A AGNOTOLOGIA NO PROCESSO DE CONHECIMENTO NA BIOTECNOLOGIA
Luciana Reusing[1]
Instituto Federal do Paraná – IFPR
lureusing@hotmail.com
Marcos Wachowicz[2]
Universidade Federal do Paraná/Brasil.
marcos.wachowicz@gmail.com
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Resumo
O presente artigo traz uma reflexão importante para as ciências da natureza e para as ciências sociais, ao tratar do processo de ignorância ou dúvida induzida pela manipulação de dados e informações científicas para instaurar um processo social de desconfiança “agnotologia”, constituindo no contraponto ao conhecimento “epistemológico”. A metodologia aplicada para delimitar o estado da arte é a pesquisa bibliográfica, a fim de proporcionar maior eficiência na abordagem do tema que está distribuído entre a introdução, desenvolvimento e considerações finais. O resultado esperado é demonstrar que a biotecnologia é uma ciência carregada de valores e mitos, distante da neutralidade positivista, apta a promover uma reconfiguração biológica e social por intermédio do conhecimento cientifico de uma verdade discutível, e não falseada por estratégias, argumentos e dados ficcionais para configurar um estado de ignorância diante da ciência e tecnologia a serviço da vida.
Palavras-chave: Biotecnologia, Processo de Conhecimento, Ignorância, Saber Científico, Agnotologia.
AGNOTOLOGY IN THE BIOTECHNOLOGY KNOWLEDGE PROCESS
Abstract
When technoscience is the measure to break the paradigm of the political and economic framework in the face of technological advances, we see a battlefield between interests and contradictions in controversial issues, such as the use of Biotechnology as a science in the service of life, since acceptability as a science is under the aegis of the legitimizing power of society. In this way the present article brings an important reflection for the sciences of nature and for the social sciences, when dealing with the process of ignorance or doubt induced by the manipulation of scientific data and information to instituting a social process of distrust "agnotology", constituting in the counterpoint to "epistemological" knowledge. The methodology applied to delimit the state of the art is the bibliographical research, in order to provide greater efficiency in the approach of the theme that is distributed between the introduction, development and final considerations. The expected result is to demonstrate that biotechnology is a science charged with values and myths, far from positivist neutrality, capable of promoting a biological and social reconfiguration through the scientific knowledge of a debatable truth, not distorted by strategies, arguments and fictional data to set up a state of ignorance before science and technology in the service of life..
Keywords: Biotechnology.
Knowledge Process. Ignorance. Scientific Knowledge.Agnotology.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo refletir sobre o estudo da ignorância “agnotologia”, por meio da manipulação premeditada de informações científicas, fato de extrema relevância para as novas tecnologias a serviço da vida como à Biotecnologia diante da possibilidade da sua não aceitação como ciência. A metodologia aplicada, para a delimitação do estado da arte é a revisão de bibliografia especializada.
Cada período histórico é marcado por uma palavra chave de caráter revolucionário, como a era do bronze, do ouro, da Revolução Industrial que está associado ao poder econômico, político e tecnológico, para que o homem desenvolva a máquina como objeto facilitador da execução de diversas tarefas inerentes ao seu dia a dia.
Conforme Kunh (1969), revolucionar é uma modificação da visão de mundo, uma redefinição na ciência e de suas teorias objetivando novas descobertas científicas para melhoria da qualidade de vida, o que se coaduna com o objetivo proposto pela Biotecnologia.
Para marcar o século XXI, diante das descobertas científicas objetivando a produção de bens e serviços utilizando-se de células Malajovitch (2004), a biotecnologia se institui como a senha mágica para conectar o homem com as mais profundas expectativas de melhoria de qualidade de vida e de longevidade (MOSER, 2005).
Ao conjugar protocolos e procedimentos científicos de diversas disciplinas “building block”, a biotecnologia evolui conforme a necessidade da sociedade fato observado pela comunidade científica que produz o conhecimento epistemológico aplicável no meio ambiente, na agricultura e nos cuidados da saúde humana (KREUZER; MASSEY, 2002).
Mesmo eivada de todas as características inerentes à produção do conhecimento epistemológico, de ser sistemático, ordenado, factual, as pesquisas sobre os temas da biotecnologia como o uso de células-tronco embrionárias para fins terapêuticos, são contrapostos pela publicidade de informações e dados científicos manipulados pelas empresas comerciais a serviço do mercado, chamada de “agnotologia” (KANAKIA, 2007).
O termo “agnotologia” foi cunhado por Robert Proctor em 1969, Kanakia (2007), para definir o processo de instaurar dúvidas e incertezas quanto ao desenvolvimento científico para a sociedade (MOZER, 2005).
Para Bachelard (1996), as dúvidas e incertezas figuram como um dos primeiros, senão o mais importante obstáculo epistemológico ao desenvolvimento científico seja com a ocultação, fragmentação ou inversão de fatos e informações pela imprensa, pelos agentes sociais e suas divergências ideológicas, políticas e econômicas, ou por uma educação repressora (MOSER, 2005).
Silva (2007) declara ser razoável considerar que gerar novos produtos e serviços, vai muito além de agregar fatores políticos e econômicos, mas principalmente agregar fatores sociais como “mitos e valores” considerados pela Teoria Crítica como fatores intrínsecos à tecnologia.
Como fator extrínseco, a produção de dados científicos tendenciosos é capaz de influenciar a ignorância ou pela dúvida cultural induzida no sucesso ou no fracasso do experimento ou da aceitação de determinada ciência (SILVA, 2007).
O artigo está estruturado em introdução com um breve relato sobre o tema mediante a construção do processo do conhecimento da ignorância ao saber científico.
Segue dividido por três, subtítulos que permitem abordar à biotecnologia e a verdade do pós-humanismo, a construção da ignorância como processo de conhecimento pela tática da manipulação de fatos, dados e informações científicas pela indústria. Estes fatos trazem dúvidas e contradições sobre a evolução da biotecnologia como ciência em prol da vida, a construção do processo de “ignorância” como contraponto ao conhecimento científico como meio propagador da verdade questionável.
O tema em apreço é relevante e atual, pela insurgência da “agnotologia”, como tática para a construção artificial da “ignorância” ou do “não saber” em pleno século XXI, contrapondo o conhecimento epistemológico como o saber científico.
2 A BIOTECNOLOGIA E A VERDADE DO PÓS-HUMANISMO
Com os avanços tecnológicos, em pleno século XXI, promovido pelas ciências da saúde, a biotecnologia é reafirmada como a ciência portadora da esperança para a vida longa e mais saudável para o homem (MOSER, 2005).
A ciência é observada enquanto monopólio sobre a verdade
conforme Santos, (2007), por aprofundar as discussões sobre temas polêmicos
para a comunidade científica e para a sociedade comprovando que a neutralidade
formulada pelos positivistas não é uma de suas características haja vista as
interações sociais e ambientais, que agregam valores como proposto pela
teoria crítica (FEENBERG, 2010).
O grande marco para a biotecnologia é o Projeto Genoma, que revolucionou a genética através da leitura do DNA como o código que transcreve os segredos mais profundos dos seres manifestando a sua lógica em razão da necessidade humana acrescenta Moser (2005), como uma premissa de quebra de paradigma do que é humano para o pós-humano.
De acordo com Domingues (2013), a biotecnologia traz uma revisão antropológica, acompanhado de exageros e mal entendidos, veiculados pela mídia sobre o pós-humano por controvérsias entre promessas, riscos e benefícios das técnicas, capaz de transformar o entendimento do conhecimento científico em um conhecimento de senso comum, como barreira para o progresso.
Na atualidade a tecnologia empregada pela biotecnologia apresenta maior compatibilidade em gerar condições de sustentabilidade e melhoria na qualidade de vida, sendo úteis para o surgimento de novos produtos pelo intercâmbio entre as espécies através da transferência de genes seja em plantas ou animais pela modificação e melhoramento genético (LUCENA, 2013).
O melhoramento genético através das pesquisas realizadas reflete a promoção do bem estar social, seja na prática agrícola como causa de medida para menor custo, mas de aumento de produção, elevando a produção agrícola e reduzindo perda na colheita, ou na área da saúde, quanto pelo ao uso das técnicas terapêuticas de fertilização “in vitro” e células-tronco embrionárias pela possibilidade de cura de determinadas doenças de caráter genético e degenerativo.
Porém, mesmo existindo uma base epistemológica para o uso da técnica de melhoramento genético como base para o progresso, o consenso da comunidade científica e da sociedade é antagônico, haja vista, a existência de questionamentos e até de uma negação pelas intervenções política e cultural para falsear o entendimento sobre o tema. (LEITE, 2014).
Contudo, ampliando a visão em razão aos questionamentos e negações para a biotecnologia, Mozer (2005) adverte para a tentativa de sonegar dados e tomar medidas em silêncio, e também a questão de ideologia daqueles que defendem os transgênicos como se não houvesse nenhum problema pelo uso e o contraponto daqueles que diuturnamente não conseguem perceber pontos positivos.
O complexo sistema da biotecnologia elevado na última potência o seu poder criacionista de ciência, trabalha entre o natural e o artificial, entre o vivo e o inerte, Lucena (2013). Isto faz com que grupos e instituições empresariais passem a usar de informações controvertidas objetivando assim a prevalência dos seus interesses pessoais, para aumentar seu poder político e econômico. Obtendo o controle do conhecimento científico e agregar status na captação e distribuição de recursos, Silva (1990), mantendo vivo não só a dúvida, mas a desinformação.
Após a descoberta do fogo pelo homem, há de forma progressiva a substituição da força muscular pela força do maquinário que passa pela descoberta da máquina a vapor na revolução industrial até as conquistas espaciais, que demonstra não só uma importância histórica, mas econômica, que culmina na concepção da biotecnologia como a nova matriz operacional (MOSER, 2005).
Ao se discutir os temas da nova matriz operacional, observa-se que a semântica da palavra terapêutica, ou uso terapêutico pela biotecnologia representa a princípio procedimentos que visam somente fazer o bem, segundo Moser (2005), contudo, a compreensão muda de figura ao abordar a palavra clonagem por não ser considerada previsível e limitada inclusive pelos próprios interesses comerciais pelo alto investimento que visam altos ganhos.
A biotecnologia pode ser entendida como ciência das controvérsias, seja pela semântica de palavras que ensejam a prática do bem, mas também da impossibilidade de limitar o seu progresso, por uma educação repressiva, ou por questões político-sociais que manipulam intencionalmente as informações científicas diminuindo o campo de visão do homem sobre a realidade (MOSER, 2005).
Desta forma, a biotecnologia é a ciência que não se limita a explicar as coisas, mas modificar e mobilizar o processo de produção de forma inesgotável, conforme Leite (2000). Por outro lado, existem muitos julgamentos positivos, mas também contrários sobre o mesmo assunto por preceito ideológico e dicotômico, diante da possibilidade do humano ser superado (RIFKIN, 1998).
Ainda de acordo com Santos (2005), a biotecnologia e o pós-humano estão intimamente ligados, ou pela via da singularidade em que o humano é superado e deixado para traz, ou pela via da transformação biotecnológica ou biogenética para conceber uma nova linha de evolução do humano.
3 A CONSTRUÇÃO DA IGNORÂNCIA COMO PROCESSO DE CONHECIMENTO
Kaku (2001) ressalta que o avanço da biotecnologia e a origem do pós-humano, proclamam uma nova era que acaba estendendo o humano para além de si.
Assim como o pós-humano, em razão da pesquisa científica está presente também o termo pós-verdade “pos-truth”, que se refere à mentira construída no campo da política para fazer o povo acreditar nas promessas que não tem a intenção de ser cumprida (HIGGINS, 2016).
Ao manipular a verdade, pode variar conforme o contexto epistemológico, onde a mentira se origina das fontes ditas como aceitáveis, porém baseados em evidências quando os resultados científicos são ignorados por quem detêm o poder.
Conforme Luers e Kroodsma (2014), não só a pós-verdade está presente nas perspectivas e opiniões da ciência, tecnologia e sociedade, mas o pós-especialista também que independente de sua formação e de quem é, promove uma série de afirmações como estratégia para coproduzir o conhecimento desejado.
É de se considerar que a pós-verdade e o pós-especialista tratam de uma estratégia para expandir a ciência como conhecimento à sociedade, onde as informações são comentadas, criticadas, compartilhadas e complementadas intensificando a discussão sobre assuntos complexos como no caso da biotecnologia e o uso de organismos geneticamente modificados (HAIDT, 2012).
Outra forma de divulgar a ciência e a tecnologia foi cunhada pelo então professor Robert Proctor em 1995, a chamada “agnotologia”, como a estratégia utilizada pela indústria do tabaco para confundir a população sobre os reais efeitos do cigarro na saúde do homem, sendo que a preocupação maior era de produzir conhecimento ao invés da produção de informação controvertida, distorcida e disseminada na sociedade (TARCIA, 2017).
A agnotologia provém da palavra grega neoclássica da “agnose” usada para definir a ignorância ou "o não saber", e da ontologia, ramo da metafísica que trata da natureza do ser, portanto Kenyon (2016) define-a como o estudo de atos voluntários para espalhar confusão e engano, geralmente para vender um produto ou ganhar um favor.
A ciência então, se revela através das mídias como fonte de obter conhecimento sobre a biotecnologia, porém não neutra e eivada de controvérsias e ambiguidades pelos discursos proferidos carregado de implicações históricas, econômicas, políticas, sociais e culturais.
É necessária atenção às opiniões distorcidas acerca do que é pesquisado pela comunidade científica, que não são estritamente construídas por uma ignorância cultural da sociedade, mas pela manipulação intencional sobre o assunto pelas empresas e instituições que detêm interesse particular em produzir a ignorância e não a verdade como conhecimento científico.
Em 2007 o fato agnotolígico ocorreu na biotecnologia com clonagem terapêutica pelo uso de células-tronco embrionárias extraídas de líquido amniótico, que mesmo apresentando importantes resultados para a comunidade cientifica um determinado grupo de cientistas afirmou que os estudos seriam limitados pela política de saúde de muitos países que incentivavam a prática do parto normal, procedimento que rompe a placenta e que dificultaria a coleta do líquido amniótico, com o objetivo de suspender as pesquisas (CREMEPE, 2007).
Tal fato agnotológico também se faz presente, nas declarações do idealizador da Ovelha Dolly, Keith Campbell, ao afirmar que a clonagem terapêutica por células-tronco ainda não funcionava, pela pouca disponibilidade de óvulos humanos, pela inviabilidade de produzi-los em laboratórios por questões políticas, econômicas e éticas, Cibelli (2017), o que demonstra que a intenção de Campbell era contradizer a pesquisa por ele encabeçada a fim de obstar o acesso democrático pela a técnica.
Diante da afirmação feita por Keith Campbell principalmente pela inviabilidade econômica dos estudos, surgem os primeiros questionamentos e controvérsias sobre o avanço biotecnológico na sociedade, já que os estudos com o genona pela escola francesa era a prestação de serviço à humanidade pela manipulação de células, e não a obtenção de lucros idealizada posteriormente pela escola americana e pelas redes que dominam o mundo (MOSER, 2005).
Instaura-se então uma concepção de tecnologia da saúde, distorcida dos preceitos éticos iniciais, a biotecnologia não é construída para o proletariado, tão pouco para o oprimido, o acesso à técnica se limita para aquele que detêm um poder aquisitivo condizente com a venda da técnica construindo deste modo um pensamento de negação, de desconhecimento, pela manipulação da informação (CARCERELI, 2008).
O mesmo fato agnotológico se apresenta na biotecnologia ligada à agricultura e ao meio ambiente, quando a historiadora da ciência Naomi Oreskes da Universidade da Califórnia recebe críticas por outros cientistas ao publicar em 2004 um estudo que negava que as mudanças climáticas eram causadas pelas atividades humanas (CCST, 2015).
Tal fato se explica, pois estes mesmos cientistas críticos dos estudos de Naomi Oreskes, em anos anteriores a 2004 declararam que a camada de ozônio e a chuva ácida não eram um problema para a sociedade, e que as mudanças climáticas não pertenciam a um campo científico para ser pesquisado (CCST, 2015).
Conclui-se então que entre Naomi Oreskes e seus pares, o debate não é de caráter científico muito menos de preocupação com as mudanças climáticas, mas apenas uma questão de ideologia política para trabalhar o “obscurantismo”, ou seja, a privação do verdadeiro conhecimento sobre a influência da atividade humana no clima.
O obscurantismo evidenciado nos anos 80, nada mais é que a tática agnotológica por meio da manipulação de dados ficcionais, para tornar questionável a verdade da relação homem e meio ambiente, narrado em 2010 na obra de Naomi Oreskes com coautoria de Erik Conway intitulado “Merchants of Doubt”, traduzido por “Os Mercadores da Dúvida” (CCST, 2015).
Schneider (2009), ao analisar a “tática agnotológica” lamenta a persistente distorção de informações, os ataques, as falsas notícias, e as interpretações unilaterais, pagas por lobbies e corporações públicas ou privadas que acrescidas da mídia acabam por retardar o desdobramento do pensamento científico.
Observando os escritos de Robert Proctor, Kenyon (2016) percebe-se que a ignorância se espalha quando muitas pessoas não entendem um conceito ou fato científico, pela disseminação de informações controvertidas, culminando em uma sociedade analfabeta e suscetível às táticas usadas por determinados grupos, que objetivam confundir e achacar a verdade em detrimento de seus interesses.
Em uma era de evidências do pós-humanismo, pós-verdade e pós- especialistas, a ciência pode se tornar uma pós-ciência pelo declínio dos editoriais científicos, pela negação da ciência e pela forma de querer afirmar uma pseudociência, seguindo para um estado de agnotologia, acrescenta Hansen (2013). Através do raciocínio motivado que busca produzir uma ilusão de objetividade, que leva o homem a pensar mais como militante ou marqueteiro e menos como cientista (KUNDA, 1990).
A ignorância é considerada o mal do século por incutir no homem um perfil de servilidade. Servil é aquele que desconhece e que não quer conhecer, que estabelece falsas ideias sobre o mundo que o cerca, e que alcança o conhecimento científico provado e comprovado, que gera estagnação e retrocesso (BELLO, 2010).
4 O CONHECIMENTO CIENTÍFICO COMO VERDADE QUESTIONÁVEL
A construção do conhecimento científico exige rigor, e para ser alcançado requer métodos adequados eleitos de forma lógica que se equacione a resultados. Contudo, tal rigor entra em atrito com o obscurantismo, com a contradição de informações, geradas pela conduta de determinados grupos envolvidos no trabalho intelectual, político e econômico com o propósito de construir um processo de “ignorância” para contrapor a verdade do conhecimento científico.
O conhecimento e a verdade estão intrinsecamente ligados à filosofia da ciência, também chamada de teoria da ciência que se utiliza da epistemologia para a análise crítica da ciência como verdade (COSTA, 1999).
A filosofia da ciência reconhece que o conhecimento é a crença verdadeira e justificada, em que a lógica faz com que se X conhece a preposição p se e somente se X crê em p, p é verdadeira e a crença em p é justificada, deste modo o termo conhecido justificado e verdadeiro (COSTA, 1999).
Não há no conhecimento científico, teoria ou experimento que se furte da crítica, que é a essência da racionalidade que ordena seu processo de modo objetivo e controlável, porém não absoluto tendo como meta encontrar a “verdade”.
Deste modo, o conhecimento científico é real, com base nos fatos observáveis que constituem em hipóteses e que através das experiências realizadas são tidas definidas por verdade ou por falsidade. É sistemático e ordenado, por respeitar uma sequencia lógica que forma um sistema de ideias, capaz de comprovar o fato, para que seja aceito ou descartado pela ciência. Portanto é falível, capaz de produzir uma verdade questionável (TRUJILLO, 1974).
Assim, o conhecimento científico é obtido conforme a necessidade de sua época por meios de teorias que não trazem em seu bojo a verdade absoluta, que são “trabalhadas” pelos cientistas pela busca de um resultado de pesquisa ou para dissimular uma realidade social, através de informações falseadas, manipuladas que nas mentes dos mal informados, podem construir o processo de ignorância “agnotologia”.
Moser (2005) pondera que tanto a epistemologia “conhecimento” como a agnotologia “não conhecimento”, estão presentes no processo evolutivo da sociedade e da ciência e da tecnologia, que se evidencia ainda mais altivo nas chamadas “novas tecnologias”, diante da revolução das técnicas em prol da vida ou pelo recurso natural que utiliza, mas também pelo recurso informacional que dispõe.
O homem de hoje é geneticamente idêntico ao homem da caverna, o que os difere são os processos históricos e evolutivos da ciência e da tecnologia que o precedem, e o conhecimento como para o progresso, porém suscetível aos chamados mercadores da dúvida que utilizam suas credencias científicas para manter viva a controvérsia cientificas e a disputas de opinião.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O século XXI também denominado o século da biotecnologia traz consigo a era do pós-humanismo, diante da potencialidade do melhoramento biotecnológico em prol da vida seja na área da saúde, meio ambiente ou agricultura.
Contudo alguns impasses inerentes a essa nova concepção de tecnologia a serviço da vida são evidentes na sociedade, haja vista as informações muitas vezes manipuladas pela indústria que oscilam entre ameaças, esperanças, dúvidas, ideologia, benefícios, malefícios e utopia.
Por essa perspectiva o conhecimento científico balizado na verdade mesmo que questionável, é contraditado por uma pseudociência que tem por objetivo instaurar a ignorância nas pesquisas cientificas por interesses políticos e econômicos de alguns particulares, em prol de benefícios, investimentos e monopólios do saber.
A ignorância visa produzir a dúvida, a negação da ciência ou do debate cientifica fato observado por Robert Proctor em 1995 frente às manobras da indústria do tabaco na década de 80, para despistar o nexo de causalidade do ato de fumar com uma gama de doenças como o câncer.
O termo cunhando para designar a ignorância e promover um estudo para compreender os motivos pelos quais alguns conhecimentos são descartados, retardados ou negligenciados melhorando ou piorando o processo histórico de evolução e progresso da ciência, traduz “agnotologia”.
A “agnotologia” nada mais é que o estudo do processo de ignorância do conhecimento, ou seja, é o não saber, que contrapõe o processo epistemológico do saber, do conhecimento cientifico conhecido e entendido diante da sua verdade, fruto das intervenções políticas, econômicas e culturais que obscurecem as informações e por consequência a compreensão da sociedade sobre o tema.
Deste modo, o século XXI, induz a quebra de paradigma pela necessidade do homem compreender a natureza como mecanismo que integra e articula novas realidades a ciência e a tecnologia, mas também a condição de manipular, moldar, as informações como processo de dominação.
Quem manipula, dirige os fatos e os artefatos de acordo com seus interesses e desejos particulares, tomando em suas mãos não só o seu destino, mas o destino do mundo, onde a má manipulação da informação restringe a liberdade, gera alienação e ignorância, enquanto a manipulação boa da informação traz educação, promove conhecimento pelo acesso democrático.
A manipulação da informação diante do mundo globalizado é um grande desafio não só para a biotecnologia como ciência em prol da vida, mas um desafio para a humanidade de querer entender e conhecer tal tecnologia na sua essência como pretendia a escola francesa de promover o bem e a melhoria da qualidade de vida.
Emerge a necessidade de uma sociedade mais esclarecida para que através do conhecimento científico distante de meias verdades, mas baseado em uma linguagem acessível e de fácil compreensão possa dar subsídios ao indivíduo de participar dos processos de tomada de decisão junto à ciência e a tecnologia de tal modo à bem conviver com a nova realidade.
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