SAIR DA SALA DE AULA

ciências sociais e secundaristas em tempos de luta pela educação

 

João Lisboa[1]

Universidade de Brasília (UnB)

jfklisboa@gmail.com

 

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Resumo:

Enquanto professor substituto de antropologia na Universidade Federal do Paraná, conduzi uma atividade em três escolas públicas de Curitiba com o intuito de divulgar as áreas de atuação do curso de Ciências Sociais (CS). Os encontros promoveram diversas percepções, interações e deslocamentos mútuos, e serviram para aproximar a universidade, especialmente as CS, de ambientes pouco frequentados pelos acadêmicos. Tal aproximação atendia a uma demanda dos estudantes de CS para “sair da sala de aula” durante os meses de abril a junho de 2019, quando ocorreram grandes manifestações em defesa da educação pelo país, em repúdio aos ataques e ameaças do novo governo federal de Jair Bolsonaro. O artigo descreve também o clima generalizado de incertezas que marcou aquele período. Para isso, lança mão de autores e conceitos teóricos que contribuem com a reflexão sobre as relações entre educação, política e ciência, articulando-os com os acontecimentos por nós vivenciados durante os encontros.

Palavras-chave: Educação; Ciências Sociais; Secundaristas.

 

LEAVING THE CLASSROOM

social sciences and high school students in times of struggle for education

 

Abstract:

As a substitute professor of anthropology at the Federal University of Paraná, I conducted an experience in three public schools in Curitiba, in order to publicize the course professional fields. Those meetings provided diverse mutual perceptions, interactions and displacements, and served to bring the university, especially the SS, closer to places in that the academics are little frequent. This approach met a demand from SS students to “leave the classroom” during the months of April to June 2019, when occurred large demonstrations in defense of education across the country, repudiating the attacks and threats from the new federal government of Jair Bolsonaro. The article also describes the generalized climate of uncertainty that marked that period. For this, it uses authors and theoretical concepts that contribute to think about the relations between education, politics and science, articulating them with the events that we experienced during the meetings.

Keywords: Education; Social Sciences; Secondary students.

 


 

INTRODUÇÃO

O presente artigo é fruto de uma experiência de ensino-aprendizagem durante meu trabalho como professor substituto no Departamento de Antropologia na Universidade Federal do Paraná (DEAN/UFPR), no primeiro semestre de 2019. Trata-se de uma atividade da disciplina “Laboratório de Ensino e Pesquisa em Ciências Sociais - LABEPCS”, ministrada para o terceiro período do curso de CS, na qual foram realizadas exposições em três escolas públicas estaduais de Curitiba, para turmas de Ensino Médio, com o seguinte tema: “As áreas de atuação das Ciências Sociais”. Os encontros que ocorreram, por sua vez, foram muito além de um modelo “feira de ciências” e produziram diversos níveis de interação, reflexão e estímulo. Além disso, eles oferecem um ponto de partida único para pensar sobre o momento político-educacional em que a atividade ocorreu, sobre a inserção das CS na sociedade e os limites do conhecimento científico e universitário no país. Buscarei detalhar no artigo como se deu o planejamento e a execução da proposta, que teve, de forma geral, ampla receptividade e boas avaliações por parte dos diferentes lados envolvidos.

Cabe ressaltar que tal experiência foi coetânea às grandes manifestações em defesa da educação que se deram no primeiro semestre do governo Bolsonaro, que tiveram lugar em mais de duzentas cidades e mobilizaram estudantes de todo o país, sobretudo nas universidades públicas e Institutos Federais de Educação. Procuro situá-la, portanto, dentro de uma vasta reação de professores e estudantes, em escala nacional, não apenas contra as medidas de austeridade, as ofensas e ameaças e os cortes de verbas do governo federal, mas também contra uma certa situação de “isolamento voluntário” das universidades (ou dos cursos de CS e Humanas em geral). A percepção de que esse isolamento nos enfraquecia, pois tornava-nos irrelevantes ou permitia uma imagem distorcida de nosso trabalho perante a opinião pública levou, automaticamente, ao surgimento de diversas propostas de interação e “corpo-a-corpo” com um público para o qual, tradicionalmente, não voltávamos nossas atenções nem destinávamos nossa produção bibliográfica ou nossas comunicações acadêmicas. A ideia de que a universidade deveria “ir para a rua” sintetizava uma miríade de sentimentos difusos e urgentes, movidos pela sensação de que nos encontrávamos sob ataques inéditos, ao mesmo tempo que sugeria certo voluntarismo entusiástico e um grau elevado de improvisação.   

A preocupação inicial dos estudantes de Ciências Sociais em “sair da sala de aula” e não ficar “de braços cruzados” naquele momento crítico pelo qual passavam as universidades, de um lado, encontrou-se com demandas das escolas contatadas por mais presença das universidades (especialmente da UFPR) e de “eventos iguais àquele”, de outro. Refletir sobre tal mistura de agências e expectativas mútuas, instituições e posições sociais, passou a ser um segundo desafio, uma vez que essa experiência não se deixava capturar por qualquer aparato teórico-explicativo sem oferecer grande resistência. Idealmente, gosto de pensar que estávamos tendo um misto de “encontro etnográfico” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2000, p. 24), com “educação problematizadora” (FREIRE, 1987), ambos conceitos que remetem a uma relação dialógica, de ouvido atento, não verticalizada e anti-hierárquica, aproximando assim os pressupostos e objetivos pedagógicos com os antropológicos.

A solução encontrada em conjunto com a turma, para garantir que nossas palavras encontrariam interlocutores minimamente interessados e abertos à interação, foi, em vez de correr às ruas, ir para escolas – levando em conta também que um dos objetivos da disciplina LABEPCS é ser um laboratório de ensino para futuros professores de CS. As escolas, para esta reflexão, podem ser vistas como um lugar intermediário entre a universidade e a rua (lembrando do modelo dialético proposto por Roberto DaMatta, entre a casa e a rua), uma vez que representaram um meio termo entre o “próximo” e o “distante” (VELHO, 1995) – para usar um linguajar antropológico – propiciando uma experiência de ensino-aprendizagem – para usar um linguajar pedagógico – relativamente controlada, embora ainda assim aberta ao inesperado.

Se a antropologia da educação no Brasil ainda é majoritariamente voltada para os processos de escolarização de povos indígenas, aos poucos tais aproximações com o campo da educação vão iluminando outras experiências antropológicas em contextos educacionais, e a noção de escola como fronteira (TASSINARI, 2001) é um exemplo disso. Tassinari reconhece que, do ponto de vista da antropologia, a escola é “uma janela aberta para novos horizontes” (idem, p. 50). Pego emprestado aqui a sua noção de fronteira, janela ou espaço de encontro, para ampliá-la e estendê-la às escolas no contexto urbano de uma metrópole do sul do país, uma vez que estas também oferecem ao antropólogo possibilidades únicas de deslocamento do olhar e contato com outros tipos de alteridade. Essa noção de fronteira é bastante elucidativa para a atividade a que vínhamos nos propondo, qual seja, a de entrar em contato com realidades exteriores ao ambiente acadêmico, sem que isso implicasse ir longe demais a ponto de tornar-nos exóticos, incompreensíveis ou inúteis. Pelo contrário, estar na fronteira permitia vislumbrar potencialidades, continuidades e diferenças que traçavam um emaranhado de relações e comparações possíveis entre “os dois lados”.     

As turmas de secundaristas que vinham ao nosso encontro chegavam conduzidas ora pelo professor (de Sociologia, História, mas também de outras disciplinas) ora pela direção da escola, que estimulavam seus alunos a interagir conosco. Por mais que tivéssemos consciência de que as escolas são espaços excessivamente controlados, citados frequentemente por Foucault (1987) como exemplos do “poder disciplinar” (algo que as universidades costumam criticar como a imagem oposta de um espaço de liberdade que elas supostamente representariam), a facilidade como nos adaptamos àqueles espaços indicava que tínhamos muito mais em comum do que supúnhamos previamente.

Não é o objetivo deste artigo lançar um olhar inquiridor ou julgador, a partir da posição privilegiada da academia, sobre o ambiente escolar e suas múltiplas dinâmicas. Essa postura apenas reforçaria o lugar de isolamento e a ilusão de superioridade hierárquica em que as universidades se colocaram e que estávamos justamente tentando desfazer. Nesse sentido é válida a crítica feita por Santiago Castro-Gomez (2007), dentro do que ficou conhecido como “virada decolonial”, que entre outras coisas questiona a posição privilegiada da universidade não apenas na produção de conhecimento, mas na própria separação entre o que pode ser aceito ou não no rol de conhecimentos legítimos e úteis, ou seja, daqueles que gozam de “validade científica”.

Para situar tal experiência em uma conjuntura político-social mais ampla – no caso, aquilo que denominei de “tempos de luta pela educação” – pretendo fazer uso de notícias produzidas pela imprensa na época, além das próprias declarações de agentes do governo, feitas diretamente em redes sociais e que alcançam uma ampla base de seguidores. Tratam-se de palavras e ações que, ao ditarem os rumos da política educacional desde o andar de cima, compõem um “pano de fundo” sombrio e ameaçador sobre o qual desenvolveram-se, de forma ansiosa e insegura[1], as atividades acadêmicas e escolares naquele período – período este que sob muitos ângulos não terminou.

Para nós, professores e alunos envolvidos, esse pano de fundo incorporava uma dimensão contextual bastante presente e significativa em nossas escolhas, palavras e gestos, mesmo que de forma imperceptível. A esse respeito, alguns diretores ou funcionários das administrações escolares ficaram preocupados com a possibilidade de estarmos oferecendo a eles uma “atividade política” em sua escola[2], o que, independentemente de suas convicções, punha-os em risco devido ao clima que ainda paira sobre os espaços educacionais, um fenômeno recente capitaneado pelo assim chamado “Movimento Escola sem Partido” (MEP) [3].

A educação, de fato, está no centro do processo que alçou o deputado federal Jair Bolsonaro de uma figura secundária da vida política para o posto de candidato provável à eleição presidencial. Basta lembrar de sua insistência em torno de um suposto “kit gay”, falsamente atribuído a Fernando Haddad, ministro da Educação de 2005 a 2012, nos governos de Lula e Dilma Roussef, e adversário de Bolsonaro no segundo turno em 2018. Numa eleição marcada pelo uso das fake news, tais notícias foram tomadas por verdadeiras por boa parte da população, como revelou a pesquisa IDEIA Big Data/Avaaz: “83,7% dos eleitores de Jair Bolsonaro acreditaram na informação de que Fernando Haddad distribuiu o chamado kit gay para crianças em escolas [4].

Como destacou Giuliano Da Empoli (2022, p. 78), sobre o uso desse tipo de manipulação do público em eleições, “os complôs funcionam nas redes sociais porque provocam fortes emoções, polêmicas, indignação e raiva. E essas emoções geram cliques e mantêm os usuários colados ao monitor”. Dessa forma, as notícias falsas têm “70% a mais de probabilidade de ser compartilhada na internet, pois ela é, geralmente, mais original do que uma notícia verdadeira”.    

Vistos com alguma distância temporal, esses movimentos a partir de 2014 parecem indicar o início do deslocamento dos projetos e ambições da família Bolsonaro, culminando com a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência da República. Passo em seguida a descrever uma parte dessa chegada, sobretudo no que diz respeito ao tratamento que a área da educação recebeu do novo mandante do Poder Executivo federal.

 

A EDUCAÇÃO (E AS CIÊNCIAS SOCIAIS) SOB ATAQUE: A BALBÚRDIA

            No primeiro semestre de 2019 tinha início o governo Bolsonaro, liderado por um militar reformado de baixa patente e ex-deputado federal por 30 anos, que foi eleito Presidente da República em um “partido de aluguel”, o até então inexpressivo PSL, sem coalizões partidárias e com pouquíssimo tempo de televisão durante o horário eleitoral gratuito (o que, até as eleições de 2018, eram fatores considerados pelos especialistas como determinantes para o resultado de eleições majoritárias, fazendo com que muitos errassem suas previsões). O tom que prevaleceu em sua campanha foi de que se tratava de um “outsider”, alguém não corrompido pelos vícios da política tradicional e que promoveria uma renovação do país, não se deixando levar pelos acordos e conchavos e pelo toma-lá-dá-cá das negociações interpartidárias que caracterizavam a vida democrática institucionalizada em Brasília, ou aquilo que chamou de “velha política” (NOBRE, 2020).

Sem achar necessário compor uma base no Congresso, um dos pilares de sustentação do governo passou a ser o grande número de militares nomeados para cargos de primeiro escalão. Além deles, o ministro da Economia, Paulo Guedes, ficou responsável por fazer a ponte com o mercado financeiro e a elite econômica do país, dando ares de normalidade civil e eficiência cosmopolita ao grupo instalado no poder. Um terceiro pilar, bastante atuante sobretudo nas redes sociais, foi chamado de “ala ideológica” do governo, e embora fosse composto majoritariamente por civis, liderados intelectualmente por Olavo de Carvalho, fazia com que os militares parecessem moderados (URIBE et al., 2019) frente a sua avalanche de teorias conspiratórias, bravatas e posturas radicais. É com esse grupo, chamado de ala ideológica, que ficaram alguns ministérios, como o das Relações Exteriores, o do Meio Ambiente e o Ministério da Educação (MEC).

            O primeiro que ocupou a vaga de ministro da educação, Ricardo Vélez Rodrigues, indicado por Olavo de Carvalho, durou pouco mais de três meses no cargo e ficou conhecido pela ineficiência, pelas demissões e indefinições de sua pasta, para além de propostas autoritárias frustradas na origem. Tais dificuldades colocaram em risco alguns dos principais projetos do MEC, inclusive o Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, que naquele ano acabou tendo graves problemas[5]. Após sua demissão, em 8 de abril de 2019, assumiu outra figura desconhecida, com pouca ou nenhuma trajetória na política ou no meio acadêmico: Abraham Weintraub. Em menos de um mês no cargo, ganhou notoriedade por afirmar, em entrevista ao jornal “O Estado de São Paulo”, no dia 30 de abril, que puniria universidades pela “balbúrdia” em seus campi, dando como exemplos a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Federal da Bahia (UFBA) e a Universidade Federal Fluminense (UFF), que chegaram a ter 30% de seu orçamento anual bloqueado. Apesar de mencionar o desempenho dessas instituições como uma das causas da medida drástica, as mesmas tiveram bom desempenho apontado e ganharam posições nos principais rankings de avaliação das universidades (ESTADÃO, 30/04/2019).

Tal bloqueio de verbas, que em seguida foi estendido a todas as universidades (o que gerou incertezas em algumas quanto à possibilidade de continuar com as atividades acadêmicas ao longo daquele ano: o Reitor da UFPR, Ricardo Fonseca, chegou a anunciar, em discurso na Assembleia Legislativa do Paraná, que a universidade corria o risco de não ter mais o seu funcionamento no segundo semestre se o corte fosse mantido), foi motivado por um grande contingenciamento anunciado pela equipe econômicas do governo, congelando R$ 30 bilhões, dos quais R$ 5,8 bilhões, o maior montante dentre todos os ministérios, viriam do MEC.

Mais do que a mera questão financeira, o que atingiu a fundo a comunidade acadêmica – que vinha sofrendo com seguidos cortes orçamentários desde, pelo menos, 2015 – foram as acusações feitas sem qualquer demonstração empírica e num linguajar até então inédito para um ocupante da pasta, além de seu aparente descaso em representar os interesses das universidades e da educação em geral frente aos contingenciamentos anunciados pelo governo. Para além das notas e cartas de repúdio que surgiram na época[6], as declarações do ministro foram o estopim de grandes manifestações em defesa da educação que se espalharam por todo o país no dia 15 de maio de 2019 (seguidas por contramanifestações governistas, menos expressivas, em muitos locais) e se repetiram quinze dias depois. De acordo com o site da Globo, que fez uma cobertura ampla dos protestos:

 

Foi a primeira grande onda de manifestações durante o governo do presidente Jair Bolsonaro, pouco mais de quatro meses após ele ter tomado posse. Em Dallas (EUA), Bolsonaro classificou os manifestantes de “idiotas úteis” e “imbecis” (G1, 2019).

 

Essas declarações do presidente, por sua vez, atiçaram as manifestações do dia 15 que ocorreram no fim da tarde e início daquela noite, após sua fala ser veiculada, e geraram uma outra onda de protestos, nas redes sociais e principalmente no Twitter, agrupadas em torno de hashtags como #EducacaoNaoeBalburdia; #TsunamiDaEducacao e #15M. Dentro dessa sequência vertiginosa de fatos, as ciências sociais e humanas receberiam atenção especial e ataques específicos, direcionados a elas com maior ênfase.

Gostaria de chamar atenção para a expressão que faz referência à sensação de vertigem, e que paradoxalmente é acompanhada pela percepção de imobilismo, ou seja, a desconfiança de que, apesar de tudo o que acontece, nada muda ou faz efeito. Mais do que uma experiência subjetiva, refiro-me a essa sequência de fatos, declarações, notícias e manifestos aqui mencionados como aquilo que o filósofo Byung-Chul Han (2017) chama de “massa de dados e de informações”, algo que resiste a qualquer tentativa de imprimir-lhe narratividade, dificultando a sua compreensão de modo geral e sua teorização – e, em decorrência, impedindo também a ação.

Isso explicaria parcialmente o sentimento de frustração que se seguiu a essa e a outras mobilizações populares contra Bolsonaro, retratadas pelos telejornais fundamentalmente com base em números (de manifestantes, de cidades em que houve protestos, etc., mensuráveis e comparáveis, portanto, com os atos contrários, pró-governo que se davam em seguida), geralmente com uso de mapas ou gráficos de apoio, e que eram incapazes de exercer influência sobre outros números: os que mostravam a aprovação do governo nas pesquisas de opinião. Não se trata aqui de acusar a “parcialidade” da cobertura midiática – uma acusação frequentemente mobilizada por Bolsonaro e seus apoiadores contra os principais meios de comunicação do país – mas justamente do contrário. Han opõe a mera positividade dos dados à negatividade do pensamento e da teoria, condição necessária para dar forma (e, portanto, inteligibilidade) ao mundo, num paralelo com as cerimônias e rituais, elementos muito caros à antropologia.

A experiência e o entusiasmo vividos pelos manifestantes não eram captados pelas reportagens, regidas por um tom de neutralidade objetiva e distanciamento (tanto formal, no padrão frasal jornalístico, quanto físico, com imagens aéreas ou remotas). Tampouco os relatos e as palavras, criativamente rabiscadas em cartazes nas mãos de estudantes e professores – alguns portando banners com seus próprios projetos de pesquisa –, nem suas canções ou “gritos de guerra” estavam presentes nas imagens mais veiculadas, isentas de carga dramática. A tradução das manifestações em números, portanto, tirava-lhes justamente seu potencial único, o de ser uma experiência narrável, que produz conhecimento, mas também que anuncia algo novo e gera consequências, dá nova forma a(e portanto transforma)o mundo. Segundo Han: 

         

A massa de dados e de informações, que hoje cresce de forma desmedida, desvia imensamente a ciência da teoria, do pensamento. Em si mesmas, as informações são positivas. A ciência positiva baseada em dados (a ciência Google®), que se esgota no nivelamento e comparação de dados, põe fim à teoria em sentido enfático. Ela é aditiva ou detectiva; não é narrativa nem hermenêutica. Falta-lhe a tensão penetrante e narrativa. Assim degringola em informações. Em virtude da crescente massa de informações e dados, hoje as teorias são muito mais necessárias do que antigamente. Elas impedem que as coisas se misturem e proliferem. Eles reduzem a entropia. A teoria clareia o mundo antes de esclarecê-lo. Temos de pensar a origem comum de teorias e cerimônias ou rituais. Elas colocam o mundo em forma. Formam o curso das coisas e lhe dão enquadramento a fim de que elas não extrapolem as fronteiras. A massa de informações de hoje, ao contrário, atua de modo deformativo. (HAN, 2017, p. 87-88). 

 

Este artigo tenta escapar de ao menos duas armadilhas. Uma delas é “chover no molhado” e repisar fatos e eventos já demasiadamente conhecidos de seus possíveis leitores, sem com isso fornecer nenhuma contribuição nova para aqueles já empenhados na luta pela educação e nas críticas ao governo. A outra, porém, é ceder à positividade absoluta da massa de dados e se negar a qualquer leitura ou esforço teórico, recusando assim a procura por dar algum enquadramento significativo ou tecer uma linha narrativa dos acontecimentos.

As ciências sociais e humanas, em meio a todo esse turbilhão, recebiam ataques diretos e qualificados do governo. Tais ataques começaram antes mesmo de que o uso da palavra “balbúrdia” provocasse a fúria dos manifestantes e desse maior visibilidade à questão. Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo em 10 de abril, imediatamente após tomar posse, Abraham Weintraub foi perguntado sobre o plano que tinha para as universidades federais. Em resposta, falou que o país precisaria estabelecer prioridades e mencionou a antropologia como um curso que não traria “bem-estar” para o formado nem para sua comunidade (no caso de o suposto antropólogo ser filho de agricultores): 

 

Qual o plano do senhor para as universidades federais?

O Brasil gasta muito e a produção científica com resultados objetivos para a população é baixa. O Brasil é um país de renda média que tem necessidades essenciais. Precisamos escolher melhor nossas prioridades porque nossos recursos são escassos. Não sou contra estudar filosofia, gosto de estudar filosofia. Mas imagina uma família de agricultores que o filho entrou na faculdade e, quatro anos depois, volta com título de antropólogo? Acho que ele traria mais bem-estar para ele e para a comunidade se fosse veterinário, dentista, professor, médico. O Japão direcionou recursos públicos para coisas mais objetivas e materiais (ESTADÃO, 10/04/2019).

 

O posicionamento do ministro em pouco tempo seria reforçado por seu superior. Assim, no dia 26 de abril de 2019, o presidente da República, Jair Bolsonaro, publicava em seu Twitter:

 

O Ministro da Educação @abrahamWeinT estuda descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas). Alunos já matriculados não serão afetados. O objetivo é focar em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte, como: veterinária, engenharia e medicina. 6:52 AM · 26 de abr de 2019·Twitter for iPhone[7].

 

Para além de frases soltas na imprensa e nas redes sociais, ficava claro que o projeto do novo governo para as ciências sociais e humanas era abandonar os investimentos na área com a justificativa de que iria priorizar outros setores acadêmicos. Essas declarações do governo, contudo, não eram simplesmente ataques voluntaristas de agentes públicos que desprezam a área das humanidades. Elas buscavam não apenas mobilizar, mas travestir-se de um desinteresse crescente e de um sentimento geral de que tais disciplinas não são importantes, de que sua utilidade imediata é questionável, de que são desperdício de dinheiro público e de investimento pessoal[8]. Indo além das manifestações contra o governo, o impulso de levar nossas ciências para fora da sala de aula dizia respeito também a essa lacuna, que deixáramos criar e se alargar, entre nós e os “outros” (a sociedade, o grande público, a população etc.).   

 

RUMO ÀS ESCOLAS PÚBLICAS DE CURITIBA

Foi durante as aulas de LABEPCS ao longo do primeiro semestre de 2019, mais precisamente entre os meses de abril e maio, que alguns alunos perguntaram se ficaríamos ali parados, “de braços cruzados”, enquanto as universidades federais e as humanidades eram vilipendiadas em âmbito nacional por figuras públicas com poder direto de decisão sobre seu destino. Tal provocação, válida, afinal, como uma crítica que se estende ao ensino universitário em geral, vinha ancorada no cenário político e no clima de incertezas e insegurança que busquei descrever acima, mas também expressava a urgência de que era preciso fazer alguma coisa para defender essas instituições (sentimentos dos quais eu compartilhava). O que esses alunos não esperavam, entretanto, é que esse “fazer alguma coisa” pudesse se tornar parte das atividades da disciplina LABEPCS. Esta, como tradicionalmente vem sendo lecionada, tem como principal função no curso a de ser um laboratório de produção de textos acadêmicos, em que os alunos entram em contato com a linguagem científica e aprendem a fazer resumos, fichamentos, resenhas, projetos de pesquisa etc. Tais habilidades são muito úteis ao longo do curso e conferem certa estrutura formal aos estudantes para lidarem com o conteúdo das diversas disciplinas que terão pela frente. As avaliações de LABEPCS, portanto, dado seu caráter instrumental, compreenderiam uma série de pequenos trabalhos práticos, e ao final do semestre um seminário em grupo.

A parte referente a ser também um “laboratório de ensino”, entretanto, como foi-me explicado, geralmente não recebia muita atenção ou acabava ficando de lado. Com o intuito de valorizar também a letra E da sigla, inicialmente foi proposto um seminário que seria apresentado em sala, em formato de micro-aulas ministradas pelos estudantes, sobre as diferentes áreas de atuação (e não apenas “áreas de conhecimento”) das CS: Antropologia, Arqueologia, Ciência Política, Sociologia e Licenciatura. Àquela altura do curso, encerrava-se o Núcleo Comum, e (com algumas exceções, de alunos que estavam em fases mais adiantadas no curso mas ainda não haviam cumprido os créditos dessa disciplina) os estudantes ainda não haviam optado pela habilitação de sua graduação em CS (Licenciatura ou Bacharelado) nem, no caso deste último, pela linha de formação (Antropologia/Arqueologia, Ciência Política ou Sociologia). Portanto, o seminário teria também a finalidade de ajudar na escolha por uma dessas áreas.

Já no início de maio, aproveitando o intervalo de uma semana entre as aulas, entrei em contato com uma das alunas de LABEPCS, uma professora aposentada de um grande colégio estadual em Curitiba, que estava cursando sua segunda graduação. Lembrei-lhe de que na última aula a turma havia demonstrado forte desejo de não ficar apenas dentro de sala discutindo entre si, mas de compartilhar conhecimento com quem está fora da universidade. Sugeri então realizar as apresentações em outro local, um espaço aberto ou, melhor ainda, em uma escola pública, apresentando a alunos secundaristas as áreas das CS. Os contatos que ela fez em seu antigo ambiente de trabalho, entretanto, sugeriram a via burocrática: protocolar um pedido por escrito junto ao órgão interno (Coordenação, Divisão...) específico, que deliberaria sobre a questão.

Não é preciso dizer que esse primeiro caminho não deu certo. A preocupação dos dirigentes do colégio com uma possível “agitação política” causada pela presença de estudantes universitários dentro de seus muros naquele contexto não estava explícita, mas pode ter sido um dos motivos não declarados para a recusa, de resto lacônica como costuma ser a linguagem burocrática[9].

Apesar do insucesso da primeira tentativa, na aula seguinte, quando expusemos o plano para a turma toda, outras possibilidades se abriram. Algumas estudantes oriundas da rede pública de ensino se disponibilizaram a entrar em contato com suas antigas escolas, e outras, que já faziam estágio-docência na habilitação em Licenciatura em CS, se dispuseram a falar com o professor de Sociologia que as supervisionava na escola. Nesse momento, estava claro que se tratava de uma atividade elaborada em conjunto entre o professor e a turma, demandando uma participação proativa dos alunos, algo que surpreendeu alguns destes que, apesar do discurso exaltado contra o atual estado de coisas, não esperavam tal cobrança, sobretudo em um curso marcado pela forte ênfase na formação intelectual.

Das sugestões que ali surgiram, três se concretizaram, sendo nossas idas a essas escolas marcadas para as manhãs de segunda-feira (horário da aula de LABEPCS) das três últimas semanas do semestre. O protagonismo de algumas estudantes (todas mulheres, destaque-se), que moveram suas redes relacionais para conseguir nossa presença nas escolas, foi diretamente responsável pelo êxito da atividade, que passou a contar com a adesão de virtualmente toda a turma, o que incluiu um esquema de caronas para chegar às escolas mais distantes no horário marcado, de manhã cedo. Chamou atenção também o contraste entre o fracasso da “via burocrática”, tentada anteriormente, e a celeridade e aparente facilidade com que todo o processo se deu pela via das relações pessoais – o que remete novamente a Roberto DaMatta (1997), mas desta vez invertendo o polo negativo da oposição entre indivíduo e pessoa, que ele atribui à última enquanto um sinal de nosso atraso civilizacional em comparação a países protestantes.

Cabe aqui introduzir mais um elemento nessa mistura de agentes, indispensável para a compreensão da situação que nos envolvia, sobretudo no contexto recente da educação no estado do Paraná. Isso porque as ocupações secundaristas de escolas paranaenses no ano de 2016, que eram principalmente contra a reforma do Ensino Médio e a PEC 241 (do “teto de gastos”) propostas pelo governo de Michel Temer, foram um dos mais relevantes fenômenos políticos espontâneos que, na esteira das grandes manifestações de 2013, ofereceram alguma resistência (PRATES et al., 2017; FIRMINO; RIBEIRO, 2019) ao processo neoliberal e precarizador em curso no país (SANTOS, 2016; MENDES, CARNUT, 2020).

Com mais de 800 escolas ocupadas por todo o estado, interferindo até nas eleições municipais daquele ano (CARAZZAI, 2016), o movimento que ficou conhecido como a “primavera secundarista”, por fazer eco a outros levantes populares pelo mundo na última década, ainda reverbera na vida política paranaense, sendo provavelmente seu último evento[10] significativo. Uma das principais representantes do movimento dos secundaristas, Ana Júlia Ribeiro, fora convidada a falar na Assembleia Legislativa do Paraná no dia 26 de outubro de 2016, e com apenas 16 anos fez um discurso memorável. Entre outras coisas, criticou o movimento Escola Sem Partido, a PEC 241 e afirmou que as ocupações eram uma lição de política e cidadania que não se aprendia em sala de aula:

 

Uma escola sem partido é uma escola sem senso crítico, é uma escola racista, é uma escola homofóbica. (Aplausos). A escola sem partido é falar para nós estudantes, é falar para os jovens, é falar para a sociedade, que querem formar um exército de não pensantes, um exército que ouve e abaixa a cabeça, e nós não somos isso. Nós temos uma história, e nessa história a gente luta contra isso. E em meados do século 21, em pleno ano de 2016, vocês querem nos colocar um projeto desse? O Escola Sem Partido nos insulta, no humilha, nos fala que a gente não tem capacidade de pensar por si próprio. Só que a gente tem, e a gente não vai baixar a cabeça para isso.

[...] Os colégios do Paraná e do Brasil estão [ocupados] pela educação. Nós não estamos lá para fazer baderna, nós não estamos lá de brincadeira. Nós estamos lá por um ideal. Nós estamos lá porque a gente acredita no futuro do nosso país. Este país é nosso. Vai ser dos meus filhos, vai ser dos filhos dos meus filhos, e eu me preocupo com este país. E nós estamos lá porque nós nos preocupamos com este país.    

[...] O movimento estudantil nos trouxe um conhecimento muito maior sobre política e cidadania do que todo o tempo em que nós estivemos sentados e enfileirados em aulas-padrões. Uma semana de ocupação, em que nós estamos, nos trouxe mais conhecimento sobre política e cidadania do que muitos outros anos que a gente vai ter dentro de sala de aula[11]

 

Organizados de forma autônoma e horizontal, apartidários, com assembleias abertas em que as decisões eram tomadas de forma colegiada, divididos em comissões temáticas e executando as mais variadas tarefas, da limpeza da escola à segurança e à comunicação, os secundaristas criaram, mesmo que durante um curto lapso de tempo, um tipo de comunidade raramente visto, que remete ao sentido original da palavra política. Segundo Hannah Arendt (2007, p. 211):

 

A rigor, a polis não é a cidade-estado em sua localização física; é a organização da comunidade que resulta do agir e falar em conjunto, e o seu verdadeiro espaço situa-se entre as pessoas que vivem juntas com tal propósito, não importa onde estejam.

 

É evidente que não seríamos nós que ensinaríamos qualquer coisa ou teríamos qualquer influência sobre os secundaristas em termos de agitação, “conscientização” ou mobilização política; o contrário é que era muito mais provável de acontecer. De fato, a ideia de irmos ao encontro dos secundaristas – essa figura que passou a povoar nosso imaginário, um(a) secundarista politizado(a) e auto-organizado(a), incorruptível, ou seja, “hiper-real”,  para usar a expressão que Alcida Rita Ramos (1995) atribui ao imaginário criado sobre os povos indígenas – não deixava de exercer um certo fascínio sobre nós. Claro que essa imagem fantasiosa não sobreviveu ao primeiro dos três encontros que realizamos, justamente na escola em que os estudantes secundaristas se mostraram mais tímidos e avessos à interação (talvez porque nós também não soubéssemos o que iria acontecer), e na qual não encontramos nenhum sinal dos “dias gloriosos” de 2016 (não sei se a escola em questão fora ou não ocupada na época).

 

“AS ÁREAS DE ATUAÇÃO DAS CIÊNCIAS SOCIAIS”: UM ENCONTRO DE UNIVERSITÁRIOS E SECUNDARISTAS

Em vez de fazer o relato cronológico das três experiências que tivemos, narrando detalhes que talvez não interessem às questões aqui levantadas, procuro me ater a alguns episódios reveladores das potencialidades que estavam em jogo nesses encontros entre universidade e escolas. Eles foram observados e vivenciados durante a realização da nossa atividade nas três escolas em que estivemos, e foram fruto do convívio – ainda que esporádico – de estudantes de CS e estudantes secundaristas. Essa interação às vezes se deu sob a desconfiança (mais nossa do que deles) de que a outra parte estivesse usando de sarcasmo, ou mesmo desprezo, dado o caráter mais ou menos “coagido” com que tinham que participar da atividade e dado o grau de especialização acadêmica que poderíamos carregar. É sobre desfazer essa desconfiança inicial que se tratam os casos que optei por abordar.

O primeiro diz respeito à preocupação que tínhamos em saber se o conteúdo levado até eles seria, se não compreendido, ao menos apreendido por estudantes do primeiro ao terceiro ano do Ensino Médio. Segundo uma delicada conjugação entre a divisão das turmas, os horários da escola e a dinâmica das nossas exposições, os alunos flutuavam livremente entre os cinco “estandes” que armávamos na parte coberta do pátio de cada escola, cada um deles com uma equipe de estudantes de CS apresentando uma das áreas das CS. Na primeira escola, num momento que parecia ser de dispersão, no estande da Arqueologia uma de nossas alunas mais dedicadas apresentava e explicava o que eram alguns artefatos arqueológicos (réplicas) que ela trouxera, emprestados do acervo do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da UFPR. Um dos secundaristas, que segundo nos disseram seus colegas posteriormente, tinha poucos amigos – e que, no estande de Sociologia, havia defendido, contra a opinião geral de seus colegas, a liberação de armas à população, um dos principais projetos de Bolsonaro – aproximou-se de um artefato, pegou-o em sua mão e perguntou: “O que é isso? Cocô?”.

Aqui cabe um parêntese: não haveria qualquer relação entre essa pergunta e o apoio a Bolsonaro antes da liberação, pelo ministro do STF Celso de Mello, do vídeo com a escatológica reunião interministerial do dia 22 de abril de 2020, período em que este artigo começou a ser escrito. Na reunião, Bolsonaro refere-se aos sítios arqueológicos com a mesma palavra utilizada pelo adolescente:

 

O IPHAN para qualquer obra do Brasil, como para a do Luciano Hang. Enquanto tá lá um cocô petrificado de índio, para a obra, pô! Para a obra. O que que tem que fazer? Alguém do IPHAN que resolva o assunto, né? (SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL, 2020, p. 27).

 

A estudante de CS, pacientemente, explicou que se tratava de uma resina, utilizada para prender a ponta de flecha (para não usar a expressão técnica, “ponta lítica”), de pedra lascada, geralmente sílex ou basalto, no cano da flecha. Imediatamente, o aluno se dispersou, tentando integrar algum grupo. Naquele momento, eu estava junto ao estande de Arqueologia e tive a impressão de que a explicação não surtira qualquer efeito. Passado um tempo, um grupo de secundaristas aproxima-se do estande e um deles pega a mesma peça na mão e pergunta: “O que é isso? Uma granada?” O aluno anterior, que estava por perto, tomou a peça da mão do colega e respondeu: “não, isso aqui é resina, utilizada para prender a ponta da flecha, para caçar”. Passei a utilizar esse episódio como exemplo, para as demais equipes, de que mesmo parecendo que não estavam prestando muita atenção em nós ou no assunto que trazíamos, nossas falas surtiam algum efeito.      

O segundo exemplo segue um roteiro semelhante. O estande de Antropologia tinha um banner impresso com a foto em preto e branco de um grupo de indígenas, provavelmente de meados do século XX. Os estudantes que compunham a equipe vieram reclamar comigo da postura jocosa e provocativa com que foram interrogados com a seguinte pergunta: “Isso é uma selfie? Índio tem celular?”. Tentei convencê-los de que essa fosse talvez uma forma padrão de abordagem dos adolescentes, e que a estavam usando para interagir conosco, provocando-nos e testando alguns limites, nossos, seus e do conhecimento. Não deixava de ser uma forma de inquirir e descobrir coisas novas sobre si e o mundo, porém ainda sem o traquejo e os cuidados necessários para não ofender ninguém. E para nós, antropólogos (formados ou em formação), eles estavam justamente “levantando a bola” que qualquer especialista gostaria de usar como pretexto para iniciar uma reflexão “problematizadora” sobre dinamicidade da cultura, fabricação da identidade ou a sobrevivência de grupos étnicos – recorrendo a autores como Manuela Carneiro da Cunha, Masrshall Sahlins e Roberto Cardoso de Oliveira, entre outros. E foi mais ou menos isso o que fez aquele grupo de estudantes de CS, que tinha um conhecimento de etnologia indígena acima da média, aproveitando a oportunidade para tentar desconstruir algumas naturalizações e reificações sobre os povos indígenas que nós mesmo já aprendemos a deixar para trás.    

Na última escola, um estudante que era reconhecido por seus professores e colegas como estando entre os “melhores da turma” em termos de desempenho escolar e senso crítico (o que me foi confirmado pela professora de matemática) aproximou-se do estande de Ciência Política, que contava com uma boa audiência naquele momento, e perguntou sobre a polarização política entre “esquerda” e “direita” na qual o país estava mergulhado. Essa escola era a mais distante do centro e também a que percebemos ser a menos rígida com a disciplina e o comportamento, o que se refletia numa maior iniciativa e participação dos alunos e dos professores na hora de interagir conosco. Mesmo assim, não era a primeira vez que perguntas de conteúdo político nos eram feitas por secundaristas, principalmente nos estandes de Ciência Política e Sociologia. Como eu estava junto àquele estande no momento, senti-me obrigado a contribuir com o debate, depois que os membros da equipe fizessem a sua explicação.

Nessa hora, tudo aquilo que chamei de “pano de fundo sombrio” no início deste artigo impunha sua presença sobre mim e os outros, e eu sentia que cada palavra minha seria medida, pesada e destrinchada na busca de alguma atitude suspeita – mesmo que o clima entre nós, naquela escola, fosse bastante amigável e acolhedor, e que o assunto fosse de interesse geral. Comecei elogiando a intervenção do estudante e dizendo que a polarização política era um dos grandes desafios que enfrentávamos no país. Mas desenvolvi minha resposta criticando a oposição entre direita e esquerda como linear, unidimensional, incapaz de traduzir todas as posições possíveis no espectro político.

Lembrei de um quadro bastante conhecido na internet que cruza dois eixos: esquerda-direita, na horizontal (eixo x), e autoritário-libertário, na vertical (eixo y), cuja origem é atribuída ao psicólogo Hans Eysenck, em 1957 (HEYWOOD, 2017, p. 17) [12]. Esse quadro por si só já deixa a questão das divergências políticas bem mais complexa, multiplicando as possibilidades de posições: autoritário de esquerda, autoritário de direita, libertário de direita, libertário de esquerda, com diferentes graus para mais e para menos entre elas. Sugeri então que tentássemos imaginar um terceiro eixo, perpendicular aos outros dois, tornando a figura tridimensional, e que esse terceiro eixo (eixo z) poderia ser o ambiental, ou ecologista-poluidor, o que levaria a oito posições possíveis apenas dentre as mais extremas no “cubo”. Não sei quais foram os efeitos políticos que minha fala teve, mas a professora de matemática, que havia elogiado o aluno, mostrou-se bastante interessada com o modelo explicativo, que remetia ao plano cartesiano e ao sistema tridimensional de coordenadas.

Todas essas situações que acabei de narrar pegaram-nos de surpresa, por mais que tivéssemos nos preparado para essa atividade. Seja pelo conteúdo das perguntas ou pela forma com que elas eram feitas, não apenas elas, mas nossas próprias reações às vezes nos surpreendiam. Por conta disso, essa experiência foi também uma excelente oportunidade de auto-observação, de aprendizado sobre como agir em situações imprevistas, que surgem da interação direta com outros sujeitos. Lembrando que, para Hannah Arendt, como citado anteriormente, as previsões são nada mais do que projeções dos “procedimentos automáticos do presente”, ou seja, o imprevisto é aquilo que, abrindo-se ao devir, rompe com a rotina e destrói o padrão sobre o qual as previsões são feitas. Algo que parecia impossível se não tivéssemos saído da sala de aula.  

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Procurei aqui descrever, dentro dos limites impostos pelas condicionantes materiais, éticas, profissionais e metodológicas (BEVILAQUA, 2003; GUSMÃO, 1997), uma atividade com estudantes universitários interagindo com adolescentes secundaristas em escolas públicas. Talvez o lado mais fraco do tripé acadêmico, a falta de atividades de extensão pode ser uma lacuna que afasta as CS de ambientes e sujeitos diversos do meio acadêmico, e cuja importância vem justamente de sua alteridade, ou seja, dos novos (para nós) olhares e das provocações com que nos confrontam, com que deslocam nosso próprio olhar (DAOLIO, 1995). Lidar com esses diferentes pontos de vista é por vezes repudiado ou rejeitado, paradoxalmente, por quem se reconhece como um estudioso da diversidade humana. Atividades didáticas em escola, como a que realizamos no primeiro semestre de 2019, podem ser um bom começo para um salutar movimento de saída da sala de aula – comparável, talvez, ao que foi a saída do gabinete para a pesquisa antropológica –, revelando um caminho relativamente seguro e tranquilo, apesar das tensões que o cercam.

            Os ataques às universidades podem ter iniciado pelo que o governo pensava ser o seu lado mais fraco, as “humanidades”, mas logo se percebeu que se tratava de uma postura anticientífica, que atingia as universidades e a ciência como um todo. O lado anticientífico de Bolsonaro e seu governo evidenciou-se com a crise desencadeada pela pandemia de Covid-19, um ano depois, mas já era uma forte característica sua desde a campanha, movida com base em “teorias da conspiração”, e já estava em curso no início do seu mandato, com ameaças e ataques sistemáticos às universidades e instituições de pesquisa.

Em um artigo recente, os professores de antropologia Guilherme Sá (UnB) e Rafael Antunes Almeida (UNILAB) (2020) reconhecem que, entre a população brasileira, uma parte menor despreza o conhecimento e a produção científica. Essas pessoas mobilizam a experiência direta e o testemunho pessoal (casos dentro da família, depoimentos de amigos, experiências caseiras etc.) como contraponto ao saber científico, embora não se autoclassifiquem como anticientíficos. Do outro lado, segundo os dois autores, estariam aqueles que nutrem “um sentimento quase messiânico em relação aos cientistas”. Ambas as posturas, niveladas entre si, produziriam um “vazio de crítica social qualificada” e um uso deturpado da crítica pós-moderna à ciência, que dentre outras coisas acusa o seu uso político ou os interesses a ela associados. E esse vácuo vem sendo ocupado atualmente por terraplanistas, teorias anti-vacina e negacionistas do afastamento social e das outras medidas indicadas contra o coronavírus, como os que hoje compõem o governo e seus apoiadores. Como forma de combater esse nivelamento, Sá e Almeida não propõem uma defesa cega das ciências como saberes inquestionáveis, pois isso apenas reforçaria o impasse em que estamos. Ao contrário defendem o que chamam de artefactualidade da ciência (SÁ; ALMEIDA, 2020, p. 5).

Creio que o termo seja bastante preciso e propício para apontar uma saída para o falso dilema entre ciência e política. Quando vista de perto, a prática científica perde sua “aura” de saber sagrado ou de projeto secreto, ambas corrupções mistificadoras de sua natureza demasiadamente humana (e inumana). A atividade que realizamos nas escolas procurou aproximar as ciências sociais de um público para quem elas são saberes ainda distantes, ou representam um conjunto de palavras muito abstratas – apesar dos esforços dos professores de Sociologia no Ensino Médio e de alguns gestores das escolas. Mais do que levar o conhecimento àqueles alunos, à maneira missionária, estávamos renovando esse elo fundamental entre ciência e vida em sociedade, um movimento que com este artigo, pretendo dar continuidade, demonstrando a artefactualidade das ciências sociais.     

           


 

REFERÊNCIAS

 

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Matérias de jornal e revista

 

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“MEC cortará verba de universidade por ‘balbúrdia’ e já mira UnB, UFF e UFBA”. (2019), Estadão, 30 abr. Disponível em https://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,mec-cortara-verba-de-universidade-por-balburdia-e-ja-mira-unb-uff-e-ufba,70002809579. Acessado em 16/09/2021.

 

“Ministro defende tirar Bolsa Família de aluno agressor”. (2019), Estadão, 10 abr. Disponível em https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministro-defende-tirar-bolsa-familia-de-aluno-agressor,70002785912. Aceso em 16/09/2021.

 

“Protestos e paralizações contra cortes na educação ocorrem em todos os estados e no DF”. (2019), G1, 15 mai (Educação). Disponível em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2019/05/15/cidades-brasileiras-tem-atos-contra-bloqueios-na-educacao.ghtml. Acesso em 16/09/2021.

 

“Ameaça de atentado na UFPR suspende aulas nesta quarta; atividades serão retomadas na quinta”. (2019) Gazeta do Povo, 10 abr. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/curitiba/ufpr-tem-ameaca-de-atentado/. Acesso em 31/05/2021.

 

SITES CONSULTADOS EM 16/09/2021

 

https://educacaointegral.org.br/reportagens/especialistas-desconstroem-os-5-principais-argumentos-escola-sem-partido/

 

https://www.infoescola.com/educacao/escola-sem-partido/

 

https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/tse-diz-que-kit-gay-nao-existiu-e-proibe-bolsonaro-de-disseminar-noticia-falsa/

 

https://congressoemfoco.uol.com.br/educacao/kit-gay-nunca-foi-distribuido-em-escola-veja-verdades-e-mentiras/

 

https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/como-foram-os-tres-meses-de-velez-rodriguez-como-ministro-da-educacao/

 

https://noticias.r7.com/educacao/em-4-pontos-os-erros-que-transformaram-o-enem-2019-em-crise-31012020

 

https://twitter.com/jairbolsonaro/status/1121713534402990081

 

https://educacao.uol.com.br/noticias/2019/12/17/por-que-cai-o-interesse-nos-cursos-de-ciencias-sociais-e-filosofia.htm?cmpid=copiaecola

 

https://www.youtube.com/watch?v=oY7DMbZ8B9Y

 

politicalcompass.org

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Espectro_pol%C3%ADtico

 

https://www.change.org/p/american-museum-of-natural-history-petition-to-cancel-event-in-honor-of-bolsonaro-at-american-museum-of-natural-history

 



[1]Doutor em Antropologia pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília (UnB). Mestre em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGD-UFSC). Bacharel em Direito pela UFSC.



[1] Para dar um exemplo da ansiedade e insegurança que nos acompanharam naquele semestre, relembro a ameaça de atentado que fez com que a UFPR suspendesse as aulas no dia 10 de abril, o que gerou pânico em alguns locais da universidade (GAZETA DO POVO, 2019). Nos dias que se seguiram à ameaça, alguns estudantes e professores se recusaram a comparecer às aulas, e recebi mensagens de alunos perguntando ou pedindo para não haver aula. Apesar de remota, a imagem de atentado em espaços educacionais estava bem viva na memória de todos, pois menos de um mês antes, em 13 de março de 2019, ocorrera o massacre de Suzano, em que dois adolescentes invadiram a escola estadual onde haviam estudado e lá mataram sete pessoas, deixaram outros 11 feridos e em seguida se mataram.

[2] Preocupação que, por considerar válida, optei por respeitar, omitindo o nome das três escolas em que a atividade foi realizada. Em outros tempos e sob outras condições, creio que fosse preferível mencioná-las.

[3] Ver: https://educacaointegral.org.br/reportagens/especialistas-desconstroem-os-5-principais-argumentos-escola-sem-partido/ e https://www.infoescola.com/educacao/escola-sem-partido/.

[4] Ver: https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/tse-diz-que-kit-gay-nao-existiu-e-proibe-bolsonaro-de-disseminar-noticia-falsa/ e https://congressoemfoco.uol.com.br/educacao/kit-gay-nunca-foi-distribuido-em-escola-veja-verdades-e-mentiras/.

[5] Ver, por exemplo, https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/como-foram-os-tres-meses-de-velez-rodriguez-como-ministro-da-educacao/ e https://noticias.r7.com/educacao/em-4-pontos-os-erros-que-transformaram-o-enem-2019-em-crise-31012020.

[6] Destacando-se a carta aberta assinada por seis ex-ministros da educação, no dia 4 de junho, fazendo referência ao consenso que se construiu em torno da educação nas últimas décadas, posto em risco pelo atual governo (TUON, 2019).

[7] Fonte: https://twitter.com/jairbolsonaro/status/1121713534402990081.

[8] Ver: https://educacao.uol.com.br/noticias/2019/12/17/por-que-cai-o-interesse-nos-cursos-de-ciencias-sociais-e-filosofia.htm?cmpid=copiaecola. A perda de interesse, traduzida na queda da procura pelo curso, foi um dos motivos da última reforma curricular do curso de Bacharelado em CS na UFPR, como consta no seu Projeto Pedagógico atual, que passou a valer em 2012. Além da alta taxa de evasão, o Projeto reconhece que, entre 2007 e 2009, houve uma redução de mais de 40% na procura pelo curso de Ciências Sociais (UFPR, 2010).

[9] Há estudos que se propõem a uma antropologia dos procedimentos burocráticos, como os realizados por Danilo Cézar Pinto (2016).

[10] Sobre a definição de evento, a filósofa Hannah Arendt (1985, p. 7) escreve: “Eventos, por definição, são ocorrências que interrompem processos e procedimentos de rotina”.

[11] Vídeo disponível em “Ana Julia Ribeiro, da escola Senador Manuel Alencar Guimarães, discursa no plenário da Alep” no Youtube (https://www.youtube.com/watch?v=oY7DMbZ8B9Y). Transcrição feita pelo autor.

[12] Ver o verbete “Espectro Político” da Wikipédia:  https://pt.wikipedia.org/wiki/Espectro_pol%C3%ADtico; além do site britânico politicalcompass.org, em que é possível localizar sua posição política no quadro após responder a um questionário.