do FNPETI tem estreita relação com a mudança do quadro do trabalho infantil no Brasil e com o processo de ratificação das convenções internacionais da OIT. Fica então clara a importância da parceria com a OIT, pois um dos objetivos do Fórum é buscar que os compromissos assumidos em nível internacional pelo Brasil sejam cumpridos e implementados. A parceria com o Unicef também é estratégica. Gostaria de ressaltar o papel que o Fórum teve na construção do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil. No âmbito do fórum, foi criado o Programa de Ações Integradas, o embrião do Peti, para a retirada de crianças do trabalho infantil nas carvoarias de Mato Grosso do Sul; na região sisaleira da Bahia e na produção de cítricos e sucro-alcooleira em São Paulo. Em todas essas áreas, havia situação extremamente grave de exploração da mão-de-obra infantil e foi necessária uma estratégia envolvendo vários setores, atores sociais, poderes públicos, que compreendia o repasse de recursos financeiros às famílias, condicionado à retirada das crianças do trabalho, sua inclusão na escola e em atividades socioeducativas no contraturno.
Inclusão Social E como o Ibict entra nesse cenário de combate ao trabalho infantil?
Isa A presença do Ministério da Ciência e Tecnologia, por meio do Ibict, é recente. Em uma primeira análise, pode parecer estranho que uma entidade guardiã das informações em ciência e tecnologia tenha um papel nesse contexto. Neste momento em que o processo de eliminação efetiva do trabalho infantil no Brasil precisa dar um salto qualitativo, a informação é fundamental. Daí a importância da parceria com o Ibict.
Já temos parcerias com outras entidades que geram dados confiáveis e constantes sobre o tema, como o IBGE e o próprio Ministério do Trabalho e Emprego. Entretanto, o movimento nacional e internacional de luta contra a exploração da mão-de-obra de meninas, meninos e adolescentes necessita de um envolvimento ainda maior da Academia e também de um canal de difusão de informações em escala para a qual a rede nacional coordenada pelo Fórum não tem a necessária estrutura. Além do mais, nesses últimos 14 anos, particularmente desde que o Programa IPEC da OIT veio para o Brasil, muito tem sido produzido em português sobre o tema. Fica mais fácil entender o porquê de o Ibict integrar esse cenário. O Instituto vai abrigar o primeiro centro de referência de informações sobre o trabalho infantil, virtual e físico. Nesse contexto, esta Revista é um veículo privilegiado.
Inclusão Social O que lhe chamou a atenção na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, o PNAD 2004, do IBGE, sobre trabalho infantil no Brasil?
Isa Ainda não se tem uma análise detalhada, mas os dados indicam que continua a tendência de queda, embora pouco significativa. Em 2003, na faixa etária entre 5 e 17 anos, havia 12% das crianças e adolescentes trabalhando. Agora são 11,8%. Os dados confirmam o que já sabíamos em 2003: o índice maior de trabalho infantil é na área rural. Há agora uma pequena mudança quanto às regiões. O Sul, com 14,9% das crianças no mercado de trabalho, superou o Nordeste, que tem 14,8%. Houve elevação na região Norte, porque esta PNAD coletou informações da área rural que não estavam incluídas nas pesquisas anteriores.
Inclusão Social Nossa Revista vem publicando vários artigos sobre as políticas públicas sociais. Como a senhora avalia a integração do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), ao Bolsa Família?
Isa Em tese, se você analisa do ponto de vista da expansão da cobertura do programa, é positiva. Outro aspecto, também positivo, é que essa integração vai se dar a partir da implantação de um cadastro único, o que irá assegurar o repasse financeiro diretamente às famílias, evitando atrasos no pagamento das bolsas em decorrência da inadimplência das prefeituras.
Inclusão Social Isso deve então garantir mais eficiência?
Isa Sim. Mas o cadastro único ainda está em construção e, pelo menos até o mês de março, era baixo o percentual de inclusão das famílias do Peti no cadastro, menos de 20%. O atendimento em 2005 chegou a 1 milhão e 10 mil crianças aproximadamente. Há situações especiais, como a das regiões ribeirinhas, em que o pagamento não pode ser feito por cartão eletrônico. Nesses casos, outras formas de pagamento terão de ser viabilizadas. A grande maioria, porém, poderá ser incluída no cadastro único e receber diretamente por meio do cartão.
Inclusão Social O que a preocupa nesta mudança?
Isa Tem sido informado que o Bolsa Família é operacionalmente mais eficaz. Mas há ainda muitos ajustes a serem feitos. No que se refere ao trabalho infantil, é importante assegurar a todas as crianças o acesso às atividades socioeducativas no contraturno. Também são necessárias medidas para a inclusão produtiva das famílias. Como tais atividades devem ser garantidas pelas prefeituras, é importante que a expansão do programa esteja articulada com a sensibilização do gestor municipal, como forma de obter sua adesão. Como se sabe, o repasse federal de R$ 20,00 per capita não é suficiente para assegurar a estrutura física, o pagamento dos monitores e os equipamentos para a realização das atividades culturais, esportivas e de lazer.
Inclusão Social Qual é o grande desafio para 2006?
Isa Continua sendo o enfrentamento do trabalho infantil nas ruas. Há indicativos fortes de que muitas crianças continuam trabalhando mesmo quando freqüentam a escola e as atividades de jornada ampliada e têm suas famílias incluídas no Peti. O trabalho com as famílias é praticamente inexistente. Mais de 80% dos municípios que implementam o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil não têm uma atuação efetiva nesse sentido. As famílias precisam ser conscientizadas de que também são, junto com o Estado e a sociedade, responsáveis pela proteção à criança.
Inclusão Social Como está o combate à exploração sexual-comercial de crianças e adolescentes e também no narcoplantio e no narcotráfico?
Isa As ações existentes não têm tido efetividade. No caso do tráfico, por exemplo, tem aumentado o número de mortes de jovens e diminuído a idade daqueles que são aliciados pelo crime organizado. Para a eliminação de todas essas formas, é necessário que novas estratégias sejam definidas e fundadas em uma articulação entre o governo e a sociedade civil. É fundamental a criação de uma rede de proteção que acolha as crianças e adolescentes retirados da exploração sexual e do narcotráfico. Mas, sem dúvida, as medidas de prevenção serão sempre mais eficazes.
Inclusão Social Como o trabalho infantil doméstico pode ser combatido de maneira mais efetiva?
Isa Esse tipo de trabalho ocorre no interior das casas e permanece oculto ou invisível para a sociedade. De todas as formas de trabalho infantil, é a que mais determina distorções entre idade e série. É importante destacar que 90% dos trabalhadores infantis são meninas. Elas freqüentam a escola, mas como cumprem jornadas intermináveis, não têm tempo para estudar. Quanto mais jovem a menina é submetida ao trabalho infantil doméstico, menor a sua oportunidade de concluir o ensino fundamental. Um dado perverso é que a família que explora o trabalho infantil doméstico se considera como protetora e assim é vista pela sociedade.
O trabalho doméstico infantil, em particular, e todas as demais formas de exploração do trabalho infantil são ao mesmo tempo uma conseqüência e fatores de reprodução da pobreza, da desigualdade e da exclusão social.
Entrevista concedida no dia 20 de abril de 2006 à doutora Cecília Leite de Oliveira (Ibict).