COOPERATIVISMO:
A ESCOLHA PELO COLETIVO
Nelsa
Inês Fabian Nespolo[1]
Cooperativa Central Justa Trama
e-mail
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Resumo
O texto aborda a iniciativas de ações do
cooperativismo, suas práticas e contradições. Aponta o surgimento de outras
formas de organização coletiva, definida como economia social e solidaria, com
um resgate forte de princípios de coletividade e de democracia interna, e
especialmente para enfrentar as diversas situações de desemprego e sobretudo de
falta de perspectivas postos de trabalho.
Palavras-chave: Cooperativismo; Economia solidária, Organização
Coletiva.
COOPERATIVISM: THE CHOICE FOR THE COLLECTIVE
Abstract
The text addresses initiatives
of cooperative actions, their practices and contradictions. It points to the
emergence of other forms of collective organization, defined as social and
solidarity economy, with a strong recovery of collective principles and
internal democracy, and especially to face the various situations of
unemployment and especially lack of job prospects.
Keywords: Cooperatives; Solidarity Economy; Collective Organization.
1
INTRODUÇÃO
Vivemos em uma sociedade
de contradições, portanto acompanhada de todas as desigualdades possíveis.
Sempre houve e haverá os inconformados pelas injustiças sociais, e, sobretudo
com as mazelas de pobreza e miséria gerada pelo sistema capitalista que vivemos.
Neste contexto surgem iniciativas de ações, sobretudo econômicas de
inconformidade de vender seu maior bem: a sua mão de obra, e vem o
cooperativismo e no final do século passado a Economia solidaria. As tantas
contradições de práticas do cooperativismo cooptadas pelo sistema capitalista
provocam o surgimento de outras formas de organização coletiva, que definimos
como economia social e solidaria, essas práticas se dão de forma vertical e
horizontal.
As cooperativas de
fachada que se proliferaram em todo mundo, se contrapõem as verdadeiras
cooperativas autogestionárias. Ou seja, enquanto
cooperativas sérias, convivem com processos de autogestão, democracia direta e
distribuição justa dos ganhos entre os cooperados, as de fachada tem dono, os
cooperados vendem sua mão de obra, portanto não se comercializa produto gerado
ou serviço gerado, além disso o ganho e a riqueza gerada se concentra em quem
administra a cooperativa. Isso criou um descrédito ao sistema cooperativista,
pois as práticas se assemelham a empresas capitalista porem pioradas pois não
respeitam os direitos conquistados pelos trabalhadores de carteira assinada (assalariados)
com isso definimo-las como coopergatos porque são a
precarização de mão de obra. Sem contar que as cooperativas vêm carregadas de
legislações de seus países e em muitos casos dificultam o surgimento pelo
excesso de burocracia, e outras exigências como o número de cooperados para ser
reconhecida até 2012 eram no mínimo 20 associados(as)
no Brasil. Atualmente com a alteração da lei das cooperativas de trabalho 7
pessoas fundam uma cooperativa no Brasil.
A cooperativa
de trabalho pode ser:
a) cooperativa de produção: quando constituída por sócios que contribuem com trabalho
para a produção em comum de bens e a cooperativa detém, a qualquer título, os
meios de produção; ou
b) cooperativa de serviço: quando constituída por sócios para a prestação de serviços
especializados a terceiros, sem a presença dos pressupostos da relação de
emprego (Art. 4º, I e II). Essas
cooperativas podem ser constituídas com o número mínimo de 07 (sete) sócios,
mas não podem ser utilizadas para intermediação de mão de obra subordinada (Arts. 5º e 6º). Isto não significa, entretanto, que as
atividades das cooperativas, não possam ser realizadas no estabelecimento do
contratante.
A cooperativa de trabalho constituída por até 19 (dezenove) sócios
poderá estabelecer, em Estatuto Social, composição para o conselho fiscal
distinta da prevista no art. 56 da Lei nº 5.764/71 (Lei n. 12.690/12).
Assim chega a Economia
social e solidaria, com um resgate forte de princípios de coletividade e de
democracia interna, e especialmente para enfrentar as diversas situações de
desemprego e sobretudo de falta de perspectivas postos de trabalho. Ao mesmo
tempo e com uma situação bem adversa do ponto de vista da economia dos países,
a forma como a economia solidária se organiza no Brasil, na América Latina não
é a mesma forma em que a Economia social se organiza na Europa. Um grito para
enfrentar o desemprego gerado pelas empresas capitalistas, surgem as empresas
recuperadas. Perguntamo-nos será que algum capitalista desistiria de sua
empresa se esta tivesse viabilidade ou mercado? Assim as empresas recuperadas
onde grande parte o capitalista dono anterior sugou a infraestrutura (prédio,
instalações elétricas e hidráulicas), gerou dividas, quebrou a credibilidade do
mercado tanto na venda como na compra de matéria prima e insumos, os
trabalhadores que até a pouco só cumpriam ordens passam a ser donos deste
negócio falido ou quase falido, então é preciso enfrentar tudo. Automaticamente
num novo conceito como se fosse apagar toda a educação e ideologia que ele
tinha ontem para agora fazer um processo de autogestão, democracia direta e
sentir-se em um coletivo com responsabilidades de dirigir, produzir,
comercializar, representar, se articular e negociar com bancos, empresas e
ainda construir políticas públicas.
Mas temos também na
economia solidaria outras iniciativas que surgem sem infraestrutura, sem
equipamentos, sem capital de giro e sem mercado. Isso é um milagre dar certo?
Sim é fruto de uma profunda persistência. Assim surgem muitas cooperativas de
costureiras, de catadores e na área da agricultura familiar e agroecológica,
artesãos, sociais e alimentação. Muitas destas iniciativas surgem e estão de
forma ainda não regulamentadas, que definimos como grupos ou coletivos, essas
trabalham na informalidade o retorno financeiro sempre é pouco, direitos quase
não tem, vivem amanhã do que produzem hoje. Temos também as associações que
muitas confundem suas práticas com as cooperativas, confundindo a função do
associativismo com práticas de comercialização e estas estão especialmente na
área rural e no artesanato. Outras iniciativas optaram por serem microempresas
solidarias, geralmente por serem poucas pessoas e, sobretudo porque a
legislação tributária atual beneficia esta forma de regulamentação.
Com esta diversidade
compreendesse também organizações de redes que necessariamente não tem um
produto ou serviço gerado, mas fomenta as várias formas de organização da
economia social e solidária.
Assim é a economia social
e solidaria baseada em princípios claros e profundos que transformam as
pessoas, no confronto direto por serem essencialmente coletivos, regidos pela democracia direta, pela divisão justa dos ganhos, pelos
processos de autogestão e participação ativa de seus membros. Necessariamente
isso constrói consciência. Não de forma impositiva, mas conquistada no dia a
dia. Porem nem por isso todos tem esta pratica.
Segundo Singer (2014), na 3ª conferência nacional de Economia Solidaria no
Brasil, afirmou que a maioria dos empreendimentos de Economia solidaria que
terminam são por problemas nas relações. Problemas na gestão. Assim como é
profundamente realizador o trabalho coletivo é também profundamente difícil.
Colocar-se aberto para mudar as práticas as atitudes, construir no dia a dia
outro ser humano, é construir a Economia social e solidaria.
Construção
do conceito
O cooperativismo e a
Economia social e solidaria ambas buscam o trabalho coletivo para que se possa
enfrentar o pior do capitalismo que é a desigualdade social. E essa
desigualdade é gerada pela péssima distribuição da riqueza. A riqueza é gerada
pela economia. A economia acontece com a produção de bens e serviços. Nesta
estratégia não é possível transformar a economia se não tivermos cooperativas e
iniciativas de economia solidaria fortes nos vários setores da Economia. Por
isso que há um contraditório: enquanto alguns pensadores e ideólogos, sobretudo
das organizações de apoio e das universidades concentrarem os conceitos e as
elaborações, a grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras que estão na
Economia solidaria e no cooperativismo não participam desta elaboração.
Portanto continuam sendo trabalhadores alienados do processo de produção e do
ponto vista da alienação política e social.
Se não influirmos nos processos de produção,
comercialização e consumo não estamos construindo outra economia, estamos sim precarizando a vida dos trabalhadores e trabalhadoras que
não querem um patrão, mas querem trabalhar coletivamente com dignidade,
portanto com retorno econômico. Há um esforço, mas é profundamente necessário
que as universidades e organizações de apoio contribuam e provoquem este
encontro dos trabalhadores e trabalhadoras da Economia social e solidária.
A política pública emancipa?
A política pública, pode
ser assistencialista ou emancipatória, por isso merece um destaque. Precisamos
de políticas públicas de Estado, de políticas de governo e de Governos
comprometidos com as causas sociais. É um tripé importante. Onde conseguimos juntar
esse tripé temos um avanço significativo da Economia solidária, com leis,
programas e ações que fortalecem de fato a construção de outra economia.
Poderíamos destacar várias experiências de cidades, Estados e países de nossa
América Latina, que tem passos importantes como leis nacionais de economia
social e solidaria no Equador, leis atualizadas do cooperativismo inclusive
permitindo filiais de cooperativas como é o caso do Uruguai, leis de compras
públicas do cooperativismo e Economia solidária no Brasil. Decretos e leis de
comercio Justo. Também programas pontuais de formação, apoios em
infraestrutura, equipamentos e comercialização. Fortalecem esta forma de
promovermos desenvolvimento. Porem quando os governos são de direita, essas
leis não são aplicadas, os programas terminam, as prioridades são outras. Ter a
consciência clara que o destino do dinheiro público necessita uma constante
vigilância da sociedade sobre quem está nos governos, e se envolver nas
decisões da política pública é hoje um tema colocado para garantir o presente e
futuro da Economia solidaria. Manter a autonomia do movimento, é ter posições
claras, bandeiras definidas, e saber onde queremos chegar. Definir uma
plataforma de políticas públicas eleger representantes comprometidos com esta
plataforma é um desfio colocado. As políticas públicas devem nos fortalecer
pois o que mais queremos não é egoísta, é coletivo, é o Bem comum.
Reais
impactos da economia solidária na construção de outra economia
O enfrentamento deste
modelo econômico, deve ter por parte do sistema cooperativista autentico junto
a outras formas de economia solidaria, sejam estas como associações, coletivos,
grupos, microempresas solidarias, com todos os setores de organização social de
raça e gênero nos mais variados setores da economia, seja em todas as áreas de
atuação estarmos fortemente fortalecidos em redes, redes que gerem serviços,
bens e produtos, isso que poderá fortalecer
a integração entre os pequenos e iniciantes com os já estabilizados.
Isso poderá dar impacto para outra economia, ou seja, é necessário que as
artesãs se articulem para adquirir por melhores preços suas matérias primas,
que as costureiras se articulem para a compra dos tecidos, que os agricultores
se articulem em redes para a compra de sementes e insumos, que os catadores se
articulem em redes para vender os resíduos com melhor valor, que as educadoras
se articulem em rede para uma educação de impacto e assim por diante. Esse é um
passo importante para que muitos empreendimentos saiam da situação de pobreza
que vivem hoje. Muito pode ser enfrentado na articulação das redes que são
fundamentais para fortalecer esta outra economia. Perguntamo-nos que outra
economia isso fortalece? Os capitalistas também atuam em rede? As redes dos
capitalistas fazem com que eles sejam mais ricos e concentrarem mais a renda
gerada. As redes da Economia fazem com que esta riqueza venha para cá e
fortaleça os coletivos e fortalece uma relação mais horizontal.
E as cadeias produtivas
solidarias?
As cadeias são um processo
vertical das redes, é juntar setores econômicos diferentes que estão dentro das
redes. Dois exemplos importantes: A Justa Trama, junta 5 regiões do Brasil, 6
cooperativas e associações e dois coletivos envolve desde os agricultores que
plantam o algodão orgânico, cooperativa de tecelagem que faz o fio e o tecido,
cooperativa de costureiras e de calçado, cooperativa de artesanato para os
adereços/ botões e coletivos para os brinquedos e todas com o algodão orgânico
desde o plantio até a produção das roupas. Todo esse processo se completa com a
comercialização. Nesta cadeia que articula todos os elos de produção todos
ganham, pois não tem atravessador, todos os processos são feitos em cooperação
por cooperativas e associações da economia social e solidaria. Neste sentido
não estamos fazendo redes para comprar de uma empresa capitalista por melhores
preços, e que de certa forma concentramos nossa compra em um a empresa que
enriquece mais ainda, mas estamos com todos os processos de uma cadeia e,
portanto, desde o primeiro ao último todos ganham de
50 a 100% acima do mercado se fizesse o mesmo produto. Neste exemplo em
particular, além disso, estamos falando de algodão orgânico. Portanto
enfrentando o sistema não só no processo, mas também nos insumos de agrotóxicos
já que o algodão concentra 25% dos agrotóxicos do planeta. Estamos falando de
um País, Brasil que tem o maior mercado consumidor de agrotóxicos e que os
últimos estudos apontam segundo Stedile (2018), do
MST (Movimento dos trabalhadores sem-terra) cada brasileiro consome em média 5
litros de agrotóxicos por ano.
E neste sentido podemos
projetar cadeias curtas ou longas, locais ou de integração nacional ou mesmo
binacional. Mas precisamos avançar na ousadia. Não é possível não integrar as
artesãs que trabalham com lã com cooperativas que fazem a lavagem da lã e com
os criadores de ovelhas. Integração entre os pescadores com o beneficiamento do
couro do peixe e das escamas, além de cooperativas de alimentação. As várias
iniciativas de alimentação que não integram com os agricultores que tem o
trigo, o arroz, as farinhas, as frutas, os sucos. Integrar as cooperativas na
área da construção com as cooperativas habitacionais.
Isso é urgente e
profundamente necessário. São as cadeias de produção da economia solidaria que
se entrelaçam, buscam seus elos para se fortalecer e serem correntes fortes que
fazem o impacto nesta economia.
Neste sentido é profundamente
urgente desenhar estratégias destas redes e cadeias e promover o encontro e o
fortalecimento das mesmas. As cooperativas e outras formas de organização já
existem e atuam de forma isolada, provavelmente haverá elos que precisem ser
criados, mas é para isso que estamos refletindo. Essa estratégia deveria nos
guiar nas próximas ações para fortalecer especialmente a América Latina. Essa
estratégia é importante que tenham dois motores guias:
Desenvolver cadeias que
tenham um recorte de preocupação com o meio ambiente. Que estejam acompanhadas
de políticas públicas para que o Estado cumpra seu papel de governar para
todos, colocando o ser humano em destaque e prioridade e
portanto, promovendo uma economia sustentável. Promover políticas que
fortalecem a Economia Social, solidaria e cooperativada é promover um
desenvolvimento inclusivo, equilibrado no sentido da distribuição justa da
renda, portanto da Justiça social.
Os trabalhadores e trabalhadoras das
cooperativas, associações e coletivos da Economia solidaria devem ser os
protagonistas, os estrategistas desta construção. Porque transforma vidas, transforma
conceitos e transforma consciências. O coletivo nos transforma é essa é a
essência do Cooperativismo, e as conquistas coletivas nos realizam como seres
humanos, a alegria e felicidade que poderia ser de um é de muitos.
É possível construir
outra economia, na qual a vida prevaleça sobre o trabalho, e o trabalho
prevaleça sobre o capital.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n. 5.764, de 16 de dezembro de 1971.
Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das
sociedades cooperativas, e dá outras providências. Diário Oficial [da]
República Federativa do Brasil: Seção
1, Brasília DF, p. 10354.
SINGER,
P. Economia e
democracia. Trabalho apresentado ao 3ª Conferência
Nacional de Economia Solidaria no Brasil. Brasília, 2014.
STEDILE, J. P. Golpe colocou Brasil na contramão do mundo
na legislação ambiental. Disponível em: http://www.mst.org.br/2018/06/13/golpe-colocou-brasil-na-contramao-do-mundo-na-legislacao-ambiental.html.
Acesso em: 22 nov. 2018.
[1] Costureira;
Diretora
presidente da Cooperativa Univens; Cooperativa
Central Justa Trama, Vice-presidente da Unisol
Brasil. Autora do livro Tramando Certezas e Esperanças, 2014.