APRESENTAÇÃO

v.7, Edição Especil, Jan. 2021

 

Apesar dos grandes avanços no debate sobre desenvolvimento sustentável e áreas protegidas nos últimos 35 anos no Brasil, ainda existem muitas lacunas e dúvidas sobre os processos de implementação desses conceitos. De fato, há muito tempo que o grande desafio não está na construção de concepções e significados desses conceitos, mas sim nas suas aplicabilidades, nas suas formas de operacionalização.

Se, por um lado,  o desenvolvimento sustentável é  visto como a única forma de desenvolvimento possível (se não é sustentável, não é desenvolvimento); por outro lado, é visto, também, apenas como um ideário a ser perseguido, ou seja, um prumo ou rumo para a estrutura predominante de desenvolvimento econômico com a incorporação (e não necessariamente o reconhecimento) das questões ambientais, especificamente das questões dos recursos (ou capital?) naturais. Ou seja, a necessidade de repensar seu uso em escala acelerada, o seu esgotamento e a necessidade de minimização dos efeitos negativos de seu uso exacerbado dentro dos processos produtivos.

Entendemos que é a partir dessas duas vertentes que emergem as proposições de aplicabilidade do conceito de desenvolvimento sustentável que se operacionalizam em diversas escalas territoriais e estruturas sociais e organizacionais.

A proposição de conformação de áreas protegidas, como unidades de conservação (UC), terras indígenas, quilombos, parques naturais, dentre outros, que tem por objetivo conservar os patrimônios naturais e culturais a ele associados (que inclui elementos ecológicos, históricos, geográficos e de conhecimentos tradicionais) é uma das formas de perseguir a implementação do conceito de desenvolvimento sustentável.

Enquanto não se encontra um novo modelo de estrutura social e econômica que modifique radicalmente a relação do homem com a natureza dentro do sistema econômico capitalista predominante, vai se buscando alternativas para a longevidade e, talvez, perenidade do atual modelo.

Todavia, para o caso da Amazônia, a região que ainda é detentora da maior biodiversidade do planeta, a existência de áreas protegidas e a perseguição de novos modelos de implementação do conceito de desenvolvimento podem ser redentores para seus povos.  Dentro do modelo clássico de desenvolvimento econômico, a região amazônica sempre foi (e continua sendo) apenas fornecedora de recursos da natureza para o processo produtivo de alta escala nacional e internacional. Talvez se possa encontrar, nessas duas possibilidades, alternativas para colocar a Amazônia – suas organizações e sociedade – dentro de um desenvolvimento mais justo, inclusivo e equilibrado, valorizando seus patrimônios humano, natural e cultural. De toda forma, acreditamos que ainda estamos longe de qualquer aproximação de aplicabilidade do conceito de desenvolvimento sustentável na Amazônia.

Assim, dessa forma, ainda temos várias experimentações e diversificadas aplicações em contextos, escalas, territórios e approaches. Esses são expressos nos artigos apresentados neste número especial que a Revista P2P & Inovação nos convidou a organizar.

Dentre as experimentações, está a experiência de psicultura sustentável mostrada por Paes e Silva. Os autores sustentam a importância do conhecimento local – um patrimônio muito peculiar da Amazônia – para reprodução social, econômica e cultural de pequenos pescadores e produtores rurais que viram e foram afetados pelo que os autores chamam de “revolução verde” que trouxe para Amazônia a produção agrícola em alta escala e reconfigurou, para pior, o modo de vida local. A psicultura sustentável se apresenta, assim, como uma alternativa de desenvolvimento para escala comunitária.

Na realidade, desde os anos de 1970 que a lógica clássica de desenvolvimento desestruturou o território e modo de vida local na Amazônia requerendo, cada vez mais, gestão ambiental. Farias e Magno discutem justamente o desafio da gestão ambiental na região, sobretudo pós implementação de grandes projetos que foram construídos dentro de um diferente approach de desenvolvimento que predominava no Brasil até o final dos anos de 1980. Os autores usam como exemplo a UHE de Tucuruí e os impactos ambientais causados pelo empreendimento desde sua construção até o presente momento. Evidentemente que hoje os impactos são de outra natureza, todavia continuam existindo e desafiando a mudança paradigmática de desenvolvimento e a consecução de uma efetiva gestão ambiental no território.

Nesta mesma esteira de raciocínio, Ribeiro, Afonso, Souza, Riva e Souza Filho debatem os impactos nos recursos naturais na construção de barragens para implementação de hidrelétricas de diferentes portes, inclusive de pequenas centrais hidrelétricas. Os autores, por sua vez, utilizam exemplos do estado de Rondônia. Entretanto, de forma mais otimista que Farias e Magno, os autores Ribeiro, Afonso, Souza, Riva e Souza Filho acreditam que no âmbito dos conflitos entre crescimento econômico e proteção ambiental, ações de governança podem contribuir para a compatibilização de interesses opostos e mitigar impactos ambientais e sociais.

A governança, de fato, tem se apresentado como um importante approach de gestão de conflitos e para implementação de novos projetos de desenvolvimento, traduzindo-se em governança do risco. Siqueira et al partem do entendimento de governança do risco como um processo decisório democrático e participativo relacionado ao gerenciamento de riscos em que a participação social é fundamental para o compartilhamento do poder decisório do Estado em relação a questões relativas ao interesse público. Segundo os autores, justamente por suas características de maior agregação social, é que a governança do risco se faz interessante para ser utilizada nas construções de usinas hidrelétricas para fazer equilíbrio entre o social, econômico e ambiental.

Sob o prisma das tentativas de aplicabilidade e operacionalização do conceito de desenvolvimento sustentável em políticas públicas, Rocha, Conduru, Flores e Rocha discutem a importância da informação ambiental para tomada de decisão. Isto porque a informação ambiental é condição sine qua non para conhecimento da realidade e formulação de políticas públicas ambientais. Com efeito, a informação ambiental se concilia com os princípios do desenvolvimento sustentável uma vez que, segundo a Declaração do Fórum Rio-92, todos os indivíduos devem ter acesso adequado à informações relativas ao meio ambiente da mesma forma em que dispõem as autoridades públicas. A partir da discussão sobre o CAR (Cadastro Ambiental Rural) enquanto política pública, os autores enfatizam a importância do Código Florestal de 2012 por trazer avanços significativos que objetivavam a proteção do meio ambiente. O CAR se apresenta como um importante instrumento de informação ambiental das propriedades e posses rurais no contexto do desenvolvimento rural sustentável.

 Gerir informações ambientais não é uma atividade trivial. O volume de dados e informações estão a cada dia mais crescentes e a busca de alternativas para seu manuseio tem sido um desafio. Isso é o que tem ocorrido no âmbito dos tribunais brasileiros para o direcionamento de políticas públicas ambientais na Amazônia. E uma das alternativas encontradas tem sido o de utilização da inteligência artificial enquanto ferramenta de gestão, segundo Santana, Teixeira e Moura Júnior. Os autores procuram demonstrar que a utilização da inteligência artificial para a estruturação de dados e a formação de um Big Data a partir dos processos ajuizados podem ser importante fonte de insumos para que políticas públicas ambientais possam ser aplicadas de modo mais efetivo e sustentável.

.           Na busca pelo desenvolvimento sustentável em áreas rurais e para as populações a elas vinculadas, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é uma via, segundo Chaves, Maneschy e Barbosa. Os autores trazem o debate de uma política pública nacional para o nível local e mostram que no caso do PNAE, o sucesso da política pública e de sua sustentabilidade depende da relação entre a gestão municipal e os agricultores familiares. De certa forma, os autores demonstram a importância da dimensão político-institucional para o desenvolvimento sustentável, sobretudo em municípios de pequeno porte na região amazônica, como no caso de Marapanim que foi escolhido como estudo de caso.

A dimensão cultural do desenvolvimento sustentável é abordada por Luz, Azevedo e Chagas Júnior que discutem a construção e reprodução de identidade, particularmente da identidade quilombola. Os autores debatem como a identidade quilombola é construída, reconstruída e reproduzida no âmbito da escola a partir da análise das práticas pedagógicas utilizadas em sala de aula. Os quilombos representam um tipo de área protegida dentro da legislação brasileira e são um dos guardiões do meio ambiente e da cultura tradicional. Os autores demonstram que a sustentabilidade dos quilombos perpassa pelo fortalecimento identitário que, por sua vez, depende do envolvimento e compreensão de seus habitantes enquanto quilombolas. Os autores mostram, no caso do quilombo Guajará Miri, que essa identidade ainda está fragilizada, o que o deixa vulnerável diante do modelo econômico excludente e incapaz de propor novos rumos para o desenvolvimento sustentável do próprio território.

Dentro de um debate organizacional e legal, Rodrigues et al buscam demonstrar a relação entre as normas e leis ambientais e a reutilização de resíduos e tecnologias de logística reversa no Brasil. Os autores enfatizam a importância e possibilidades da logística reversa enquanto instrumento de responsabilidade compartilhada dentro da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Com efeito,  os autores enfatizam as possibilidades da logística reversa como instrumento de desenvolvimento econômico e social no contexto da sustentabilidade.

O artigo de Coutinho et al trata da invasão das tecnologias computacionais no dia a dia das famílias. O trabalho demonstra como essa invasão influencia nas relações socioemocionais das famílias. Amartya Sen teoriza que desenvolvimento se alcança quando os indivíduos têm capacidades que o levem a expressar suas liberdades. Coutinho et al demonstram, de certa forma, que a invasão das tecnologias computacionais no cotidiano das famílias mais aprisiona do que liberta as pessoas para o enfrentamento das adversidades da lógica de desenvolvimento predominante do sistema capitalista. Para Sen, a centralidade do desenvolvimento são as pessoas; entretanto, para o sistema capitalista a economia prevalece, ainda que invada os espaços privados das famílias.      

Os artigos que esse número especial apresenta são tão diversos quanto o é o próprio debate sobre desenvolvimento sustentável em suas múltiplas dimensões (ecológica, social, econômica, espacial, cultural e político-institucional). Todavia, trazem interessantes contribuições que, com certeza, instigarão os leitores a refletir sobre a complexidade que esse conceito ainda apresenta e o longo caminho que ainda temos a percorrer para sua plena decifração e aplicação.

 

 

Desejamos a todos uma boa leitura!

 

Belém, 21 de janeiro de 2021.

 

Ana Maria de Albuquerque Vasconcellos

Universidade da Amazônia

 

Mário Vasconcellos Sobrinho

Universidade da Amazônia e Universidade Federal do Pará

 

Ronaldo Lopes Rodrigues Mendes

Universidade Federal do Pará