PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR: A GESTÃO MUNICIPAL E A ORGANIZAÇÃO DOS ATORES SOCIAIS NO MUNICÍPIO DE MARAPANIM, PARÁ

 

Tahnity Haarad Moura Chaves[1]

Universidade Federal do Pará

tahnityhaarad@outlook.com

Rosana Quaresma Maneschy[2]

Universidade Federal do Pará

romaneschy@ufpa.br

Wagner Luiz Ramos Barbosa[3]

Universidade Federal do Pará

 barbosa@ufpa.br

______________________________

Resumo

O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) tem como objetivo fornecer alimentação saudável e com qualidade para os estudantes da rede pública. O sucesso do programa como indutor de desenvolvimento depende do nível de relação entre a gestão municipal e os agricultores familiares. Este estudo teve por objetivo analisar o processo de implementação do PNAE, no município de Marapanim no estado do Pará, a partir da gestão do programa em nível local e das organizações sociais envolvidas. A pesquisa de abordagem qualitativa foi desenvolvida pelo método de estudo de caso com levantamento de campo, bibliográfico e documental. A partir de 2018 o município tem realizado o cumprimento das diretrizes do programa para a compra de gêneros alimentícios da agricultura familiar, mas a falta de transparência no processo dificulta a ampla participação de agricultores. Observou-se que é necessário haver maior articulação entre o responsável técnico pelo programa e a secretaria de agricultura, órgão de assistência técnica e agricultores sobre o que é produzido no município para que possa compor o cardápio da chamada pública.

Palavras-chave: Agricultura Familiar. PNAE. Desenvolvimento Local.

ACQUISITION PROCESS PRACTICED BY THE NATIONAL PROGRAM OF SCHOOL MEAL AT THE MUNICIPALITY OF MARAPANIM, PARÁ

Abstract

The National School Feeding Program (NSFP) aims to provide healthy and quality food to students in the public school system. The success of the program as an inducer of local development depends on the level of relationship between municipal management and family farmers. This study aimed to analyze the process of implementing NSFP, in the municipality of Marapanim in the state of Pará, based on the management of the program at the local level and the social organizations involved. The research of qualitative approach was developed by the method of case study with field survey, bibliographic and documentary. As of 2018, the municipality has complied with the program guidelines for the purchase of foodstuffs from family farming, but the lack of transparency in the process hinders the broad participation of farmers. It was observed that there is a need for greater articulation between the technician in charge of the program and the secretary of agriculture, the technical assistance agency and farmers so that what is produced in the municipality can make up the public call menu.

Keywords: Family Agriculture. PNAE. Local Development.

1 INTRODUÇÃO

O Brasil tem avançado em um modelo de gestão descentralizado e participativo. A partir da Constituição Federal de 1988 foram implantadas políticas públicas voltadas para a categoria produtiva agricultura familiar, tais como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), que são importantes na promoção de desenvolvimento local.

Neste contexto, a aquisição de alimentos via mercado institucional, como o Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE), tem incentivado o consumo de produtos da agricultura familiar local e de grupos organizados como associações e cooperativas, uma vez que a Lei Federal nº 11.947/09 “estabelece que pelo menos 30% dos recursos dos programas de aquisição de alimentos sejam aplicados na compra de produtos da agricultura familiar”. (BRASIL, 2009).

Na prática, os municípios apresentam dificuldades ao acesso e aplicação dos recursos. Essas dificuldades, segundo Braga e Azevedo (2012) ocorrem devido à falta de políticas intersetoriais na gestão municipal e real participação da sociedade civil no processo de acompanhamento das ações do programa. Os estados da região Norte do país e os municípios de pequeno porte são os que atingem os menores percentuais de realização de compra da agricultura via PNAE (MACHADO et al., 2018).        

A pesquisa se desenvolveu em Marapanim no estado do Pará, com o objetivo de analisar o processo de implementação do PNAE no município a partir da gestão do programa em nível local e das organizações sociais envolvidas, a fim de oferecer proposições que possam contribuir para processos de tomada de decisões, na esfera pública, voltadas ao programa.

 

2 METODOLOGIA

No município de Marapanim, segundo o Censo Agropecuário IBGE (2006), existem aproximadamente 6.197 agricultores que trabalham com lavouras permanentes e temporárias, fruticultura regional e extrativismo vegetal, com ênfase na coleta de frutos. As atividades produtivas desenvolvem-se em ecossistemas sobre a influência do oceano atlântico e da bacia hidrográfica do Rio Marapanim que atravessa 12 municípios do estado (AGÊNCIA PARÁ, 2017).

A pesquisa foi realizada de março de 2017 a fevereiro de 2018. A abordagem foi qualitativa e desenvolveu-se a partir de um estudo de caso seguindo as recomendações de Yin (2010), que teve como lócus a gestão municipal e os atores sociais envolvidos no Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE)[4].

No levantamento de campo e documental, foram identificadas as organizações sociais ativas e presentes no município. Na ocasião das entrevistas com informantes-chave (Quadro 1), foram utilizadas questões abertas para coletar informações dos sujeitos a partir do seu discurso livre e consentido.

Quadro 1 - Relação de informantes-chave por categoria pesquisada.

CATEGORIA

INFORMANTE- CHAVE

QUANTIDADE

ABORDAGEM

Agricultura familiar

Agricultor familiar

9

Produção agrícola, entendimento e participação no PNAE no município e uso da terra.

Gestores

Nutricionista

1

Funcionalidade do PNAE, critérios adotados na elaboração do cardápio para inserir produtos in natura, produção, organização dos agricultores, relação dos agricultores com os gestores locais, organizações sociais existentes e ativas.

EMATER

1

Secretaria de agricultura

1

Secretaria de educação

0

Organização social*

Sindicato

1

Produção agrícola, entendimento e participação no PNAE e organização social.

Associação

1

Cooperativa

2

Conhecimento Local

Moradora de Marapanim

1

Localização das comunidades na formulação dos Mapas.

Fonte: Elaborado pelos autores

Com as informações obtidas no levantamento de dados secundários e de campo com os informantes-chave foram elaborados mapas temáticos pelo Laboratório de Análise Ambiental e Representação Cartográfica (LARC) do Núcleo de Meio Ambiente (NUMA) - Universidade Federal do Pará (UFPA). Os mapas foram elaborados com o Software ArcGIS 10.2, a partir dos dados vetoriais (shapefiles) disponibilizados em repositório institucionais (IBGE[5], ITERPA[6], SEMAS-PA[7]) bem como dados vetoriais construídos a partir de informações levantadas em campo (localização das comunidades e rotas de abastecimento). Os dados vetoriais foram trabalhados na escala 1:300.000, sob a orientação do datum SIRGAS-2000, com a projeção cilíndrica simples e sistemas de coordenadas geográficas.

Os mapas temáticos versaram sobre a localização do município, a localização das comunidades onde estão inseridas as escolas que recebem a alimentação via PNAE, e as rotas de distribuição de alimentos para as escolas das comunidades.

 

3 O PNAE E A GESTÃO MUNICIPAL

O PNAE em Marapanim atende 58 escolas, sendo duas escolas estaduais e as demais municipais, distribuídas em 44 comunidades, conforme informações do Quadro 2.

A extensão territorial do município é uma das maiores do nordeste do Pará com 795,987 km² de área de unidade territorial (IBGE, 2017). As 44 comunidades (Figura 1) atendidas pelo PNAE no munícipio, historicamente em sua grande maioria, estão organizadas às margens do principal rio, que também dá nome à cidade: o Rio Marapanim, e estão localizadas também no limite com outros municípios como o de Magalhães Barata e Maracanã. O município de Marapanim apresenta uma geografia assimétrica com a presença de uma zona costeira de manguezais e toda a fauna e flora deste ecossistema, assim como a influência dos rios e todo o bioma diversificado.

Durante os períodos de “inverno amazônico” (dezembro a março) algumas comunidades mantêm-se alagadas ocasionadas pela elevação do acúmulo de água dos rios (RABELO et al., 2012). Dessa forma, a falta de infraestruturas nas estradas e ramais dificultam a logística por via terrestre do escoamento dos alimentos, principalmente no período de maior concentração das chuvas. Embora Marapanim possua uma bacia hidrográfica com rios navegáveis, as embarcações não são utilizadas para o escoamento dos alimentos.

Durante as visitas ao município e entrevistas com os gestores locais, foi identificado que no município a logística tem sido um desafio para o escoamento da produção agrícola local. Os agricultores encontram se isolados entre ramais, que dificultam o escoamento dos produtos e consequentemente ficam vulneráveis a figura do atravessador.

O transporte que abastece as escolas com a alimentação escolar é realizado pelo carro do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF)[8] e as vezes, por caminhão contratado pela Prefeitura Municipal.

 

 

 

Quadro 2 - Comunidades e quantidades de escolas atendidas pelo PNAE em Marapanim

Comunidades

Escolas atendidas pelo PNAE

Comunidades

Escolas atendidas pelo PNAE

15 de Novembro

1

Livramento

1

Abaetezinho

1

Maranhãozinho

1

Arapijó

1

Marudá

3

Araticum

1

Marudazinho

1

Arsênio

1

Matapiquara

1

Bacuriteua

1

Pajurá

1

Boa Esperança

1

Pedral

1

Bom Jardim do Matapiquara

1

Porto Alegre

1

Bom Jardim do Maú

1

Recreio

2

Bracinho

1

Remanso

1

Camará

1

Retiro

1

Canavial

1

Santa Luzia

1

Cipoteu

1

Santana do Maú

1

Cristolândia

1

São João

1

Cruzador

1

São Miguel

1

Cruzeiro do Maú

1

Sede

11

Fazendinha

1

Tamataquara

1

Guarajubal

1

Timboteua

1

Igarapé Açú

1

Ubussu

1

Itacuã

1

Vila Maú

2

Itaussú

1

Vila Silva

1

Jarandeua

1

Vista Alegre

2

Juçateua

1

 

 

Fonte: Adaptado de Nutricionista do município de Marapanim, 2018.


 

Figura 1 - Mapa de localização das comunidades (44) onde estão inseridas as escolas que recebem a alimentação via PNAE, Marapanim, Pará.

Fonte: Fonte: Mapa elaborado pelo Laboratório de Análise Ambiental e Representação Cartográfica (LARC/NUMA/UFPA) e Conhecimento Popular Local, 2018.

Como o município possui grande extensão territorial e sofre com falta infraestrutura nas estradas, a demanda do transporte não atende as necessidades de coleta dos produtos dos agricultores para serem distribuídas nas escolas, ocorrendo a falha na entrega dos alimentos por falta de transporte, os cardápios não serem atendidos e os alunos não serem alimentados adequadamente. O período de chegada dos alimentos na escola também pode dificultar o armazenamento e manuseio para a elaboração dos cardápios (BELIK; DOMENE, 2012).

É necessário que a gestão municipal de Marapanim possa adquirir um caminhão frigorífico para a alimentação escolar, através de pregão eletrônico ou realizar convênio com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para captar recursos, como ocorreu em outros municípios brasileiros. No caso da Prefeitura Municipal de Capão Bonito-SP e na Prefeitura Municipal de Pindamonhangaba-SP, foi comprado um caminhão frigorífico para melhorar a logística no transporte da alimentação escolar (PREFEITURA CAPÃO BONITO, 2015; PREFEITURA DE PINDAMONHANGABA, 2016). O FNDE, desenvolveu um modelo de caminhão frigorífico para atender o PNAE, com normas técnicas específicas e com as exigências de segurança, armazenamento e transporte de alimentos (FNDE, 2012b).

O caminhão frigorífico é ideal no transporte dos alimentos para a alimentação escolar. Este veículo atende as exigências de segurança alimentar e de armazenamento, pois possui controle de temperatura, garantindo mais qualidade dos alimentos e conservando as características naturais dos alimentos. Com isso, o FNDE desenvolveu as informações técnicas para a aquisição do caminhão frigorífico, “(…) as prefeituras e secretarias estaduais de educação poderão fazer adesão a Ata de registro e adquirirem os caminhões com as especificações adequadas (...)” (CECANE UFRGS, 2015).

Segundo a gestão municipal, a distribuição dos alimentos para as 58 escolas têm sido realizadas em cinco rotas, seguindo as zonas de influências mais próximas das comunidades.

As rotas são denominadas de: a) Rota do Salgado, que abrange dez comunidades (Marudá, Camará, Recreio, Livramento, Retiro, Araticum, Itauaçú, Tamaruteua, Vista Alegre e Bacuriteua); b) Rota Sede, que abrange o centro do município onde se encontram os departamentos administrativos da cidade como a prefeitura, as secretarias municipais, rede de bancos e comércios e as três comunidades no entorno (Guarajubal, Juçateua e Arapijó); c) Rota Boa Esperança, que abrange três comunidades (Boa Esperança, Igarapé Açú e Canavial); d) Rota Maú, que abrange 12 comunidades (Cipoteua, Vila Maú, Pedral, Remanso, Fazendinha, Cruzeiro do Maú, Arsênio, Maranhãozinho, Bom Jardim do Maú, 15 de Novembro, São Miguel e Itacoã); e) Rota Matapiquara, que abrange as comunidades (Matapiquara, Bom Jardim do Matapiquara, São João, Pajurá, Timbotéua, Santa Luzia, Marudazinho, Cruzador, Jarandeua, Abaetezinho, Cristolândia, Ubussu, Vila Silva e Bracinho).

Entre as cinco rotas existe a predominância de comunidades que não estão localizadas próximas as estradas e ramais do município. Algumas comunidades estão inseridas em rotas determinadas pela gestão municipal que se cruzam na mesma área de abrangência, como é o caso da Rota Maú e Rota Matapiquara (Figura 2).


 

Figura 2 - Mapa das rotas de distribuição de alimentos para as escolas das comunidades atendidas pelo PNAE, Marapanim-PA

Fonte: IBGE-2016, ITERPA-2014, Trabalho de Campo, 2017- 2018 e Laboratório de Análise Ambiental e Representação Cartográfica (LARC/NUMA/UFPA) - 2018.

O polo da região da Água doce abrande as comunidades em que o rio é o principal meio de navegação e obtenção de recursos naturais, em destaque para o rio Marapanim. O polo do Salgado, abrange as comunidades próximas a zona costeira e com a influência do mar. Dessa forma, verifica-se que no município existe uma diversidade geográfica que varia, na produção e no consumo alimentar, de acordo com as duas características de regiões citadas. Porém, foi verificado que no município não é utilizado essas peculiaridades na elaboração dos cardápios e no fornecimento de alimentos aos alunos de acordo com os hábitos alimentares local.

O mapa das rotas de distribuição dos alimentos para as escolas, é uma ferramenta que poderá auxiliar a gestão municipal na elaboração de estratégias de viabilização da logística na entrega dos produtos para a alimentação dos alunos. Se não houver planejamento na logística, o que seria uma facilidade, pode ser um entrave para que os produtos da agricultura familiar cheguem nas escolas no período correto e com a qualidade adequada, uma vez que foram relatadas situações em que os produtos chegaram nas escolas somente no final da semana, dificultando o cumprimento do cardápio previamente elaborado, diminuindo a vida útil dos alimentos in natura e prejudicando a nutrição dos alunos.

É importante que a gestão municipal elabore estratégias que viabilizem modelos de rotas ou transportes que possibilitem a chegada dos alimentos ainda frescos nas escolas. Uma das sugestões seriam utilizar o rio como viabilidade de escoamento, principalmente no período mais chuvoso, buscar parcerias de um caminhão frigorífico com os municípios vizinhos e obter caminhão próprio, exclusivo para o abastecimento de alimento nas escolas.

A respeito a aquisição dos alimentos, a gestão municipal realizou licitações de 2009 a 2016, com a predominância da compra de gêneros alimentícios não perecíveis e industrializados e sem a publicação do edital veículo de ampla circulação local. Essa necessidade de divulgação é necessária e prevista na legislação, onde diz que a Chamada Pública é a modalidade recomendada a cumprir as diretrizes do PNAE (FNDE, 2016a). Os contemplados desses processos licitatórios foram empresas externas e assim sendo, o município não atendeu a demanda de 30% de aquisição de produtos agricultura familiar, previstos em legislação.

A elaboração do edital deve ser realizada com a participação e atuação de nutricionista da secretaria de educação do município. Tal profissional deve indicar o cardápio de forma que garanta a alimentação adequada, seguindo as exigências nutricionais das faixas etárias dos estudantes que serão atendidos.

Verificou-se na pesquisa que não havia diálogo entre a secretaria de educação e a secretaria de agricultura do município, uma vez que a nutricionista não teria as informações de quais produtos poderiam ser adquiridos da agricultura familiar local e, por isso, havia a preferência por alimentos industrializados nos editais publicados. Assim, é essencial que o nutricionista, como responsável técnico pelo PNAE no município, tenha as informações necessárias para haver de fato o incentivo à compra de alimentos da agricultura familiar. (MACHADO et al., 2018).

É importante que o responsável técnico pelo PNAE organize o planejamento dos cardápios escolares de acordo com a sazonalidade dos produtos a serem adquiridos, pois esta interfere diretamente no abastecimento (SARAIVA et al., 2013). Além da questão da sazonalidade Belik e Domene (2012) reforçam que os produtos da agricultura familiar devem atender as exigências de qualidade e especificações previstas em edital e nas recomendações da FNDE.

A execução das diretrizes do PNAE depende da participação dos gestores, de todos os sujeitos envolvidos para a promoção da alimentação dos alunos das escolas e do estímulo à produção da agricultura familiar local para o fornecimento de alimentos aos alunos da rede pública de ensino (RIBEIRO; CERATTI; BROCH, 2013). Esse envolvimento deve se refletir no “planejamento e conhecimento da diversidade agrícola, sazonalidade e volume de produção local” (ROSSETTI; SILVA; WINNIE, 2016).

Neste processo participativo, ressalta-se a importância do Conselho de Alimentação Escolar (CAE), que é o responsável pela fiscalização e prestação de contas ao FNDE. O CAE é fundamental para que o PNAE tenha êxito no objetivo de fornecimento de alimentos aos estudantes e principalmente dos agentes responsáveis no acompanhamento do programa.

Ressalta-se que a participação da sociedade civil organizada facilita o controle acerca do funcionamento das políticas públicas. Desde a sua formação o CAE vem desempenhando o papel de acompanhar, monitorar e assessorar os recursos federais para o desenvolvimento do PNAE, dessa forma ressalta-se a importância deste conselho para que os estudantes tenham acesso à alimentação nas escolas (FNDE, 2017).

Em Marapanim, segundo as informações da gestão e dos informantes-chave, o CAE durante os últimos anos não tem desempenhado as obrigações de fiscalização do PNAE no município, tendo em vista que se encontrava inativo e não era oficializado. O CAE é fundamental para a execução do PNAE, uma vez que ele não seja “constituído, ou deixarem de sanar suas pendências e não apresentar a prestação de contas dos recursos recebidos, o FNDE poderá suspender o repasse dos recursos do PNAE” (FNDE, 2017b).

Até o mês de março de 2018 o CAE no município de Marapanim ainda estava oficialmente inativo, mas estava previsto uma reunião para constituírem novas pessoas para fazerem parte, pois, para que o recurso do FNDE venha para o PNAE, é imprescindível que o CAE esteja em funcionamento. É através deste conselho de alimentação escolar que é possível analisar e acompanhar o funcionamento do PNAE no município.

 

4 A ORGANIZAÇÃO DOS AGRICULTORES: O CASO DA COOPERATIVA AGROINDUSTRIAL DE VILA MAÚ

A agricultura familiar produz diversidade na alimentação e na forma em que estes alimentos são incorporados nos hábitos alimentares diários, assim como nas práticas produtivas, em que possuem o conhecimento empírico, do aprendizado e da prática. Os agricultores da COOPVIMA desenvolvem o cultivo de espécies de ciclo curto e anuais (Quadro 3).

Embora os agricultores não tenham mencionado a melancia no momento das entrevistas para a construção do calendário agrícola, a região do salgado paraense possui destaque no cultivo dessa espécie e, segundo a Secretaria de Agricultura, o município é o maior produtor de melancia na região. Porém por questões de logística e geográficas, grande parte do escoamento da produção é realizada pelo município de Curuçá, contabilizando dessa forma à Curuçá a produtividade (CHAVES; MANESCHY; BARBOSA, 2017).

 

Quadro 3 - Calendário agrícola dos agricultores da COOPVIMA.

CALENDÁRIO AGRÍCOLA

Espécies cultivadas

Jan

Fev

Mar

Abr

Maio

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

Acerola

Plantio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Malpighia emarginata

Colheita

 

 

 

 

 

 

Açaí *

Plantio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Euterpe oleracea

Colheita

 

 

 

 

 

 

Banana

Plantio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Musa)

Colheita

 

 

 

 

 

 

 

 

Cariru

Plantio

 

(Talinum triangulare (Jacq.) Willd.)

Colheita

Cebolinha

Plantio

 

(Allium schoenoprasum)

Colheita

Cheiro Verde

Plantio

 

(Coriandrum sativum)

Colheita

Chicória

Plantio

 

(Eryngium foetidum)

Colheita

Coco**

Plantio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Cocos nucifera)

Colheita

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Couve

Plantio

 

(Brassica oleracea)

Colheita

Cupuaçu***

Plantio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Theobroma grandiflorum)

Colheita

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Feijão de vagem

Plantio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Phaseolus vulgaris)

Colheita

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Feijão de corda

Plantio

 

(Vigna unguiculata)

Colheita

Limão

Plantio

 

(Citrus limon L. Burmann f.)

Colheita

Mamão

Plantio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Carica papaya)

Colheita

 

 

 

 

 

 

Mandioca****

Plantio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Manihot esculenta)

Colheita

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Maracujá

Plantio

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

(Passiflora edulis)

Colheita

 

 

 

 

 

 

 

Maxixe

Plantio

 

(Cucumis anguria)

Colheita

Pepino

Plantio

 

(Cucumis sativus)

Colheita

Pimentinha

Plantio

 

(Capsicum chinense)

Colheita

Quiabo

Plantio

 

(Abelmoschus esculentus)

Colheita

Tomate Cereja

Plantio

 

(Solanum lycopersicum var. cerasiforme)

Colheita

Fonte: Elaborado pela autora, 2018.

Açaí* - a colheita é realizada depois de 28 meses após o plantio / Coco**- a colheita em média na região é realizada após 3- 4 anos do plantio das mudas / Cupuaçu***- o início da produção dos frutos se dá por volta dos 18-24 meses após o plantio das mudas / Mandioca****- a colheita da mandioca se realiza depois de 12 meses após o plantio das estacas.

O uso dos recursos naturais da flora amazônica está intrinsecamente ligado à relação sociocultural de um povo, dos conhecimentos tradicionais e é utilizada de diferentes formas. No município de Marapanim os agricultores ainda possuem uma relação com a prática de derrubar a mata, seja ela capoeira ou nativa (ICMBIO, 2014).

Existem propriedades de agricultores que fazem parte da cooperativa de Vila Maú que realizam a prática do corte e queima, muito comum na região amazônica. Os agricultores que fazem o uso desta prática acreditam que, após o corte e a queima das partes da árvore, o solo tem mais vigor e, por conta disso, relatam não precisar fazer o uso da adubação. Eles relatam que essa é a alternativa mais econômica e que troncos e galhos servem para a produção de carvão vegetal e garantir uma outra forma de renda para as famílias.

Apesar da região nordeste do Pará ser cenário de alguns projetos desenvolvidos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), como é o caso do Projeto Tipitamba “Produzir sem queimar”, ainda existe uma parcela de agricultores que não aderiram as práticas de sustentabilidades sem fazer o uso da queimada (EMBRAPA, 2001). A fragilidade da assistência técnica é considerada como um fator limitante (SILVA; GRZEBIELUCKAS; SANTOS, 2019), pois sem apoio os agricultores podem não sentir segurança na utilização da tecnologia e acabar retornando ao modo tradicional de manejo agrícola.

A comercialização da produção ocorre na feira, uma vez por mês. Porém grande parte dos agricultores não conseguem levar os produtos para serem comercializados nesta feira devido à falta de transportes.

Segundo as informações da Secretaria de Agricultura e da Empresa de Assistência Técnica e. Extensão Rural (EMATER), grande parte destes produtos são comercializados por atravessadores ou pessoas autônomas que se dirigem as propriedades dos agricultores e realizam a compra direta para repassar ao consumidor. Portanto, segundo Turpin (2009), é prioritária a organização da demanda necessária para o atendimento do PNAE analisar o que já é ofertado pela agricultura familiar e capacitar os agricultores familiares para o atendimento das exigências de qualidade dos produtos com potencial para o atendimento a merenda escolar.

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir de 2018 o município de Marapanim tem realizado o cumprimento das diretrizes do programa para a compra de gêneros alimentícios da agricultura familiar local para abastecer a alimentação escolar. Porém, existe uma burocratização de elementos configurados nos editais de chamada pública da agricultura familiar que prejudica o acesso das famílias produtoras aos editais, assim como uma falta de informação sobre o PNAE e a importância das organizações sociais como protagonistas nas tomadas de decisão e participação nas políticas públicas.

Observou-se que a falta de transparência no processo dificulta a ampla participação de agricultores familiares. É necessário haver maior articulação entre o responsável técnico pelo programa e a secretaria de agricultura, órgão de assistência técnica e agricultores sobre o que é produzido no município para que esses produtos possam compor o cardápio da chamada pública.

Essa falta de organização social dificulta que as pessoas tenham acesso aos programas governamentais, assim como também falta uma gestão mais participativa por parte do poder público, que, ao mesmo tempo que tem o objetivo de beneficiar as pessoas, acaba tornando o processo excludente a partir do momento que não proporciona, no município de Marapanim, a transparência dos editais de chamada públicas referentes a compra de gêneros alimentícios para a alimentação escolar proveniente da agricultura familiar.

 

REFERÊNCIAS

AGÊNCIA PARÁ. Secretaria de Estado de Comunicação- Governo do Pará. Gestão da bacia hidrográfica de Marapanim é discutida na Semas. 2017. Disponível em: http://www.agenciapara.com.br/ . Acesso em 31 maio de 2017.

BELIK, W.; DOMENE, S. M. A. Experiências de programas combinados de alimentação escolar e desenvolvimento local em São Paulo - Brasil. Agroalimentaria 2012; 18, n. 34, p. 57-72, 2012. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/1992/199222712005.pdf. Acesso em: 20 dez. 2020.

BRAGA, E. M. F.; AZEVEDO, H. S. Segurança alimentar e nutricional: os desafios da intersetorialidade. Revista Aval, v. 2, n. 10, p. 57-71, jul./dez, 2012.

BRASIL. Lei Federal n. 11.947 de 16 de julho de 2009: Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica; altera as Leis nos 10.880, de 9 de junho de 2004, 11.273, de 6 de fevereiro de 2006, 11.507, de 20 de julho de 2007; revoga dispositivos da Medida Provisória no 2.178-36, de 24 de agosto de 2001, e a Lei no 8.913, de 12 de julho de 1994; e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11947.htm. Acesso em: 20 dez. 2020.

CECANE UFRGS. Informe PNAE - Ata de Registro de Preço para Aquisição de Caminhão Frigorífico. 2015. Disponível em: http://www.ufrgs.br/cecane/noticias/Informe-PNAE---Ata-de-Registro-de-Preco-para-Aquisicao-de-Caminhao-Frigorifico27_03_2015_19_28_44. Acesso em 11 de maio de 2018.

CHAVES, T. H. M; MANESCHY, R. Q; BARBOSA, W. L. R. A aquisição de Alimentos para a Alimentação Escolar em Marapanim-Pa. Revista Agroecossistemas, v. 9, n. 1, p. 147 -156, 2017.  Disponível em: <https://periodicos.ufpa.br/index.php/agroecossistemas/article/viewFile/4728/4397. Acesso em: 11 de maio de 2018.

EMBRAPA AMAZÔNIA ORIENTAL. Projeto Tipitamba. 2001. Disponível em: https://www.embrapa.br/amazonia-oriental/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1072158/projeto-tipitamba-produzir-sem-queimar. Acesso em: 14 maio de 2018.

FNDE, Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Alimentação Escolar (PNAE). O maior e mais antigo programa de alimentação escolar do mundo, com cobertura universal e gratuidade na oferta de refeições. 2012a. Disponível em: http://www.fnde.gov.br/programas/alimentacao-escolar/alimentacao-escolar-historico. Acesso em 27 jul. de 2017.

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[1]Engenheira Agrônoma, Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Gestão dos Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (PPGEDAM) do Núcleo de Meio Ambiente (NUMA) da Universidade Federal do Pará (UFPA).

[2] Doutora em Ciências Agrárias, Professora associado do Núcleo de Meio Ambiente (NUMA) e do Programa de Pós-Graduação em Gestão dos Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (PPGEDAM) da Universidade Federal do Pará (UFPA).

[3]Doutor em Ciências Naturais, Professor titular do Instituto de Ciências da Saúde e do e do Programa de Pós-Graduação em Gestão dos Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia (PPGEDAM) da Universidade Federal do Pará (UFPA);  Membro Titular da Academia Nacional de Farmácia.

[4] O programa tem por objetivo de fornecer alimentação saudável e de qualidade para os estudantes, “respeitando os hábitos alimentares locais e culturais, atendendo as necessidades nutricionais específicas, conforme percentuais mínimos estabelecidos no artigo 14 da Resolução nº 26/2013” (FNDE, 2017a).

[5] Foram obtidas as malhas municipais do repositório do IBGE.

[6]Foram obtidas as rodovias e as sedes municipais do repositório do ITERPA.

[7]Foram obtidas a hidrografia do repositório da SEMAS-Pará.

[8]É principal política pública brasileira de crédito para as unidades familiares de produção que financia projetos individuais ou coletivos, que gerem renda aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária.