APRESENTAÇÃO

v.6 n. 1, Ed. Especial, 2019

 

A revista P2P & Inovação é uma publicação semestral que tem como missão oferecer um espaço de reflexão e debate sobre as mais diversas experiências de produção, tendo em vista especialmente o caráter de inovação nos âmbitos cultural, social e político.

Temos a grande satisfação de apresentar aos nossos leitores este número especial da revista sobre Informação em Saúde,  lançado no 2º. Fórum Nacional de Informação em Saúde,  organizado e realizado no ICICT/Fiocruz em parceria com o IBICT/MCTIC.

Este número da revista é uma iniciativa e resultado do esforço de Maria Cristina Guimarães e Cicera Henrique da Silva, do ICICT, e de Jorge Calmon Biolchini e meu, do IBICT. Entendemos que diálogo, empenho e parcerias são necessários para fortalecer este campo interdisciplinar entre as Ciências da Informação e as Ciências da Saúde.

Os conflitos e as discussões em torno das políticas públicas, especialmente a construção do Sistema único de saúde e a regulação da assistência suplementar à saúde, são as principais marcas do nosso tempo. Isso acontece em contexto de queda do nível de atividade econômica, com redução e congelamento do gasto público.

Os artigos desta coletânea estão longe de ser um painel completo do que cabe sob o guarda chuva da “Informação em Saúde”. São sim uma amostra da riqueza deste campo do conhecimento. É  como aproximar pontos dispersos através das linhas imaginárias pela publicação em um mesmo número de uma mesma revista.

Aderita Ricarda Martins de Sena e Christovam Barcellos nos apresentam o artigo “Informação sobre seca e saúde: subsídio para ações preventivas” . Nele aprofundam conhecimento sobre o processo natural da seca, um evento climático extremo e complexo que tende a se tornar um desastre social e um problema de saúde pública. Os riscos sobre os determinantes ambientais, sociais e econômicos que são acentuados pela seca e os impactos sobre o bem-estar e a saúde humana são descritos.

Os autores pretendem assim fortalecer a organização e disseminação de informação, bem como o desenvolvimento de ações para o setor saúde. Ações intersetoriais são recomendadas para o governo e a sociedade atuarem conjuntamente em medidas de prevenção e redução de risco associados à seca, adaptação e resiliência para fortalecer a infraestrutura governamental e o desenvolvimento humano.

“Escorpionismo no Rio de Janeiro: contribuições da Ciência Cidadã para o aprimoramento das políticas de atenção em saúde” é o trabalho de Claudio Mauricio Souza e Rosany Bochner. Nesse  artigo os autores analisam o escorpionismo como doença tropical negligenciada sob a ótica da ciência cidadã. No Brasil, esse agravo apresenta crescimento e expansão mais dinâmicos em várias regiões, especialmente no Nordeste e Sudeste. A partir da análise do SINAN, SIM e SIH-SUS identificam fragilidades na informação sobre os óbitos decorrentes de picadas de escorpião no estado do Rio de Janeiro.

Os eventos passaram a servir como “sentinela” para a pesquisa. Os autores descrevem a formação de uma ampla comunidade de diálogos com atores dos locais onde esses agravos são relevantes e, a partir da análise e comparação dos saberes, vivências e propostas desse grupo coletivo de pesquisa, produzimos subsídios para uma proposta de reforma da política pública de atenção. Desse exercício resultaram respostas práticas aos problemas cotidianos e reflexões sobre as possibilidades de contribuição dessa abordagem nesse campo da saúde ambiental.

“Repositório DATASUS: Organização e relevância dos dados abertos em saúde para a vigilância epidemiológica” é o artigo apresentado por Pollianna Marys de Souza e Silva e Marynice Medeiros Matos de Autran. O artigo mostra os resultados da pesquisa objetiva analisar se o repositório DataSUS cumpre com os princípios/critérios preconizados pelo W3C Escritório Brasil para os dados abertos governamentais.

Os autores realizaram os seguintes procedimentos: apresentar a forma de organização do DataSUS por meio de mapa conceitual; construir o mapa conceitual; demonstrar a relevância do DataSUS para a Vigilância epidemiológica e explicitar a relevância da informação para a vigilância. Concluem que o DataSUS cumpre com os requisitos preconizados pelo W3C para dados governamentais.

Carla Rocha Pereira, Célia Landmann Szwarcwald e Giseli Nogueira Damacena nos oferecem o artigo “A discriminação de pessoas vivendo com HIV/AIDS no trabalho: uma analise quantitativa e qualitativa”. Os autores analisam distintos aspectos relacionados à discriminação de soropositivos no Brasil no acesso e/ou ambiente de trabalho. Foram realizadas uma análise quantitativa (pesquisa nacional) e qualitativa, entrevistas em profundidade (Assessoria Jurídica de ONG/aids) e grupo focal (Policlínica no município do Rio de Janeiro).

Os resultados quantitativos indicam que quanto mais baixa a escolaridade e renda do entrevistado, maior a percepção de discriminação. A pesquisa qualitativa relatou discriminação direta e indireta, sendo que aqueles com renda mais baixa possuíam emprego informal e não processaram seus perpetradores, distinguindo-se daqueles que procuraram a Assessoria Jurídica, que possuíam renda e escolaridade mais alta e que processaram seus empregadores.

“Produção de informação sobre o acesso dos adolescentes aos serviços de saúde: uma experiência no nível local na Venezuela” é o artigo  de Henny Luz Heredia-Martínez e Elizabeth Artmann.  É um estudo de caso múltiplo realizado em três municípios do estado Nueva Esparta, no qual foram incluídos 35 estabelecimentos, 35 profissionais e 246 adolescentes.

“O agente de conhecimento: perspectivas no âmbito da tradução do conhecimento na saúde pública” é o artigo de Juliana Gonçalves Reis. A autora apresenta o Knowledge Broker como agente de conhecimento para intermediar informação e comunicação bidirecionada a pesquisadores e às partes interessadas em utilizarem os resultados de pesquisa.

A autora destaca a ausência deste perfil no Brasil e propõe uma agenda de trabalho focada em 1- Delineamento de ecossistemas de conhecimento para garantir a especificidade de interlocução com as partes interessadas; 2- Estratégias de fortalecimento de redes de colaboração; 3 - Boas práticas de mobilização de conhecimento com a finalidade de desenvolver, aplicar e avaliar estratégias e métodos para que o conhecimento faça diferença positiva e 4 – Desenvolvimento de competência para o impacto da pesquisa com objetivo de tornar os resultados de pesquisa e avaliação de dados úteis para a vida das pessoas e da sociedade.

“As revisões sistemáticas como fontes de evidências nas recomendações de saúde: o caso da amamentação e a saúde da criança” é o artigo de Martha Silvia Martinez-Silveira, Cícera Henrique da Silva e Josué Laguardia.  As revisões sistemáticas são uma síntese metodologicamente construída a partir dos estudos originais geradoras de evidências científicas para as decisões de saúde, porém sua qualidade pode limitar sua utilização.

O objetivo do estudo é  investigar as revisões sistemáticas como fontes de evidências científicas das recomendações sobre o tema as repercussões da amamentação na saúde da criança. Se fez uma análise de citação para identificar as revisões sistemáticas referenciadas nas recomendações de instituições internacionais e do Brasil, Estados Unidos e Canadá. Foram selecionadas 101 recomendações que citaram 30 revisões sistemáticas. As revisões são de qualidade moderada e insuficientes quanto à temática e aos achados.

“A avaliação de evidências em saúde pela população” é artigo de Maria Cristiane Barbosa Galvão, Fabio Carmona e Ivan Luiz Marques Ricarte. Os autores investigam como a população avalia as evidências sobre a saúde de crianças e adolescentes. Eles disseminaram evidências em saúde produzidas com linguagem simples, focando os falantes da língua portuguesa, em plataforma tecnológica e nas mídias sociais. Foram analisadas 113 avaliações das evidências realizadas por enquete, usando questionário estruturado, bem como 136 avaliações provenientes de comentários livres registrados em mídias sociais.

Os autores afirmam que, nas mídias sociais, a população avalia as evidências dicotomicamente, por concordância ou discordância, considerando experiências pessoais. Nas avaliações coletadas por questionário estruturado possui menor adesão, porém são mais detalhadas. Fica o desafio de fazer com que as evidências em saúde sejam avaliadas por outros segmentos da população, preferencialmente empregando instrumentos formais de avaliação.

Alexssandro da Silva, Paulo Roberto Borges de Souza Júnior, Ana Luiza Braz Pavão, Garibaldi Dantas Gurgel Júnior e James Anthony Falk apresentam seu trabalho “Cultura de segurança do paciente em hospitais: uma revisão integrativa da literatura”. O estudo descreve as principais publicações referentes à cultura de segurança do paciente em hospitais, buscando um melhor entendimento das pesquisas que utilizam o Hospital Survey on Patient Safety Culture (HSOPSC).

O estudo é uma pesquisa bibliográfica do tipo revisão integrativa da literatura, estruturada: identificação do tema e seleção da hipótese ou questão de pesquisa para a elaboração da revisão integrativa e finaliza com a apresentação da revisão/síntese do conhecimento. Após a busca na base Medline, o HSOPSC foi utilizado como instrumento de avaliação da cultura de segurança do paciente em 94,8% das publicações. Os EUA encabeça a lista com 56 (30,4% de n=184) publicações, seguido pelo Irã (13).

Os autores observam que as publicações referentes à cultura de segurança do paciente têm aumentado muito na literatura internacional e o Brasil acompanha essa tendência de crescimento, tendo seu pico em 2013, quando foi publicada Resolução da Diretoria Colegiada RDC Nº 36/ANVISA, que institui ações para a segurança do paciente em serviços de saúde.

“Disseminação de informação em saúde e música no contexto hospitalar pediátrico” é o artigo de  Maria Cristiane Barbosa Galvão, Paula Maria Pereira, Fabio Carmona e Ivan Luiz Marques Ricarte. Os autores destacam que muitos estudos têm sido realizados para verificar formas de tornar a assistência pediátrica humanizada e inclusiva.

Assim, os autores querem verificar se a disseminação de informações em saúde e de músicas em um hospital pediátrico, promove algum tipo de reação ou envolvimento do público. O estudo contempla diferentes etapas do ciclo informacional, como: a seleção de informações em saúde e músicas; a produção de informações em saúde em linguagem simples; a disseminação de informações em saúde e músicas na página do hospital pediátrico. No período da intervenção, foram disseminadas 22 informações em saúde na página do hospital, que alcançaram um total de 19.156 pessoas, e 27 músicas que alcançaram um total de 17.914 pessoas.

“Bibliotecários em hospitais: competência comunicativa e aprendizagem”, é o artigo de Clovis Ricardo Montenegro de Lima, Kátia de Oliveira Simões, Márcio da Silva Finamor e Helen Fischer Günther. O artigo aborda o trabalho do bibliotecário em hospitais a partir da teoria do agir comunicativo de Jürgen Habermas.

Parte-se de coleta de dados primários junto a 26 bibliotecários que trabalham em hospitais. Apresenta as interações mediadas pela linguagem, que demandam competência comunicativa, e estabelece relação entre Discurso e aprendizagem. O agir comunicativo é caracterizado como base para a problematização com evidências científicas em hospitais. Os dados coletados apontam que os profissionais bibliotecários reconhecem a importância de seu trabalho na equipe de saúde .

No entanto, a competência comunicativa dos bibliotecários não pode estar focada apenas na recuperação de informação em equipes orientadas por evidências científicas. Os bibliotecários são convidados a intervir de modo crítico. Concluem que o bibliotecário é o elo entre a informação científica e as práticas cotidianas hospitalares, intensificando e dinamizando as práticas sociais e comunicativas e que realizar o trabalho com a informação em saúde é uma forma de cuidar da saúde do paciente.

Raquel Pavan Braz e Gilson Brito Alves Lima apresentam o artigo “Instrumento temático para avaliações sistêmicas dos fatores que influenciam a retenção de voluntários sociais na área da saúde”. Os autores propõem um instrumento gerencial temático que especifique as informações a serem abordadas nas avaliações sistêmicas sobre as dimensões e os fatores de influência do voluntariado na área da saúde, buscando entender as questões influenciadoras da sua retenção.

Os autores concluem pela existência de 36 fatores temáticos, organizados em quatro dimensões de influência: individual (sociodemográficos, saúde do voluntário, experiência anterior com a doença, experiência com o voluntariado, aprimoramento/autoestima, valores, compreensão, proteção, carreira, expectativa, conflito); familiar (responsabilidades, apoio/suporte, influência); social (socializar, compromisso social, reconhecimento, apoio/suporte, pertencimento, agente de mudança social) e organizacional (infraestrutura, serviços e atividades, carga-horária, seleção, recrutamento, capacitação, recursos humanos, incentivos, autonomia, comunicação interna, relações interpessoais, apoio organizacional, estressores, acompanhamento, relação com a comunidade, relações externas).

“O que a política científica pode aprender com o Diário oficial da União: um olhar exploratório” é o artigo de Paulo Eduardo Potyguara Coutinho Marques, Maria Cristina Soares Guimarães, Renato Rocha Souza e Janio Gustavo Barbosa. A Ciência da Política Científica emerge em resposta à preocupação crescente com a ausência de capacidade analítica das políticas que orientam o desenvolvimento da ciência.

Os autores expõem que uma das questões centrais é tentar responder se os investimentos públicos no setor de pesquisa alcançaram os resultados esperados. O texto lança um olhar exploratório e metodológico sobre o tema no contexto brasileiro, e toma o Diário Oficial da União (DOU) como fonte de dados potencial para análise do financiamento público de pesquisa em saúde no Brasil, especificamente em dengue. Os autores consideram que há potencial dessa fonte de dados para análises quantitativas sobre pesquisa com financiamento público no Brasil.

“Hiperinformação na era digital: validação das informações em saúde", é o artigo de Mariângela Rebelo Maia e Jorge Calmon de Almeida Biolchini. Nesta pesquisa buscam evidenciar que a hiperinformação atinge diretamente o processo de validação das informações, a disseminação de fake news e o cotidiano das pessoas.

Neste tempos de “informações espetacularizadas”, as falas carecem de compromisso sincero com a veracidade daquilo que é informado. Os autores concluem que a hiperinformação sobre saúde está relacionada com a fragilidade da veracidade informacional. Eles recomendam filtro e seleção de fontes.

Esperamos assim estar contribuindo para a demarcação do território da “Informação em Saúde”, com fronteiras e valores em disputa. Há um grupo de trabalho na ANCIB dedicado ao tema, assim como existem dois grupos na ABRASCO que o discutem. Não cabe pensar em hegemonia, mas na soma e na pluralidade.

Cabe reafirmar o entendimento sobre a correção da ementa do grupo de trabalho 11 - Informação e Saúde – da Associação Nacional de Pesquisa em Ciência da informação: “Estudos das teorias, métodos, estruturas e processos informacionais, em diferentes contextos da saúde, considerada em sua abrangência e complexidade. Impacto da informação, tecnologias, e inovação em saúde. Informação nas organizações de saúde. Informação, saúde e sociedade. Políticas de informação em saúde. Formação e capacitação em informação em saúde”.

Cabe observar que a Ciência da informação é uma Ciência social aplicada, onde emergem abordagens humanísticas.

Queremos destacar o caráter prático da Informação em Saúde, que pode sempre articular critica e proposições. É preciso que o trabalho com informação contribua para o desenvolvimento de ações integradas em saúde, de tecnologias adequadas, de organizações eficazes e humanizadas e de sistemas universalmente acessíveis.

Finalmente, queremos apresentar a proposição de criação de uma rede nacional de pesquisadores em Informação em Saúde – RENAPIS. É necessário e possível articular uma esfera pública autônoma que reúna pesquisadores dos diferentes campos do conhecimento, particularmente das ciências da informação, focados ou interessados na Informação em Saúde.

Uma rede de pesquisa aberta vai definindo seus contornos epistemológicos a medida em que vive e intervém. Essa rede deve ter profundo compromisso com a saúde como direito humano e social, com a construção do Sistema único de saúde e com a regulação da assistência suplementar. A agenda de uma rede é fluída, e derivada de seus compromissos éticos e políticos ..

 

 

Rio de Janeiro, 15 de outubro de 2019

 

Clóvis Ricardo Montenegro de Lima

Editor