O AMPARO JURIDICO PARA A CONSTRUCAO DE UM AMBIENTE DE INOVAÇÃO: SEUS REFLEXOS NO PODER INFORMACIONAL NA AREA DE TELECOMUNICAÇÕES EM MISSÃO CRÍTICA DE ORGÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA
Luciano Castilho Assumpção
Universidade Federal de Santa Catarina
Marcelo Minghelli
Universidade Federal de Santa Catarina
marcelo.minghelli@hotmail.com
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Resumo
O administrador público somente pode agir conforme a lei prever sua atuação pelo princípio da legalidade. Neste sentido, o novo amparo jurídico pode fornecer os pontos necessários para a formação de ambientes de inovação, com a participação do Estado, representado por um órgão de segurança pública, a Academia e a indústria de equipamentos de telecomunicações em missão crítica, como radiocomunicadores empregados pelo órgão para a manutenção do poder informacional durante operações policiais. O objetivo do trabalho é analisar a possibilidade de construção de um ambiente de inovação para a área de telecomunicações em missão crítica de um órgão de segurança pública, considerando o amparo jurídico que permita a atuação do Estado. Trata-se de uma pesquisa de natureza aplicada em uma abordagem qualitativa, utilizando de técnicas de Estudo de Caso através de levantamento de informações em campo e pesquisa bibliográfica. Pretende-se apontar os requisitos jurídicos necessários possibilitando a construção de um ambiente de inovação para a área de telecomunicações em missão crítica em um órgão de segurança pública para utilizá-los como instrumentos de exercício de poder informacional nas fases ostensivas de operações policiais e em atividades de vigilância e patrulhamento de fronteiras.
Palavras-chave: Inovação. Estado. Poder informacional. Informação. Leis.
THE LEGAL SUPPORT FOR THE CONSTRUCTION OF AN INNOVATION ENVIRONMENT: ITS REFLECTIONS ON THE INFORMAL POWER IN THE AREA OF MISSON-CRITICAL TELECOMMUNICATION OF THE ORGANIZATION OF PUBLIC SAFETY
Abstract
The public administrator can only act as the law provides for its performance by the principle of legality. In this sense, the new legal support can provide the necessary points for the formation of innovation environments, with the participation of the State, represented by a public security agency, the Academy and the mission-critical telecommunications equipment industry, as employed radio communicator, by the agency for maintaining informational power during police operations. The objective of this paper is to analyze the possibility of building an innovation environment for the telecommunications area in a mission-critical of a public security body considering the legal support that allows the State to act. It is a research of a nature applied in a qualitative approach, using Case Study techniques through field information surveys and bibliographic research. t aims to point out the necessary legal to requirements enabling the construction of an innovation environment for the mission-critical telecommunications area in a public security agency to use them as instruments of exercise of informational power in the ostensible phases of police operations and activities. border surveillance and patrolling.
Keywords: Innovation. State. Informational power. Information.
Law.
1 INTRODUÇÃO
O administrador público somente pode agir conforme a previsão da lei e de acordo com o princípio da legalidade. Nesse sentido, o novo amparo jurídico pode fornecer os pontos necessários para a formação de ambientes de inovação, com a participação do Estado.
O papel de equipamentos de telecomunicações, como o rádio, em uma operação policial é tão importante e decisivo quanto o armamento e viaturas utilizadas (SILVA, 2006). O bom uso de tais recursos nas atividades de segurança pública pode representar para o Estado o controle da informação, e assim, na visão de Braman (2006), reforçar o papel do Estado na manutenção do poder informacional.
Os órgãos oficiais de segurança pública e os recursos humanos dessas organizações também são fatores que colaboram no processo de emprego da tecnologia de forma segura. Assim, propostas de melhorias nos processos de telecomunicações por suas experiências de uso na forma de informações estruturadas podem ser consideradas como inovação.
O objetivo do trabalho é analisar a possibilidade de construção de um ambiente de inovação para a área de telecomunicações em missão crítica, como os recursos de radiocomunicação em atividades ostensivas de policiamento de um órgão de segurança pública. Tal ambiente deve ser construído a partir de um amparo jurídico que permita a atuação do Estado, considerando que o emprego adequado das ferramentas de telecomunicações em missão crítica representa uma forma de exercício de poder, uma vez que se apresenta como ferramenta que torna possível o controle da informação.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A fundamentação teórica do presente estudo foi realizada considerando inicialmente os aspectos relacionados a telecomunicações, informação e segurança pública; em um segundo momento a inovação, e em seguida o amparo jurídico que pode possibilitar ao Estado atuar em um ambiente de inovação para a área de telecomunicações em missão crítica de um órgão de segurança pública, como forma de proporcionar a manutenção do poder informacional.
2.1 Informação, Segurança Pública e Telecomunicações em Missão Crítica
Shera (1973) descreve um conceito de informação para a ciência da informação significando a operação tecnológica do conteúdo, sendo aquilo que é transmitido. Nesse sentido, Capurro e Hjorland (2007) descrevem um fluxo de informação ocorrendo nas ciências naturais como um fenômeno em que a informação está em trânsito, partindo de uma fonte emissora de informação e sendo recebida posteriormente em um destino, através de um receptor que reconheça os sinais emitidos pelo transmissor.
Para Buckland (1991) se estamos tratando do contexto de um sistema tecnológico, estamos tratando diretamente a informação como coisa. Dessa forma, ela tem natureza palpável, porque é algo expresso, descrito ou representado de alguma forma física.
Dentre as abordagens do conceito de informação segundo Braman (2006), neste estudo usaremos aquela que a trata como recurso para tomada de decisão, aquela que circula na rede de telecomunicações em missão crítica de um órgão.
Para Silva (2006), os equipamentos de telecomunicações em missão crítica são aqueles que devem ser empregados nas atividades de segurança pública nas fases ostensivas de operações policiais; são ainda aqueles que se apresentam como recursos tecnológicos para o fluxo de informação, permitindo a troca imediata de informações de maneira controlada na forma de voz e dados: radiocomunicadores digitais, por exemplo.
Para Sêmola (2003), o controle da informação se dá pela observação de requisitos que protegem a informação, que visam a manutenção do poder informacional para fins de segurança pública: a confidencialidade (limitando o acesso à informação tão somente aos legítimos usuários); a integridade (visando à manutenção das características originais estabelecidas pelo proprietário da informação) e a disponibilidade (que busca garantir que a informação esteja sempre disponível para o uso legítimo).
Atualmente os equipamentos podem ser dotados de recursos como criptografia e codificação digital (SOUZA, 2011), se apresentando assim como instrumentos para o fluxo de informação para tomada de decisões de modo seguro para o comando e controle das ações de segurança pública em uma operação policial.
O Manual Básico da Escola Superior de Guerra (BRASIL, 2014) descreve o conceito de segurança pública como sendo a garantia da manutenção da ordem pública (situação e o estado de legalidade normal), em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam, mediante a aplicação do Poder de Polícia, prerrogativa do Estado.
Para um órgão de segurança pública, controlar o fluxo de informação é uma forma de exercício de poder, na medida em que se apresenta como diferencial das ações policiais. Dessa forma, um órgão de segurança pública exerce o poder informacional quando se utiliza de ferramentas de telecomunicações em missão crítica nas operações policiais, moldando o comportamento humano pela manipulação das bases informacionais através de equipamentos de radiocomunicação (BRAMAN, 2006).
Nesse contexto, na classificação de Braman (2006), a utilização da informação enquanto recurso para a tomada de decisão pelo órgão de segurança pública em suas ações, pelo uso de equipamentos de telecomunicações em missão crítica, é uma forma de exercício do poder informacional. Assim, é necessário atentar para requisitos que colaborem com a manutenção deste poder, através do controle sobre a informação.
Capurro e Hjorland (2007) entendem que, em uma visão sistêmica, a informação passa a pertencer a uma corrente teórica envolvendo aspectos humanos e sociais, considerando além das questões tecnológicas, as econômicas, espaciais, ocupacionais e culturais. Para Laudon e Laudon (2010), uma organização participa do sistema com seus processos e com sua hierarquia, enquanto a ferramenta tecnológica deve interagir com os recursos humanos, observando as dimensões organizacionais, humanas e tecnológicas do processo.
Capurro e Hjorland (2007) descrevem a necessidade de se atentar para as dimensões além da tecnológica, sugerindo a necessidade de que, após o crescimento dessa dimensão, a qual descrevem como cibernética, é necessário reumanizar o conceito de informação, colocando novamente a organização e o homem como parte integrantes do processo. Dessa forma, a fim de prover a manutenção do poder informacional, um órgão de segurança pública pode obter informações a partir das experiências de uso com equipamentos de radiocomunicação, a fim de minimizar eventuais pontos que não contribuam para o emprego adequado das ferramentas de telecomunicações em missão crítica e, assim, desempenhar melhor as atividades no combate à criminalidade.
Tais experiências de uso podem trazer inovações nos processos nas diferentes dimensões de um sistema de informação, como o de telecomunicações em missão crítica do órgão de segurança pública.
2.2 Estado Inovador: Soluções para Telecomunicações em Missão Crítica em Segurança Pública
Em 1934, Schumpeter descreveu a inovação como a introdução comercial de um novo produto ou ainda uma nova combinação de algo já existente criados a partir de uma invenção que por sua vez pertence ao campo da ciência e tecnologia (SCHUMPETER, 1934). Damanpour e Evan, por sua vez, definem inovação como “a adoção de uma ideia ou de um comportamento que podem ser representados por sistemas, programas, políticas, dispositivos, processos, produtos ou serviços, não necessariamente inéditos, mas que sejam novos para a organização” (DAMANPOUR; EVAN, 1984, p. 393).
Em alguns contextos, as pessoas podem colaborar para o melhor uso da tecnologia pela organização. Muitas vezes, pequenos melhoramentos sugeridos pelo uso de equipamentos que não o alteram diretamente, mas sugerem uma forma de usar melhor diante das necessidades e limitações de uma organização (técnica, financeira, logística, etc.) (ROSENBERG, 2006). Nesse sentido, para o autor, uma nova forma viável de se fazer algo é também uma forma de inovação. São inovações que não requerem novas tecnologias ou desenvolvimento de soluções complementares ou modificações no projeto, o que certamente implicaria em grande aporte financeiro (ROSENBERG, 2006). Um causador desse tipo de conhecimento é chamado de aprendizagem pelo uso.
Nesses casos, temos o que chamamos de conhecimento incorporado, visando o aperfeiçoamento de projetos, e os não incorporados, que a partir de informações levam a novas práticas operacionais, a partir de experiências do usuário. Ainda segunda Rosenberg (2006), essas informações devem fluir para um reservatório de conhecimentos através da formação de um canal de comunicação a partir dos usuários. Esse reservatório cresce e é alimentado por outras fontes de conhecimento, como os outros usuários, por exemplo.
Em um contexto de inovação, as informações geradas podem ser categorizadas como percepções de padrão (uma vez que foram observadas pelo uso frequente de um recurso) (BRAMAN, 2006). Nele, a informação é a base para a inovação, para a aplicação de novas tecnologias, novos processos e movimentações nas estruturas sociais que contribuem para o poder informacional do Estado.
Tais informações podem sugerir mudanças tecnológicas nos equipamentos de telecomunicações em missão crítica ou nos processos da organização, ou uma combinação dessas mudanças, e podem derivar do uso de novo conhecimento, relacionando as dimensões de um sistema de informação (LAUDON; LAUDON, 2014).
Para Rosenberg (2006), as inovações a partir da percepção de padrões de conhecimentos gerados pela aprendizagem de uso podem implicar em alterações em manuais e nas instruções sobre o uso do mesmo ou ainda envolver modificações nos equipamentos. Assim, as informações de aprendizagem de uso podem sugerir a produção ou entrega de produtos tecnologicamente novos ou aprimorados, que não possam ser produzidos ou entregues com os métodos convencionais de produção, ou pretendem aumentar a produção ou eficiência na entrega de produtos existentes (ODCE, 2005).
Dessa forma, temos envolvidos no processo de inovação a indústria, responsável pelo desenvolvimento tecnológico, o Estado, que demanda pelo exercício do poder sob a informação de modo estratégico nas ações de segurança pública, e seus recursos humanos, que, em razão desta necessidade estratégica do Estado, devem estar devidamente capacitados para fazer o uso e a gestão dos recursos tecnológicos pela academia, que por sua vez, pode prestar o apoio necessário à indústria quanto a pesquisa e desenvolvimento.
O presente cenário pode ser enquadrado em um modelo de inovação de tríplice hélice (ETZKOWITZ; ZHOU, 2017). Nessa abordagem, através da analogia de uma hélice de avião, com três pás que dão movimento a aeronave, busca-se através da inovação promover o desenvolvimento econômico e social, através de interações entre três agentes. No caso em tela, tem-se o Estado, a universidade e a indústria, sendo o Estado o demandante, a partir das experiências de uso compartilhado que demandam ações de tecnologia e de pesquisa e desenvolvimento de soluções. Na analogia, cada um desses agentes é uma pá da hélice tripla.
Em um modelo de tríplice hélice laissez faire, em que os agentes são dispostos em esferas institucionais, a universidade/academia é a provedora de pesquisas básicas e pessoas treinadas, de tecnologia e inovação, educação, preservação e renovação do patrimônio cultural, através da dedicação e disseminação de ideias e tecnologias (ETZKOWITZ; ZHOU, 2017).
Essa disposição de atores perfaz o que podemos chamar de ambiente de inovação; nele, os atores conseguem interagir para propor soluções inovadoras, considerando-se uma gama de fatores políticos, econômicos, sociais e culturais que estimulam a inovação em uma organização (MACIEL, 1997).
Para Etzkowitz e Zhou (2017), a universidade tem seu papel de indutora das relações, enquanto o Estado é responsável em ser o fomentador e regulador das atividades econômicas e à indústria compete a produção de bens e a prestação de serviços, promovendo o desenvolvimento econômico de um setor específico. Tais relações se dão através de dinâmicas de economia de mercado, produção do conhecimento e governança das interfaces entre os agentes parceiros nos diferentes níveis.
Além de demandante, representado pelo órgão de segurança pública, o papel do Estado na tríplice hélice deve ser de agente empreendedor, disposto a assumir os riscos das inovações, sendo o principal investidor e catalisador, incentivando e estabilizando as condições para o crescimento, agindo na liderança dos processos de criação de novos produtos e dos mercados correspondentes (MAZZUCATO, 2014). Desta forma, assumindo os riscos e as incertezas, o Estado se empenha efetivamente na mudança tecnológica.
No entanto, as aproximações entre o público e o privado em um ambiente de inovação são vistas com certo cuidado pela sociedade, pelo mercado e pelos administradores públicos. Segundo Minghelli (2018), isso se dá em razão dos atores envolvidos no processo de inovação não conseguirem muitas vezes enxergar com clareza a legislação brasileira a respeito do tema, o que remente a risco para investimentos estatais.
2.3 O Amparo Jurídico Para Um Ambiente De Inovação
O administrador público somente pode agir conforme a previsão legal para sua atuação, de acordo com o princípio da legalidade. Dessa forma, a administração pública precisa de um ordenamento jurídico adequado para que as instituições privadas como a indústria possam se relacionar com universidades em ambientes de inovação (ALEXANDRINO; PAULO, 2013).
A lei é a fonte primária do direito administrativo, que compreende um conjunto de normas e princípios que disciplinam os atos na administração pública. São também fontes do direito a doutrina formada e os princípios teóricos aplicados e as jurisprudências, representadas pela reiteração de julgados sobre um mesmo tema em um mesmo sentido (DINIZ, 2017).
O texto constitucional brasileiro (BRASIL, 1988) traz, em seu art. 37, os princípios da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Enquanto o art. 5º, inciso II, da mesma Constituição Federal prevê que o cidadão possa exercer sua liberdade a menos que tal ato seja proibido por lei, o administrador público somente pode fazer o que estiver previsto em lei, agindo conforme a lei assim determinar. Sem esta observação, o ato do administrador público pode ser considerado ilegal, e assim ser declarado nulo (ALEXANDRINO; PAULO, 2013).
Os autores esclarecem que, visando atender os princípios do art. 37, as contratações de bens e serviços pelo Poder Público devem ser precedidas de processo licitatório, ressalvados os casos especificados na legislação - hipóteses essas previstas nos art. 17, 24 e 25 da Lei n. 8.666/1993, de dispensa e inexigibilidade de licitação. Desse modo, a Administração Pública pode se utilizar do instrumento licitatório para selecionar a proposta que lhe seja mais vantajosa, visando que o interesse público prevaleça e considerando os princípios de isonomia entre os concorrentes.
A dispensa de licitação é aplicável nas situações em que, embora viável a competição entre particulares, a licitação revela-se objetivamente inconveniente ao interesse público. Já a inexigibilidade se dá quando for inviável a realização do certame (nos termos da Lei n. 8.666/93), a critério da Administração e sempre com vistas ao interesse público. Em ambos os casos é necessário que se descreva o objeto alvo da contratação pública (ALEXANDRINO; PAULO, 2013). Tal exigência restringe a formação de ambientes colaborativos entre a iniciativa privada e o setor público, uma vez que quando se tem o objeto disponível no mercado para a contratação pública, se necessita de soluções inovadoras, envolvendo o mercado, e atividades de pesquisa e desenvolvimento.
Neste sentido, considerando a necessidade de se formar relações entre o público e o privado, as regras não vinham se mostrando claras a fim de dar segurança de seus atos ao administrador público (MINGHELLI, 2018). No entanto, o autor descreve que o ordenamento jurídico nacional tem passado por mudanças, visando acompanhar as transformações sociais e econômicas decorrentes dos processos de inovação tecnológica, a fim de promover o suporte legal dos atos da administração pública, inseridos em um modelo de tríplice hélice.
A Lei n. 10.973/2004 trouxe avanços quanto ao incentivo à inovação, à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo; no entanto, deixa de abordar algumas questões pertinentes à relação entre o público e o privado, como por exemplo, como deveria se dar a transferência de recursos.
A Emenda Constitucional n. 85, de fevereiro de 2015, altera e adiciona dispositivos à Constituição Federal. Dessa forma, atualiza o tratamento jurídico das atividades de ciência, tecnologia e inovação, colocando o Estado como agente que promove e incentiva o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação. Nos artigos 218 e 219, de redação ampliada, dispõe que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades públicas e com entidades privadas.
Tais acordos podem prever ainda, segundo o artigo 219,
o compartilhamento de recursos humanos especializados e capacidade instalada, para a execução de projetos de pesquisa, de desenvolvimento científico e tecnológico e de inovação, mediante contrapartida financeira ou não financeira assumida pelo ente beneficiário, na forma da lei (BRASIL, 2015).
Por sua vez, a Lei n. 13.243/2016 estabelece procedimentos para a inovação, considerando o papel do Estado neste processo e definindo de forma mais específica regras e categorias jurídicas, dentre as quais a inovação, em seu inciso V. (MINGHELLI, 2018). Essa lei, conhecida como Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, descreve um modelo nacional de inovação estruturado a partir do Estado, relacionado com a indústria e com universidades como um modelo de tríplice hélice focado em pesquisa e desenvolvimento.
Na mesma linha, o Decreto n. 9.283/18 surge para estabelecer medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, caracterizando, já em seu art. 2º, os ambientes promotores de inovação:
espaços propícios à inovação e ao empreendedorismo, que constituem ambientes característicos da economia baseada no conhecimento, articulam as empresas, os diferentes níveis de governo, as Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação, as agências de fomento ou organizações da sociedade civil [...] (BRASIL, 2018).
As formas de estímulo à construção de ambientes especializados e cooperativos de inovação previstos no capítulo II no decreto descrevem as alianças estratégicas e projetos de cooperação e regulamentam a participação minoritária do Estado no capital e nos fundos de investimento, bem como os ambientes promotores da inovação.
Já o capítulo III descreve pontos que servem de estímulo à participação das instituições científicas, tecnológicas e de inovação no processo de inovação, regulamentando pontos relacionados à transferência de tecnologia por parte dessas instituições (ICTs), a política de inovação da mesma e também da Administração Pública, bem como trata da formação nos núcleos de inovação tecnológica (NITs) para o ambiente colaborativo de inovação.
No mesmo capítulo, no art. 18, é regulamentada a possibilidade de que o poder público mantenha mecanismos de fomento, apoio e gestão adequados à internacionalização das ICTs públicas, que poderão exercer fora do território nacional atividades relacionadas com ciência, tecnologia e inovação. Já no quarto capítulo, a lei aborda o estímulo à inovação nas empresas, regulamentando a subvenção econômica que pode ser oferecida pelo Estado, apoio a projetos e bônus tecnológicos.
Cabe especial atenção quanto à encomenda tecnológica, que no decreto é regulamentada como uma contratação de uma instituição de ciência e tecnologia para a solução de problema técnico específico ou obtenção de produto, serviço ou processo inovador, apontando regras gerais e relacionadas à remuneração do parceiro, bem como o fornecimento do produto, serviço ou processo inovador na modalidade de dispensa de licitação.
No capítulo cinco, são tratados os instrumentos jurídicos de parceria, tais como termo de outorga para a concessão de bolsas, de auxílios, de bônus tecnológico e de subvenção econômica; acordo de parceria para pesquisa, desenvolvimento e inovação sem transferência de recursos públicos, e de convênio para pesquisa, desenvolvimento e inovação, nestes casos, com a possibilidade de transferência de recursos públicos, observadas as necessidades de alterações orçamentárias e prestação de conta, mediante monitoramento e avaliação, conforme previstos e regulamentados respectivamente nos capítulos 6º e 7º do Decreto.
Tais documentos precisam ser analisados a fim de verificar se oferecem ao administrador público o amparo jurídico necessário para viabilizar o estabelecimento de um ambiente de inovação, e devem servir ainda como base na escolha dos parceiros a articularem com o Estado em razão dos requisitos nela apresentados.
Os administradores públicos responsáveis pelo sistema, por exemplo, precisam desse suporte a fim de dar vazão ao fluxo de informações decorrentes da aprendizagem de uso de equipamentos de telecomunicações em missão crítica, para a promoção da manutenção do poder informacional exercido nas atividades de combate ao crime.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Trata-se de pesquisa de natureza aplicada, caracterizada como exploratória e descritiva, baseada na proposta conceitual de um suporte jurídico que possa contribuir para a construção de um ambiente de inovação no modelo tríplice hélice (ETZKOWITZ; ZHOU, 2017) para a área de telecomunicações em missão crítica de um órgão de segurança pública a partir das experiências de uso dos usuários. A pesquisa adota uma abordagem qualitativa sob uma perspectiva construtivista (CRESWELL, 2007), que é empregada para buscar compreender relações entre a inovação de processos em sistemas de telecomunicações em missão crítica para a manutenção do poder informacional, e seus efeitos aplicados à segurança pública.
Para tanto, ainda seguindo Creswell (2007), a abordagem qualitativa foi aplicada por meio de técnica de pesquisa conceitual, através de procedimentos de construção de um modelo e análise embasada na teoria. Utilizando a técnica de revisão bibliográfica, o objetivo não é realizar apenas a repetição do que já foi escrito sobre o assunto, mas através da relação proposta examinar os conceitos sob uma nova abordagem (MARCONI; LAKATOS, 1999).
Na análise, empregando uma estratégia de teoria embasada (CRESWELL, 2007), busca-se estabelecer uma interação entre as leis que possa viabilizar uma proposta de ambiente de inovação em tríplice hélice para os processos relacionados à área de telecomunicações em missão crítica de um órgão de segurança pública, bem como os reflexos nos usos de equipamentos que contribuem para o exercício do poder informacional nas operações policiais.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
O ambiente de inovação proposto deve estar de acordo com o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI), e deve ser organizado em regime de colaboração entre entidades, tanto pública quanto privada, com vistas a promover o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação (BRASIL, 2018).
O termo “sistema nacional de inovação” foi descrito a fim de representar um conjunto de instituições seus fluxos de conhecimentos em uma perspectiva teórica que influencia a escolha de questões para incluir em uma pesquisa sobre inovação, e a necessidade, por exemplo, de um tratamento extensivo das interações e fontes de conhecimento (ODCE, 2005).
Em análise, embora uma encomenda tecnológica possa desencadear um processo de dispensa de licitação para fornecimento da solução desenvolvida, o processo de contratação de ICTs parceiras para resolução de uma demanda ocorre antes da dispensa de licitação. Por exemplo, a aquisição de equipamentos de telecomunicações em missão crítica, como radiocomunicadores, para um órgão de segurança pública, considerando alguma demanda visando à manutenção do poder informacional, como forma de cooperar no combate à criminalidade.
Pode-se afirmar isso porque, no processo de licitação, é preciso descrever uma série de caraterísticas de um objeto a ser licitado, o que para uma demanda ainda em processo de pesquisa e desenvolvimento, como uma encomenda tecnológica, ficaria prejudicado.
No caso, em um ambiente de inovação para a área de telecomunicações em missão crítica de um órgão de segurança pública, considerando o Estado como demandante e motriz da tríplice hélice e a necessidade de resolução de alguma demanda, seja ela em termos tecnológicos ou de recursos humanos para operar determinada tecnologia, restaria a licitação inviabilizada: a solução deveria estar disponível no mercado para tanto e não em fase de pesquisa e desenvolvimento por parte do parceiro do Estado.
A contratação também não é uma parceria público-privada (PPP), uma vez que, de acordo com a Lei n. 11.079/2004 (BRASIL, 2004), o correto seria celebrar um contrato administrativo de concessão na modalidade administrativa (quando os recursos são provisionados unicamente pelo Estado). Ademais, as PPPs não devem ser firmadas se os únicos objetivos forem fornecimento de mão de obra, fornecimento e instalação de equipamentos ou execução de obras públicas, o que por si só impediria qualquer ação nos termos das dimensões humanas e tecnológicas para a área de telecomunicações em missão crítica no órgão, o que poderia comprometer a manutenção do poder informacional no combate a delitos de responsabilidade da organização.
Em ambos os casos, se leva a uma compreensão de que a administração pública tem seus objetos definidos dentro das possibilidades disponíveis no mercado e seus fornecedores de produtos ou serviços. A aliança estratégica que pode ser estabelecida, por sua vez, visa à solução de uma demanda que necessita ainda de pesquisa e desenvolvimento para chegar ao estágio de se ter um objeto definido que resolva determinado problema.
Dessa forma, a celebração de uma aliança estratégica possibilitaria um processo mais célere no qual uma ICT poderia, inicialmente, receber incentivos do Estado para a pesquisa e desenvolvimento e, em um segundo momento, realizar o fornecimento de um equipamento de telecomunicações para missão crítica a partir da sua produção em escala. O objetivo último é, por certo, o emprego do equipamento no órgão de segurança pública como recurso para o exercício do poder informacional no combate ao crime.
Quando o Estado não consegue a celeridade pretendida, ele pode estar oferecendo a oportunidade de que os avanços tecnológicos possam chegar primeiro às mãos erradas, e de forma perigosa (BRAMAN, 2006), comprometendo o exercício do poder informacional nas ações de segurança pública.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ordenamento jurídico para que um administrador público possa estabelecer um ambiente de inovação no setor público, como, por exemplo, na área de telecomunicações em missão crítica de um órgão de segurança pública, está em evolução, como se percebe nos decretos e na Emenda Constitucional n. 85, de 26 de fevereiro de 2015.
No entanto, cabe ainda melhor conceituação de aliança estratégica, visto que na lei ela não é claramente definida. Constam informações de quem pode formar o arranjo institucional, mas relacionadas ao estímulo e apoio a sua formação e projetos de cooperação que envolva empresas, ICTs e entidades privadas sem fins lucrativos destinados às atividades de pesquisa e desenvolvimento, que objetivem a geração de produtos, processos e serviços inovadores bem como a transferência e a difusão de tecnologia; contudo, o texto está desprovido de um conceito que diferencie a aliança estratégica de outras formas tradicionais de contração por parte da Administração Pública.
A aliança estratégica é uma categoria jurídica inserida no ordenamento jurídico nacional pela Lei n. 13.243/2016 e regulamentada pelo Decreto n. 9.283/2018. Em conjunto e através dos conceitos explicitados na EC 85/15, esses atos permitem à Administração Pública formalizar acordos entre os setores públicos e privados visando o desenvolvimento de projetos científicos, tecnológicos e de inovação em tríplice hélice. Assim, podemos afirmar na análise realizada que a aliança estratégica não se confunde com as formas tradicionais de contratação pela administração pública.
Nesse sentido, até que se tenha melhor clareza do conceito, em um órgão de segurança pública que faz uso de equipamentos de telecomunicações em missão crítica, as demandas de aquisição podem estar represadas. Os fatores aqui descritos podem dificultar que o usuário obtenha respostas a partir de suas demandas, o que pode comprometer a difusão do conhecimento para a manutenção do poder informacional, em seu exercício, comprometendo por sua vez, sua contribuição no combate à criminalidade; enquanto isso, a administração pública fica no aguardo de soluções que eventualmente não têm fornecedores e as demandas não podem ser resolvidas através de parcerias público-privadas.
A criticidade no caso em estudo é que, enquanto a administração pública carece de um cenário que favoreça a melhor conceituação dos termos da lei com celeridade, o crime avança. As soluções envolvendo pesquisa e desenvolvimento na área de telecomunicações em missão crítica acabam por não desempenhar da melhor forma o exercício do poder informacional e que pode ser exercido por mãos erradas (BRAMAN, 2006), como o crime organizado, uma vez que com recursos e sua flexibilidade pode ter acesso a avanços tecnológicos antes mesmo do Estado.
REFERÊNCIAS
ALEXANDRINO, M.; PAULO, V. Direito Administrativo Descomplicado. 21. ed. São Paulo: Método, 2013.
BRAMAN, S. Change of State: information, policy, and power. Cambridge, Mass: MIT Press, c2006.
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BRASIL. Lei Nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004. Dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 3 dez. 2004. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2004-2006/2004/Lei/L10.973.htm. Acesso em: 15 Mar. 2019.
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