UM ESTUDO DE CASO SOBRE METODOLOGIAS ATIVAS EM PROJETOS COM ALUNOS DE ENSINO MÉDIO NO CONTEXTO DE VIDEOAULAS PARA SURDOS
Ricardo Pezzotti Schefer
Instituto Federal de São Paulo
Ariadne Chloe Mary Furnival
Universidade Federal de São Carlos
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Resumo
Os alunos surdos de ensino médio apresentam grande dificuldade para acompanhar os conteúdos das aulas. Em grande parte, esse problema se deve pela falha na comunicação, tendo em vista que a maioria desses jovens utiliza a Língua Brasileira de Sinais (Libras) para se comunicar e têm dificuldade com o português. Ainda que haja leis que garantam recursos de acessibilidade, como a presença de intérpretes em sala de aula, a realidade das escolas é bem diferente. De outro lado, as tecnologias avançam proporcionando melhores formas de comunicação. Porém o aluno de Ensino Médio, ainda que conheça tais tecnologias, não as conhece o suficiente para fazer o uso adequado das mesmas. As metodologias ativas empregadas em caráter interdisciplinar e orientadas pelo professor podem garantir o uso adequado dessas tecnologias em prol de um melhor ensino-aprendizado. Este projeto apresenta um estudo de caso, com o objetivo de empregar metodologias ativas na construção de videoaulas para alunos surdos. Os resultados apresentaram um grande engajamento do aluno, em particular pelo caráter de acessibilidade da situação problema e pelas dinâmicas trabalhadas em grupos.
Palavras-chave: Educação. Inclusão social. Tecnologia assistiva. Acessibilidade. Surdo.
A CASE STUDY ON ACTIVE METHODOLOGIES IN PROJECTS WITH HIGH SCHOOL STUDENTS IN THE CONTEXT OF VIDEO-CLASSES FOR DEAF
Abstract
Deaf high school students experience great difficulty in following class content. To a great extent, this problem is due to communication breakdown, given that most of these young people use Brazilian sign language (Libras) to communicate and have difficulty with Portuguese. Although there are laws that guarantee accessibility resources, such as the presence of interpreters in the classroom, the reality in high schools is quite different. On the other hand, technologies are advancing rapidly to provide better forms of communication. But although the high school student has a good understanding of these technologies, it is not sufficient to make effective use of them. Active methods used in an interdisciplinary and teacher-oriented way are capable of guaranteeing the use of these technologies to promote better learning and teaching experiences. This research project presents a case study, with the aim of using active methods in the construction of video-classes for deaf students. The results revealed substantial student engagement, in particular because of the accessible nature of the problem situation, and also through the group dynamics employed.
Keywords: Education. Social inclusion. Assistive technology. Accessibility. Deaf.
1 INTRODUÇÃO
De acordo com Sousa et al. (2011, p.22), a Organização de Estudos Interamericanos (OEI) tem entre seus objetivos nos estudos de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) “promover a alfabetização científica mostrando a ciência como uma atividade humana de grande importância social”. A comunicação sobre conhecimentos científicos ao público pode ocorrer de duas maneiras: em uma única via, em que o cientista transmite ao público o conhecimento, e este o recebe de forma passiva e, na proposta de um diálogo com o público, valorizando sua cultura, seus conhecimentos e experiências (SOUSA et al., 2011, p.18). A segunda forma de comunicação alinha-se às abordagens construtivistas de CTS, pois, como argumenta Barbosa (2011, p.155), “a apropriação social de Ciência e Tecnologia (C&T) exige tanto a aquisição de informação quanto a inserção do público em debates e decisões”. A autora ainda posiciona a internet como meio poderoso para proporcionar ao público ferramentas para aquisição de conhecimento e debates. Com a internet, tem-se potencialmente a interação, na convergência não apenas de diferentes meios de comunicação, com dispositivos multimídia, mas na confluência de ideias díspares, de cidadania interconectada (BARBOSA, p.155, 2011).
Nos meios digitais, o termo “acessibilidade” é descrito como aquela que não exclui a pessoa com deficiência visual, auditivo ou físico, de forma que este possa, através de mecanismos tecnológicos, interagir com conteúdo Web (THATCHER et al., 2002, p.7-8). Um público que pode se beneficiar dessas tecnologias, é o surdo[1]. Moreira (2007) descreve o surdo semelhante a qualquer outra pessoa, com características particulares e uma percepção do mundo específica através do sentido visual. A idade e o grau de surdez, na criança ou jovem, podem comprometer sua comunicação com implicações mais ou menos graves no seu desenvolvimento linguístico e cognitivo. Quando em idade em que não se conheceu o letramento, causa um impedimento grave na aquisição da primeira língua, o que gera uma maior dificuldade na sua capacidade de utilizar o pensamento verbal (ALMEIDA, 2009, p.145-146). Segundo Coneglian; Casarin (2014, p.230) a incidência da surdez na primeira infância é muito alta comparada aos índices de outras deficiências e síndromes. Por outro lado, em um levantamento realizado pelos autores na Base de Dados Referencial de Artigos de Periódicos em Ciência da Informação (BRAPCI), constataram que de 77 trabalhos sobre usuários da informação, 36 tratavam de pessoas com deficiência e apenas um deles sobre surdos. Coneglian e Casarin (2014, p.237) afirmam que a “acessibilidade está intimamente ligada ao conceito de inclusão”.
No Brasil, esforços para a inclusão do surdo em sala de aula têm sido realizados como é o caso da Lei Federal nº 10.436/2002 que reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio de comunicação para os surdos sinalizados fortalecendo e garantindo seu direito a educação. Porém, a realidade mostra-se muito aquém do que esperado. Em seu estudo, Pedroso e Dias (2011, p.135) constatam várias dificuldades enfrentadas em sala de aula para o ensino do aluno surdo, em que a falta de preparo dos professores para trabalhar com necessidades especiais e a dificuldade de comunicação, se destacam. Estes casos podem levar a uma ideia errônea e a preconceitos em relação à capacidade de compreensão do surdo. Fernandes et al. (2014, p.207-208) desmistificam essa visão estigmatizada do déficit intelectual que a surdez carrega, através de uma pesquisa qualiquantitativa com 411 alunos surdos do ensino fundamental em Fortaleza – CE. As autoras identificaram 5% deles com altas habilidades, sendo compatível com a proporção da população em geral (3% a 5%).
Em se tratando das novas tecnologias, Mill (2018, p.3) destacam que as tecnologias digitais de comunicação e informação (TDIC) “agregam caráter especial às sociedades ditas grafocêntricas”, ou seja, aquelas que possuem o domínio da escrita. Segundo os autores esta tecnologia permite a possibilidade de comunicação rompendo fronteiras territoriais, reorganizando as relações humanas no contexto da cultura digital, o que se denomina sociedade grafocêntrica digital. Nesse contexto, para usufruir de forma plena dessas tecnologias, os autores afirmam que é necessário um conhecimento mínimo do letramento. No caso de muitos surdos isso pode ser um problema, tendo em vista que grande parte deles tem dificuldades em entender o português escrito, como afirma Quadros (2004, p.4).
Agrava-se o fracasso dos alunos surdos, tendo em vista que essa escrita nem sequer relaciona-se com a língua de sinais, mas sim com uma língua que a ele é estranha (situação comumente observada especialmente em classes regulares de ensino). (QUADROS, 2004, p.4).
Aliado às novas tecnologias, uma prática que vem ganhando destaque nas novas metodologias de ensino-aprendizagem são as metodologias ativas que procuram trabalhar problemas comuns da sociedade junto aos alunos, envolvendo-os em projetos que buscam soluções. Destaca-se o papel dos educadores, enquanto orientadores para uso dos meios e o acesso às mídias digitais, em um processo de envolvimento e desenvolvimento de métodos que facilitem o aprendizado (MORÁN, 2015, p.16-17).
Diante do exposto, este trabalho objetiva apresentar um estudo de caso, no qual foram empregadas metodologias ativas junto a estudantes do ensino médio com foco em desenvolvimento de videoaulas para alunos surdos em temas da disciplina de Biologia. Apesar de não haver alunos surdos nas duas turmas que trabalharam com o projeto, haviam alunos surdos matriculados na escola em outros cursos ou séries. Os resultados mostraram um grande engajamento do aluno, em grande parte pela característica de acessibilidade. Nos tópicos a seguir são apresentadas a fundamentação teórica, a metodologia, o desenvolvimento do projeto, os resultados e as considerações finais.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
De Lacerda; Albres; Drago (2013, p.67) afirmam que o acesso à língua de sinais é fundamental para a criança surda, mas que na sala de aula, na maioria dos casos são tratadas como ouvintes. As autoras abordam a "importância de se ofertar uma educação em uma perspectiva bilíngue para surdos". As políticas de inclusão são um processo em construção em que se deve acompanhar a evolução a fim de propiciar a melhor qualidade de comunicação possível.
Tufte e Christensen (2009, p.104) frisam a importância de o sistema educacional estimular a utilização de meios que habilitem os jovens a buscar informações nas mais variadas mídias e sob diferentes contextos. Segundo os autores, os estudantes devem ter uma compreensão da realidade em toda sua complexidade através de elementos que os façam refletir os conteúdos além dos limites da disciplina através das mídias.
(...) Essa concepção ampla das mídias deve ser desenvolvida no sistema educacional em uma pesquisa transdisciplinar e considerada como um conceito dinâmico que constantemente reflita as correlações em que as mídias são incluídas, ou seja, conhecimento sobre: mídias e socialização (ensino informal); ensino de mídias, ou seja, sobre e com as mídias (ensino formal) e uso das mídias educacionais (ferramentas, programas e plataformas) (TUFTE; CHRISTENSEN, 2009, p.104).
Paiva et al (2016, p.152) realizou uma revisão integrativa sobre as metodologias ativas de ensino aprendizagem comparando os diversos trabalhos escritos em português a respeito do assunto. Os autores constataram que estas metodologias são benéficas no desenvolvimento da autonomia do aluno, além de “uma visão crítica da realidade e o favorecimento de uma avaliação formativa”, onde são rompidos os modelos tradicionais.
Ainda que existam meios tecnológicos que dão acesso à informação, não há, por parte das novas gerações, um conhecimento pleno de como acessá-las de forma satisfatória. Tufte; Christensen (2009, p.112) ressaltam que apesar das crianças hoje serem consideradas inovadoras sob as perspectivas de uso das mídias, elas não possuem a compreensão cultural necessária para interpretar a realidade, ou mesmo utilizarem os recursos que essa tecnologia possui para aprofundar seus conhecimentos. Elas são na verdade “especialistas em teclado”. Essas habilidades, segundo os autores, devem ser introduzidas pelo professor com competência para tal no âmbito de mídia-educação. Em seu estudo exploratório sobre o comportamento de busca na internet realizado em instituições do interior do estado de São Paulo com usuários predominantemente do ensino médio, Furnival et al. (2008, 163-171) constata a pouca habilidade dos alunos com as ferramentas de busca, ainda que estas sejam fáceis de uso. Os resultados do estudo indicaram que os usuários se restringiam a poucas estratégias de buscas além de mostrarem conformismo pelo baixo retorno de informações, não compreendendo que poderiam obter melhores resultados se explorassem mais as tecnologias utilizadas.
3 METODOLOGIA
A busca por trabalhos correlatos utilizou método snowballing, um processo de recursividade contínua pelo qual se busca, de forma sistemática, trabalhos relacionados ao objeto de estudo, podendo ser realizado nas referências de um determinado artigo (backward snowballing) ou em citações de outros trabalhos sobre este (forward snowballing) (WOHLIN, 2012). Assim a pesquisa bibliográfica foi conduzida iniciando-se dos temas primários e ramificando-se através do método snowballing pelo qual foram coletadas aquelas referências que possuíam afinidade com o estudo.
Na busca pelo envolvimento do aluno no projeto, esse trabalho foca em metodologias ativas a fim de motivar os estudantes na solução de problemas reais. É fundamental, portanto, a presença do professor que, segundo Morán (2015, p.19), atua mais como um curador, orientando o aluno a encontrar “sentido no mosaico de materiais e atividades disponíveis”:
Nas metodologias ativas de aprendizagem, o aprendizado se dá a partir de problemas e situações reais; os mesmos que os alunos vivenciarão depois na vida profissional, de forma antecipada, durante o curso” (MORÁN, 2015, p.19).
Para o desenvolvimento de roteiro do ensino do conteúdo que o aluno deveria trabalhar, foi utilizado o storyboard que descreve como deve ser a ação nas cenas através de representações ilustrativas “semelhantes a uma história em quadrinhos” (VARGAS, 2007, p.3). Segundo o autor, o storyboard auxilia a equipe de produção para as gravações das cenas.
A metodologia proposta estabeleceu a criação de grupos de quatro a seis alunos de cada turma, que deveriam, em um primeiro momento, fazer pesquisas bibliográficas sobre a cultura surda e o tema proposto, desenvolver o storyboard, pesquisar palavras técnicas em Libras, contatar intérpretes para criação dos vídeos, filmagens, edição de vídeos, testes, análise e refinamento. A Figura 1 sintetiza as etapas onde a interação dos professores e demais agentes foi muito importante. A professora de Biologia atuou desde a temática a ser abordada quanto na correção dos conteúdos apresentados pelos alunos. Já o professor de informática básica atuou no ensino da ferramenta power point para a criação dos storyboards. A docente responsável pela disciplina de libras atuou na orientação de como poderia explicar de forma mais fácil um determinado conteúdo. Por fim, o professor de Língua Portuguesa auxiliou os alunos do desenvolvimento da escrita de artigos. A interação entre os agentes envolvidos e a sequência das atividades foi coordenada pelo docente responsável da disciplina de Projetos. As etapas são mais detalhadas na seção seguinte.
4 DESENVOLVIMENTO
O projeto iniciou-se no segundo semestre de 2018 no âmbito da disciplina Projeto Integrador (PRI-1) do primeiro ano do curso Técnico em Redes de Computadores Integrado ao Ensino Médio do Instituto Federal de São Paulo – Campus Boituva (IFSP-BTV). Para auxiliar no processo, foi criado o Projeto de Extensão “Desenvolvimento de material digital para alunos surdos” que contou com um aluno bolsista.
Figura 1. Metodologia proposta e agentes envolvidos
Nas primeiras aulas do curso, foi explicado aos alunos, que não são surdos, o que era um artigo científico e sua importância no contexto social. Foram explicadas as principais partes constituintes de um artigo como título, autores, resumo, abstract, palavras chave, introdução, objetivos, justificativa, metodologia, desenvolvimento, análise, resultados e conclusão. Também foi abordado o tema acessibilidade, principalmente com foco nos surdos. Em caráter interdisciplinar, a professora da disciplina de Língua Portuguesa trabalhou mais profundamente sobre as questões do artigo, inclusive com atividades individuais. Foram abordadas as questões com relação ao plágio.
Os conteúdos escolhidos tiveram base na disciplina de Biologia, pela rica apresentação de conteúdos através de imagens, filmes e gráficos, o que facilita uma primeira abordagem ao aluno surdo. A professora da disciplina de Biologia, também envolvida no projeto, fez desde a seleção dos temas às correções nos storyboards quanto ao conteúdo.
A disciplina atendia a duas turmas e como a disciplina PRI-1 ocorre em laboratório de informática, com capacidade para apenas 20 alunos, cada turma ainda é dividia em outras duas (A e B para cada). No total, o projeto envolveu 80 alunos, quatro professores, um intérprete, um voluntário e um aluno bolsista. Tanto o aluno bolsista quanto o voluntário eram alunos do primeiro ano do Curso Superior de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas do IFSP-BTV. A participação do aluno voluntário foi de extrema importância para o projeto, pois ele tinha tanto conhecimento em Libras quanto em Biologia.
Foi pedido aos alunos que se organizassem em grupos de quatro a seis membros, sendo um deles o líder. Foi explicado o papel de líder nos grupos, quanto a seu papel de mediador e organizador, bem como era também o representante que falaria pelo grupo. Em todas as aulas, os alunos deveriam trabalhar em seus grupos dentro de suas atividades e cada grupo por vez era atendido pelo professor que acompanhava o andamento dos trabalhos. Essas reuniões foram importantes para resolver problemas que surgiam no decorrer do desenvolvimento do projeto. Os alunos eram livres para escolher o nome do grupo, dando um aspecto de autonomia ao mesmo tempo que os unia em uma identidade.
Os temas elaborados pela professora de Biologia foram expostos aos grupos e definidos, conforme cada grupo manifestava interesse por determinado tema. Foram passados para os alunos a unidade e capítulo de cada tema do livro utilizado na disciplina de biologia. Também foi definido o cronograma do projeto que dava a cada integrante uma responsabilidade em acordo com as tarefas e prazos a serem cumpridos.
Com foco na cultura surda, além das pesquisas realizadas, foi realizada uma aula explicativa sobre surdos e como deveria ser uma mídia para este público. Esta teve como base o trabalho de Schefer; Bezerra; Zaina (2018) que elaboram oito diretrizes para desenvolvedores de aplicações para dispositivos móveis em redes sociais para público surdos. Apesar do foco dessas diretrizes ser para o desenvolvedor de softwares, existem três diretrizes que servem de imediato para este projeto a fim de orientar no desenvolvimento de mídias digitais para este público. São elas: MD1 - Interface simples valorizando o canal visual; MD4 - Consistências e Padrões adequados à cultura surda, e; MD8- Conteúdo de áudio em vídeo deve ser substituído por imagens, texto ou língua de sinais sempre que for relevante adequando estes ao espaço do mobile. É importante salientar que estas mídias devem ser assistidas principalmente em dispositivos móveis, uma tecnologia acessível em termos financeiros. As demais diretrizes caberiam em um projeto futuro, onde as mídias podem fazer parte de software.
Além das pesquisas quanto aos conteúdos, os alunos deveriam buscar na internet imagens e filmes que tivessem relação com o tema proposto. Assim muitos dos vídeos criados pelos alunos continham trechos de filmes encontrados no Youtube[2]. Também deveriam referenciar o material encontrado, dessa forma foi orientado que no desenvolvimento do storyboard, inserissem o endereço do site, a fim de poder encontrá-lo com facilidade. No final das mídias a referência deveria ser colocada conforme as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Quanto aos termos técnicos, os alunos deveriam pesquisar vídeos que mostrassem em Libras o sinal técnico da palavra para que o intérprete pudesse utilizá-lo. Como sinais de palavras técnicas não são triviais aos surdos, estas também deveriam ser explicadas durante o vídeo. Uma das tarefas que os grupos deveriam realizar era a busca desses sinais colocando em uma planilha a palavra técnica e o endereço do vídeo que a explicava em Libras. A maioria destes sinais foram encontrados em Universidades e Institutos Federais, disponibilizados no Youtube. Estes trabalhos foram então agrupados em uma única planilha e em caso de sinais diferentes para o mesmo termo, foi utilizado o critério da regionalidade, isto é, a instituição que fosse mais próxima. Também foi orientado que fizessem as referências desses vídeos.
Para a criação do storyboard, foi realizada uma aula usando um modelo em PowerPoint pela facilidade de manipulação de imagens que este software oferece. No caráter de interdisciplinaridade, também o professor da disciplina Informática Básica auxiliou com o ensino dessa ferramenta. Os alunos deveriam então criar a partir do modelo seu roteiro para a videoaula. Como o modelo era estático, dever-se-ia colocar uma imagem inserindo seu hiperlink, a fim de poder encontrar o vídeo posteriormente. Para representar os momentos em que há a ação do intérprete, haveria uma imagem de representação deste em seu tamanho proporcional em relação ao slide PowerPoint. Assim também deveriam ser as imagens. A legenda deveria conter a tradução do que o intérprete estaria narrando.
No modelo utilizado, há o exemplo da explicação sobre o que são células. Este é um conceito difícil de explicar, sendo a célula algo tão pequeno. Porém em uma ampliação cada vez maior a imagem em movimento pode explicar em segundos de uma forma fácil de entender. A Figura 2 contém 2 slides utilizados no storyboard que fazem a explicação do que seria uma célula.
No primeiro slide, há acima o endereço do vídeo que mostra o momento desde a apresentação do rato, onde a câmera é aproximada cada vez mais até chegar nas células. No storyboard, que é estático, fica a representação através das imagens (inicial e final) ligadas por uma seta. Estes dois momentos indicam ao editor de vídeo qual parte deve ser recortada do vídeo original. Abaixo, a palavra “Células” é colocada na legenda. No slide seguinte, é apresentado novamente o endereço da imagem da célula que deve ser apresentada. Ao lado, a imagem que representa Libras, indica que o intérprete deve comunicar exatamente o texto que aparece abaixo na legenda.
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Figura 2. Slides iniciais (1 e 2) do storyboard Modelo, |
Em paralelo às aulas, foram pesquisados softwares de edição de imagens que fossem gratuitos; dessa forma poderiam ser instalados tanto pela escola quanto nos computadores dos alunos, caso tivessem. A pesquisa revelou que entre cinco editores pesquisados, o LightWorks (14.5.0.0) apesar de não ser o mais fácil, é o que atenderia melhor aos propósitos do projeto, por ser fácil de instalar, não deixar marca d’água no produto final, e não expirar depois de certo tempo.
O aluno bolsista foi responsável tanto pela pesquisa de softwares quanto pela produção de material para aula, que orientado pelo professor deveria consistir de: (i) uma apresentação (em Power Point) para a explicação desde a instalação até o uso dos principais recursos necessários; (ii) vídeos testes para utilização pelos alunos; (iii) texto contendo as legendas a serem incorporadas nas mídias. O aluno bolsista aplicou durante uma aula de (PRI-1) o curso sobre o Lightworks junto a cada turma.
Os alunos deveriam usar as ferramentas básicas de edição de vídeo: inserir vídeos, juntar vídeos, remover som, inserir imagem e inserir legenda. Na aula seguinte, foi aplicada uma avaliação individual, quando foram disponibilizados dois vídeos e uma imagem, além das legendas em texto e o tempo em que cada um desses elementos deveriam ocorrer.
Foi atribuída também aos alunos a tarefa de agendar com os intérpretes as gravações dos vídeos. Apesar de haver um intérprete no IFSP-BTV, este encontrava-se em aula junto a alunos surdos quase que integralmente durante seu período de trabalho, estando somente disponível o aluno voluntário.
As gravações foram realizadas através dos próprios celulares dos alunos em salas de aulas que se encontravam vagas. Foi utilizado um cavalete com suporte para celulares do próprio instituto e os alunos foram instruídos a gravar o intérprete com um fundo branco. Um vídeo exemplo foi apresentado a eles para entenderem melhor como deveria ser realizada a gravação do intérprete.
5 RESULTADOS: APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO
Quanto à realização do projeto, nas questões relativas à aprendizagem da disciplina em seus conteúdos do que é um projeto, dos objetivos, metodologias, pesquisa, liderança, cronograma, trabalho em equipe e desenvolvimento, observou-se um ótimo rendimento por parte dos alunos com base em suas notas.
No entanto ocorreram diversos problemas em relação a intérpretes durante o semestre que comprometeu o desenvolvimento do projeto. Por problemas de concurso, o intérprete do Instituto só pode assumir tardiamente, e quando chegou, teve que priorizar os alunos surdos em curso não podendo trabalhar no projeto. Este problema, além de alguns outros imprevistos como a quantidade de feriados no semestre, acabou ocasionando atrasos no cronograma, o que também impediu realizar a fase de testes, análises e refinamento. Somente o aluno voluntário pôde realizar as gravações, mas por problemas de choques de horários, somente nove dos 20 grupos conseguiram finalizar o vídeo em Libras. Os demais fizeram vídeos em português. Na avaliação dos projetos, percebeu-se algumas falhas, como: o fundo da tela onde o interprete trabalhava não era totalmente limpo, alguns apresentaram tempos insuficientes quanto ao tempo de ler as legendas, alguns utilizaram muitos esquemas com palavras em português e algumas legendas não correspondiam exatamente com a comunicação em Libras.
Ao final do projeto foi passado um questionário para avaliação, explicando aos alunos a importância de suas contribuições sobre o que poderia ser melhorado. Tendo em vista o final do semestre, apenas 48 do total de 80 alunos responderam, sendo que os demais estavam ausentes. Seguem as perguntas e seus resultados:
1.Você considera este projeto importante para a comunidade?
A maioria considera ser muito importante (69%) e 31% disseram ser um pouco importante. Nenhum aluno disse não ser importante.
2. Haviam recursos suficientes disponíveis para o desenvolvimento do projeto?
A maior parte dos alunos que disseram haver falta de recursos, atribuiu ao problema da falta de intérpretes (21%), três alunos disseram que tiveram dificuldades com a gravação, dois alunos tiveram dificuldades com a edição e dois alunos com o tempo. Porém, apesar dos problemas com intérpretes, 35% dos alunos disseram ter recursos suficientes, que correspondem na maioria aos integrantes grupos que conseguiram realizar a gravação com o voluntário.
3. O que você acha que poderia ter sido feito para melhorar a condução deste projeto? (Sugestões)
As maiores citações empataram (14 cada) no que diz respeito ao tempo e em relação novamente a necessidade de mais intérpretes.
4. Este projeto foi importante para você? Acrescentou algum conhecimento novo?
Apenas dois alunos disseram que não foi importante para eles, porém a grande maioria afirmou ter tido uma grande experiência, e muitos comentaram sobre o que aprenderam a respeito do tema em biologia, outros a respeito de edição de vídeos e a maioria com relação aos surdos. Um exemplo de como este projeto se mostrou uma experiência positiva e agregador de valores é apresentado em sua descrição original, sem a correção do português ou de conceitos (por exemplo: Libras é Língua e não linguagem): Bom, esse projeto foi realmente importante para mim, pois me colocou em diversas situações de trabalho em equipe das quais eu nunca havia vivenciado, e isso com certeza me ajudou a crescer. Além disso, possibilitou meu contato com uma língua completamente nova e diferente, que a linguagem de Libras, e com certeza, me ajudou a revisar antigos conceitos de biologia.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho apresentou uma experiência com alunos do ensino técnico integrado ao ensino médio utilizando metodologias ativas em caráter interdisciplinar com foco na acessibilidade para surdos. Descreve o processo de introduzir o aluno à leitura e escrita de artigos científicos com foco na educação para surdos. Também descreve como desenvolver um storyboard para criar mídias. O resultado mostrou sucesso no ensino-aprendizagem do aluno no desenvolvimento de projetos. No entanto, por falta de tempo e de intérpretes, nem todos os trabalhos puderam ser concluídos. Ainda sim este projeto trouxe valiosas contribuições para um novo ciclo de trabalhos, que são elencados a seguir.
É necessário maior tempo para dar continuidade ao desenvolvimento do projeto. O projeto deve ser anual, pensando-se no primeiro semestre como a fase de criação da mídia e o segundo semestre com a fase dos testes, que devem ser realizados com surdos do ensino médio de diferentes escolas. Os testes devem ser realizados através de mídias com perguntas e respostas optativas. Também devem ser criadas mídias explicativas para os testes, contendo em Libras a pergunta e cada item de opção de resposta.
Deve-se haver pessoal suficiente, principalmente intérpretes e professores de Libras envolvidos no projeto. Além destes, pode-se ter por exemplo a contribuição do professor da disciplina de Artes para explicar melhor o processo de filmagens. Questões como enquadramento do intérprete são fundamentais, visto que alguns sinais podem vir até a cintura deste. Neste sentido, foram observados alguns trabalhos em que o sinal acabava coincidindo com a legenda, podendo atrapalhar a visão do usuário e sua interpretação.
O storyboard deve ser melhor explicado. Muitos alunos, por trabalharem na ferramenta Power Point entenderam o storyboard como uma apresentação, e não como um suporte à fase de gravação e edição. Assim, o modelo do storyboard deve ser mais bem trabalhado com elementos que o aluno deve completar. Também algumas figuras utilizadas remetiam a metáforas, que são fáceis do ouvinte compreender, mas que pode ser difícil para o surdo. No decorrer do projeto, estes ajustes foram sendo realizados pelo acompanhamento do professor, mas com um modelo de storyboard mais detalhado pode melhorar o entendimento do aluno.
Outro problema observado, foi o uso de grande parte de vídeos encontrados no Youtube relativos ao tema, que praticamente ocupavam todo o tempo da mídia. Foi estabelecido um tempo máximo de 30 segundos para os novos trabalhos. Ainda que este material produzido não seja adequado para aplicação, pode-se utilizar grande parte dele em novos trabalhos, sendo apenas uma questão de edição.
Além da apropriação dos conhecimentos necessários à disciplina de Projetos, o aluno também compreendeu melhor os assuntos trabalhados em Biologia, aprendeu a gravar e editar vídeos, aprendeu a construir um storyboard e a realizar uma pesquisa bibliográfica. Segundo a avaliação dos alunos, a experiência foi muito importante, ajudando-os a compreender melhor tanto as disciplinas, quanto à Cultura Surda. Em trabalho futuro, espera-se concluir as mídias completando com as fases de testes, análise e refinamento.
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[1] Embora haja surdos oralizados, conforme consta no Censo 2010 do IBGE, o universo de pesquisa é para surdos sinalizados – pois o percentual de surdos no país é de cerca de 5% da população brasileira, e desses os oralizados representam 4,5%.