ILHA DE MODERNIDADE NO OCEANO ARCAICO

a colheita mecanizada de cana-de-açúcar em uma usina alagoana

Jose Rodolfo Tenorio Lima[1]

Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

jrtlima@gmail.com

Milka Alves Correira Barbosa[2]

Universidade Federal de Alagoas (UFAL)

milka.correia@gmail.com

______________________________

Resumo

Alagoas desponta como um dos principais produtores do país de cana-de-açúcar. No contexto alagoano, a mecanização dos processos de produção canavieira e, mais especificamente, o processo de colheita não têm ocorrido nos mesmos moldes das principais regiões produtoras. Tem-se a existência do “arcaico e moderno” caminhando juntos dentro dos canaviais alagoanos. Diante desta relação contraditória do “arcaico” e “moderno” o presente texto se propõe a investigar como esse “moderno” se desenvolve em uma determinada unidade produtiva do estado. Sendo assim coloca-se como problema o seguinte questionamento: Como se desenvolve a mecanização da colheita de cana-de-açúcar em uma unidade produtiva do estado de Alagoas? Para a realização da investigação optou-se pela abordagem qualitativa, tendo a coleta das informações mediante as práticas de observação, entrevista e análise documental. As discussões realizadas neste texto possibilitaram visualizar, mesmo em um contexto de produção marcado pela baixa incorporação tecnológica, a existência de uma “ilha” de modernidade nos canaviais do estado.

Palavras-chave: Mecanização Agrícola. Cana-de-açúcar. Alagoas. Colheita Mecanizada.

ISLAND OF MODERNITY IN THE ARCHAIC OCEAN

the mechanized harvest of sugar cane in a plant alagoan

Abstract

Alagoas emerges as one of the main sugarcane producers in the country. In its context, the mechanization of the sugarcane production processes and, more specifically, the harvesting process has not occurred in the same way as in the main producing regions. We have the joint existence of the "archaic" and the "modern" inside the sugarcane fields of Alagoas. Given this contradictory relation between the "archaic" and the "modern", the present text aims to investigate how this "modern" is developed in a specific productive unit of the state. Thus, the following question is: how does the mechanization of sugar cane harvesting develop in a productive unit of the state of Alagoas? For conducting the research it is opted for the qualitative approach, having the collection of information through the practices of observation, interview, and documental analysis. The discussions in this text made it possible to visualize, even in a production context marked by the low technological incorporation, the existence of an "island" of modernity in the sugarcane fields of the state.

Keywords: Agricultural Mechanization. Sugarcane. Alagoas. Mechanized Harvest.

1  INTRODUÇÃO

Uso de máquinas e, mais especificamente, a mecanização da colheita de cana-de-açúcar, que atingiu 91,60% no ano de 20183 tem, cada vez, mais mudado a realidade dos canaviais brasileiros. A incorporação de colheitadeiras nessa etapa da produção canavieira não tem se processado de forma simétrica entre as regiões produtoras, como revelam os dados da CONAB (2019). A região produtora do Centro-Sul do país tem puxado a elevação do percentual de mecanização da colheita no cenário nacional, chegando a atingir, no ano de 2018, 97% da cana-de-açúcar colhida. A região Norte-Nordeste, por sua vez, tem tido um baixo desempenho nesse processo de modernização. O maior percentual de mecanização que a região obteve foi de 25,40% no ano de 2018. A defasagem tecnológica entre as regiões não é recente, pois Loureiro (1970) já apontava sobre a assimetria existente entre estas regiões produtoras, destacando o modelo arcaico de produção praticado no Norte-Nordeste.

Carvalho (2021) aponta que as assimetrias produtivas entre as regiões se intensificaram diante dos caminhos que a produção de cana-de-açúcar obteve ao longo do século XX. O autor destaca que a produção canavieira nordestina - que se desenvolve por mais de quatro séculos– passou a não se modernizar na mesma proporção que as unidades do Centro-Sul e a depender cada vez mais do apoio estatal. A perda de competitividade e, consequentemente, a redução nos investimentos de aparelhos modernizantes acabaram por reduzir a competitividade da região, fazendo com que a perda de protagonismo no cenário da produção canavieira nacional se torne uma realidade cada vez mais presente. Contudo, mesmo com as adversidades ambientais e de defasagem tecnológica a região ainda possui dois (Alagoas e Pernambuco) dos oito estados com maior produção de cana-de-açúcar e seus derivados no país.

Alagoas concentra a produção de cana-de-açúcar em mais da metade de seus municípios. A lavoura canavieira é a principal cultura desenvolvida em terras alagoanas, pois ocupou, segundo dados do IBGE (2020), 63,54% de toda área agrícola do estado no ano de 2018. Ainda em 2018, segundo dados de Lima (2021a), a produção canavieira do estado de Alagoas representou aproximadamente 34% do total de cana-de-açúcar processada na região Norte-Nordeste e 2,6% da produção brasileira. 

No contexto alagoano, a mecanização dos processos de trabalho na lavoura canavieira e, mais especificamente, na fase da colheita não têm ocorrido nos mesmos moldes das principais regiões produtoras, como aponta o trabalho de Lima (2021b). Em sua análise, o autor, evidenciada a existência do “arcaico e moderno” caminhando juntos dentro do sistema de produção alagoano, tendo o “arcaico” certa prevalência sobre o “moderno”. Pode-se perceber essa prevalência dado os percentuais de mecanização da colheita, como também, os níveis de produtividade encontrados na região.

Para um estado que ocupou, até 2008, a vice-liderança nacional na produção de açúcar, como é o caso de Alagoas, a reduzida incorporação de tecnologias mecânicas acaba por comprometer a competitividade no mercado, tendo em vista a baixa produtividade dos canaviais - média de 55 toneladas por hectare no ano de 2018 - como apontam os dados da Conab (2019). Tal média se coloca bem inferior à nacional que, para o mesmo período, foi de 72 toneladas por hectare. O reduzido percentual de tecnologia incorporada na produção canavieira acaba por agravar ainda mais a situação da participação alagoana no cenário produtivo nacional, onde passou a ocupar a 5ª colocação na produção de açúcar no ano de 2018.

Diante desta relação contraditória do “arcaico” e “moderno” no cenário canavieiro alagoano o presente texto se propõe a investigar como esse “moderno” se desenvolve em uma determinada unidade produtiva do estado. O foco da investigação passa a ser o moderno derivado da mecanização da colheita de cana-de-açúcar. Sendo assim coloca-se como problema de investigação o seguinte questionamento: Como se desenvolve a mecanização da colheita de cana-de-açúcar em uma unidade produtiva do estado de Alagoas?

Na busca de oferecer respostas ao problema que norteia a investigação o texto foi estruturado da seguinte forma: a) breve discussão sobre a mecanização agrícola da colheita de cana-de-açúcar no cenário brasileiro e, particularmente, o contexto alagoano; b) apresentação dos procedimentos metodológicos que orientaram a execução da investigação; e, por fim, c) descrição sobre a mecanização da colheita de cana-de-açúcar encontrada no estudo de caso. Considerações finais encerram o texto ao apontar algumas particularidades visualizadas neste caso.

Por fim, espera-se que o texto possibilite conhecimentos sobre a realidade encontrada em uma usina que desenvolve a colheita mecanizada dentro de um cenário estadual onde a baixa incorporação de tecnologia mecânica é marcante.

 

2 MODERNIZAÇÃO DA AGRACICULTURA: A MECANIZAÇÃO DOS PROCESSOS DE TRABALHO LIGADOS A COLHEITA DE CANA-DE-AÇÚCAR

O agronegócio brasileiro vem passando por um processo de modernização do seu sistema de produção desde os anos 1960. No decorrer destas décadas inúmeras alterações foram se espraiando no universo rural brasileiro: as máquinas passaram a ocupar um maior protagonismo; o uso de adubos e fertilizantes foram intensificados; as sementes passaram a ser modificadas geneticamente tornando-as mais adaptadas ao ambiente; e o uso intensivo das tecnologias de informação e comunicação passaram a auxiliar nos controles produtivos. Tais incorporações modernizantes proporcionaram no Brasil, segundo Vieira Filho (2014), um novo posicionamento no cenário internacional da produção de alimentos. O país passou de importador líquido nos anos 1960 para autossuficiente ou mesmo exportador nos anos 1980[3].

Essa nova realidade colocou o Brasil como um dos principais produtores de alimentos no mercado mundial, como aponta os dados da FAO (2019). Além disso, o setor agropecuário brasileiro não restringiu sua importância, apenas, a participação no mercado internacional de alimentos, pois, no cenário interno, o setor, no ano de 2019, chegou a representar 21,4% do PIB nacional, segundo dados do CEPEA (2020).

O protagonismo que o setor agrícola passou a ter em território nacional derivou do aumento da sua produção ao longo do século XX. Aumentar a produção no campo pode ser conquistada, segundo Graziano da Silva (1981), a partir de dois caminhos: o primeiro é a ampliação do uso da terra em novas fronteiras agrícolas, ou seja, explorar novos terrenos que viabilizem um aumento quantitativo da produção. Essa vertente possui algumas implicações para sua operacionalização, pois existem limites físicos e biológicos das novas áreas, tendo em vista que nem todas novas áreas são passíveis da produção agrícola devido às suas características edafoclimáticas[4].

A segunda maneira de aumentar a produção deriva da intensificação do uso da terra. Para essa forma de atuação, busca-se um salto qualitativo no uso do solo. Desse modo, objetiva-se elevar não apenas a produção em termos quantitativos, mas também aumentar a taxa de produtividade da área agrícola e reduzir seus custos. A realização dessa maneira de elevação da produção decorre do chamado “progresso técnico ou tecnológico”.

   O uso intensivo da terra é um movimento que busca reproduzir, na área agrícola, os mesmos padrões de produção da indústria. O modo de produção capitalista, que historicamente nasceu com a indústria moderna, avança para a área agrícola, buscando gerar ganhos de produção e produtividade presentes na lógica industrial. Contudo essa lógica chega ao campo com ressalvas, pois diferentemente do ambiente industrial - onde as variáveis de produção são passíveis de maior controle - na natureza existem fatores que impõem limitações a esse tipo de exploração. No ambiente natural o ciclo produtivo é controlado pela própria natureza, fato que se coloca como uma barreira a racionalidade presente no modo de produção capitalista que visa produzir mais com menos tempo e recursos. 

Ao tentar romper com essas barreiras, o progresso técnico busca colocar a natureza a serviço do capital e, consequentemente, alterar seu ciclo temporal, visando um alinhamento à temporalidade demandada pela racionalidade da produção. A busca pelo encurtamento do ciclo natural, assim como pela elevação do padrão produtivo, é uma tentativa de impor o padrão de controle sobre os processos de produção, característico do modo de produção capitalista, e fortemente presentes na indústria. Diante desse fato, Graziano da Silva (1981) assinala que houve, a partir desse movimento, um mecanismo que busca “fabricar” as condições naturais de produção, ou seja, “industrializar a agricultura”.

Para “fabricar” as condições que promovam uma elevação da produção no ambiente agrícola o progresso técnico, segundo Graziano da Silva (1981, 1990), deve agir em quatro dimensões, são elas: físico-química, biológica, mecânica e agronômica. Cada uma dessas dimensões atua de uma maneira particular no campo, como por exemplo: os fertilizantes e pesticidas (físico-químico); e as modificações genéticas de sementes (biológica).

As tecnologias mecânicas, foco de analise neste texto, são aquelas responsáveis por alterar diretamente o tempo e realização dos processos de trabalho. Seus impactos não se dão sobre o tempo de produção, pois, nas especificidades da área agrícola, quem produz é a natureza e é ela que determina o tempo da produção. Os impactos da adoção das inovações de ordem mecânica são direcionados, principalmente, para o aumento da produtividade a partir da redução do tempo de execução das atividades agrícolas.

Incorporar tecnologias mecânicas, que substituem o trabalho manual pelo morto, no ambiente rural ocorre com a adoção de máquinas agrícolas, como: tratores, carregadeiras e colheitadeiras. Estas viabilizam e reduzem os tempos gastos nas etapas dos processos de trabalho. Os usos de tais tecnologias se dão nas diversas etapas do processo produtivo existente no universo agrícola, como o preparo do solo, plantio, trato e colheita.

A mecanização das atividades agrícolas foi um dos reflexos do processo de modernização que o universo rural brasileiro vem passando desde os anos 1960. A incorporação de máquinas no campo brasileiro com maior intensidade foi impulsionada pela concessão de créditos realizada, principalmente, pelo Estado. O resultado deste movimento de incorporação de tecnologias mecânica no universo rural brasileiro pode ser percebido ao verificar-se que no Brasil, conforme dados do IBGE (2019), existiam no ano de 2017 quase dois milhões de máquinas agrícolas no campo, atuando nas mais diversas lavouras existentes no território nacional.

Os canaviais brasileiros – que possuem sua existência secular em território brasileiro - não ficaram excluídos desse processo de incorporação tecnológica. As máquinas, de acordo com Vian e Gonçalves (2007), adentram ao universo canavieiro com mais intensidade no final dos anos 1950 e começo dos anos 1960 para substituir da tração animal pelos tratores nas fases de preparação do solo.

Em anos mais recentes, primeiras décadas dos anos 2000, um novo movimento de expansão foi vivenciado no setor, chegando a dobrar – 4,8 milhões de hectares no ano 2000 para mais de 10 milhões em 2018 - sua ocupação no território brasileiro (UNICA, 2020). De acordo com Barreto e Thomaz Júnior (2020) o avanço da mecanização dos processos de trabalho dos canaviais, principalmente a aqueles ligados ao plantio e colheita, marca essa nova fase do setor. Os mesmos autores destacam que a tecnificação da produção canavieira decorre da transformação estrutural contida na lógica do capital que visa ampliar seu processo de acumulação ao intensificar a produtividade.

 A mecanização da colheita de cana-de-açúcar, como apontam Nyko et. al. (2013), teve suas primeiras experiências realizadas no Brasil em 1956 a partir de máquinas importadas da Austrália. Porém, desde as primeiras experiências até os anos 2000, o sistema de colheita mecanizada não se disseminou. Contudo, fatores como questões trabalhistas, capacidade de investimento, estratégia de associar a imagem do setor a padrões de produção sustentáveis e o avanço tecnológico impuseram uma nova realidade para o setor canavieiro, que reagiu com a intensificação da mecanização da colheita a partir dos anos 2007 (BACCARIN, 2019).

Importante destacar que em 2007, diante das pressões do mercado internacional de biocombustíveis, representantes das usinas paulistas e do governo paulista assinaram o Protocolo Agroambiental do Setor Sucroalcooleiro que previa para o ano 2021 a eliminação das queimadas nos canaviais paulistas.  Neste período, os demais estados do Centro-Sul, à semelhança de São Paulo, desenvolveram protocolos ambientais e seguiram a tendência de mecanizar essa etapa da produção agrícola. Assim sendo, neste novo cenário, o trabalho “vivo” passou a ser substituído com mais intensidade pelas máquinas colheitadeiras.

No Brasil ocorreu um aumento no uso de colheitadeiras nos canaviais, como pode ser visto na Tabela 1. Em 11 anos, a quantidade de colheitadeiras teve um crescimento de 302%, saindo de 1.905 em 2008 para 5.765 colheitadeiras em 2018. Ao comparar as regiões produtoras, Centro-Sul e Norte-Nordeste, nota-se uma enorme diferença, pois apenas 3% das colheitadeiras existentes nos canaviais brasileiros estavam localizadas na região Norte-Nordeste no ano de 2018. Para o mesmo ano São Paulo, sozinho, possuía 57% ou 3.280 de todas as colheitadeiras existentes nos canaviais brasileiros. Além de São Paulo, os estados de Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul foram os que acabaram concentrando a maior quantidade de colheitadeiras no ano de 2018 com, respectivamente, 614, 579 e 447.

 

Tabela 1 Número absoluto de colheitadeiras dentre os principais produtores no período de 2008 a 2018

ESTADO

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

2018

AL

23

24

34

51

57

58

65

67

62

62

62

GO

67

171

306

383

493

551

564

603

688

642

614

MG

73

185

236

374

487

492

580

577

599

639

579

MS

29

83

193

304

383

450

462

564

559

448

447

MT

63

62

83

103

121

113

127

158

168

168

191

PE

1

2

3

2

3

3

3

6

11

13

9

PR

43

70

136

210

234

290

320

406

393

430

408

SP

888

1264

1900

2462

2769

2847

3144

3235

3505

3624

3.280

CENTRO-SUL

1859

2880

3863

4517

4785

5249

5600

5968

5994

5693

5.571

NORTE-NORDESTE

46

67

114

149

166

174

185

201

201

198

194

BRASIL

1.905

2.947

3.977

4.666

4.951

5.423

5.785

6.169

6.195

5.891

5.765

Fonte: elaborado a partir de dados da CONAB (2019)

 

A evolução no número absoluto de colheitadeiras nos canaviais brasileiros refletiu diretamente no percentual da colheita mecanizada, pois, no ano de 2008, 37,10% da cana-de-açúcar colhida foi feita a partir das máquinas. Onze safras depois, em 2018, esse percentual subiu para 91,60%. Nota-se que o Centro-Sul do país é a região que possui maior percentual de cana-de-açúcar colhida a partir das máquinas agrícolas. A região teve, no ano de 2018, 97% de mecanização. Já a região Norte-Nordeste, por sua vez, tem tido um baixo desempenho nesse processo de modernização, pois em 2018 seu percentual foi de 25,40%, percentual bem inferior ao encontrado na média nacional.

Quando realizada uma análise individualizada da mecanização, a partir dos principais estados produtores (ver Tabela 2), as diferenças regionais podem ser visualizadas com maior detalhamento. De acordo com os dados da Conab (2019) foi possível observar que os estados de Minas Gerais e Mato Grosso do Sul apresentaram, na safra 2017/2018, quase 100% da sua colheita mecanizada. O estado do Paraná apresentou o maior crescimento da colheita mecanizada no período em análise, já que, em 2008, a colheita era realizada com máquinas em apenas 18,40% da área plantada e, em 2018, esse percentual cresceu para 79,40%.

 

 

Tabela 2 Percentual de mecanização da colheita entre os principais produtores no período de 2008 a 2018

ESTADO

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

2018

AL

8,20

6,30

14,00

15,10

17,60

15,70

17,80

22,40

18,10

19,90

19,60

GO

48,80

64,70

75,80

79,60

83,50

88,00

84,40

91,80

95,90

95,80

96,00

MG

37,50

47,50

61,50

73,20

80,30

80,00

84,80

98,00

97,00

99,50

99,80

MS

34,30

63,30

80,60

89,90

87,20

99,90

90,80

95,80

99,80

99,10

99,90

MT

46,30

57,30

64,30

75,10

77,90

80,00

87,30

97,70

92,50

91,70

92,70

PE

0,20

0,30

1,40

1,60

1,70

1,10

0,70

4,00

1,90

3,70

4,30

PR

18,40

26,90

42,00

48,30

59,10

65,30

72,80

74,70

86,60

86,10

79,40

SP

47,60

58,60

62,70

72,20

77,70

81,30

85,10

94,50

94,50

95,90

93,30

Fonte: elaborada a partir de Conab (2019)

 

Outro fato interessante da mecanização da colheita é que, dos oito maiores produtores nacionais, cinco (Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e São Paulo) possuíam, na safra 2018, mais de 90% da área plantada colhida de forma mecanizada. E Pernambuco, mesmo sendo um dos principais produtores nacionais, apresentou os menores percentuais de mecanização da colheita com apenas 4,3% da sua cana-de-açúcar colhida com máquinas no ano de 2018.

Os dados apresentados anteriormente evidenciam as discrepâncias existentes na incorporação do “moderno” nos sistemas de produção adotados pelas regiões canavieiras, Centro-Sul e Norte-Nordeste, e reforça o que Loureiro (1970, p.31) já apontava em anos anteriores: “Comparado com o elevado rendimento de certas regiões açucareiras, a impressão que dá é que ainda nós [Alagoas] achamos no limiar da nossa idade, praticando, em síntese, uma agricultura mitológica em plena era da eficiência”.

A “agriculta mitológica” que Loureiro faz referência em décadas anteriores, ou seja, aquela que apresenta uma baixa incorporação de tecnologia ainda persiste no cenário produtivo alagoano em tempos atuais, principalmente, quando a referência à modernidade é realizada a partir da incorporação de máquinas agrícolas nos processos de trabalho dos canaviais. Os dados de Lima (2021b) revelam que Alagoas apresentou um baixo percentual de mecanização do seu processo de colheita entre os anos de 2008 a 2018. Neste período foi observado crescimento, porém em percentuais inferiores ao encontrado nos principais centros produtores. O percentual encontrado em território alagoano foi similar aos percentuais da região Norte-Nordeste.

 

 

 

 

Gráfico 1 Percentual de mecanização da Colheita de Cana-de-Açúcar versus área colhida em Alagoas entre 2008 e 2018

Fonte: Lima (2021b)

 

O Gráfico 1 mostra a dinâmica da mecanização da colheita em Alagoas ao longo do período 2008 a 2018. Houve um crescimento do percentual de colheita mecanizada sem alterações na área colhida até o ano de 2013, em que, paralelamente, aumentava a quantidade de colheitadeiras no estado, ver Gráfico 2. Isso demonstra que a mecanização estava em um processo ascendente no estado. Nos anos de 2014 e 2015, ocorreu uma retração na área colhida e o percentual de colheita mecanizada elevou-se, sendo este o momento em que se tem o maior percentual de mecanização no período, 22,40% em 2015. Após 2015 o percentual se mantém praticamente estável em 19%, sendo que houve em 2018 uma nova redução da área plantada.

Alagoas apresentou um crescimento de aproximadamente 270% - 23 colheitadeiras em 2008 para 62 em 2018 - no número de colheitadeiras em seus canaviais entre os anos de 2008 a 2018. O ano de 2011 foi o momento em que houve uma maior incorporação de colheitadeiras nos canaviais de Alagoas, com a inserção de 17 novas máquinas, fato observado no Gráfico 2. No ano de 2015, chegaram a operar nos canaviais alagoanos 67 colheitadeiras, período com a maior quantidade registrada. Nos anos subsequentes ocorreram pequenas reduções neste quantitativo e se instituiu uma estabilidade no número de colheitadeiras operando nas safras alagoanas.

Além de possuir representatividade no cenário produtivo da cana-de-açúcar nacional e, principalmente, regional, o estado alagoano chegou, no ano de 2008, a possuir 50% das colheitadeiras da região Norte-Nordeste. A representatividade foi sendo reduzida ao longo dos anos e apresentou uma média de 35% no período que compreendeu os anos de 2008 a 2018, ver Gráfico 2.

Gráfico 2 Utilização de máquinas colheitadeiras em Alagoas e Norte-Nordeste – 2008 a 2018

Fonte: Lima (2021b)

 

Lima (2021b, p.243) ao investigar os fatores do processo de mecanização da colheita no cenário alagoano destaca que mesmo com limitações apresentada por sua configuração espacial - terreno acidentado que inviabiliza a mecanização - o território alagoano ainda possui uma área não explorada por essas tecnologias. O mesmo autor finaliza sua análise recomendando: “Pensar a incorporação da mecanização da colheita, bem como de outras tecnologias, é, portanto, fundamental ao setor canavieiro alagoano, pois a não incorporação tecnológica pode se constituir um problema que poderá comprometer a perenidade do setor nos próximos anos.”

Importante destacar que na realidade da produção canavieira alagoana as formas de produção são marcadas por métodos “arcaicos” de produção como destaca Carvalho (2021) e os próprios números da mecanização indicam a baixa incorporação desta tecnologia nos canaviais de Alagoas.

Diante disto busca-se, neste texto, conhecer com mais profundidade como se desenvolve a mecanização da colheita em uma usina consideradas “moderna” para os padrões estaduais. Antes de entrar na discussão sobre esta unidade especifica são apresentados os procedimentos metodológicos que orientaram a realização da etapa empírica da investigação.

 

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICO

Para enfrentar o problema de pesquisa aqui proposto optou-se pela abordagem qualitativa de investigação a partir de uma descrição focada em um caso especifico. Desta forma Alagoas, principal produtor da região Norte-Nordeste, foi o local escolhido para realização da pesquisa.

A produção de cana-de-açúcar no estado alagoano se estende ao longo de uma faixa territorial que vai da Zona da Mata até o Litoral. Dentro desta faixa de produção canavieira foi selecionada uma unidade produtiva para desenvolver um estudo de caso. A unidade produtiva, neste texto foi denominada de USINA, fica localizada dentro da microrregião de São Miguel dos Campos. A escolha da região se deve ao fato de que nela estão localizados os “tabuleiros costeiros”, região plana que favorece a mecanização dos processos agrícolas. Já a seleção da unidade produtiva ocorreu por acessibilidade, como também, pelo fato de ser apontada como uma das mais avançadas em termos de incorporação tecnológica no estado.

As informações para a perspectiva qualitativa foram construídas mediante as práticas de observação, entrevista e análise documental. As observações, feitas a partir de incursões nos canaviais e sede administrativa da empresa, foram realizadas com o objetivo de: apreender aparências, eventos e comportamentos dos interlocutores ouvidos nas entrevistas; e fazer o reconhecimento dos locais investigados.

Já as entrevistas, por sua vez, foram realizadas com funcionários que possuíam diversos cargos de chefia na área agrícola e da área de Recursos Humanos. Os sujeitos que compuseram esse grupo de entrevistados foram aqui denominados de representantes da USINA. Ao todo compuseram esse grupo 7 sujeitos. Além das informações oriundas das observações e entrevistas houve o acesso a documentos disponibilizados pela organização, como: relatórios da colheita mecanizada e planilhas de custo do processo de colheita. O período de realização desta imersão se estendeu entre os meses de março a junho de 2019.

De posse das informações levantadas, na etapa de campo da pesquisa, foi realizada a exploração do material. Tal momento consistiu de duas ações: organização e análise. A primeira consistiu na organização das entrevistas por meio da escuta e transcrição. Já para as incursões a campo foram elaborados diários de campo. As análises foram conduzidas mediante o confronto e complementariedade entre os achados da fase de campo com a bibliografia de referência selecionada. Tal ação visou condensar as informações coletadas de maneira a proporcionar inteligibilidade sobre a mecanização da colheita existente no estudo de caso. A seguir os resultados da parte empírica são apresentados e discutidos.

 

 

 

 

4 A USINA: UMA DE “ILHA DE MODERNIDADE” EM UM OCEANO ARCAICO

Na seção 2 houve uma breve descrição de como se estabeleceu a colheita mecanizada dentro do cenário produtivo nacional e, mais especificamente, o alagoano. Na oportunidade evidenciam-se as diferenças nos percentuais de mecanização da colheita existente entre Alagoas e os demais estados produtores. Contudo dentro desse mar de “arcaísmo” ou dessa “agricultura mitológica”, visualizada no contexto alagoano, cabe discutir um caso específico de uma unidade produtiva que foge à regra encontrada no estado. O objetivo desta análise é compreender como se dá a prática de uma agricultura “moderna” dentro de um contexto massivamente arcaico de produção, como o encontrado em Alagoas.

Para uma melhor compreensão do caso estudado opta-se por trabalhar com algumas categorias, são elas: caracterização da usina; histórico da mecanização da colheita; operacionalização e produtividade do sistema mecanizado; impacto na força de trabalho; e custos de produção.

 

4.1 Caracterizando a USINA

A USINA pertence a um Grupo Empresarial que iniciou suas atividades em território alagoano na década de 1950. O Grupo tem um leque de atividades econômicas diversificado: produção canavieira e seus derivados; pecuária; táxi aéreo; produção têxtil e radiodifusão.

Dentro do ramo da produção canavieira e seus derivados, o Grupo possui unidades em Alagoas e na Região Sudeste do Brasil, que, juntas, totalizam três unidades produtivas.  A expansão em direção às novas fronteiras produtivas para a cana-de-açúcar e a atuação em novos ramos de negócios passaram a ser feitas com mais intensidade a partir dos anos de 1990. Tal movimento não foi um fato isolado desse Grupo Empresarial, dado que, conforme apontado por Carvalho (2009), vários grupos empresariais ligados à cana-de-açúcar em Alagoas começaram a realizar, a partir da desregulamentação que o setor sofreu, investimentos em novas fontes de capital.

A USINA selecionada é a mais antiga do Grupo, tendo iniciado suas atividades nos anos 1960. Ela está localizada na microrregião de São Miguel dos Campos. Nos últimos anos, entre 2008 e 2018, a unidade produtiva apresentou a média de, aproximadamente 1,7 milhão de toneladas de cana-de-açúcar processada por safra, fato que a coloca como uma das maiores produtoras de Alagoas, sendo que mais de 90% de toda a cana-de-açúcar processada teve como destino a produção de açúcar.

A USINA em questão, como destacado por um dos entrevistados, tem utilizado dois mecanismos para aumentar e melhorar a sua produção, pois adquiriu terras em anos recentes e, em paralelo, intensificou o uso de agentes modernizantes, mais especificamente, de máquinas na sua produção agrícola. Na safra 2018/2019 foram computados o uso direto de 309 máquinas, próprias e/ou de terceiros, na produção agrícola.

O uso de máquinas no campo tem restrições quando se considera a questão da topografia. Regiões nas quais o relevo do solo apresenta-se de forma acidentada dificultam a inserção desses tipos de componentes. A USINA em questão possui aproximadamente 80% de suas terras propícias à mecanização. O percentual observado é alto quando se analisa o território produtivo alagoano, que possui algo próximo de 50% do seu terreno, ocupado pela lavoura canavieira, favorável à mecanização (NASCIMENTO, 2009 apud SANTOS, 2017).

Um fato presente nos relatos dos gestores quanto à mecanização das atividades diz respeito à estratégia que a USINA vem adotando, ao longo dos anos, com relação ao abandono do cultivo de cana-de-açúcar em áreas de encosta, pois tais regiões inviabilizam a mecanização. Os custos de produção têm se elevado no decorrer dos anos e tais áreas apresentam, cada vez menos, viabilidade para a produção. Além disso, reduzir a dependência do fator humano no processo produtivo é outro importante item apontado pelos entrevistados. A combinação de tais fatores acaba por criar um cenário que demanda um uso intensivo de máquinas no campo, principalmente, as ligadas a fase da colheita, etapa ainda detentora da maior parcela de trabalho manual nos canaviais.

 

4.2 Histórico da mecanização da colheita na USINA

A última etapa do processo de produção agrícola existente na lavoura canavieira é a colheita. A quantidade de cana-de-açúcar a ser colhida, diariamente, é definida pela capacidade de moagem que a parte industrial possui. Na safra 2018/2019, essa capacidade foi de 12 mil toneladas/dia.

Responsável por fazer a ligação do campo com a área industrial ao entregar a matéria-prima a ser utilizada no processo de manufatura, a fase da colheita é composta por três atividades: Corte, Carregamento e Transporte (CCT). O corte (C) consiste na retirada da cana-de-açúcar da plantação e é realizado na USINA de duas formas: manual e mecanizada. O corte manual é realizado com a cana-de-açúcar queimada e o corte mecanizado com a cana-de-açúcar crua. A atividade que visa coletar a cana-de-açúcar cortada e levá-la até o caminhão de transporte é denominada de carregamento (C). Essa atividade é 100% mecanizada na USINA e mobiliza dois tipos de equipamentos: (1) máquinas carregadeiras, quando o corte é realizado de forma manual e (2) caminhões ou tratores de transbordo, quando o corte é mecanizado. Já a última atividade, o transporte (T), consiste em transportar, por meio de caminhões, a cana-de-açúcar cortada para ser manufaturada na área industrial.

Percebe-se que a etapa da colheita congrega um mix de incorporações tecnológicas, pois, mesmo na atividade de corte manual, denominado de “colheita convencional”[5], já se tem o uso de máquinas para realizar o carregamento e o transporte da cana-de-açúcar, fato nem sempre possível considerando o relevo bastante acidentado em diversos pontos do território alagoano. Cabe ressaltar que as características de relevo das terras da USINA – com 80% de terras propicias a mecanização – permitem a incorporação de tecnologias mecânicas nessa etapa da produção agrícola.  

Atualmente, nesta unidade produtiva, encontram-se a combinação das duas formas de corte, manual e mecanizado. Durante o período da safra existe um balanceamento na composição entre a quantidade de cana-de-açúcar que irá ser colhida de forma manual, como também, mecanizada.

O corte mecanizado foi iniciado nos anos 2000 e só em 2014 passou a ter maior participação no mix de corte utilizado na USINA. Embora, na década de 1970, já tenha existido uma tentativa de incorporar a tecnologia nesta fase da produção agrícola. Naquele momento, no entanto, as colheitadeiras - importadas da Austrália - não se adaptaram à realidade dos canaviais alagoanos e seu uso foi suspenso. A retomada do uso de máquinas para realizar o corte da cana-de-açúcar ocorreu anos depois, devido ao desenvolvimento de novas tecnologias que possibilitaram rentabilizar esse tipo de corte.

Entre 2003[6] e 2018, cresceu o uso do corte mecanizado na USINA. Observa-se, no Gráfico 3, que existem oscilações, na linha do tempo, para cada um dos sistemas de corte utilizado – manual e mecanizado. O ano de 2014 marca a superação, em termos percentuais, do corte mecanizado em relação ao corte manual. Na série histórica que se estende de 2003 a 2018, o ano em que houve a maior utilização da colheita mecanizada foi 2015, quando 79,35% de toda a colheita foi realizada a partir das máquinas.

Nos anos que se seguiram, o percentual de utilização dessa modalidade de colheita caiu, mantendo uma média de 65%, valor superior ao encontrado em território alagoano que de acordo com os dados da Conab (2019) em 2018 foi de 19,60%. A redução do uso da colheita mecanizada depois de 2015 não foi consequência da diminuição de maquinários na fase da colheita, mas da ampliação territorial da USINA, que adquiriu novas terras – cerca de nove mil hectares – ainda em 2015.

 

Gráfico 3 Composição de ações manuais ou mecanizadas no sistema de corte da USINA no período entre 2003 e 2018

Fonte: elaborado a partir de dados fornecidos pela USINA

 

O crescimento no percentual de mecanização do corte, na USINA, sofreu influência de duas variáveis: área plantada e quantidade de colheitadeiras utilizadas nas safras. Os relatos dos entrevistados indicam que o processo de mecanização deu-se a partir de uma dinâmica bem mais lenta do que a observada na unidade produtiva do Sudeste. O Gráfico 4 corrobora tal afirmação, pois demonstra que apenas em anos recentes, a partir de 2010, o processo de incorporação de máquinas colheitadeiras foi realizado com mais intensidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Gráfico 4 Número de colheitadeiras e percentual de corte mecanizado na USINA para o período de 2003 a 2018

Fonte: elaborado a partir de dados fornecidos pela USINA

 

O histórico de uso das máquinas para o corte, na USINA, tem início no ano de 2000, com três máquinas. Esse número só foi alterado em 2008, quando foram adquiridas novas colheitadeiras e o quantitativo de máquinas subiu para cinco. Nota-se, a partir do Gráfico 4, que, mesmo com o aumento no número de colheitadeiras – entre 2008, 2009 e 2010 –, não houve grandes avanços no percentual de mecanização do corte. Isso porque havia inúmeros problemas de adaptação às colheitadeiras tanto por parte dos trabalhadores destacados para manejá-las, quanto da própria estrutura existente no canavial.

Com o passar do tempo, e das safras, houve um processo de aprendizagem e um melhor aproveitamento do potencial das máquinas começou a ser desenvolvido. A aprendizagem significou melhorias no sistema de carregamento, pois, anteriormente, era utilizada uma plataforma – chamada “rampa” –, para a realização do transbordo. A substituição da “rampa” por tratores ou caminhões para fazer o transbordo possibilitou elevação da produtividade com a utilização das colheitadeiras, que tiveram seu tempo de uso ampliado, dando maior agilidade e mobilidade ao sistema de colheita, agora já 100% mecanizado. O resultado dessas inovações incrementais foi uma maior produtividade das colheitadeiras e, no ano de 2011, o percentual de mecanização chegou próximo de 50% com a utilização de cinco colheitadeiras.

Em 2012, ocorreu um recuo no percentual do corte mecanizado, que representou apenas 29,01% do total da colheita. O motivo desse recuo foi o envio, no decorrer da safra, de três máquinas colheitadeiras para a unidade produtiva situada na Região Sudeste, fato que colocou a necessidade de que a composição do mix do corte tivesse que ser suprida com corte manual. Na safra seguinte (2013/2014), isso não aconteceu, pois a USINA aumentou seu número de colheitadeiras para 10. No período, que compreendeu os anos de 2013 a 2015, o corte mecanizado teve seu uso ampliado, chegando perto dos 80% de todo o corte realizado.

Após 2015, com a ampliação de terras cultiváveis de 15 mil para 26 mil hectares, novas máquinas foram incorporadas e o número de 20 colheitadeiras foi atingido. As novas colheitadeiras e a ampliação do canavial derivaram do arrendamento de maquinários e terras obtidos de outra unidade produtiva, localizada na mesma região e que encerrou suas atividades a partir da crise que se estabeleceu no setor durante os anos 2010. 

De acordo com dados da Conab (2019) Alagoas possuía no ano de 2018 um total de 62 colheitadeiras. As 20 máquinas utilizadas na safra deste mesmo ano representou 1/3 de todas as colheitadeiras existentes no estado. Isso demonstra que a USINA era uma das que possuíam maior mecanização do corte na lavoura canavieira em Alagoas. Fato reforçado pelos discursos dos entrevistados, onde destaca-se a singularidade encontrada nesta unidade produtiva, dado o contexto de produção “arcaico” característico da região. Na safra 2018/2019, o percentual de corte mecanizado cai e a justificativa apresentada pelos entrevistados foi a necessidade de “pegar” cana-de-açúcar em terras de outra unidade produtiva do Grupo, localizada em Alagoas, cujas condições de terreno não permitiam que o corte se desse de forma mecanizada.

 

4.3 Operacionalização e produtividade da colheita mecanizada

A mecanização do corte tem crescido e assumido um protagonismo no seu sistema de colheita, uma vez que representa o maior percentual no total da atividade de corte de cana-de-açúcar. Para atingir essa marca, foram feitas modificações nos canaviais, aquisição de máquinas e recrutamento e/ou treinamento de pessoal (operadores) para maneja-las.

A alteração na lavoura dá-se devido à necessidade de condicionar as linhas nas quais são plantadas as mudas de cana-de-açúcar às dimensões exigidas para o corte mecanizado, dado que colheitadeiras, caminhões e tratores passam a circular no canavial. Tal modificação foi feita para evitar o chamado “pisoteio”, que consiste em passar o pneu da máquina sobre a cana-de-açúcar, gerando perdas de produção. O investimento no sistema de colheita mecanizado é alto, pois o valor de uma colheitadeira variava, na época, entre 800 mil a um milhão de reais. Além disso, na atividade de carregamento, há a necessidade do trator, que custa cerca de 300 mil reais, e do caminhão, que custa cerca de 250 mil reais. Existe, ainda, o custo de manutenção para as colheitadeiras que, na safra 2018/2019, foi de R$ 4.655.300,00 segundo os relatórios disponibilizados pela USINA.

Com relação aos operadores de colheitadeira, a USINA contou com 72 operadores na safra 2018/2019. Esse conjunto de trabalhadores, em sua maioria, oriundos do recrutamento interno: eram funcionários de carreira e desenvolviam atividades de trabalhador rural.

Para acessar o cargo de operador, exige-se Ensino Médio completo e carteira de motorista. Além disso, alguns treinamentos – teóricos e práticos – são realizados visando verificar a aptidão desses trabalhadores para operar as máquinas. Mais recentemente, foram recrutados alguns operadores junto ao Programa de Jovem Aprendiz, dentre estes a primeira mulher a operar uma colheitadeira no estado de Alagoas.

A colheita mecanizada foi estruturada, na safra 2018/2019, em quatro equipes de trabalho, ou “frentes”, distribuídas nos canaviais mais planos. Cada uma dessas “frentes” tem a seguinte estrutura mínima: cinco colheitadeiras, 12 caminhões ou tratores para carregamento, um carro oficina, um caminhão pipa, de 6 a 10 caminhões para o transporte e uma moto para o fiscal de “frente” realizar os controles de produção. No planejamento para a distribuição das equipes de trabalho leva-se em consideração o solo, as condições climáticas do dia e a distância do canavial para a indústria. Assim, caso determinada região não apresente condições adequadas para a colheita mecanizada, elege-se outra área para onde será destinada uma das “frentes”.

ENTREVISTADO 6: A gente divide nossas frentes em campos diferentes, pois a gente fica flexível tanto na distância, quanto na variação climática. Às vezes, chove em uma fazenda, mas em outra tem um solo mais arenoso, tem uma área de renovação que você pode pisotear, que já vai ser gradeado mesmo...

A lógica de aumento da produtividade a partir da redução dos tempos de trabalho é uma das principais particularidades existentes na adoção da mecanização do corte. Diferentemente do que ocorre com o corte manual[7], onde há uma lacuna temporal entre a atividade do corte e o carregamento, o corte mecanizado é feito em sincronia com a atividade de carregamento. Existe uma espécie de simbiose entre as máquinas, pois, ao mesmo tempo em que a colheitadeira colhe a cana-de-açúcar, a mesma máquina lança-a no caminhão ou trator destinados ao carregamento.

Para manter a alta produtividade do sistema de colheita mecanizada, a sincronia entre colheitadeira e o transbordo é realizada a partir da introdução de uma quantidade de máquinas que reduzam o tempo de “parada” da colheitadeira e, consequentemente, acelerem a etapa do carregamento. Além do fator ligado ao quantitativo de máquinas, Narimoto, Carimotto e Alves (2019), ao analisarem o processo de corte e carregamento, destacam a importância da existência de uma relação cooperativa entre os operadores da colheitadeira e do transbordo para que a operação possa processar-se da melhor forma possível, inclusive reduzindo as limitações técnicas das máquinas frente às adversidades encontradas nos canaviais.  Soma-se a isso, ainda, o uso de um caminhão oficina que realiza eventuais reparos nas máquinas no próprio canavial, evitando que uma máquina com problemas/defeitos tenha que ser levada até à oficina, localizada na própria USINA.

Após o preenchimento da capacidade máxima do caminhão ou trator responsável por realizar o carregamento, ele desloca-se até o caminhão responsável pelo transporte, realizando a operação de transbordo, que consiste em repassar a quantidade de cana-de-açúcar colhida para o caminhão que irá transportá-la até a área industrial.

Na incursão a campo, ao acompanhar a operacionalização do sistema de colheita mecanizado, foi percebido que o ritmo de corte era contínuo e intenso. À medida que a máquina de carregamento tinha sua capacidade preenchida, ela era imediatamente substituída por outra. Destaca-se que existe uma cobrança, por parte dos fiscais, para que essa troca seja realizada da forma mais rápida possível, visto que, em caso de demora, a colheitadeira deixa de operar e a produção global do dia fica comprometida. 

Os caminhões de transporte, após a realização do transbordo, fecham o ciclo do sistema de colheita mecanizada. A distribuição desses caminhões também segue a lógica das máquinas de transbordo, ou seja, existe esforço para que haja um sincronismo entre o campo e a indústria. A alocação do quantitativo de caminhões varia de acordo com a distância entre o canavial e a indústria. Para canaviais mais próximos da área industrial – até 5km de distância – são alocados seis caminhões e, para distâncias maiores – de 15km a 20km –, são alocados de 8 a 10 caminhões. Em uma fala de um dos entrevistados, a ideia de engrenagem do sistema de colheita mecanizada fica explícita.

ENTREVISTADO 7: Para cada frente, dependendo da distância, é escalado 6, 8 ou 10 [caminhões]. Depende da distância, essa quantidade. Quanto mais distante, tem que colocar mais carros, pois, caso contrário, a cana fica parada lá. A mesma velocidade que eu estou colhendo aqui, pertinho, eu colho lá! Aqui, pertinho, eu coloco 6 caminhões, num raio de 5km. De 15km a 20km eu coloco, no mínimo, 8 [caminhões]. Por quê? Porque ele vai rodar mais em estrada e vai chegar lá, vai percorrer mais tempo e o transbordo está lá [no campo], carregado com cana. O mesmo tempo que eu carrego aqui eu carrego lá. Eu preciso de mais carro para ele chegar com cana aqui, se não ela [colhedora] para!

O sistema de colheita mecanizada opera, durante o período da safra, 24h por dia, estando dividido em três turnos de 8h cada[8]. Diferente do sistema convencional – o corte manual –, onde o corte só acontece durante o dia, para aproveitamento da luminosidade, a atividade das máquinas colheitadeiras é realizada dia e noite. Isso não quer dizer, no entanto, que a máquina fique as 24h do dia, efetivamente, no corte. Na safra 2018/2019, as colheitadeiras operaram/cortaram efetivamente 14,4h/dia. As demais horas foram destinadas à (...) manutenção, manobra, deslocamento, troca de faquinha, almoço (...), de acordo com o ENTREVISTADO 7.

Ao analisar a produtividade que as colheitadeiras alcançavam nos canaviais da USINA nota-se que seu rendimento foi baixo, quando comparado à produtividade de outras usinas no Brasil. O Relatório[9] de Acompanhamento destaca que, na safra 2018/2019, a produção efetiva por colheitadeira, em um dia, foi em média de 336,5 toneladas de cana-de-açúcar colhidas. Essa cifra, quando comparada à produtividade do ano anterior, permite que se note uma melhora, uma vez que, na safra 2017/2018, a produção efetiva por colheitadeira, em um dia, foi de 310,4 toneladas. Mesmo com o aumento na quantidade de corte diário na safra 2018/2019, o valor encontra-se abaixo da média do quadro comparativo contido no Relatório, que foi de 477,3 toneladas de cana-de-açúcar colhidas por dia. Ao realizar uma comparação com a usina que apresentou melhor desempenho (759,2 toneladas de cana-de-açúcar colhida por dia), dentre as referência do Relatório, o abismo entre a produção observada na USINA e um desempenho considerado excelente se torna mais evidente.

A baixa produtividade das colheitadeiras encontradas pode ter relação com a sua vida útil produtiva. O trabalho de Bachi et. al. (2012) destaca que as máquinas, mesmo passando por um processo de manutenção preventiva, acabam por ir perdendo sua eficiência ao longo dos anos, principalmente, a partir da quinta safra. No caso aqui analisado, nota-se que das 20 colheitadeiras, pelo menos, cinco têm tem mais de 10 safras de uso e as 10 incorporadas no ano de 2016 vieram de outra usina da região e já eram utilizadas. Os dados do relatório apontam para 8,9 anos a idade média das colheitadeiras utilizadas pela USINA na safra de 2018/2019. Já no quadro comparativo apresentado no relatório com outras usinas a média nacional de anos, para o mesmo período, foi de 3,8 anos. Desta forma evidencia-se que a baixa produtividade encontrada reflete na perda de potência que a máquina apresenta ao longo da sua vida útil.

 

4.4 Produtividade das colheitadeiras e o impacto na força de trabalho

Mecanizar processos de trabalho gera alterações no mercado de trabalho, pois a incorporação das colheitadeiras e toda a cadeia de maquinários demandada para operacionalizar a mecanização da colheita criam novos postos de trabalho, assim como, eliminam outros. Alves (2009) apresenta um cálculo de que para cada 4 máquinas colheitadeiras tem-se a necessidade de 66 empregos diretos e, finaliza, afirmando que mesmo com a criação destes postos, ainda há um percentual de trabalhadores que não são absorvidos, pois em média uma colheitadeira representa a produtividade de 100[10] trabalhadores para a colher cana-de-açúcar.

Os dados apresentados por Lima, Gonçalves e Coelho (2021) destacam que no caso da incorporação de máquinas agrícolas nos canaviais brasileiros existiu, entre os anos de 2008 a 2018, uma redução de aproximadamente 67% da força de trabalho que desenvolvia atividades manuais e um crescimento de 51% para o grupo de trabalhadores que operam máquinas. Como saldo final houve uma redução de aproximadamente 410 mil empregos nos canaviais brasileiros.

O desempenho apresentado pelas colheitadeiras, na USINA, encontra-se abaixo do que foi alcançado em outras unidades produtivas. No entanto, quando a comparação é feita em relação à produção manual, os ganhos de produtividade são enormes. Para o corte manual, a USINA estabelece como ideal a média de uma tonelada por hora para cada trabalhador[11], de modo que aquele que atinge essa média é considerado um “bom cortador”. Na safra 2018/2019, cada colheitadeira colheu, em média, 23,3 toneladas de cana-de-açúcar por hora de trabalho, ou seja, o trabalho realizado pela máquina, em uma hora, equivale, em média, ao trabalho de 24 “bons cortadores”.

A diferença é ainda maior quando se faz a análise de forma ampliada, a partir da jornada de trabalho, dado que o sistema de colheita mecanizado atua em três turnos de trabalho, enquanto o trabalho manual só é realizado em um único turno. Ao pegar a média da produção diária de uma colheitadeira para a safra 2018/2019 – 336,5 toneladas/dia – e dividi-la por oito toneladas – valor ideal para a produção diária individual do cortador – chega-se ao valor aproximado de 42 trabalhadores. Esse número indica que, na safra 2018/2019, a máquina desenvolveu uma produtividade de corte equivalente ao trabalho de 42 cortadores de cana-de-açúcar. Ao multiplicar os 42 postos de trabalho substituídos por 20 (a quantidade de máquinas colheitadeiras que operaram nessa safra), tem-se 840 postos que deixaram de ser ocupados por trabalhadores rurais na safra 2018/2019.

Aumentar a produtividade e reduzir os custos com a força de trabalho são variáveis ponderadas no processo de decisão de substituição do trabalho manual por máquinas. Ao adotar a mecanização, não há apenas a extinção de postos, mas algumas novas ocupações são demandadas, como no caso do sistema de colheita mecanizada adotado pela USINA. Uma “frente” de trabalho que possui cinco colheitadeiras e opera em três turnos mobilizando 81 trabalhadores, assim distribuídos[12]: 18 operadores de colheitadeira, 43 motoristas de caminhão ou trator para carregamento, seis mecânicos, dois eletricistas, um caldeireiro, sete bituqueiros[13] e quatro técnicos agrícolas (fiscais de campo).

 O sistema de colheita mecanizada da USINA possuía na safra 2018/2019 quatro “frentes” de trabalho e reunia 324 trabalhadores. O saldo líquido entre os postos de trabalho eliminados (840) e os gerados com a mecanização (324) resultou na extinção de 516 postos. A ocorrência deste “saldo negativo” de empregos aponta para os dados apresentados por Alves (2009), porém o poder substituidor de força de trabalho das máquinas encontradas em território alagoano foi bem inferior ao visualizado pelo autor no contexto paulista.

O número (teórico)[14] de 840 cortadores que são substituídos por 20 máquinas colheitadeiras, na safra 2018/2019, pode aumentar, desde que a USINA melhore a produtividade do sistema de colheita mecanizada[15]. A análise de que sua produção diária na colheita mecanizada está abaixo da média das outras usinas – 477,3 toneladas/dia – demonstra a existência de ineficiência produtiva. Caso a média fosse alcançada pela USINA, a máquina poderia desenvolver uma produtividade de corte equivalente ao trabalho de cerca de 60 cortadores, ampliando ainda mais a eliminação de postos de trabalho para os cortadores.

 A aquisição de mais colheitadeiras, visto que a topografia existente nos terrenos da USINA permite uma maior expansão da mecanização, também pode ampliar essa substituição e, como decorrência, reduzir o número de trabalhadores na área agrícola. Sobre ampliar ou não o uso de colheitadeiras, os discursos dos representantes da USINA, quando questionados, indicam a “preocupação social” para com os moradores do entorno.

 O discurso da “preocupação social” - de não substituir 100% do trabalho manual pelo mecanizado - só é possível para uma organização privada e que atua em um mercado competitivo, como a USINA estudada, quando tem-se a existência de grande oferta de força de trabalho disposta a receber uma baixa remuneração, realidade encontrada em território alagoano e evidenciado no trabalho de Lima (2020). Tal fato – baixa remuneração dos trabalhadores rurais de Alagoas – mostra-se evidente quando se comparam os custos de produção entre os sistemas de colheita convencional e de colheita mecanizada.

 

4.5 Custos da mecanização da colheita

Os custos produtivos, que envolvem a área agrícola, também são considerados no processo de adoção das novas tecnologias. A pesquisa de Reis (2012) realizada nos canaviais paulistas apontou uma vantagem do corte mecanizado sobre o manual quando observado os custos de produção, dada as características de alta produtividade dos canaviais e das máquinas colheitadeiras encontradas em território paulista.

O reduzido custo da operação mecanizada e, consequentemente, a disseminação do uso de colheitadeiras nesta etapa agrícola projetou a ideia da eliminação do trabalho manual nos canaviais brasileiros.  Reis e Alves (2015), ao questionarem a esperada e propagada eliminação completa do trabalho manual no processo de colheita de cana-de-açúcar, identificaram um novo mecanismo adotado nos canaviais do estado de São Paulo. Este modelo híbrido se desenvolve a partir de uma “combinação” entre o corte manual e mecanizado, tendo como critério definidor a taxa de produtividade encontrada tanto nos canaviais quanto da apresentada pelos trabalhadores que lá laboram.

Os dados apresentados pelo relatório de safra da USINA para o período 2018/2019 demonstram que o custo do corte da tonelada de cana-de-açúcar realizado por colheitadeiras foi de R$15,63, enquanto que o corte manual teve um custo de R$16,83. A diferença de R$0,80 demonstra que, ao tomar apenas a atividade do corte, a imagem de uma elevada redução de custo, viabilizada com a introdução das máquinas no campo, nem sempre se concretiza na realidade. Há fatores relacionados a produtividade agrícola e do próprio cortador que influenciam na viabilidade econômica da adoção de tal tecnologia, como apontaram Reis e Alves (2015).

No entanto, quando feita a análise sobre o sistema de colheita, manual e mecanizada, a diferença de custo amplia-se para R$ 6,07. No sistema convencional (manual), o custo da colheita foi de R$ 35,58 por tonelada de cana-de-açúcar, enquanto no sistema mecanizado, o custo da colheita era de R$ 29,51 por tonelada de cana-de-açúcar. As diferenças de custo entre os dois sistemas podem parecer pequenas, porém, ao multiplicar essa diferença pela quantidade de cana-de-açúcar colhida por safra (em média, mais de 1,5 milhão de toneladas), a economia gerada amplia-se, promovendo a almejada redução de custo.

Dada a baixa produtividade apresentada pelas colheitadeiras da USINA a taxa de redução de custos foi menor do que poderiam ser alcançadas. Caso haja uma renovação do maquinário e a produtividade média das colheitadeiras se eleve a redução do custo pode ser ampliada. Contudo a mecanização também apresenta seus efeitos colaterais (REIS e ALVES, 2015; BACCARIN, 2019) que nem sempre viabilizam a sua adoção. Além de demandar um elevado capital de investimento na aquisição das colheitadeiras e de toda a infraestrutura que é demandada, há também um encurtamento da vida útil dos canaviais. Os condicionantes impostos pelo modelo de colheita, proporcionado pelas máquinas, promove a necessidade de renovar os canaviais, ou seja, fazer novos plantios de mudas em tempos menores. Tal fato apresenta um custo que passa a fazer parte dos cálculos que orientam a tomada de decisão nos canaviais.

Os cálculos econômicos e, também, políticos que orientam as escolhas, no que tange à substituição ou não do trabalho manual é uma constante na realidade da USINA. Há espaço para maior avanço da mecanização, principalmente nas etapas da colheita e plantio. Assim sendo, a mecanização encontrada se posta como uma realidade singular dentro de um contexto produtivo marcado pelo jeito “mitológico” de produzir cana-de-açúcar em Alagoas, como apontou Loureiro (1970).

 

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As discussões realizadas neste texto possibilitaram visualizar, mesmo em um contexto de produção marcado pela baixa incorporação tecnológica, como o alagoano, a existência de uma “ilha” de modernidade nos canaviais do estado. A usina escolhida para realização do estudo de caso apresentou percentuais de mecanização da sua colheita bem superiores aos encontrados na região e, principalmente, dos percentuais estaduais.

Cabe destacar que a localização geográfica da USINA possibilita o uso de tecnológicas mecânicas em seu sistema de produção agrícola, fato nem sempre possível no contexto produtivo alagoano, principalmente para as unidades localizadas na região norte do estado. Além disso, a estabilidade financeira e a diversificação econômica que o grupo empresarial ao qual a USINA pertence possibilita eventos de investimento que modernizem as atividades agrícolas.

Importante destacar que esta, modernização, não se restringiu apenas a colheita, pois outras atividades agrícolas ligadas aos tratos culturais – adubação, fertilização e irrigação – também avançaram na incorporação do uso de tecnologias mecânicas para o desenvolvimento dos seus processos de trabalho, como também, a incorporação de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) para viabilizar um melhor controle do sistema de produção agrícola.

Contudo as informações revelaram, também, que mesmo sendo uma unidade singular na realidade estadual a sua produtividade ainda é baixa quando comparada a outras unidades produtivas localizadas no Centro-Sul. Máquinas com tempo de uso elevando, realidade apresentada pelo caso, acabam por interferir no desempenho das colheitadeiras fazendo com que suas taxas de produtividade sejam baixas quando comparada a outras usinas. Porém, mesmo com um desempenho comprometido pela depreciação da máquina a produtividade quando comparada ao trabalho manual da região é extremamente superior, pois a colheita realizada na colheitadeira equivale a 24 cortadores em uma hora de atividade.

Concomitante com essa produtividade os custos do sistema de colheita mecanizada se apresentaram melhores do que os do sistema manual. Tais fatos proporcionam mais competitividade a USINA para atuar em um mercado que modificou fortemente a sua forma de produção em anos recentes.

Outro ponto que emergiu nas interações com os representantes da USINA e que merece investigações futuras é o fato de que a unidade do Sudeste - que também opera com a produção de cana-de-açúcar e seus derivados – apresenta um nível de mecanização bem mais elevado do que a unidade alagoana. Por exemplo, o processo de plantio em Alagoas é manual com alguns experimentos, ainda incipientes, no uso de máquinas plantadeiras. Já na unidade que fica fora do território alagoano possui essa etapa de produção 100% realizada por máquinas.  Investigar as motivações desta assimetria na incorporação tecnológica mecânica pode apontar para os possíveis fatores que impulsionam esse modo de produção arcaico adotado em terras alagoanas.

Por fim, destaca-se que o texto buscou chamar a atenção para a realidade da mecanização da produção canavieira em uma região que tem como característica prevalecente a baixa incorporação de máquinas nas suas áreas agrícolas. Além disso, a modernização da produção agrícola, por meio da mecanização dos processos de trabalho ou do uso de outras tecnologias são necessários para promover competitividade das unidades produtivas de Alagoas, dado que o setor ainda detém importância no cenário econômico do estado. Desta forma se faz necessário para o estado - que já reduziu seu protagonismo na produção nacional e possui níveis de produtividade baixos - pensar na modernização tecnológica do seu sistema de produção. E, desta forma, constituir um “arquipélago” e não apenas possuir uma “ilha” de modernidade.   

 

REFERÊNCIAS

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[1] Doutorado em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos, Brasil (2020). Professor de pós-graduação da Universidade Federal de Alagoas.

[2] Doutorado em Administração pela Universidade Federal de Pernambuco, Brasil (2015). Professor Adjunto da Universidade Federal de Alagoas.

[3] Importante destacar que mesmo com esta inversão - de importador para exportador de alimentos – o Brasil ainda apresenta uma grande parte da sua população em situação de insegurança alimentar. Situação que tem se agravado em anos recentes, a partir de 2016, como aponta a investigação da Rede Penssan. Os dados revelam que no ano de 2020 mais de 19 milhões de brasileiros estavam em situação de insegurança alimentar grave, ou seja, passam fome ou ficam dias sem comer. Para maiores detalhes ver o link: http://olheparaafome.com.br/VIGISAN_Inseguranca_alimentar.pdf

[4] Qualidades relativas ao clima e solo.

[5] Colheita convencional será aqui identificada como aquela na qual o corte é realizado de forma manual, enquanto as demais atividades da colheita – carregamento e transporte – são realizadas por máquinas. Já a colheita mecanizada é aquela na qual todas as atividades são realizadas por máquinas.

[6] Os dados relativos ao período de 2000 a 2002 não foram disponibilizados pela USINA.

[7] Na forma de colheita convencional, o corte manual é realizado durante o dia e o carregamento é feito em outro horário (noite) com o auxílio das carregadeiras.

[8] A operação das máquinas, dividida em três turnos, é um fato relativamente recente na USINA, já que, no começo da implantação do sistema mecanizado, ocorria a divisão em apenas dois turnos diários de 12h cada.

[9] Relatório desenvolvido a partir da safra 2017/2018, onde constam os indicadores utilizados para acompanhar o sistema de colheita mecanizado. Neste Relatório, há valores de referência de outras unidades produtivas que operam na produção canavieira do Brasil, mas que não fazem parte do Grupo Empresarial ao qual a USINA é ligada. O uso dos valores de referência serve para realizar comparações e posicionar o sistema de colheita da USINA no cenário setorial.

[10] Esse número pode variar a partir de fatores como: produtividade dos trabalhadores, das máquinas e se a cana-de-açúcar é colhida queimada ou crua. Importante fazer estes destaques, tendo em vista, que existem diferenças de produtividade tanto dos canaviais quanto dos trabalhadores entre as regiões produtoras do Centro-Sul e Norte-Nordeste dada a modalidade de cana que é colhida, queimada ou crua.

[11]A USINA em análise tem como meta a produção mínima de oito toneladas/dia por cortador de cana. Importante destacar que as médias diárias de corte de cana mudaram com o passar dos anos. Após a reestruturação produtiva ocorrida nos anos 1990 ocorreu uma escalada no quantitativo mínimo exigido de cada trabalhador. Cruz (2020) destaca que atualmente exige-se entre 10 a 12 toneladas/dia por cortador e que tal fato impacta diretamente na saúde do trabalhador. Além disso, dada as diferenças ambientais as médias exigidas no Centro-Sul diferem das do Norte-Nordeste.

[12] Nessa distribuição, não entram os motoristas que fazem o transporte da cana-de-açúcar do campo até a área industrial da USINA, dado que tal serviço é terceirizado.

[13] Trabalhador responsável por recolher os pés de cana-de-açúcar que caem das máquinas durante o processo de corte mecanizado.

[14] O cálculo desse número foi feito com base na quantidade ideal de produção diária por cortador. A produção real dos cortadores pode ser menor e, portanto, os números de equivalência entre máquina e trabalho manual serem mais elevados.

[15] A produtividade da máquina depende não apenas do seu funcionamento individual. Como ela funciona dentro de um sistema composto por outras máquinas, a eficiência global é alcançada a partir de um melhor encadeamento dos componentes que formam esse sistema, pois um atraso no momento de transbordo ou transporte, por exemplo, reflete em uma parada da colheitadeira e consequente perda de produtividade.