AUTOGESTÃO, COOPERATIVISMO E ECONOMIA SOLIDÁRIA NO NuMI-EcoSol/UFSCar: A INFLUÊNCIA DE PAUL SINGER

 

Isabela Ap. de Oliveira Lussi

 UFSCar

 

Ana Lucia Cortegoso

UFSCar

 

Ioshiaqui Shimbo

UFSCar

 

Maria Lucia Teixeira Machado

UFSCar

 

Maria Zanin

UFSCar

 

Bernardo Arantes do Nascimento Teixeira

UFSCar

 

______________________________

Resumo

Neste artigo é apresentada uma análise de práticas autogestionárias desenvolvidas em uma unidade universitária de fomento à economia solidária, a Incubadora Regional de Cooperativas Populares da Universidade Federal de São Carlos (INCOOP/UFSCar), e seu sucessor, o Núcleo Multidisciplinar e Integrado de Estudos, Formação e Intervenção em Economia Solidária (NuMI-EcoSol), ressaltando a contribuição e influência de Paul Singer nos 20 anos da trajetória desta unidade. Foram focalizadas as práticas autogestionárias nas atividades de ensino, pesquisa, extensão e administração desenvolvidas pelo Núcleo, com base nas reflexões conceituais e teóricas de Singer, essenciais na compreensão dos fenômenos relativos à economia solidária, bem como sua influência de modo direto em momentos, ações e produções específicas na nossa história.

 

Palavras-chave: Economia Solidária. Autogestão. Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares.

 

SELF-MANAGEMENT, COOPERATIVISM AND SOCIAL ECONOMY IN NuMI-EcoSol/UFSCar: THE INFLUENCE OF PAUL SINGER

Abstract

This article presents an analysis of self-management practices developed in a university unit for promoting Social Economy, the Federal University Regional Incubator of Popular Cooperatives (INCOOP/UFSCar) and its successor, the Integrated Multidisciplinary Nucleus for Studies, Education and Intervention in Social Economy (NuMI-EcoSol), highlighting the contribution and influence of Paul Singer in the past 20 years of such unit. The analysis focused on self-management actions in education, extension, research and managing carried out by the Nucleus, and it was based upon the conceptual and theoretical reflection of Singer, essential for the comprehension of phenomena related to Social Economy, as well as his direct influence in moments, actions and production specific to our history.

Keywords: Social Economy. Self-management. Technological Incubators of Popular Cooperatives.

1 INTRODUÇÃO

 

Neste artigo é apresentada uma análise de práticas autogestionárias em uma unidade universitária de fomento à economia solidária, a Incubadora Regional de Cooperativas Populares da Universidade Federal de São Carlos (INCOOP/UFSCar), e seu sucessor, o Núcleo Multidisciplinar e Integrado de Estudos, Formação e Intervenção em Economia Solidária (NuMI-EcoSol), cujo percurso está descrito por Cortegoso e Lussi (2016a), ressaltando aqui a contribuição e influência de Paul Singer nos 20 anos da trajetória desta incubadora.

Contribuíram para tal escolha: a) as bases da história desta unidade na economia solidária, tendo como compromisso a centralidade da intervenção na realidade, sem abrir mão daquele que se refere à indissociabilidade dos processos de ensino, pesquisa e extensão, condição que  tem levado a equipe à maior afinidade com a sistematização das práticas como forma de produção de conhecimento – considerando outras possíveis, como  análise e proposição de conceitos; b) os desafios de realizar o trabalho como parte de uma instituição, ou seja, não apenas “usando-a”, mas considerando-a em sua missão e características específicas, ainda que buscando interferir nela de forma a torná-las o mais possível consistentes com os princípios da própria economia solidária ou adequados às necessidades deste campo; c) a experiência acumulada pela equipe NuMI-EcoSol ao lidar com diferentes tipos de situações, incluindo as relativas a ensino, pesquisa, extensão e funcionamento interno da unidade, relação com a estrutura e funcionamento institucionais e fomento a práticas autogestionárias por parte de empreendimentos econômicos solidários; d) potencial relevância de produção de conhecimento sobre uma experiência universitária de incubadora de empreendimentos e iniciativas econômicas solidárias de natureza popular latino-americana, nascida no Brasil, mas hoje difundida em outros países da América Latina.

Importa destacar, neste contexto, o grande incentivo de Singer (2002a) na estruturação e disseminação das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (ITCPs), como estruturas fundamentais no processo de apoio à constituição e implementação de empreendimentos econômicos solidários, na forma de assessoria contínua e abrangente.

 

2 A AUTOGESTÃO NAS ATIVIDADES DE ENSINO, PESQUISA, EXTENSÃO E GESTÃO DA INCOOP/NuMI-EcoSol

 

No que se refere à expressão “autogestão” constituinte da equação proposta no título deste trabalho, é importante reconhecer a existência de múltiplas propostas de definição, compreensão e práticas vinculadas a ela, que requerem e têm merecido atenção de estudiosos de diversas áreas. De acordo com Singer (2002b), como fonte de inspiração inequívoca para o trabalho da equipe, a autogestão refere-se à administração democrática de uma empresa, na qual todas as decisões são coletivas e os processos e as diretrizes são transparentes, com o maior grau possível de apropriação dos processos por todos os participantes. A autogestão exige um esforço adicional das trabalhadoras e dos trabalhadores, uma vez que, além de se preocuparem com suas tarefas individuais, cada um e uma deve também se preocupar com as questões gerais da empresa. Para Albuquerque (2003), autogestão se refere ao conjunto de práticas sociais caracterizadas pelo exercício da democracia no processo de tomada de decisões de um coletivo, propiciando a autonomia do mesmo. É um exercício de poder compartilhado marcado por relações sociais de cooperação entre pessoas ou grupos de forma mais horizontal. A autogestão é um modelo de gestão social, de gestão de empresas, mas, sobretudo, uma crítica radical à lógica dominante, na sua condição de uma nova forma de gestão autônoma do conjunto social.

Não sendo, contudo, propósito deste trabalho realizar uma análise conceitual basta, para os objetivos pretendidos, explicitar a compreensão de autogestão compartilhada pela equipe, que se baseia nos elementos usualmente destacados no âmbito da economia solidária, no Brasil, e considerados como relevantes na orientação de nossas práticas no contexto do NuMI-EcoSol: propriedade, posse ou controle coletivo dos meios de produção; processos democráticos, participativos, de tomada de decisão; divisão o mais possível equilibrada do trabalho e da representação na universidade e no movimento de Economia Solidária, e distribuição o mais possível equitativa dos resultados alcançados pelo trabalho coletivo. Autogestão tem sido entendida, ainda, como perspectiva, como projeto em desenvolvimento e não como modelo único e acabado; como processo de avanço democrático, participativo, igualitário, de cooperação, auto sustentável e que proporcione  desenvolvimento humano e  de uma sociedade mais justa e equilibrada.

Neste sentido, o NuMI-EcoSol tem acumulado experiência de trabalho coletivo com perspectiva autogestionária; com vinte anos de existência, a INCOOP surgiu como projeto de extensão, em 1998, passando a programa de extensão e, 1999, quando esta estrutura foi implantada na UFSCar; após mais de 10 anos nesta condição, passou a integrar a estrutura organizacional, em 2011, como unidade vinculada diretamente à Reitoria da UFSCar (CORTEGOSO; LUSSI, 2016b). Entre as motivações da equipe estão a experimentação, em relação a seu próprio funcionamento, às práticas fomentadas como parte do trabalho de incubação de empreendimentos econômicos solidários e, mais recentemente, também em relação a outras formas de fomento no campo da economia solidária, considerando as especificidades de uma instituição pública universitária.

Como características gerais do funcionamento do NuMI-EcoSol podem ser destacadas: busca de equilíbrio entre flexibilidade e exploração suficiente (ou mínima) das experiências para permitir a avaliação destas experiências, ao lidar suas próprias condições de funcionamento; acúmulo significativo de experiências implementadas e avaliadas em relação a objetivos pretendidos, resultados alcançados, relação com diretrizes da economia solidária conforme ela vai se estruturando (em nível local, nacional e mesmo internacional); ênfase no desenvolvimento coletivo das atividades de ensino, pesquisa, extensão e gestão.

Em seu compromisso permanente com tais atividades, a equipe promove condições que, para Singer (2002a), são fundamentais na formação de quadros profissionais para atuarem nos próprios empreendimentos ou nas entidades de apoio à economia solidária. Nesta dimensão da atuação da equipe, a de ensino, a participação de vários membros da equipe em atividades formativas, ainda que sob a responsabilidade formal (ou maior) de pessoas específicas, pode ser exemplificada por situações como:

a) Oferta semestral da disciplina conhecida pela sigla ACIEPE (Atividade Curricular de Integração de Ensino, Pesquisa e Extensão), de caráter optativo, a alunas e alunos de todos os cursos de graduação do campus São Carlos desde 2003, com participação da equipe em etapas de planejamento (como pauta em reuniões gerais e por meio de consulta virtual), em aulas (assumindo planejar e implementar condições para aprendizagem em relação a objetivos previstos na disciplina), em atividades práticas desenvolvidas por estudantes no âmbito das equipes específicas responsáveis por projetos do NuMI-EcoSol (coordenação, apoio, monitoramento), na oferta de atividades de ensino opcionais complementares (oficinas) e nos processos de avaliação de aprendizagem e de condições de ensino. A disciplina prevê atendimento também de pessoas da comunidade não universitária, tendo recebido membros de empreendimentos de economia solidária, gestores públicos e outros interessados na economia solidária em várias de suas ofertas;

 

b) Curso de especialização em gestão no âmbito da economia solidária, planejado e implementado em sua primeira oferta no período de 2013-2016; o curso foi inicialmente delineado por uma comissão de docentes, discutido pela equipe NuMI-EcoSol como pauta em reuniões gerais, e contou com a participação de grande parte da equipe do Núcleo (docentes e técnicos de nível superior) em sua implementação, sem qualquer contrapartida financeira para este trabalho. O curso foi oferecido gratuitamente para os inscritos aprovados, com custos básicos garantidos por recurso institucional, em uma experiência inédita na instituição e contrariando a tendência de cobrar este tipo de atividade mesmo em instituições públicas de ensino. O curso visava a formação de pessoas já inseridas na economia solidária ou que, além do desejo, tinham potencial para isso na condição de agentes de fomento e gestores públicos, com prioridade para aqueles sem oportunidade anterior de formação em nível de pós-graduação;

 

c) Oferta compartilhada de disciplina sobre economia solidária a alunos de diferentes programas de pós-graduação, também com participação de parte considerável da equipe em seu planejamento e implementação.

 

A participação de membros da equipe do NuMI-EcoSol nestes tipos de atividades de formação de estudantes de graduação e pós-graduação, tanto docentes quanto técnicos de nível superior: a) amplia as possibilidades de formação dos estudantes a partir das diferentes contribuições e pontos de vista; b) aproxima estudantes de diferentes áreas do conhecimento da realidade da economia solidária e da população prioritária do núcleo, proporcionando fomento a partir de diferentes perspectivas, com base nas áreas de conhecimento e campos de atuação profissional de origem dos docentes e dos profissionais de nível superior em formação; c) contribui para o aumento da visibilidade social sobre a economia solidária e a qualificação de profissionais para lidar com este campo de atividades humanas, bem como de pesquisadores para produzir conhecimento útil para este campo; d) dá visibilidade à economia solidária no contexto acadêmico; e) contribui para que os próprios membros da equipe sejam beneficiados por este contato com profissionais de nível superior capazes de realizar e promover críticas, indicar aspectos inéditos relevantes para a economia solidária e exercitar  trabalho coletivo neste contexto. No caso do curso de especialização, permanente esforço coletivo da equipe, e em particular daqueles que eram responsáveis pela coordenação do processo e de sua implementação, de acompanhamento e ajuste das condições de ensino propostas à realidade encontrada no contato direto com alunos e alunas (em particular com suas dificuldades em várias dimensões), representou importante desafio ao trabalho coletivo com pretensão autogestionária. É relevante destacar, ainda, esforços da equipe de implementar, no âmbito das próprias atividades formativas (como no caso da disciplina de pós-graduação e do curso de especialização), oportunidades de desenvolvimento de práticas colaborativas, autogeridas pelos alunos, em termos de alimentação para o grupo, deslocamento e acesso (caronas) etc.

Ainda no que se refere a ensino como atividade-fim de universidades, a equipe do NuMI protagonizou a elaboração de proposta de curso de graduação em economia solidária por ocasião da criação e implementação do REUNI, programa de reestruturação e expansão das universidades públicas federais cuja concepção teve início em 2003 e implementação partir de 2007, que culminou com ampliação da ordem de 70% das vagas para ensino superior neste contexto. Ainda que não tenha sido incluído na lista de propostas apresentadas pela UFSCar ao Ministério da Educação e Cultura, esta iniciativa permitiu o debate inicial e constituiu uma base para a organização futura do curso de especialização, e de um projeto pedagógico apresentado pela equipe como possibilidade de curso de graduação a ser implementado no campus Lagoa do Sino da UFSCar. Em todas estas situações, as contribuições indiretas e diretas do Professor Paul Singer estiveram presentes, para além das referências conceituais e bibliográficas já por si só de grande relevância, seja na condição de membro da equipe de governo responsável pelas iniciativas de democratização do ensino superior (como Secretário  de Economia Solidária), seja na condição acadêmica, por exemplo como convidado da Reitoria da UFSCar para contribuir no processo de estruturação do campus Lagoa do Sino participando de debate público com a comunidade interna.

Para Singer (2002a), a atividade de pesquisa nas ITCPs é indispensável para impulsionar a compreensão da realidade da economia solidária nos âmbitos nacional e internacional, particularmente sistematizando dados sobre as experiências consolidadas como base para gerar proposições teóricas que contribuam para o desenvolvimento e consolidação da economia solidária como alternativa de geração e manutenção da vida. Em relação à atividade de produção de conhecimento, no caso da equipe do NuMI, o trabalho coletivo, ainda que menos frequente e distribuído de forma menos homogênea pelo conjunto dos membros da equipe do que no caso do ensino e da intervenção na realidade, tem possibilitado oportunidades de reflexão sobre este processo da qual tem sido possível derivar:

- Diretrizes para produção sistematizada de conhecimento no âmbito da equipe, em relação ao objeto comum (economia solidária e temas afins), voltada (no mínimo) para acolhimento de diversidade de contribuições, em termos de áreas do conhecimento, fundamentos conceituais, opções metodológicas, e preferencialmente para a promoção desta diversidade;

 

- Criação de sistemas de captação, organização e acesso à produção acadêmica da equipe, como insumo para o próprio trabalho realizado no NuMI-EcoSol;

 

- Manutenção de grupo de pesquisa registrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, ao qual se vincula grande parte da equipe e no qual estão representadas as linhas de pesquisa mantidas no NuMI-EcoSol: Contingências comportamentais e práticas culturais em economia Solidária, Educação Matemática na Economia Solidária, Empreendimentos solidários e cadeia de resíduos, Finanças solidárias,  Gestão do conhecimento em Economia Solidária, Inclusão social de pessoas em situação de desvantagem física ou mental, Planejamento em economia solidária, Processos de incubação em economia solidária, Saúde e trabalho em economia solidária;

 

- Indicação da obrigatoriedade de garantir, como condição mínima de produção de conhecimento, sistematização permanente das atividades que constituem a centralidade da equipe (intervenção na realidade, particularmente no fomento à constituição e manutenção de empreendimentos e iniciativas econômicas solidárias).

 

Em disposição permanente de aprimoramento das contribuições acadêmicas e científicas produzidas a partir das experiências vivenciadas pela equipe, têm havido esforço também permanente por apoiar o desenvolvimento de atividades de pesquisa pelos membros da equipe, exemplificados por ações de financiamento da participação de pessoas em eventos acadêmicos para apresentação de trabalhos; proposição de projetos de pesquisa (por exemplo, iniciação científica) de interesse do NuMI, considerando seus objetivos, e busca de recursos concretos para implementar tais atividades; indicação de desafios referentes ao fomento da economia solidária serem respondidos pela equipe por meio de pesquisa etc.

 

Para Singer, as incubadoras de empreendimentos de economia solidária são fundamentais para tornar viáveis as atividades de assessoria aos empreendimentos, divulgando os princípios do cooperativismo entre os grupos e ajudando-os nos processos de formalização, comercialização e financiamento (SINGER, 2002a). Em relação às atividades de extensão (intervenção direta na realidade), o trabalho coletivo está expresso na estruturação de equipes responsáveis por unidades de atuação (projetos, linhas de ação, frentes de trabalho, metas e outras denominações já utilizadas para caracterizar as unidades que em determinados períodos foram referência para a atuação da equipe) com base, entre outros aspectos, em referencial de equipe mínima desejável para ações de fomento, a saber: docente, técnico e estudante de graduação. Além disso, o acompanhamento permanente de ações implementadas por todas as (sub)equipes responsáveis pelas frentes específicas de intervenção, por toda a equipe do NuMI-EcoSol, ocorre por meio de inclusão de pontos de pauta em reuniões gerais ou pela realização de reuniões específicas para discussão do trabalho de cada unidade, de modo que todas e todos contribuam no grau máximo possível para os objetivos pretendidos. A ampliação e a diversificação de ações de fomento é um dos resultados observados deste esforço coletivo, nestes anos de existência da INCOOP/NuMI-EcoSol. Neste sentido, ainda que mantendo sua forma de ação identitária como agente de fomento (incubação de empreendimentos de economia solidária, uma maneira muito completa e específica de assessoria à população trabalhadora), a equipe torna acessível ações de formação em economia solidária para diferentes tipos de atores (ou potenciais atores) da economia solidária, assessorias mais específicas, consultorias, participação nas diferentes instâncias do denominado movimento da economia solidária etc.

Os esforços de implementação e manutenção de práticas autogestionárias pela equipe do NuMI-EcoSol estendem-se, ainda, ao seu próprio funcionamento, a despeito dos limites impostos por sua inserção em uma estrutura hierárquica como são as universidades públicas federais, mesmo sob gestões mais democráticas. Assim, em relação à estrutura e funcionamento do NuMI-EcoSol, considerando a perspectiva autogestionária, a estratégia geral de enfrentamento tem sido avaliar e produzir mudanças, pelo menos no âmbito  coletivo; no plano individual, a avaliação em termos de mudanças de práticas produzidas e seus resultados tem sido muito limitada. Uma linha do tempo construída para representar a trajetória do NuMI-EcoSol indica várias experiências de organização interna, influenciadas por atividades e resultados das atividades do núcleo, mas também pelo movimento da economia solidária, pelas especificidades da realidade local etc. Algumas práticas e providências experimentadas pela equipe como potencialmente favorecedoras de processos democráticos e participativos com as características desejadas, são:

 

* ocorrência de reuniões gerais frequentes (permitindo processamento contínuo e rápido de situações, ainda que por vezes onerando a equipe);

* diferenciação na natureza das reuniões gerais (favorecendo resolução e aprofundamento, mas exigindo atenção permanente para participar de forma qualificada);

* procedimentos definidos para preparo de pauta, registro de decisões, divulgação etc., de modo a maximizar a possibilidade de que membros da equipe possam participar de forma qualificada e mesmo aqueles eventualmente ausentes, possam acompanhar o processo grupal;

* preferência para consenso como forma de decisão, com base em dados que demonstram problemas referentes a decisões por maioria, com alternativas polarizadas, quando observados princípios da economia solidária, visando construção de coletivos coesos (não significando isso homogêneos);

* adoção de regras para manifestação em reunião, de modo a maximizar a possibilidade de participação ativa de todos e todas que assim o desejem, tais como duração de cada manifestação, prioridade para quem não se manifestou sobre um assunto em detrimento da ordem de inscrição etc.;

* práticas diversificadas de processamento de conflitos;

* realização de seminários internos, de tempos em tempos, destinados a avaliar funcionamento do NuMI e atividades desenvolvidas e estabelecer planos estratégicos para continuidade do trabalho.

 

3 INFLUÊNCIA DE PAUL SINGER NOS 20 ANOS DA TRAJETÓRIA DA INCOOP/NuMI-EcoSol

 

Não apenas como fonte permanente de inspiração e orientação para as atividades da equipe, por sua competência técnica, generosidade infindável e respeito sincero por seres humanos, Singer contribuiu de maneira específica com a trajetória do NuMI-EcoSol, nos seus 20 anos de existência. Para reconhecimento das múltiplas contribuições cabe destacar as reflexões conceituais e teóricas por ele desenvolvidas, essenciais na compreensão dos fenômenos relativos à economia solidária e na fundamentação da produção acadêmica e técnica da equipe (textos publicados, projetos de pesquisa e para captação de recursos), mas também, de modo direto:

a) Apoio à criação da INCOOP;

b) Oferta de material bibliográfico para atividades formativas como a ACIEPE;

c) Participação em atividades promovidas por membros da equipe do NuMI-EcoSol, como aquela realizada na modalidade “Conversando Sobre”, constituinte do núcleo sobre economia solidária organizado pela Professora Ana Lucia Cortegoso no II Congresso Psicologia Ciência e Profissão, em 2007, juntamente com a Professora Sylvia Leser de Mello,  por iniciativa da Associação Brasileira de Ensino de Psicologia. O conjunto de atividades na temática da Economia Solidária deu origem ao livro Psicologia e economia solidária – interfaces e perspectivas, que ambos prefaciaram;

d) Elaboração de prefácios e capítulos em livros organizados por docentes que fazem parte da equipe do NuMI-EcoSol, como:

- Psicologia e economia solidária – interfaces e perspectivas, com participação da Professora Ana Lucia Cortegoso (2008);

- Economia Solidária - Tecnologias em Reciclagem de Resíduos para Geração de Trabalho e Renda, com participação na organização da Professora Maria Zanin (2009);

- Relatos de experiências em inclusão social pelo trabalho na saúde, com participação na organização das Profas. Isabela Ap. de Oliveira Lussi e Maria Lúcia Teixeira Machado (2014);

- A Economia Solidária e os desafios globais do trabalho, com participação na organização da Profa. Maria Zanin (2017);

e) Realização de palestra na UFSCar, a convite da Administração Superior, como parte das atividades preparatórias da criação do Campus Lagoa do Sino, destacando aspectos convergentes entre a Economia Solidária e os princípios envolvidos na doação da área utilizada para implantação do novo campus, considerando condições estabelecidas pelo doador, Raduan Nassar;

f) Prestigiando a inauguração da sede do NuMI-EcoSol com sua presença e palavras de estímulo.

 

4 CONCLUSÃO

 

A despeito das condições potencial ou comprovadamente favorecedoras de autogestão como as elencadas aqui, no âmbito do NuMI-EcoSol, constituem ainda grandes desafios identificados para avançar na implementação de práticas autogestionárias no âmbito do Núcleo, para cujo enfrentamento a equipe contará, senão mais com a presença sempre iluminadora do Professor Paul Singer, com o conhecimento que ele tornou disponível, por meio de suas produções acadêmicas, políticas públicas e estímulo e apoio ao desenvolvimento das pessoas e das instituições que tiveram o privilégio de contar com sua atenção e carinho:

 

- O fato de que os meios de produção (no NuMI) correspondem a bens públicos, em relação aos quais a equipe pode ter controle e responsabilidade, mas não posse, ainda que seja responsável por buscar e garantir grande parte destes meios, a partir de participação em editais de financiamento de suas atividades, particularmente as de extensão e pesquisa;

 

- A presença de pessoas, na equipe, com diversos tipos de inserção na instituição, incluindo vários professores, com possibilidade significativa de interferência de hierarquias existentes na universidade no processo de autogestão, configurando situação por vezes muito diversas das observadas em outras incubadoras tecnológicas de cooperativas populares, em particular aquelas com baixo nível de participação de docentes e técnicos do quadro efetivo;

 

- Existência e condições de funcionamento de instâncias de natureza mais corporativa de modo a equilibrar benefícios (como processamento de assuntos em um contexto de pares) e dificuldades (risco de comprometer confiança no grupo, por exemplo);

 

- Diversidade de idade, tempo e tipo de atuação na equipe, gerando diferenças nos repertórios para participação nos processos decisórios;

 

- Existência e tipo de normas institucionais (e federais) a serem cumpridas, dada a condição de unidade orçamentária na estrutura universitária, bem como práticas e procedimentos estabelecidos na instituição (cultura da universidade); grau de compatibilidade destas práticas e normas com o processo autogestionário, em diferentes momentos, e especificamente sob diferentes administrações;

 

- Coexistência de um núcleo “durável” na unidade (principalmente de docentes) e alto grau de rotatividade de técnicos (em função das condições para sua manutenção dependerem de recursos externos à instituição e buscados pela equipe) e estudantes (pela própria condição deste segmento, considerando etapa de formação em que estão);

 

- Busca de equilíbrio no atendimento a necessidades e interesses coletivos e individuais; limites aceitáveis e formas de harmonizar tais dimensões.

 

 

 

 

 

 

 


 

REFERENCIAS

 

ALBUQUERQUE, P. P. Autogestão. In: CATTANI, A. D. (Org.). A outra economia. Porto Alegre: Veraz Editores, 2003. p. 20-26.

CORTEGOSO, A. L.; LUCAS, M. G. Psicologia e economia solidária – interfaces e perspectivas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2008.

CORTEGOSO, A. L.; LUSSI, I. A. O. Condições institucionais favorecedoras para atividades articuladas de ensino, pesquisa e extensão. In CORTEGOSO, A. L.; POMPERMEIER, H. M.; OLIVEIRA, M. A. M. B.; GODOY, T. M. P. (Orgs.). Economia solidária – a experiência da UFSCar em uma década de ensino, pesquisa e extensão. São Carlos: EDUFSCar, 2016a, p. 17-27.

CORTEGOSO, A. L.; LUSSI, I. A. O. Institucionalização de incubadora tecnológica de cooperativas populares em universidade pública no Brasil como parte de política pública. In CORTEGOSO, A. L.; POMPERMEIER, H. M.; OLIVEIRA, M. A. M. B.; GODOY, T. M. P. (Orgs.). Economia solidária – a experiência da UFSCar em uma década de ensino, pesquisa e extensão. São Carlos: EDUFSCar, 2016b, p. 267-281 – ANEXO A. (trabalho apresentado originalmente na 4a. Conferência Internacional de Pesquisa em Economia Social, CIRIEC, Antuérpia, Bélgica, 2013).

PINHO, K. L. R.; PINHO L. P.; LUSSI, I. A. O.; MACHADO, M. L. T. (Orgs) Relatos de experiências em inclusão social pelo trabalho na saúde. São Carlos: Compacta Gráfica e Editora, 2014.

SINGER, P. A recente ressurreição da economia solidária no Brasil. In: SANTOS, B. S. (Org.). Produzir para viver: os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002a. p. 81-129.

SINGER, P.  Introdução à economia solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002b.

SOUZA, A. R.; ZANIN, M. (Orgs) A economia solidária e os desafios globais do trabalho. São Carlos: EDUFSCar, 2017.

ZANIN, M.; GUTIERREZ, R. f. Economia Solidária - Tecnologias em Reciclagem de Resíduos para Geração de Trabalho e Renda. São Carlos: Clara Luz, 2009. E-book.