A INFORMAÇÃO NA INTERMEDIAÇÃO DE TRANSAÇÕES EM PLATAFORMAS ON-LINE: A INOVAÇÃO DA EMPRESA AIRBNB

 

 

Rodrigo de Castro Freitas

Universidade Federal do Paraná

decastro.rf@gmail.com

 

Valéria Khristina Fregadolli

Universidade Federal do Paraná

valeria.fregadolli@gmail.com

 

Maria do Carmo Duarte Freitas

Universidade Federal do Paraná

carmemk2@gmail.com

 

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Resumo

Reflete sobre o papel da informação como recurso estratégico na intermediação de transações da empresa Airbnb na busca da lucratividade compartilhada. Este é um caso emblemático de empreendedorismo de atuação global, suportado pelo usode tecnologias de informação e comunicação na Internet. O estudo apresenta uma análise sobre a função estratégica da informação no modelo de negócios da Airbnb, com ênfase no caráter de inovação da intermediação de transações em plataformas on-line. Consiste em uma pesquisa exploratório-descritiva, de natureza qualitativa, que descreve e analisa o modelo de negócios da empresa Airbnb com base em pesquisa bibliográfica e documental. Constata que a informação é o elemento-chave nos mecanismos de reputação e confiança, na efetivação das reservas pelos hóspedes e na maximização da lucratividade da Airbnb. A plataforma digital de locação de acomodações na Internet, como um modelo inovador de negócios, modificou comportamentos de usuários dos serviços de acomodações e afetou a estrutura de prestação de serviços na indústria hoteleira.

 

Palavras-chave: Airbnb. Informação estratégica. Inovação. Intermediação. Economia compartilhada.

 

INFORMATION ON THE INTERMEDIATION OF ON-LINE PLATFORMTRANSACTIONS: THE INNOVATION OF THE AIRBNB COMPANY

 

Abstract

This study reflects on the role of information as a strategic resource in the intermediation of Airbnb company transactions in the pursuit of shared profitability. This is an emblematic case of global entrepreneurshipsupported by the use of information and communication technologies on the Internet. The study shows an analysis of the strategic role of information in Airbnb's business model and emphasizes the innovative nature of intermediation of transactions on online platforms. This paper is an exploratory-descriptive research of a qualitative nature, which describes and analyzes the Airbnb business model based on bibliographical and documentary research. The study demonstrates that information is the key element in reputation and trust mechanisms, in making reservations by guests and maximizing Airbnb's profitability. As an innovative business model, the digital hosting lease platform on the Internet has changed the behavior of users of accommodation services and affected the structure of service provision in the hotel industry.

 

 

Keywords: Airbnb. Strategic information. Innovation. Intermediation. Shared economy.


 

1 INTRODUÇÃO

 

A inovação em negócios baseados na colaboração e compartilhamento motiva o debate quanto à definição de marcos legais em nossa sociedade. A adesão da população que se beneficia desses negócios é objeto de diferentes relatos, por exemplo, sobre mudanças de comportamento e impactos no espaço urbano. A Internet propiciou o surgimento de empresas globais que atuam com os conceitos de colaboração e compartilhamento, sendo amplamente reconhecidos os casos da Uber, no segmento de transportes, e da Airbnb, no setor de locações de acomodações. No Brasil, o Marco Civil da Internet garante o fomento à inovação e estimula a difusão dos meios tecnológicos que aportam estas empresas. Especificamente, a discussão deste estudo é sobre a inovação da empresa Airbnb, por se tratar de um caso emblemático de empreendedorismo que deu origem a uma empresa de atuação global, suportada pelo uso massivo de tecnologias de informação e comunicação (TICs) na Internet. Neste âmbito, propõe-se uma análise sobre a função estratégica da informação no modelo de negócios da Airbnb, com ênfase na inovação da intermediação de transações em plataformas on-line.

A empresa Airbnb é um caso recente e expressivo de empreendedorismo que inovou o mercado de locação de acomodações de temporada, com a negociação de serviços associados, por meio deuma plataforma digital de serviços na Internet. Desta forma, ao desempenhar o papel de intermediação de transações entre anfitriões e hóspedes, consolidou um modelo de negócios que se sustentana inovação tecnológica, ganhos financeiros, gestão da informação de seus usuários e relacionamento com stakeholders.

Sua trajetória teve início em meados de 2007, quando dois jovens, que não tinham recursos financeiros para arcar com valores de aluguel de sua moradia, buscaram obter renda extra transformando parte do local em um alojamento com três colchões de ar dispostos no chão, com a opção de servir um café da manhã para os hóspedes (TECHCRUNCH, 2015). Formalmente, a empresa foi fundada em agosto de 2008, com sede na cidade de São Francisco, Califórnia (EUA) (AIRBNB, 2019a). Não obstante à sua inusitada origem, a Airbnb aproveitou sucessivas oportunidades que alavancaram o seu crescimento. A convenção nacional do Partido Democrata nos Estados Unidos, em 2008, na cidade de Denver, foi a primeira dessas oportunidades. A rede hoteleira da cidade não tinha condições de atender o grande contingente de pessoas que compareceriam na referida convenção e a empresa identificou este fato como uma oportunidade de obter vantagem e, consequentemente, crescimento da sua forma alternativa de oferecer acomodações para hospedagem (TECHCRUNCH, 2015).

Em 2010, a empresa identificou a necessidade de utilizar fotografias profissionais nos anúncios das acomodações e, ao fazê-lo, verificou um crescimento significativo nas reservas efetuadas na plataforma. Em 2011, adquiriu a empresa Accoleo, da Alemanha, que prestava serviços semelhantes. Em 2012, por ocasião dos Jogos Olímpicos de Verão de Londres, adquiriu a empresa Crashpadder, e posteriormente, a Localmind. Em 2014 firmou uma parceria com a Concur, objetivando atuação no mercado corporativo (TECHCRUNCH, 2015). Em 2017 lança a sua marca na China, a “Aibiying” (AIRBNB, 2019a). Assim, a Airbnb cresceu rapidamente ao longo de sua trajetória de 10 anos, atingindo em 2019 a marca de 400 milhões de hóspedes e de acomodações listadas em mais de 80.000 cidades em 191 países (AIRBNB, 2019a).

 

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

 

A inovação é um processo contínuo que origina novos produtos e serviços, por exemplo,a história da produção da eletricidade, desde a roda acionada pela água à instalação moderna, ou o processo evolutivo dos meios de transporte, desde as antigas carruagens aos aviões (SCHUMPETER, 1961). Esses exemplos demonstram um processo similar de mutação industrial que revoluciona permanentemente a estrutura econômica, destruindo o antigo e criando novos elementos.

A escola austríaca, que integra o pensamento Schumpeteriano, considera que o mercado opera em um desequilíbrio constante, pois a concorrência é mutável e dinâmica, tornando a economia, por vezes, descontínua. Nesta corrente teórica, é a busca por maiores lucros que provoca a inovação. Como consequência, os concorrentes procuram imitar e suplantar os inovadores introduzindo outras inovações e, assim, se formam novos arranjos econômicos. Deste ponto de vista, este comportamento é um diferencial competitivo e, portanto,induz as organizações a estabelecerem estratégias permanentes de inovação (VASCONCELOS; CYRINO, 2000).

Com base nos pressupostos da abordagem institucional, Machado-da-Silva e Fonseca (2010), argumentam que as organizações são recompensadas pelo controle eficiente do processo de trabalho, que gera padrões que passam a ser replicados de forma homogênea, reforçando paradigmas que limitam as possibilidades de criação e inovação.Entretanto, algumas inovações são poderosas ao ponto de quebrar paradigmas antes considerados imutáveis. Christensen (2012), afirma que quando um produto muda as regras de competição, em vez de superaros demais concorrentes, configura-se uma inovação disruptiva. Esta teoria aponta para situações nas quais os novos participantes de um mercado, munidos de soluções tecnológicas relativamente simples, podem passar à frente de poderosas empresas líderes de mercado, com produtos tipicamente mais baratos, menores e mais convenientes que, inicialmente, são aceitos por consumidores que não compõem o público-alvo.

O empreendedorismo consiste em desenvolver formas novas de produção de bens e serviços para atender os resultados esperados pelos consumidores, criando inovações com capacidade de satisfazer demandas dos mercados (VASCONCELOS; CYRINO, 2000).

O princípio básico da inovação é relacionado à oferta de algo novo ou aperfeiçoado à sociedade, e seus elementos essenciais são a informação e o conhecimento (SILVA, 2015). Porter e Millar (1999), comentam que quaisquer atividades da cadeia de valores dos negócios de uma empresa criam e utilizam informações em processos relacionados à sua captação, manipulação e distribuição. Esses autores afirmam que a revolução da informação impactou a competição nos mercados em três aspectos essenciais: mudança da estrutura setorial, criação de vantagem competitiva e disseminação de novos negócios. Na perspectiva de Choo (2003), a informação desempenha uma função estratégica no crescimento e na capacidade de adaptação das organizações, seja na interpretação do ambiente externo, na criação, organização e processamento da informação para a obtenção de novos conhecimentos.

Kerstenetzky (2000), afirma que a inovação reduz custos de transação e, do ponto de vista institucional, se refere a novos modos de relacionamento e informação entre agentes de mercado, tais como intermediários, corretores e representantes, e mecanismos como feiras, bolsas e instrumentos de intercâmbio. Em mercados menores e localizados há, eventualmente, a ocorrência de contato direto entre produtor e consumidor. Entretanto, na medida em que os mercados ampliam a sua abrangência, os intermediários desempenham um papel importante na constituição e desenvolvimento da economia, com destaque para o uso de informações relativas às organizações e aos ambientes. De forma geral, os intermediários usufruem da oportunidade de agregar transações de mesma natureza e com isso obtêm ganhos de economia de escala e reduzem os custos de transação dos agentes envolvidos nas negociações.

Na indústria de serviços, os intermediários detêm informações sobre o que disponibilizam nos mercados e que são cruciais para os consumidores, tais como as condições de preços, descontos oferecidos e alternativas disponíveis. Assim, o papel dos intermediários consiste no fornecimento de valor para os consumidores, na forma de informações úteis ou em termos de redução de custos da transação pretendida (TRIVEDI; MORGAN; DESAI, 2008).

Para Weber (2014), a viabilidade dos intermediários se estabelece quando o custo de intermediação por transação é inferior ao custo de uma transação direta com o provedor do produto ou serviço. Ainda, conforme Weber (2014), os intermediários nos mercados desempenham as seguintes funções: prover os benefícios advindos das economias de escala, reduzir os custos de transação, intermediar as partes envolvidas nas transações e oferecer confiança nas relações dos mercados por meio da diminuição da assimetria de informações.

O avanço tecnológico ocorrido desde o final do séc. XX transformou as relações econômicas e promoveu a globalização dos mercados, que passaram a se caracterizar pelo predomínio das TICs e pela exigência, cada vez maior, de inovações (SILVA, 2015). Yacouel e Fleischer (2012), destacam que o advento da Internet, que ocorreu neste contexto, proporcionou aos consumidores um maior acesso às informações, embora ainda existam dificuldades a respeito da sua confiabilidade. Alguns sites da Internet contribuem para minimizar estas dificuldades na medida em que oferecem serviços onde as pessoas podem compartilhar a sua satisfação com relação às transações efetuadas, servindo assim como um sistema de reputação entre consumidores e vendedores. Esses autores classificam estes sites da Internet como cybers intermediários (intermediários on-line) e apresentam que suas principais funções são a disponibilização de informações confiáveis para os consumidores e a mitigação de riscos para os vendedores. Neste sentido, Henten e Windekilde (2016), argumentam que a utilização de plataformas de negócios baseadas na Internet cresceu rapidamente durante a última década, consolidando um tipo de modelo de intermediação que se caracteriza por um agente que organiza a interação direta entre diferentes grupos de clientes. Esse modelo de intermediação é uma extensão do conceito tradicional dos mercados, com mais de dois diferentes tipos de clientes que são independentes, mas que utilizam de uma mesma plataforma de negócios. Esta plataforma digital de negócios baseada na Internet desempenha o papel de cyber intermediário, proporcionando a ampliação da dimensão dos mercados e transações comerciais mais eficientes.

No âmbito da atuação dos cybers intermediários, o gerenciamento de todas as partes envolvidas, ou seja, dos stakeholders, é essencial para atender diferentes interesses e expectativas. Uma estratégia baseada em stakeholders integra e gerencia as relações de diversos grupos de interesse, sendo que seus principais pontos são (FREEMAN; MCVEA, 2001, p. 11-15):

1) Estabelecimento de um único framework flexível para lidar com as mudanças de ambiente, sem a necessidade de estabelecer novos paradigmas na estratégia da empresa;

2) Ênfase no processo de gerenciamento de estratégia, indicando uma nova direção a ser seguida pela empresa e considerando como a empresa afeta o ambiente em que está inserida;

3) Preocupação com a sobrevivência da empresa;

4) Encorajamento da gestão para desenvolver estratégias com base no ambiente externo da empresa, investigando e identificando todas as relações que possam assegurar o seu sucesso no longo prazo;

5) Ser prescritiva e descritiva, integrando em sua análise fatores econômicos, éticos e políticos;

6) Valorização do papel real e efetivo dos stakeholders;

7) Aproximação com o processo decisório na empresa, a fim de satisfazer simultaneamente os interesses de múltiplos stakeholders.

 

3 METODOLOGIA

 

Este estudo é exploratório-descritivo, de natureza qualitativa, no qual se utilizou pesquisa bibliográfica e documental para descrever e analisar o modelo de negócios da empresa Airbnb. Desta forma, buscou-se identificar elementosconcernentes à função estratégica da informação no referido modelo, com ênfase na inovação da intermediação de transações em plataformas on-line. O levantamento bibliográfico foi realizado na base de dados Web Of Science e a pesquisa documental se baseou em informações públicas disponibilizadas pela empresa Airbnb em seu website.Outros trabalhos científicos que não estão disponíveis na base de dados Web of Science foram utilizados na análise, por critério dos autores, que os consideraram necessários na discussão.O software VOSviewer foi utilizado para a construção e visualização das informações do levantamento bibliográfico.

 

4 A PLATAFORMA AIRBNB

 

A Plataforma Airbnb é um mercado on-line que permite a interação direta entre os usuários cadastrados (“Membros”) e terceiros para a negociação de reservas de acomodações, acesso a eventos ou outras atividades. Os membros e terceiros que oferecem serviços são identificados como “Anfitriões”, ao passo que os membros que utilizam os serviços são chamados de “Hóspedes” (AIRBNB, 2019b). Os anúncios realizados na Plataforma Airbnb são de responsabilidade dos anfitriões e a empresas e exime de qualquer responsabilidade relacionada às acomodações e reservas, enfatizando que não participa de nenhuma relação contratual entre membros. Deste modo,o modelo de negócios da empresa Airbnb (Figura 1) considera que os anfitriões são os únicos responsáveis pelos anúncios e serviços prestados por meio de um contrato celebrado diretamente com os hóspedes (AIRBNB, 2019b).

Cabe ao anfitrião definir e anunciar a taxa de acomodação a ser cobrada do hóspede, que pode incluir valores adicionais, tais como: taxa de limpeza, outras taxas permitidas pela Airbnb e eventuais impostos que o anfitrião seja obrigado a recolher de acordo com a legislação local. Valores extras também podem ser aplicados no ato da reserva, como por exemplo, taxa de conversão cambial, taxa e impostos de operação de câmbio, impostos recolhidos pela Airbnb, dentre outros. Ressalta-se que o hóspede não realiza nenhum pagamento direto para o anfitrião. A Airbnb é responsável pela execução e controle de todas as transações financeiras que são efetivadas entre os membros (AIRBNB, 2019b, 2019c).

 

Figura 1 - Modelo de negócios da Plataforma Airbnb

Fonte: Adaptado de HENTEN; WINDEKILDE, 2016 e baseado em AIRBNB, 2019c.

 

A fonte de receitas da Airbnb consiste nas taxas que são cobradas dos anfitriões e dos hóspedes por cada evento de reserva que é realizado na plataforma. A taxa cobrada do anfitrião consiste na retenção de 3% do valor anunciado da acomodação, sempre que uma transação de reserva é efetivada na plataforma. Se houver a contratação de alguma experiência (serviço extra ofertado pelo anfitrião), a Airbnb cobra apenas do anfitrião uma taxa de 20% sobre o valor da transação. Dos hóspedes, a taxa cobrada pode variar entre 0% e 20% do valor anunciado da acomodação, conforme critérios definidos pela Airbnb, e é aplicada no ato da confirmação da reserva, quando o hóspede realiza o pagamento (AIRBNB, 2019b, 2019c).

 

5 ANÁLISE E DISCUSSÃO

 

Mediante o levantamento bibliográfico na base de dados Web of Science foram identificados 342 estudos relacionados à empresa Airbnb, publicados no período de 2010 a 2018. A estratégia de busca considerou a recuperação de artigos científicos que contivessem o termo “Airbnb” no título, resumo ou palavras-chave. O propósito desse levantamento foi construir um painel da publicação científica em relação à empresa Airbnb, disponível na base selecionada, de modo a identificar os estudos mais citados e as principais palavras-chave relacionadas ao termo “informação”. O software VOSviewer foi utilizado para a construção e visualização das redes de citações e de palavras-chave.

Na Figura 2 tem-se a rede de citações que possibilita identificar, visualmente, os principais autores de estudos sobre a Airbnb, sendo que os cinco mais citados na Web of Science são: Guttentag-2015 (217 citações), Möhlmann-2015 (157 citações), Martin-2016 (157 citações), Ert-2016 (133 citações) e Zervas-2017 (90 citações).


 

Figura 2 - Rede de citações de estudos relacionados à empresa Airbnb, publicados entre 2010 e 2018, disponíveis na Web of Science

Fonte: Os autores(2019), com uso do software VOSviewer.

 

A Figura 3 apresenta a rede de palavras-chave dos 342 estudos selecionados na base de dados Web Of Science, com destaque para àquelas relacionadas ao termo “informação”, possibilitando constatar que os artigos sobre a Airbnb discutem aspectos relacionados à informação abrangem temas como inovação, tecnologia, mercado, comércio eletrônico, confiança, reputação, hospitalidade, dentre outros, que se relacionam, num contexto mais amplo, com a economia compartilhada.


 

Figura 3 - Rede de palavras-chave de estudos relacionados à empresa Airbnb, publicados entre 2010 e 2018, disponíveis na Web of Science

Fonte: Os autores (2019), com uso do software VOSviewer.

 

A despeito de haver muitos estudos que abordam a empresa Airbnb no contexto da economia compartilhada, o presente estudo não a explora; sendo assim, ressalta-se o seu objetivo de analisar a função estratégica da informação no modelo de negócios da Airbnb, com ênfase na inovação da intermediação de transações em plataformas on-line. O resultado desta análise demonstra que a informação é o elemento-chave nos mecanismos de reputação e confiança, na efetivação das reservas pelos hóspedes e na maximização da lucratividade da Airbnb.

O modelo de negócios da Airbnb, baseado na Internet e com um apelo exclusivo junto a turistas, é uma inovação disruptiva, pois consiste em um mercado on-line que possibilita a transação de locações de acomodações em larga escala entre pessoas comuns, com preços mais baratos em comparação com hotéis e benefícios associados a estadia em residências (GUTTENTAG, 2015). O estudo de Möhlmann (2015), demonstra que a economia de custos é um dos fatores que, significativamente, exerce um efeito positivo sobre a satisfação dos usuários em relação à opção de consumo compartilhado.

Este modelo provocou um expressivo impacto na indústria hoteleira ao modificar o arranjo do lado da oferta e criar comportamentos novos nos usuários dos serviços de acomodações. Também foi facilitado pelo crescimento de um movimento social centrado em práticas de compartilhamento de bens e serviços. Apesar de que a colaboração nos mercados sempre existiu, a Internet tornou este processo mais fácil ao conectar as pessoas, que passaram a utilizar as plataformas digitais para vender, alugar ou compartilhar coisas (HENTEN; WINDEKILDE, 2016).

A Plataforma Airbnb é baseada numa relação “peer-to-peer”,do tipo “consumer-to-consumer”, em que o estabelecimento de confiança entre as partes envolvidas é um determinante essencial para o sucesso do negócio e satisfação dos usuários (MÖHLMANN, 2015). Neste sentido, Guttentag (2015), destaca que as características da plataforma Web 2.0 da Airbnb permitem que a confiança seja estabelecida entre os anfitriões e hóspedes, principalmente por meio das informações providas pelo recurso de revisão ou feedback, ou seja, ambos possuem o direito de postar pública e reciprocamente suas opiniões a respeito das transações realizadas.

Acrescenta-se que a confiança entre anfitriões e hóspedes também é promovida pela troca de mensagens diretas e pelas informações pessoais e fotografias contidas nos perfis dos usuários. Martin (2016), assinala que os serviços de reputação on-line, baseados na captura de informações que são utilizadas em sistemas de classificação do tipo “cinco estrelas”,estabelecem a confiança em transações como as que ocorrem na Plataforma Airbnb, quando um anfitrião aluga uma acomodação para uma pessoa estranha. Para Ert, Fleischer e Magen (2016), promover a confiança entre as partes envolvidas em uma transação, por exemplo, com mecanismos de reputação, é um fator crítico em plataformas on-line na economia compartilhada, pois a negociação entre estranhos em mercados peer-to-peer envolve informações assimétricas e riscos econômicos. Zervas, Proserpio e Byers (2017), afirmam que a Airbnb incentiva tanto anfitriões como hóspedes a utilizarem o mecanismo de reputação da plataforma, de modo a criar confiança e aumentar a probabilidade de uma reserva ser bem-sucedida.

Neste âmbito, a gestão das informações dos usuários é fundamental para a sustentação do negócio, haja visto que seus processos constituem um pilar fundamental para o desempenho de mercados on-line como a Plataforma Airbnb. Yacouel e Fleischer (2012), ressaltam que esses tipos de mercado devem disponibilizar informações confiáveis e mitigar riscos para seus usuários. Chen e Chang (2018), demonstram que a qualidade das informações prestadas pelos anfitriões na Plataforma Airbnb tem um impacto positivo na satisfação dos hóspedes e influencia na intenção deles em concretizar reservas. As informações dos anfitriões consistem em fotografias pessoais, atributos pessoais, resenhas de hóspedes, lista de acomodações e informações de contato certificadas pela Airbnb; em relação às acomodações, as informações se referem à localização, preço, tipo de propriedade, descrição, número de quartos e banheiros, fotos, capacidade, disponibilidade, horários de check-in e check-out, taxas de limpeza, política de cancelamento e depósitos de segurança (EDELMAN; LUCA; SVIRSKY, 2017; ZERVAS; PROSERPIO; BYERS, 2017).

Ert, Fleischer e Magen (2016), analisaram a função das fotografias pessoais na Plataforma Airbnb a partir de um modelo conceitual em que a tomada de decisão de um hóspede, ao realizar uma reserva, é dependente de características da acomodação em si e do anfitrião, sendo que essas são verificadas por meio de informações não-visuais, que dizem respeito à reputação, e visuais, que consistem em fotografias que remetem à atratividade e confiabilidade do anfitrião. Com base nesse modelo, esses autores afirmam que o uso de fotografias pessoais na Plataforma Airbnb permite que os hóspedes infiram a confiabilidade dos anfitriões e, consequentemente, afeta as escolhas das acomodações. Mais do que isso, quanto mais confiável o anfitrião for percebido em sua foto, maior o preço do serviço ofertado e a probabilidade de ser escolhido pelo hóspede. Enfim, há uma disseminação de informações adicionais por meio do uso generalizado de fotografias, como a apresentação da foto do anfitrião junto aos espaços da acomodação ofertada, o que sugere a intenção de auferir autenticidade em sua identidade e fomentar no hóspede um sentido de encontro pessoal em sua estadia.

Outro aspecto ressaltado por Henten e Windekilde (2016), é que, apesar dos anfitriões estabelecerem o preço final das reservas de acomodações, a Airbnb possui um algoritmo de precificação preditiva que recomenda aos anfitriões um preço a ser cobrado nas reservas, em função de informações que incluem fatores como o tipo de propriedade, estilo dos quartos, número de avaliações, capacidade, localização, sazonalidade, preços de outras listagens, demanda de hotéis e companhias aéreas e condições climáticas no destino. Além disso, esses autores afirmam que os usuários enfrentam dificuldades em saber o custo total de hospedagem durante o processo de pesquisa, devido à variação das taxas de serviço e de eventuais taxas locais, o que torna o esquema de preços da Airbnb menos transparente do que o da indústria hoteleira. Desta forma, a Airbnb influencia o valor dos anúncios feitos pelos anfitriões, com base em informações que nem sempre estão acessíveis aos usuários da plataforma. Isto caracteriza, em parte, a assimetria de informações que ocorre em plataformas on-line na economia compartilhada (CALO; ROSENBLAT, 2017). A Airbnb, ao intermediar transações, possui poder sobre seus usuários pela assimetria da informação e, tal qual outras empresas atuais, monitora e estuda o comportamento de seus consumidores e utiliza suas descobertas para maximizar sua lucratividade (CALO; ROSENBLAT, 2017).


 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Este estudo, ao analisar a função estratégica da informação no modelo de negócios da Airbnb, com ênfase na inovação da intermediação de transações em plataformas on-line, apresenta o resultado de que a informação é o elemento-chave nos mecanismos de reputação e confiança, na efetivação das reservas pelos hóspedes e na maximização da lucratividade da Airbnb. Neste sentido, a plataforma possibilita aos usuários a postagem de feedbacks de suas experiências, troca de mensagens diretas, uso intenso de fotografias e acesso a informações detalhadas das acomodações, orquestrando os interesses tanto de anfitriões como de hóspedes,e criando um ambiente virtual de reciprocidade e confiança que, em última instância, promove a realização de transações econômicas em um mercado on-line.

Assim, a empresa Airbnb atua como cyber intermediário, pois o seu negócio consiste em prover uma plataforma on-line para a interação de potenciais hóspedes e anfitriões, e, consequentemente, concretizar transações de aluguéis de temporada e demais serviços associados.Por funcionar na Internet, esta plataforma gera ganhos de escala, amplia o alcance do mercado e resulta em menores custos de transação. Individualmente, não seria vantajoso para cada anfitrião desenvolver e administrar a sua própria plataforma, pois não resultaria em ganhos de escala e redução de custos. Neste contexto, o papel do intermediário é reforçado na medida em que provê para os anfitriões a possibilidade de usufruir dos benefícios da tecnologia e da Internet e auferir algum tipo de vantagem no mercado.Da mesma forma, para os hóspedes, a possibilidade de realizar transações em uma plataforma amplamente conhecida proporciona segurança, pois é possível acessar relatos de experiências de milhares de usuários, visualizar fotos e interagir diretamente com os anfitriões. Deste modo, a importância do papel do intermediário também é reforçada para os hóspedes.

De fato, a empresa Airbnb se consolidou como uma plataforma de intermediação de transações de aluguéis de acomodações que funciona na Internet. É uma empresa global que se caracteriza pelo uso estratégico de informações e que tem o reconhecimento dos anfitriões e dos hóspedes.Apesar da Internet e outras tecnologias existentes possibilitarem aos indivíduos maior autonomia na realização de suas transações, constata-se que a intermediação ainda continua vigorosa e desempenha uma função relevante nos mercados vigentes. Num cenário cada vez mais globalizado e caracterizado por transações virtuais, o intermediário passa a ocupar um lugar de destaque ao desempenhar a função de conectar as partes interessadas, mitigando riscos e garantindo segurança e confiabilidade para as transações. Nessa função, a informação é um recurso estratégico na atuação nos mercados, com o qual os intermediários procuram alcançar uma posição de vantagem competitiva e obter rendas superiores.

Outro fator relevante para o êxito da atuação dos intermediários é o desenvolvimento da capacidade de estabelecer relações e gerenciar a cadeia dos grupos de interesses envolvidos, criando o ambiente e as condições necessárias para a sobrevivência nos mercados atuais.Ainda, a capacidade de inovar, inerente ao capitalismo, por vezes surpreende, ao modificar a ordem estabelecida nos mercados. Comumente, os concorrentes imitam os líderes de mercado que, por sua vez, procuram corresponder às expectativas de clientes dispostos a pagar mais por produtos diferenciados. Porém, há a possibilidade de novos participantes oferecerem soluções simples e de baixo custo que rapidamente alcançam um crescimento expressivo, como é o caso da empresa Airbnb no arranjo do setor hoteleiro.

Por fim, como esta reflexão é baseada em pesquisa bibliográfica e documental, a discussão apresentada se fundamenta nas análises e conclusões dos autores referenciados e nas informações disponibilizadas pela empresa Airbnb. Esta condição confere à presente investigação um caráter teórico. Para pesquisas futuras, por exemplo, sugere-se a realização de estudos empíricos para discutir o poder da informação na atuação de cyber intermediários, como a empresa Airbnb, no contexto da realidade brasileira.

 

AGRADECIMENTOS

 

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.


 

REFERENCIAS

 

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