APRESENTAÇÃO

v.6 n. 2 Mar./Ago. 2020

 

 

O Editorial de uma revista acadêmica normalmente deve ser um tranquilizante para o leitor de que, apesar das variações de forma e de conteúdo dos artigos publicados, tudo está nos trilhos. Uma ruptura epistêmica como a da teoria da relatividade restrita não é esperada. Nós não temos algo semelhante para apresentar.

Contudo, temos que falar de uma outra ruptura. A nossa frágil democracia foi duramente golpeada e o que sobrou dela está ameaçada. Isto não é uma questão secundária, de fundo. Isto diz respeito a possibilidade de sobrevivência da dignidade humana, da justiça com liberdade.

As ameaças vem daqueles que não gostam do esclarecimento, do conhecimento, da informação. No século XXI temos que enfrentar ideias como o criacionismo, o terraplanismo e a negação do aquecimento global. Só em um cenário socialmente obscuro estas ideias podem prosperar.

Uma das estratégias destas forças obscuras é estrangular e asfixiar o ensino e a pesquisa, não apenas da ciência e da tecnologia, mas também das humanidades. As universidades e institutos tecnológicos públicos federais estão sendo ameaçados em sua autonomia acadêmica e sofrendo cortes significativos em sua capacidade de manutenção.

A pesquisa está literalmente com a corda no pescoço. Há restrição para financiar novos trabalhos e permanente ameaça de cortes sobre os existentes. Isto tem óbvios efeitos sobre os pesquisadores. É um cenário de medo e de intimidação.

Não cabe aqui discutir todas as consequências desta asfixia do ensino público e da pesquisa. Há uma restrição na produção de inovação, o que é fundamental para o desenvolvimento social e econômico de uma nação. Há também uma restrição na reprodução do conhecimento existente e na formação profissional.

Não interessa aos brasileiros uma nação que é incapaz de produzir seu desenvolvimento de modo soberano. Assim como não interessa uma sociedade mergulhada na ignorância, que não usa as humanidades, a ciência e a tecnologia para proporcionar uma vida boa e construir o bem estar.

Cabe a todos aqueles que trabalham com ensino e pesquisa advertir a sociedade sobre as consequências nefastas desta asfixia, pois a cada dia a democracia se esvai, e com ela a liberdade e a possibilidade de justiça e de bem estar. Urge defender o ensino e a pesquisa nestes tempos sombrios.

Ler, estudar e criticar não são apenas parte do desenvolvimento cognitivo e intelectual de cada um, mas também um esforço de desenvolvimento moral de quem resiste a obscuridade. Nós queremos nossa nação soberana, com redução das desigualdades e onde todos tenham oportunidade de uma vida boa.

 

 

 

Rio de Janeiro, 05 de março de 2020

 

Clóvis Ricardo Montenegro de Lima

Editor