CAMINHOS ALGORÍTMICOS

plataformas digitais de controle[1]

Jackson da Silva Medeiros[2]

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

jackson.medeiros@outlook.com

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Resumo

Este trabalho parte da ideia que é necessário questionar e compreender como os algoritmos atuam na constituição do sujeito. Através da abordagem de sociedade de controle, apresentada por Gilles Deleuze em Post-scriptum sobre as sociedades de controle, argumentamos que os algoritmos delimitam espaços fluidos controlados em redes de comunicação. Assumindo, em consonância com Deleuze, que o controle está situado não diretamente com o aspecto financeiro, mas age por ele, as sociedades de controle estão baseadas na produtividade (positividade) e em seus efeitos a partir de contextos políticos, suportado por um sistema de consumo de informação. Os algoritmos, por sua vez, têm a capacidade de tomar decisões e mapear categorias, traduzindo uma capacidade de formar, controlar, homogeneizar um sistema de relações subjetivas, transformando-o em um sistema de classificação objetiva. Há, nesse contexto, definição de liberdades e de controles sendo construídos de maneira constante na instauração de um discurso cultural.

Palavras-chave: Sociedade de controle. Gilles Deleuze. Algoritmos. Poder. Ética da Informação.

ALGORITHMIC PATHS

digital control platforms

Abstract

This paper starts from the idea that it is necessary to question and understand how the algorithms act on the constitution of the subject. Using the control society approach by Gilles Deleuze’s Postscript on the societies of control we argue that algorithms delimit controlled fluid spaces in communication networks. Assuming, in line with Deleuze, that control is situated not directly with the financial aspect but aged by it, as controlling societies are using positive indicators (positivity) and their effects from political contexts supported by a system of information consumption. Algorithms, in their turn, can make decisions and map categories, translate an ability to form, control, homogenize a system of subjective relationships, transform into an objective classification system. In this context, there is a definition of freedoms and controls that are constantly constructed in the establishment of a cultural discourse.

Keywords: Control society. Gilles Deleuze. Algorithms. Power. Information Ethics.

1  INTRODUÇÃO

Os sistemas computacionais, das redes neurais, da aprendizagem de máquina, acompanhados por processos estatísticos permitem que algoritmos exerçam suas tarefas não mais obedecendo instruções logicamente pré-programadas. Não sabemos, inclusive, qual o impacto da instrução inicial que criou sistema na sua execução; não sabemos se isso está sendo levado em consideração, podendo haver completa perda de gerência sobre o sistema em ação. Isso tem forte impacto no ser humano, visto que os componentes digitais, independentemente da plataforma a que estão vinculados, guiam-nos, muitas vezes, em decisões que afetam diversos âmbitos da vida social; juízos são realizados a partir do momento que somos guiados, muitas vezes, por máquinas praticamente autonomizadas por algoritmos.

Diversos autores, tais como Gillespie (2014); Bucher (2018); Morozov (2018) alertam que é necessário questionar e compreender a atuação dos algoritmos no ecossistema informacional e as formas culturais que emergem em suas sombras, chamando atenção para a demanda política disso. Concordando com os autores, pensamos que é possível manter a mesma toada, mas ir além, argumentando sobre a necessidade de análise aprofundada sobre as micropolíticas que os dispositivos oferecem aos indivíduos, produzindo subjetividades.

A questão é que estamos tão envoltos em artefatos digitais com suas maravilhosas tecnologias, que nos conectam a outras pessoas em qualquer lugar do mundo, que nos fornecem acesso a vários tipos de documentos, que nos permitem utilizar serviços de entrega de produtos, que “[..] estamos submetendo o discurso e o conhecimento humanos a essas lógicas processuais que sustentam toda a computação” (GILLESPIE, 2014, p. 168). Podemos dizer que isso afeta a construção da nossa experiência de vida; estamos regulados, construídos por dispositivos de experiência que se colocam de anteparo às nossas escolhas, formatando-nos.

Pesquisas têm sido conduzidas sobre a utilização de dados e algoritmos no que se refere, principalmente, à privacidade e à vigilância. No entanto, ainda que esse viés não deixe de estar presente em nosso trabalho, nosso objetivo aqui é apresentar uma construção que permita arrolar e sistematizar, em caráter teórico, uma compreensão sobre como se dá o controle do sujeito digital em e a partir das plataformas digitais de comunicação, entendendo que isso abre caminhos para uma compreensão que vai além do poder de controle, indo ao encontro de políticas que agem na formação do sujeito. Ou seja, estamos preocupados com os efeitos, compreendendo, assim, como algo funciona.

Nosso objetivo se enquadrada na compreensão das relações de poder que fabricam o sujeito com base um sistema de controle digital que engloba a tecnologia digital, o neoliberalismo e a linguagem. Queremos discorrer sobre como a ideia de sociedade de controle, de Gilles Deleuze, expressa em Post-scriptum sobre as sociedades de controle responde à atuação das plataformas digitais em que estamos envoltos, afetando nosso aparato cultural. Fazemos isso tomando parte que esse projeto do filósofo francês tem a capacidade de alicerçar um pensar sobre essas questões.

O trabalho está formatado para uma apresentação sobre sociedade digital de controle, passando por aquilo que consideramos sua forma materializada mais dinâmica na atualidade, isto é, as plataformas digitais e os algoritmos. Por fim, tecemos considerações que ponderamos como relevantes para a discussão e situamos nossos trabalhos futuros.

 

2  Do funcionamento conceitual de uma sociedade digital de controle deleuziana

É importante perceber que, no contexto explorado, “as condições comunicacionais [...] seriam habitualmente subordinadas à preocupação com a conectividade mediática e tecnológica – idealmente ilimitadas e concretamente regidas pelos mecanismos de mercado” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2003, p. 74). Isso nos coloca em posição de afirmar que “toda experiência está presa em relações de poder” (DELEUZE, 1988, p. 120).

A experiência que uma sociedade digital de controle coloca está sempre em construção, evoluindo paralelamente com seus modos de condução de vida e sociais e seus dispositivos, em um processo de subjetivação constante, fabricada a partir das formas que o mundo (se) apresenta e do modo que interagimos com ele. O fluxo, contínuo, não é retilíneo; esse fluxo é apenas constante, com movimentos difusos.

Às sociedades de controle “não se deve perguntar qual é o regime mais duro, ou o mais tolerável, pois é em cada um deles que se enfrentam as liberações e as sujeições” (DELEUZE, 2013, p. 224). Ou seja, as sociedades de controle colocam uma nova forma de instituir mecanismos, dispositivos de controle que não mais se estruturam pela rigidez, mas por formas sutis de estabelecer a participação e produção, fundando no ser humano, inclusive, prazer. Nesse sentido, dizer que há uma ruptura entre sociedades disciplinares e de controle, onde esta não se utilizada de mecanismos daquela, acarretaria em uma compreensão errônea.

Isso se coloca como característica da sociedade em que os sujeitos transitam constantemente entre espaços com regras próprias, permitindo que existam projetos de confinamento de ideias que possibilitem “concentrar; distribuir no espaço; ordenar no tempo; compor no espaço-tempo uma força produtiva cujo efeito deve ser superior à soma das forças elementares” (DELEUZE, 2013, p. 223). As cercas, as fronteiras desses espaços, por mais borradas e fluidas que se apresentem, ainda limitam os espaços em um controle constante de espaços virtualizados.

Essa modulação, essa capacidade de controle daquilo que é discursivamente comunicacional, uma espécie de fronteiras que não são rigidamente construídas, mas que mantêm suas faixas borradas para promover a variação do alcance daquilo que pode ou não ser visto ou acessado. Isso pode ser manipulado por sistemas que reduzem os sujeitos a dados, às representações de si mesmo em bases de dados, como dividuais (DELEUZE, 2013).

São nesses espaços que “a empresa introduz o tempo todo uma rivalidade inexpiável como sã emulação, excelente motivação que contrapõe os indivíduos entre si e atravessa cada um, dividindo-o em si mesmo” (DELEUZE, 2013, p. 225); indivíduos que são reconhecidos como divíduos, divisíveis e aglomerados em bases de dados, lógica construída na incitação do corpo, da mente, como modo de acontecimento do e no mundo; o acontecimento passa a ser a produtividade constante, uma mola regularmente preparada à propulsão.

Aproveitando-nos de Deleuze (2013), podemos dizer que o controle está situado não diretamente com a situação do capital, do dinheiro, mas age por ele, para ele e através ele, uma vez que não é mais necessariamente o capital enquanto moeda que tem o fluxo de interesse direto. Na passagem do século 20 para o 21, as sociedades de controle se baseiam na produtividade (positividade) e em seus efeitos a partir de contextos políticos, econômicos, sociais, culturais, éticos etc., onde o capital se apresenta de maneira mais fluida, aportando-se em um sistema de consumo de informação; amostras diferentes da moeda que levam à moeda, em sentido neoliberal.

Essa busca por consumo – entendendo que o consumo transpassa categorias de classes sociais, abarcando propriedades que permitem enxergar regimes de verdade da informação, principalmente quando colocados a partir de plataformas digitais de comunicação da informação – é, como descreve Deleuze, uma “coleira eletrônica”, um dispositivo presente; não apenas em sua forma digital, como um satélite ou como uma tornozeleira eletrônica, ou, ainda, um smartwatch. São interfaces, materializações dos verdadeiros dispositivos de controle, guiados por algoritmos poderosos que (de)formam estruturas psíquicas nos próprios sujeitos. Aliás, fabricam os sujeitos, em uma “implantação progressiva e dispersa de um novo regime de dominação” (DELEUZE, 2013, p. 229).

É importante notar que o controle reportado por Deleuze (2013, p. 228) “é de curto prazo e de rotação rápida, mas também contínuo e ilimitado”, ainda mais se pensarmos no tipo de regime de informação em que estamos inseridos, onde o digital toma conta de diversas esferas da sociedade, podendo, inclusive, constituir a sociedade. Ademais: controle e distribuição, em uma relação onde as informações fornecidas moldam as ofertas de consumo, baseados em uma aparente confiança depositada nessas plataformas, a partir de um modelo instaurado e internalizado. Pretendemos aclarar isso no próximo capítulo.

 

3  Das plataformas digitais de comunicação e dos algoritmos

Evgeny Morozov (2018, p. 7), crítico do devotamento pelo digital, já no prefácio do livro Big tech: a ascensão dos dados e a morte da política, relata que o utopismo que tomou conta dos estudos e atividades tecnológicas digitais dos últimos anos, em uma espécie de endeusamento das plataformas que facilitam a comunicação e o compartilhamento, foi substituído pelos interesses mercantis e de dominação mundial, atuando na geopolítica, finanças em nível global, consumismo e apropriação, por parte de corporações, até mesmo dos relacionamentos.

Morozov (2018) ainda alerta que as plataformas digitais de comunicação pouco ou sequer preocupam-se com o tipo de informação que é compartilhada. Utilizando o exemplo da eleição presidencial brasileira, confabula sobre a dependência dessas estruturas e como as pessoas pouco estão a par do poder que exercem. Esses sistemas não discutem ou nem mesmo se importam com o que seja verdade ou não. Sua disputa está na viralização, no número de cliques. “Verdade, isto é o que gera mais visualizações”. (MOROZOV, 2018, p. 11).

Partimos aqui da compreensão de que as plataformas digitais, no âmbito do neoliberalismo, colocam-se a partir de como as coisas se vendem, baseadas na riqueza de informações que os usuários são capazes de fornecer sobre seu comportamento e capacidade de consumo, trabalhando – as plataformas – como entes parasitários. As plataformas são dispositivos que promovem espaço para a expressão de um triunfo neoliberal que execra qualquer atividade que não seja economicamente e socialmente ativa, trocando a face do cidadão pela do consumidor.

É interessante, compreendendo a caracterização das plataformas de comunicação digital, entender que isso não está restrito às comunicações peer-to-peer (P2P), como Facebook, Twitter ou Instagram, mas que isso se expande para dispositivos que agem como plataforma de dados. Pode-se pensar, por exemplo, em empresas que se abastecem com dados coletados por qualquer tipo de dispositivo, seja ele um sistema de comunicação onde pessoas postam suas atividades, fotos, interesses, recebem e comentam determinados assuntos, mas também sensores, câmeras, smartwatches que coletam dados sobre atividades, privadas ou públicas, e permitem acesso e manipulação desses dados.

Como anota Gillespie (2018), os usuários, em geral, não conhecem as entranhas dos sistemas que utilizam. Criam uma espécie de confiança nos dispositivos, esperando que seus problemas informacionais e comunicacionais sejam automaticamente resolvidos com uma imparcialidade que se baseia apenas em... confiança.

Ou seja, há um desconhecimento da estrutura básica dos sistemas que interagem no fornecimento de dados, fundando sua confiança em um processo naturalizado. Em decorrência disso é até esperada a insciência sobre como a plataforma é capaz de selecionar opções, como mapeia características e categorias, fornecendo soluções com base informações que são coletadas pelo dispositivo. Como diz Morozov (2018), as empresas recorrem à sua condição de “apenas plataforma” para manter um escudo contra processos judiciais, vendendo ideias de expressão e de informação para todos, bem como participação aberta (GILLESPIE, 2018).

Ao mesmo tempo, devemos pensar que esse é um subterfúgio próprio das plataformas digitais de comunicação, se entendermos que as relações de poder têm capacidade de ramificação quanto mais estiverem colocadas em caixas-pretas, quanto mais invisíveis forem, e que sua penetração é possibilitada pela sutileza que instaura o controle dos sujeitos. Um dos fatores que sustenta esse delineamento do controle do sujeito é o algoritmo utilizado para a construção das plataformas.

Em termos gerais, um algoritmo se caracteriza por um conjunto de instruções lógicas que, encadeadas, tomam determinadas decisões. Em trabalho de 1979, intitulado Algorithm = Logic + Control, publicado pela revista Communications of the ACM, uma das publicações mais importantes nas áreas de computação e de tecnologia da informação, Robert Kowalski descreve algoritmos da seguinte maneira:

Um algoritmo pode ser considerado como consistindo de um componente lógico, que especifica o conhecimento a ser utilizado na solução de problemas, e um componente de controle, que determina as estratégias de solução de problemas por meio das quais esse conhecimento é usado. (KOWALSKI, 1979).

Se o título do artigo, deixando clara a função de um algoritmo (lógica + controle), ainda não for suficiente, podemos pensar que estas questões estão postas, em nível de implementação de código, entre o quê (lógica) e como (controle). Ora, ainda que nosso interesse não recaia sobre a implementação de código propriamente dita, sabemos que o código serve de arquitetura para as decisões que as aplicações tomam, tendo como base as informações que lhes são fornecidas, mostrando uma clara noção da capacidade desses dispositivos e como podem ser utilizados.

no sentido mais amplo, eles são procedimentos codificados para transformar dados de entrada em uma saída desejada, com base em cálculos especificados. Os procedimentos nomeiam um problema e as etapas pelas quais ele deve ser resolvido. Instruções para a navegação podem ser consideradas um algoritmo, ou as fórmulas matemáticas necessárias para prever o movimento de um corpo celeste no céu. [...] Podemos pensar em computadores, então, fundamentalmente, como máquinas de algoritmos – projetadas para armazenar e ler dados, aplicar procedimentos matemáticos a eles de maneira controlada e oferecer novas informações como saída. (GILLESPIE, 2014, p. 167).

Os estudos sobre os efeitos e os usos dos algoritmos a partir de deep learning, por exemplo, têm recebido visibilidade nos últimos anos, aliando as mais diversas perspectivas a partir de uma sociedade de controle, controlada. Há como se falar em “nova identidade algorítmica”[3] (CHENEY-LIPPOLD, 2011), ao se tomar como exemplo a relação que as plataformas digitais assumem ao coletar, armazenar e processar informação, definindo características, classificando e hierarquizando, construindo um trabalho da cultura (STRIPHAS, 2015).

Isso significa que muito do discurso cultural tem sido delegado aos sistemas computacionais, regidos pelos seus algoritmos, fazendo com que o pensamento, a conduta, a organização e a expressão sejam alteradas pela lógica da massiva quantidade de dados que é depositada em ambiente digital, aliada à coleta, manutenção e manipulação destas. Notemos que há uma evolução na concepção de código, de algoritmo, a partir não apenas de seu modelo lógico-computacional.

 

4  O trabalho dos algoritmos por trás do discurso cultural

Se “código é lei”, como descreve Lawrence Lessig no título do primeiro capítulo do seu livro Code v. 2, são esses códigos, esses algoritmos que agem como uma arquitetura que delimita o que é ou não é possível, o que é ou não é permitido ou, simplesmente, o que é ou o que não é. Assim, agem no sentido de “limita[r] o poder social e legal” (LESSIG, 2006, p. 6), construindo o sujeito a partir da experiência que proporciona.

Código como arquitetura funciona para estruturar as fronteiras, bem como regular os fluxos de tráfego na internet [...]é parte de um relacionamento dinâmico com o mundo real, que pode ‘automática e continuamente’ afetar as chances de vida oferecidas aos usuários com base em uma lógica programada pré-configurada, mas também reflexiva. (CHENEY-LIPPOLD, 2011, p. 166).

Isso gera uma série de elementos que se coordenam visando categorizações de sujeitos, fomentando seleções e diferenças, baseando perfis em categorias informacionais de consumo. São como “novos mundos online”, como anota Cheney-Lippold (2011), onde há seleção da oferta em categorias criadas pelas interações e dados dos usuários.

Algoritmos têm a capacidade de tomar decisões e mapear categorias, como “gênero”, não apenas por uma genitália ou pela aparência física do usuário, nem mesmo é algo inteiramente auto-selecionado, mas se constituem em perfis navegacionais dos usuários (CHENEY-LIPPOLD, 2011). Isso traduz uma capacidade dos algoritmos de formar, controlar, homogeneizar um sistema de relações subjetivas transformando-o em um sistema de classificação objetiva. Evgeny Morozov (2018, p. 179) exemplifica como isso pode ocorrer e os efeitos que pode causar, remodelando “antigos vieses culturais, raciais e étnicos como verdades objetivas e empíricas, agora incorporados a algoritmos, o que resultará em uma discriminação ainda mais acentuada”.

Bucher (2018, p. 4) traz a ideia de “sociabilidade programada” para descrever “como atores são articulados dentro e através de meios computacionais de agregação e organização que sempre incorporam certas normas e valores sobre o mundo social”, isto é, “a noção que formações e conexões sociais são algoritmicamente condicionadas e governadas pelas configurações sociotécnicas e política-econômicas de plataformas de mídias específicas” (BUCHER, 2018, p. 7), constituindo tecnologias de controle.

Essa submissão a discursos advindos tanto de processos computacionais quanto de métodos de pensar a distribuição mercadológica é instaurada por corporações que dominam esse mercado neoliberal, o que nos faz pensar que “a regulação algorítmica é perfeita para assegurar o cumprimento de um programa de austeridade, deixando intocados os responsáveis pela crise fiscal” (MOROZOV, 2018, p. 87). Parece-nos claro que a partir dessa assertiva podemos perceber que questões de controle e poder se sobrepujam a isso, fomentando, como aponta o autor (2018, p. 82), uma “utopia tecnocrática da política apolítica”, dando a entender que fornecer dados para controle externo permite que decisões difíceis possam ser tomadas de maneira menos dolorosa.

Há um impacto ético advindo do consumo, visto que esse poder dos algoritmos é capaz de coletar dados da vida cotidiana e transformá-los em ativos que podem ser analisados e vendidos a quem é capaz de pagar mais por eles. Rentabilidade de dados. Dados fornecidos sem coerção, apenas com a instauração de discursos internalizados.

Essas visões são interessantes e despertam um caráter de alerta, uma constituição descritiva do caos que os dados são capazes fomentar com nossos interesses, os quais, em muitos casos, nem sabíamos que tínhamos. Atores são engajados em sistemas de plataformas e algoritmos que se enquadram em modelos de mercado dominantes, expandidos e encorajados em uma perspectiva neoliberal de construção social. Social que, não podemos negar, depende da constituição do ser para que ele mesmo reconheça a importância disso; a importância de ceder dados para que sua sociabilidade seja retribuída.

Os algoritmos que circulam no ciberespaço definem as liberdades e os controles, sendo construídos de maneira constante, isto é, o código nunca é achado ou descoberto, mas é uma criação humana, com intenções humanas e que pode aprender com as interações humanas. Além disso, determina o que as pessoas acessam, como acessam e quando acessam ou, ainda, quem pode acessar determinada coisa ou ambiente.

Os algoritmos estão, desse modo, baseados em uma arquitetura; esta tem a capacidade de estabelecer fronteiras, limites, bem como delimitar os poderes, a fluidez e a flexibilidade daquilo que será consumido pelos usuários que desconhecem (e até mesmo pelos que conhecem!) seu funcionamento. Não é, muitas vezes, uma estrutura legalizada, mas apenas uma arquitetura escondida, que é capaz de nos situar dentro e a partir de um controle que será estabelecido por corporações e governos. Essas arquiteturas são construídas a partir, através e para controle.

 

5  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar a constituição do sujeito e a produção da sua subjetividade não se traduzem em uma tarefa de fácil realização. Pelo contrário, faz com que as investigações andem por diversos campos e disciplinas, que busquem elementos, por vezes, estranhos ao campo de origem da pesquisa, mas que sem eles o trabalho seria incompleto. Aliás, incompleto sempre será, dada a complexidade da questão.

A construção dos sujeitos está colocada a partir das disposições que, politicamente, alcança-os. O gênero, a raça, a posição social podem ser constantemente avaliadas com dados, sendo que essas funções também podem ser alteradas para criar um sistema de exclusão, a gosto do algoritmo ou de quem o programou. Para pior: políticas podem ser reorientadas automática e continuamente para atender interesses diversos, como aponta Cheney-Lippold, 2011.

Pensar na internet, na rede, como um modo de circulação do poder pode fomentar essa discussão ética, pois se trata de uma sociabilidade que não é restritiva. Pelo contrário, age de maneira a construir virtualidades, imaginários, até mesmo identidades que se conformam sem a restrição de pares, muros ou qualquer outro espaço físico. A grande questão é, para as corporações e os Estados, mapear os sujeitos, suas ações, seus comportamentos, afim de incentivar a produtividade e o consumo constante.

Nesse regime de informação baseado em dados, tudo precisa ser controlado, rastreado, vigiado, calculado para que os padrões de comportamento sejam instaurados e aceitos, para que busquem a produção, consumo e reprodução. Os algoritmos são ferramentas essenciais nesse processo, já que atuam com um poder invisível na constituição desses projetos (projeto-controle e projeto-homem), mas, por isso mesmo, atuando de maneira potente.

A circulação das relações de poder e, por consequência, das relações de controle que são impostas em redes digitais ultrapassam as predições já realizadas. O controle que havia em sistemas físicos, analógicos, com cadastros de contribuintes e usuários em geral, não chegava nem próximo ao tipo de controle que pode se estabelecer hoje em dia com redes digitais. O mapeamento em tempo real das ações dos usuários em plataformas digitais, como seus links de maior acesso, os contatos mais frequentes, as preferências sobre esportes, roupas, alimentação, sexualidade etc. se colocam como elementos de constituição do sujeito e do controle que é realizado nele.

Assim, as plataformas incorporam um discurso, seja ele cultural, social, econômico, moral etc. a partir das opções que nos dão. A questão final é que precisamos, ao estudar a constituição do sujeito em uma sociedade digital de controle, pensar sobre o terreno em que isso acontece. O corpo, a mente, as possibilidades formativas desse sujeito são muitas, mas devemos investigar isso ao longo de jornadas que pesquisa que envolvam esses temas relacionados à ética e ao poder da informação.

REFERÊNCIAS

BUCHER, T. If…then: algorithmic power and politics. New York: Oxford University Press, 2018.

CHENEY-LIPPOLD, J. A New Algorithmic Identity: Soft Biopolitics and the Modulation of Control. Theory, Culture & Society, v. 28, n. 6, p. 164-181, 2011. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0263276411424420. Acesso em: 10 ago. 2019.

DELEUZE, G. Post-scriptum sobre as sociedades de controle. In: DELEUZE, G. Conversações. 3. ed. São Paulo. 34 ed., 2013.

GILLESPIE. T. The relevance of algorithms. In: GILLESPIE, T.; BOCZKOWSKI, P. J.; FOOT, K. A. (Ed.). Media Technologies: Essays on Communication, Materiality, and Society. Cambridge: The MIT Press, 2014.

GILLESPIE, T. Platforms are not intermediaries. 2 GEO. L. TECH. REV., v. 2, 2018. Disponível em: https://georgetownlawtechreview.org/wp-content/uploads/2018/07/2.2-Gilespie-pp-198-216.pdf. Acesso em: 22 ago. 2019.

GONZÁLEZ DE GÓMEZ, M. N. As relações entre ciência, Estado e sociedade: um domínio de visibilidade para as questões da informação. Ciência da Informação, v. 32, n. 1, p. 60-76, jan./abr. 2003. Disponível em: http://revista.ibict.br/ciinf/article/view/1020. Acesso em: 20 ago. 2019.

KOWALSKI, R. Algorithm = logic + control. Communications of the ACM, v. 22, n. 7, p. 424‑436, 1979. Disponível em: https://www.doc.ic.ac.uk/~rak/papers/algorithm%20=%20logic%20+%20control.pdf. Acesso em: 01 set. 2019.

LESSIG, L. Code version 2.0. New York: Basic Books, 2006.

MOROZOV, E. Big tech: a ascensão dos dados e a morte da política. São Paulo: Ubu, 2018.



[1] O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Também conta com fomento do CNPq (Processo 431367/2016-7)

[2] Doutor em Comunicação e Informação. Professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

[3] “Uma ‘nova identidade algorítmica’ está situada a uma distância da política liberal tradicional, removida do discurso civil pela natureza proprietária de muitos algoritmos, enquanto desfruta simultaneamente de uma onipresença sem precedentes em seu alcance para vigiar e registrar dados sobre os usuários” (CHENEY-LIPPOLD, 2011, p. 165).