O COOPERATIVISMO COMO ELEMENTO DE FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA URBANA E PERIURBANA

 

Rafael Lima Oliveira

Universidade de São Paulo

rl.oliveira@usp.br

 

Gabrielly dos Santos Lima Oliveira[1]

Universidade Estadual de Feira de Santana

gabrielly.oli@outlook.com

 

José Raimundo Oliveira Lima[2]

Universidade Estadual de Feira de Santana

zeraimundo@uefs.br

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Resumo

Agricultura Urbana e Periurbana (AUP) consubstanciam-se pela cooperação e por consequência em manifestações de cooperativismo. A realidade da AUP nas cidades brasileiras é marcada por limitações, entretanto, tem no cooperativismo uma potencial alternativa para atenuar estes entraves, bem como avançar em melhores perspectivas. Objetivou-se nesta pesquisa demonstrar como o cooperativismo pode auxiliar no enfrentamento de problemas que dificultam o fortalecimento e reconhecimento dos agricultores desta tipologia agrícola. Foram utilizadas amostras intencionais de trabalhos publicados sobre os temas que se articularam para a contextualização. Como resultados, observamos que a ausência de políticas públicas e disponibilidade de crédito são fatores limitantes para a AUP. O aumento, bem como o escoamento da produção também são dificuldades enfrentadas por estes agricultores. Estas dificuldades podem ser solucionadas a partir da cooperação, onde os membros buscam viabilizar a atividade agrícola, visando a autonomia dos associados, a sustentabilidade, a segurança alimentar e o desenvolvimento local. Portanto, o cooperativismo como elemento para o enfrentamento dos problemas e o fortalecimento da AUP, a partir dos princípios e valores cooperativistas torna-se uma alternativa socioeconomicamente viável.

Palavras-chave: Cooperativa. Segurança Alimentar. Sustentabilidade.

 

COOPERATIVISM AS A STRENGTHENING ELEMENT FOR URBAN AND PERIURBAN AGRICULTURE

 

Abstract

Urban and Periurban Agriculture (UPA) is embodied by cooperation and consequently by manifestations of cooperativism. The reality of UPA in Brazilian cities is marked by limitations; however, cooperativism is a potential alternative to mitigate these obstacles, as well as to advance in better perspectives. The objective of this research was to demonstrate how cooperativism can help to face the problems that hinder the strengthening and recognition of farmers of this agricultural typology. We used intentional samples of published works on the themes that were articulated for the contextualization. As results, we observed that the absence of public policies and credit availability are limiting factors for UPA. The increase, as well as the outflow of the production are also difficulties faced by these farmers. These difficulties can be solved through cooperation, where members seek to make the activity viable, aiming at the autonomy of members, sustainability, food security, and local development. Therefore, the cooperativism as an element to face the problems and the strengthening based on the cooperative principles and values becomes a socioeconomically viable alternative for the UPA.

Keywords: Cooperative. Food Security. Sustainability.

 

INTRODUÇÃO

 

A desorganização no crescimento populacional e geográfico das áreas urbanas e periurbanas devido à lógica da especulação imobiliária é acompanhada da pobreza, desemprego e insegurança alimentar. Diferentemente dos demais países em desenvolvimento que sofrem com as penúrias da fome, no Brasil não existe escassez de recursos alimentares, mas há uma má distribuição espacial dos recursos disponíveis e grandes disparidades sociais que afeta sobretudo a população que vive em vulnerabilidade social (BRASIL, 2013).

Ao longo do tempo foi estabelecido um paradoxo de que a insegurança alimentar estaria estritamente relacionada ao crescimento da população humana, porém está problemática é resultado de diversas variáveis. O aumento da produção de alimentos segue paralelamente ao aumento do número de pessoas com acesso restrito aos alimentos produzidos, visto que o grande problema causador da fome no mundo é o modelo de distribuição dos recursos alimentares (THOMAS, 2008; BRASIL, 2013).  Esta ideia pode ser sustentada se relacionada com dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, onde os estudos revelam que entre 2020 a 2022, cerca de 14 milhões de novos brasileiros entraram para a estatística de situação de fome.

Nesta mesma perspectiva, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, através do Levantamento Sistemático de Produção Agrícola de 2022, vem registrando recordes mensais consecutivos na produção de grãos, sendo que alguns destes alimentos, como o feijão e arroz, são significativos da dieta tradicional do brasileiro.

Diretamente ligada a esta problemática, a necessidade de um desenvolvimento mais sustentável no fornecimento e distribuição de alimentos nas cidades tem inserido um novo modo de fazer agricultura. Surge então uma alternativa de produção e distribuição de produtos alimentícios que utiliza recursos das cidades sustentada nas dimensões econômicas, sociais e ambientais (BATITUCCI et al., 2019).

O modelo mais recente de fazer agricultura é chamado Agricultura Urbana e Periurbana (AUP). Apesar de ser novo, este não se distancia do modelo de agricultura rural. Segundo Mougeot (2000), por estar integrada no sistema econômico e ecológico urbano, a AUP é diferente da rural, porém elas se complementam em termos de autoconsumo, fluxos de comercialização e fluxos de abastecimento do mercado. De acordo com Batitucci et al. (2019), a AUP contribui para geração de trabalho e renda a partir da produção, transformação e prestação de serviços, melhora a paisagem urbana, além da oferta de um produto de qualidade, por preços acessíveis, fortalecendo assim a segurança alimentar e nutricional.

Essa atividade pode ser desenvolvida em pequenas áreas, como os quintais, terrenos baldios, jardins, varandas, entre outras. Nestas áreas são cultivados frutas, hortaliças, raízes, tubérculos, plantas ornamentais (FAO, 2012) e medicinais, constituindo-se em uma grande variedade de cultivos que são destinados para consumo próprio ou para a venda. Além de produção, nestes espaços também há a prestação de serviços e transformação para gerar produtos agrícolas, articulados com a gestão territorial e ambiental e a dinâmica das cidades (BATITUCCI et al., 2019).

Com efeito, esse novo modelo de agricultura, consubstancia-se pela cooperação e por consequência no cooperativismo. O ato de cooperar é uma forma de ação coletiva onde os sujeitos envolvidos almejam objetivos em comum. É esta interação entre sujeitos que constituem uma sociedade, visto que, sem cooperação e colaboração seria impossível conviver nesta em harmonia.

Partindo deste ponto, a precariedade do trabalho, as péssimas condições de segurança e os baixos salários em meio à Revolução Industrial fez com que um grupo de operários buscassem através da fundação da Cooperativa dos Pioneiros de Rochdale uma alternativa socioeconômica para atuarem no mercado frente aos impasses do capitalismo. Esta busca por uma sociedade mais justa, igualitária e coletivista fez com que os princípios cooperativistas de Rochdale fossem considerados um eixo identificador da cooperatividade, instituindo até hoje um paradigma cooperativo em escala mundial (NAMORADO, 2007).

De maneira geral, uma cooperativa é uma associação autônoma de pessoas que se unem voluntariamente para satisfazer necessidades econômicas, culturais e sociais. Como há a união de pessoas com objetivos em comum, as forças se multiplicam e todos ganham. Isso faz com que a segurança das cooperativas seja mais relevante do que os empreendimentos capitalistas, tendo em vista que todos os cooperados são donos do negócio e a gestão é compartilhada. Esta e outras características fazem com que o cooperativismo tenha se tornado uma forma organizativa difundida mundialmente, tanto no meio rural, quanto no urbano.

Mesmo levando em conta aspectos citados de grande importância da Agricultura Urbana e Periurbana na realidade das cidades brasileiras, alguns limites são enfrentados.  Deste modo, duas perguntas principais nortearam o desenvolvimento deste trabalho: o cooperativismo é capaz de auxiliar a AUP no enfrentamento de entraves? De que forma o cooperativismo pode atenuar estes problemas?

Como hipótese temos: o cooperativismo tem se mostrado uma potencial alternativa para atenuar estes entraves, bem como avançar em melhores perspectivas. Quando os agricultores urbanos e periurbanos se associam a entidades cooperativistas, os princípios e valores que a regem pode ampara-los conduzindo para um melhor desenvolvimento local, além de possibilitar a mitigação de problemas como a insegurança alimentar nas cidades.

Desta forma, este estudo tem como objetivo relacionar o crescimento de dois eixos de grande importância para o país e o mundo: Agricultura Urbana e Periurbana com o Cooperativismo, buscando demonstrar como o cooperativismo pode auxiliar no enfrentamento de problemas, no fortalecimento e reconhecimento destes agricultores.

 

MATERIAL E MÉTODOS

 

A partir das discussões no componente curricular CIS 380 - Associativismo e Cooperativismo do curso de Agronomia da Universidade Estadual de Feira de Santana, bem como das temáticas selecionadas pelo professor orientador no Projeto Incubadora de Iniciativas de Economia Popular e Solidária da UEFS (IEPS-UEFS), decidiu-se realizar pesquisas bibliográficas sobre os temas debatidos: Cooperativismo e as Cooperativas, Agricultura Urbana e Periurbana (AUP). A Incubadora conta com uma série de publicações técnico-cientifico, no âmbito do desenvolvimento local solidário e do trabalho cooperativista, que contribuíram positivamente para o desenvolvimento da pesquisa.

 Para a elaboração deste trabalho foram utilizadas amostras intencionais de documentos, livros e artigos científicos sobre os respectivos temas, bem como análise documental sobre a Lei Geral dos Cooperativistas (Lei nº 5.764, 1971), e também de sites especializados como a Aliança Cooperativista Internacional (ACI) e a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).

O levantamento bibliográfico seguiu-se para a contextualização, que foi realizada por meio de inferências descritivas, buscando relacionar os eixos temáticos para atender aos objetivos propostos.

 

SUSTENTAÇÃO TEÓRICA

 

Apesar das práticas associativas estarem presentes nas zonas agrícolas desde os primórdios da humanidade, as primeiras cooperativas do país surgem no meio urbano com o objetivo de atender as necessidades do estrato médio da população urbana (ANJOS, 2019). Estas cooperativas se desenvolveram com relativa rapidez, principalmente as cooperativas de consumo, crédito e agropecuárias. Na década de 1960, as cooperativas situadas no meio urbano eram mais dinâmicas e desenvolvidas que as do setor agropecuário, contudo, segundo SCHNEIDER e LAUSCHNER (1979), entre 1960 e 1980 este panorama se modificou de tal forma que as cooperativas agropecuárias preponderaram as cooperativas urbanas em várias características, que destas podem ser destacadas o dinamismo, a capacidade organizativa, a importância econômica e inovação.

Por outro lado, esse desenvolvimento das cooperativas agropecuárias veio acompanhada do domínio de uma elite conservadora predominantemente agroexportadora e não trouxe consigo mudanças significativas para os trabalhadores rurais, mas contribuiu para a dúvida na capacidade organizativa destes trabalhadores (ANJOS, 2019). Ainda de acordo com esta autora, nas últimas duas décadas do século XX, o movimento cooperativista retomou seu caráter alternativo para a classe trabalhadora, considerando modalidades alternativas de produção e comercialização para os agricultores familiares que buscam as associativas e cooperativas para enfrentar a competitividade mercantil.

Em contraponto, nas grandes cidades os investimentos públicos para o uso e ocupação do solo urbano está diluído em uma estrutura fragmentada, que abre possibilidades para atuação da especulação empresarial, que visa o benefício das elites em oposição à população que vive na informalidade (OLIVEIRA FILHO et al., 2017). Nesse contexto, as cooperativas no meio urbano, sobretudo as habitacionais, relacionam-se no processo de intervenção estatal, auxiliando no direito à moradia para a maior parte da população, além de combater a segregação sócioespacial e a exclusão social. Mas a falta de legislações especificas é refletida na evolução tardia deste tipo de cooperativismo, principalmente com o número de cooperativas habitacionais sendo reduzido a cada ano, de acordo com dados do Brasil Cooperativo (2012).

Associado a isso, a forma excludente de acesso à posse de terras impõe a população de baixa renda a ocupar irregularmente as margens das cidades, aumentando a concentração da população para além dos subúrbios das cidades. Este processo da expansão urbana chamado de periurbanização intensifica os problemas sociais dessa população. Como alternativa, o incentivo à criação de cooperativas habitacionais tem a capacidade de proporcionar acesso a habitações, serviços e infraestrutura adequadas. Além disso, o incentivo a cooperativas que possibilitem a geração de trabalho e renda, que fortaleçam as relações sociais, valorizem as culturas locais e o empoderamento comunitário e de gênero é fundamental no meio urbano. 

De acordo com Sellin (2019), com a expansão das cidades, a proporção da população que saiu do campo para a cidade saltou no último século, tornando a cidade o principal habitat da população mundial. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad, 2015) demonstra que 85% da população vive no meio urbano e 15% no meio rural. Entretanto, mesmo com a mudança de habitat o sentimento de pertencimento ao campo ainda continua. À vista disso, a retomada pelo interesse nas questões agrárias vem crescendo pouco a pouco nas cidades.

A atenção em proteger os espaços agrários, a discussão sobre a sustentabilidade urbana e preocupação com a qualidade e a quantidade dos alimentos que chegam nas cidades criou uma perspectiva de que as cidades poderiam produzir parte do alimento demandado por ela, contribuindo desta forma para um futuro mais sustentável. E é neste contexto, que a agricultura praticada nas cidades e seus arredores passa a ser chamada de agricultura urbana e periurbana.

A AUP surge em um momento que o desequilíbrio ambiental e social nas cidades necessitava de alternativas para a urbanização sustentável. A AUP contribui ativamente no aumento da segurança alimentar, revitalização de áreas urbanas, melhoria no bem estar físico e psicológico da população, redução dos impactos ambientais e também pela reutilização dos resíduos orgânicos produzidos (SELLIN, 2019).

De acordo com dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), 80% da produção global de alimentos é destinada às áreas urbanas, e segundo o estudo realizado pela The Worldwatch Institute (WWI), em 2011 estimava-se que a agricultura urbana e periurbana produzia de 15 a 20% de todo alimento, correspondendo a cerca de 800 milhões de pessoas em todo o mundo. Apesar disto, a AUP enfrenta muitos obstáculos para obtenção de insumos e também de conhecimento técnico, o que influencia na baixa produção, produtividade e dificuldade no escalamento e escoamento da produção (SELLIN, 2019).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO 

 

O cooperativismo na produção rural é acompanhado da necessidade de inserção do produtor no mundo globalizado e competitivo onde, por um lado o agronegócio se apresenta e de outro os pequenos negócios, aos quais se articulam visando o desenvolvimento e tentam se manter vivos neste mesmo ambiente. Tendo como objetivo a melhoria das condições de vida das comunidades que o praticam, o cooperativismo, promove a geração e distribuição de renda, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico local, seja urbano, periurbano ou rural. Porém, é válido ressaltar que no cooperativismo não há lucros e sim, sobras. Diferentemente das empresas capitalistas, onde o lucro tem o único e exclusivo objetivo de remunerar o capital investido, neste sistema econômico cooperativo os resultados positivos alcançados retornam na forma de sobras líquidas, onde cada associado recebe o valor proporcional à prestação de serviços realizados ou às suas cotas-partes.

A demanda por um modelo produtivo com mais flexibilidade, maior controle e qualidade sobre o trabalho e produção mostra que o cooperativismo pode ser um importante caminho na superação de problemas e no fortalecimento de muitas atividades produtivas (ANDRADE; ALVES, 2013). Tendo em vista que a AUP é praticada por pessoas, organizações formais ou informais das variadas circunstâncias sociais, mas, predominantemente, aquelas de baixa renda, para que esta prática possa ter condições viáveis são necessárias tanto a organização individual quanto a coletiva e a participação social.

Por fazer uso intensivo da mão de obra da cidade, onde está situada a maior parte da população de vulnerabilidade socioeconômica, a AUP cria empregos, particularmente para os recém-chegados das áreas rurais (FAO, 2012). Esta vantagem reduz a marginalização, oferecendo uma via de saída da pobreza, visto que tem baixos custos iniciais, ciclos de produção curtos e altos rendimentos por unidade de tempo e unidade de terra e água.

Na AUP, a produção, a venda e também o processamento tendem a estar mais próximas no tempo e no espaço, pela maior proximidade, flexibilidade e otimização geográfica e por um fluxo mais rápido de recursos (MOUGEOT, 2000). Esta prática é sustentável para melhorar a qualidade dos alimentos e para preservação do meio ambiente, contribuindo para melhorar a qualidade de vida da população urbana e para aumentar a sustentabilidade nas cidades. Muitas comunidades, associações, ONG’S, e entre outros promovem a prática dessa agricultura para combater a pobreza e combater a fome, pois sabem da alta taxa de desemprego e das necessidades na região urbana e periurbana.

A prática da AUP é vista como um meio de reduzir o consumo de produtos industrializados, fazendo com que tanto o produtor, quanto quem está no seu entorno possam consumir alimentos de qualidade, de forma mais acessível e com menor valor, tendo em vista que a proximidade com o consumidor elimina a dependência de intermediários. Segundo Frère et al. (1999), a garantia da segurança alimentar e saúde nas famílias que praticam a AUP tem sido apontada como um dos elementos fundamentais para o fortalecimento desta atividade. 

A AUP necessita de políticas adequadas, contudo, suporte financeiro e governamental é um problema comum em países em desenvolvimento (PESSOA et al., 2006). De acordo com estes mesmos autores, a agricultura urbana é, frequentemente, negada em planejamentos municipais, sendo desconsiderada nas políticas de manejo urbano. Este problema pode ser remediado a partir das cooperativas, nas quais seus membros seus membros dispõem a buscar viabilizar a promoção de crédito e financiamentos, para que se consiga obter a autonomia financeira dos cooperados. Segundo Pessoa et al. (2006), em um estudo de caso sobre agricultura urbana e periurbana no município de Santa Maria-RS, os produtores relataram que o aumento da produção é um fator desejado, contudo, a disponibilidade de crédito e ausência de políticas públicas são fatores limitantes.

No cooperativismo, sete princípios devem guiar a gestão de uma cooperativa: 1) adesão livre e voluntária; 2) gestão democrática; 3) participação econômica; 4) autonomia e independência; 5) educação, formação e informação; 6) intercooperação; 7) o interesse pela comunidade. 

Com efeito, além dos princípios, observamos também como de igual relevância, alguns valores cultivados, tais como: solidariedade, liberdade, democracia, igualdade, responsabilidade, transparência e sustentabilidade. Todavia, estes foram revisados ao longo do tempo, mesmo mantendo suas essências. Baseado nisso, o Quadro 1 apresenta a evolução dos princípios e como estes podem contribuir com a transformação positiva dos agricultores urbanos e periurbanos.

 

Quadro 1. Evolução dos princípios cooperativistas e contribuição à Agricultura Urbana e Periurbana (AUP).

Table 1. Evolution of cooperative principles and contribution to Urban and PeriUrban Agriculture (UPA).

Princípios originais de Rochdale (1844)

Revisão de 1995 (Manchester)

Contribuição à Agricultura Urbana e Periurbana (AUP)

Adesão aberta de novos membros no mesmo pé de igualdade dos antigos

Adesão voluntaria e livre

As pessoas que não dispõem de espaço nem local para praticar a AUP e deseja produzir e/ou prestar serviços nas hortas comunitárias são livres para participar de uma cooperativa, desde que assumam as responsabilidades como sócio.

Gestão democrática, um sócio, um voto

Gestão democrática pelos membros

Os membros controlam ativamente as decisões por meio de apenas um voto de cada.

Distribuição de parte do excedente proporcional às compras

Participação econômica dos membros

Como as despesas são divididas entre os membros, não há necessidade de alto capital. As sobras são repartidas levando em consideração a participação do membro, seja no capital, produção e/ou prestação de serviços.

Juros limitados ou fixados sobre o capital subscrito

Autonomia e Independência

Os membros controlam a cooperativa. A autogestão e independência dos membros é fundamental. O sucesso da cooperativa é dependente única e exclusivamente dos associados.

Promoção da educação

Educação, formação e informação

Facilidade ao acesso a cursos, apoio técnico, extensionista e científico. Informar práticas manejos benéficos que necessitam ser postos em pratica na AUP.

Vendas à vista sem crediário

Intercooperação

A cooperação entre cooperativas pode fortalecer o movimento a partir do trabalho conjunto. A articulação entre cooperativas promove a acessibilidade a créditos, financiamentos, o escoamento da produção e prestação de serviços.

Neutralidade política e religiosa

Interesse pela comunidade

Os membros devem conduzir o desenvolvimento equilibrado da cooperativa. Os associados devem ter participação ativa nos desafios, buscando soluções apoiadas democraticamente.

Fonte: Adaptado pelos autores de ACI, 2011.

Source: Adapted by the authors from ICA, 2011.

 

O quadro acima mostra a sintonia fina entre os princípios cooperativos e as práticas do trabalho associado nas mais diversas áreas, bem como sua evolução em relação às modernas atividades, especialmente agrícola tais como a Agricultura Urbana e Periurbana. Segundo Andrade e Alves (2013), os princípios cooperativistas podem ser aplicados ao levantar bandeiras sociais, como o desenvolvimento local e regional sustentável, distribuição de emprego e renda, justiça social e segurança alimentar.

Em 2018, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) lançou o Programa Nacional de Agricultura Urbana e Periurbana, que tem como objetivo promover o respeito à diversidade étnica, racial e cultural, segurança alimentar e nutricional a partir de hábitos mais saudáveis, além do empoderamento e autonomia dos agricultores urbanos e periurbanos. Este programa é focado na agricultura escolar e associações comunitárias. Como premissa, o programa estimula a utilização de terrenos públicos para construção de hortas comunitárias, com produção realizada por cooperativas de agricultores.

Contudo, este programa de fomento à AUP é realizado por meio de editais, não tendo a capacidade de atender a maior parte dos agricultores urbanos e periurbanos. Diante disso, vemos a importância da adesão ao modelo organizativo das cooperativas, que podem auxiliar na superação de limites socioeconômicos e é um caminho para a valorização do trabalho e o bem-estar da comunidade, retorno financeiro e desenvolvimento comunitário

Os agricultores que almejam suprir a renda a partir da AUP, se deparam com outras duas dificuldades: aumento de produção e escoamento da produção. Inferimos que muitas cooperativas têm o objetivo de colocar os produtos e serviços dos cooperados no mercado por um preço justo, eliminando intermediários e atravessadores, com maior poder de barganhar por melhores preços, além de oferecer produtos e serviços com condições melhores. Com as hortas comunitárias, os associados dispõem de mão de obra, não sendo necessário empregá-la, infraestrutura, apoio financeiro compartilhado entre os associados, além do suporte da cooperativa no escoamento da produção.

 

CONCLUSÃO

 

Após o debate proporcionado pela articulação temática proposta, consideramos ter alcançado nosso objetivo de pesquisa, na medida em que demonstramos como o cooperativismo pode auxiliar no enfrentamento de problemas e no fortalecimento e reconhecimento dos agricultores destas tipologias agrícolas Urbana e Periurbana.

Inferimos, portanto, que o cooperativismo se constitui em um relevante elemento /estratégico para o enfrentamento dos problemas e o fortalecimento socioprodutivo a partir dos princípios e valores cooperativistas, tornando-se, assim, uma alternativa socioeconomicamente viável para a AUP. A participação ativa da comunidade pode impulsionar o segmento, que é visto, atualmente, como uma potencial perspectiva para mitigação de problemas como a pobreza, má distribuição de renda, produção e distribuição de alimentos, combate à insegurança alimentar das áreas urbanas e periurbanas.

Com efeito, esta pesquisa não pretende responder a todo potencial que observamos emergente à temática, por certo, existe importante espaço a ser explorados para descobertas tão necessárias a ciências, às relações sociais, bem como à melhoria da vida humana em comunidade providas pelas relações de solidariedade, parcerias e cooperação.

 


 

 

REFERÊNCIAS

 

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[1] Graduanda em Agronomia pela Universidade Estadual de Feira de Santana e atualmente é monitora da disciplina de Fisiologia Vegetal.

[2] Doutor em Educação e Contemporaneidade pelo PPGEduC. Mestre em Gestão Integrada de Organizações pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB).