A CONTROLADORIA E AS OBJEÇÕES em empreendimentos de ECONOMIA SOLIDÁRIA quanto a gestão:

um estudo exploratório

Plínio Gonçalves Fahd[1]

Universidade Estadual do Maranhão – UEMA – Campus Bacabal

fhad@terra.com.br

 

Alcione Lino de Araújo[2]

Instituto Federal do Maranhão – IFMA – Campus Santa Inês

alcionelino@ifma.edu.br

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Resumo

Essa pesquisa tem como objetivo analisar a controladoria e as objeções em empreendimentos de economia solidária quanto a gestão. Para obtenção do objetivo indicado efetuou-se uma pesquisa exploratória, de natureza bibliográfica e documental, de desempenho qualitativo, cujos dados primários foram apurados por meio da técnica de entrevista, através de um questionário semiestruturado. Os resultados testemunharam que os principais obstáculos contábeis seriam em relação a aquisição e revelação das informações precisas dos patrimônios das cooperativas e/ou associações, em fazer com que os cooperados/associados assimilem a respeito da importância que tem a contabilidade para a relevância do patrimônio das cooperativas e/ou associações, controlando e demonstrando as modificações patrimoniais das entidades por meio das técnicas contábeis. A exiguidade de consultoria contábil e assessoria na área de empreendimentos solidários e a limitação na base educacional desses cooperados e/ou associados os acometem a absorverem e compreenderem não só os conhecimentos, esclarecimentos contábeis, mas as informações básicas, no que se refere a cálculos, custos, estratégias, a estrutura elementar da matemática, entre outros assuntos, que foram outras instigações apontadas nos resultados. A guisa de conclusão, apresenta que as abordagens contábeis presentes na atualidade podem ser utilizadas em empreendimentos de economia solidária como as cooperativas e associações, não tendo necessidade de se criar modelos e ferramentas contábeis.

Palavras-chave: Associação. Controladoria. Cooperativa. Economia Solidária.

 

CONTROLLERSHIP AND OBJECTIONS IN JOINT ECONOMY ENTERPRISES REGARDING MANAGEMENT:

an exploratory study

 

Abstract

This research aims to analyze the controllership and objections in solidarity economy ventures in terms of management. To obtain the indicated objective, an exploratory research was carried out, of a bibliographic and documentary nature, of qualitative performance, whose primary data were determined through the interview technique, through a semi-structured questionnaire. The results showed that the main accounting obstacles would be in relation to the acquisition and disclosure of accurate information on the assets of cooperatives and/or associations, in making the cooperative members/associates assimilate about the importance that accounting has for the relevance of the assets of the cooperatives and/or associations. cooperatives and/or associations, controlling and demonstrating the changes in the entities' assets through accounting techniques. In addition, the scarcity of accounting consultancy and assistance in the area of solidary enterprises and the limitation in the educational base of these cooperative members and/or associates affect them to absorb and understand not only the knowledge, accounting clarifications, but the basic information, in what concerns refers to calculations, costs, strategies, the elementary structure of mathematics, among other subjects, which were other instigations pointed out in the results. As a conclusion, it shows that current accounting approaches can be used in solidarity economy enterprises such as cooperatives and associations, without the need to create accounting models and tools.

Keywords: Association. Controllership. Cooperative. Solidarity Economy.

1  INTRODUÇÃO

Os empreendimentos solidários vêm auferindo cada vez mais prestígio, mais destaque na sociedade com o passar dos anos. Diante da crise atual que é incessantemente divulgada pelas mídias, os empreendimentos solidários, o arquétipo das cooperativas e/ou associações, se despontam como uma extraordinária alternativa de geração de trabalho e renda para a sociedade.

O Brasil, um país que padece com o crescimento do desemprego - 9,8% no primeiro trimestre de 2022 (IBGE, 2022). Essa veracidade tem afetado todos os setores econômicos.  Em consequência disso, os empreendimentos solidários passaram a ser uma opção viável que se tem alastrado no Brasil.

A economia solidária correlaciona, associa os princípios da unidade entre posse e uso dos meios de produção e distribuição, com os princípios da socialização desses meios. De tal modo, os mesmos que produzem são os mesmos que detêm os meios de produção em um sistema de autogestão. Não existe um patrão, todos os empregados contribuem, participam das decisões administrativas em igualdade de condições.

Os empreendimentos solidários são envoltos, rodeados de princípios que incentivam seu funcionamento sob uma lógica que preza, admira mais o trabalho e seus participantes. Singer e Souza (2000) destacam os principais princípios como: posse coletiva dos meios de produção pelas pessoas que as utilizam para produzir; gestão democrática da organização ou por participação direta ou por representação; repartição da receita líquida entre os cooperadores e/ou associados por critérios aprovados após discussões e negociações entre todos.

As cooperativas e/ou associações, carecem de instrumentos contábeis que mensurem, registrem, controlem e evidenciem os fluxos de recursos gerados, bem como, as mutações patrimoniais realizadas nessa entidade. Aliás, tais instrumentos, no contexto atual, ainda são utilizados seguindo os exemplares, modelos empresariais tradicionais, interpelando-se sua aplicação nesse tipo de empreendimento e a necessidade de ajustamento, adequação, face aos objetivos dos empreendimentos solidários, no qual concilie com as exigências de agentes externos que, em muito dos casos, subsidiam esse tipo de atividade.

Luconi e Karling (2011) apresentam que uma investigação acerca das abordagens contábeis aplicáveis aos empreendimentos de economia solidária quanto as objeções encontradas, muitas vezes, pelos próprios membros desses empreendimentos em entender, assimilar são em utilizar instrumentos contábeis adequados, bem como, a ausência de clareza quanto o uso, sem adequação à realidade desses tipos de empreendimentos, pelos profissionais da área contábil, levando ao uso de instrumentos idênticos aos usados pelas empresas. Deste modo, colabora para esse cenário a ausência de instrumentos e modelos ajustáveis a esse tipo de empreendimento, como também a falta de entrosamento do uso adequado das ferramentas contábeis atuais, o que pode gerar objeções na perspectiva de gestão, controle, demonstração e evidenciação das informações do desempenho e da sustentabilidade econômica desse empreendimento no tempo.

Em consideração a isso, questionam-se quais seriam as adversidades contábeis no processo de gestão em empreendimentos de economia solidária, bem como as que permeiam as cooperativas e/ou associações?

Portanto, a pesquisa evidencia como objetivo geral analisar as objeções da controladoria em empreendimentos de economia solidária quanto a gestão. Para obtenção do objetivo indicado efetuou-se uma pesquisa exploratória, de natureza bibliográfica e documental, de desempenho qualitativo, cujos dados primários foram apurados por meio da técnica de entrevista, através de um questionário semiestruturado.

 

2  ECONOMIA SOLIDÁRIA E AS OBJEÇÕES DA CONTROLADORIA QUANTO A GESTÃO DE EMPREENDIMENTO SOLIDÁRIO

A Economia Solidária surgiu no cenário econômico e social no final do século XIX, como uma alternativa aos modelos organizacionais capitalistas. Esse novo modelo de economia teve lugar em diversos países, porém enfrentou dificuldades quanto à diferenciação do sistema capitalista, fazendo com que algumas dessas iniciativas se submetessem ao capitalismo, fazendo com que pudesse perder suas características solidárias (SANTOS et al., 2012).

Corroborando com Santos et al. (2012), o advento da economia solidária teve impulso após o surgimento excedente de mão de obra, resultado do êxodo rural, e um movimento de militantes sociais que lutavam por formas diferentes de organização laboral. Ao constituírem um empreendimento solidário, todos os atores envolvidos estão interessados em seu desenvolvimento e sucesso, e devido a isso, os empreendimentos tornam-se, ao longo do tempo, viáveis e sustentáveis. O trabalho cooperado e/ou associado, organizado e solidário representa uma forma significativa de promover o desenvolvimento econômico e social para sociedades carentes de renda e de políticas públicas pertinentes (TAUILE e RODRIGUES, 2004).

Para Gaiger (2003, p.191), “o fenômeno da economia solidária guarda semelhanças com a economia camponesa”, principalmente por haver diferenças entre o modo social de produção solidária e o modo de produção assalariado, e pela distinção de princípios e finalidades do que excede da produção. No entanto, as iniciativas de economia solidária assumem diversas experiências, incluindo: agricultura familiar; empresas recuperadas através de autogestão; cooperativas; associações; economias indígenas e quilombos (LISBOA, 2005).

Tauile e Rodrigues (2004, p. 36) apresentam que empreendimentos solidários “surgem em grande número, sejam de produção, trabalho, consumo ou crédito, dentro de um movimento cada vez mais combinado entre a sociedade civil e as políticas públicas progressivas”. Porém, a prática da economia solidária prevê uma unidade entre a posse dos meios de produção e o uso desses no processo produtivo. Além disso, o poder de decisão, controle e a gestão do empreendimento pertencem à sociedade de trabalhadores, onde todos participam, com direitos iguais (GAIGER, 2003).

Não é por acaso que esse modelo de economia carrega o adjetivo de solidária, pois justamente “a novidade, a força e o diferencial da economia solidária gravita em torno da ideia de solidariedade” (LISBOA, 2005, p.110). Ao experimentar uma relação de trabalho digna, afetiva, solidária, com equidade de direitos, o trabalhador associado motiva-se ao trabalho cooperado, tendo em vista que seu emprego se dá por um acordo mútuo, além de dispor de maior capacidade de trabalho. De acordo com Gaiger (2003, p.193), essas características “provocam uma reversão do processo ocorrido nos primórdios do capitalismo, quando o trabalhador foi separado dos objetos por ele produzidos e converteu-se em propriedade de outrem, em mercadoria adquirida e destinada ao uso capital”.

Embora alternativo ao capitalismo, este não se trata de um setor não lucrativo ou que não pratica o comércio. A economia solidária atuando junto aos empreendimentos solidários não busca pelo lucro máximo, o que não significa que não almeja qualquer lucratividade. É o lucro, também renomeado de excedente, resultado ou sobras de suas atividades mercantis, que possibilita investimentos, inovação, expansão e a sustentabilidade dessa atividade econômica. Nesse sentido, “quando um empreendimento econômico abre mão da possibilidade de maximizar o lucro em função de uma perspectiva social e ecológica, então essa empresa tem uma postura solidária dentro da troca mercantil” (LISBOA, 2005, p.109).

Assim, esses empreendimentos solidários precisam se fortalecer em meio a um mercado capitalista competitivo num ambiente de incertezas e oportunidades destacando as relações de confiança e reciprocidade no papel exercido pela controladoria; ou seja, a controladoria é responsável pelo controle orçamentário e administrativo de qualquer empresa, sendo dessa forma uma área administrativa que se prevalece de diversos conhecimentos para apoiar e monitorar as outras áreas de uma empresa no processo de gestão organizacional. Neste caso, centraliza-se em um único setor a responsabilidade da geração de informações para o auxílio nas tomadas de decisões. Numa visão mais global da área, o papel da controladoria está em organizar e controlar a gestão econômica e administrativa. Tudo isso com o objetivo de alcançar suas metas e melhorar os resultados. Para isso, utiliza de conhecimentos científicos da área contábil e administrativa, ao mesmo tempo em que trabalha ao lado dos gestores de todas as áreas na coleta de dados e informações para execução do planejamento orçamentário. Souza et.al., (2014, p.24) apresentam que “a controladoria pode ser denominada como o departamento responsável pelos sistemas contábeis e orçamentários; também pode assessorar e auxiliar os demais executivos nos processos de gestão de custos, tomada de decisão, atendimento das auditorias e das fiscalizações.”

Como consequência disso, Sá (2002); Iudícibus e Marion (2011) percebem que a controladoria faz parte da contabilidade que é uma ciência adequada que pode contribuir, através dos seus métodos, na mensuração, registro, controle e evidenciação da expansão patrimonial, econômica e social das entidades, auxiliando a gestão na tomada de decisões fundamentadas e respaldadas em dados devidamente registrados e autênticos.

Todavia, mesmo entendendo que a controladoria está presente em todas as entidades, independente se seu fim pode ser lucrativo ou não, sempre buscando evidenciar os fatos contábeis em cada uma delas, Luconi e Karling (2011) observam que a contabilidade está se voltando, sobretudo, para atender as grandes empresas e organizações do sistema capitalista.

Perante disso, todo o esplendor técnico contábil existente na atualidade se encontra quase que voltado exclusivamente para atender e acatar as necessidades das organizações capitalistas. Contudo, de acordo com alguns autores, ainda é possível utilizar esses aparatos técnicos existentes na época presente, de forma adaptada e ajustada, para os empreendimentos solidários. Nesse contexto, Luconi e Karling (2011) admitem tal ideia, percebendo que a contabilidade atual está apenas se amoldando as exigências da Organização Mundial do Comércio (OMC), no qual a mesma, devido a sua força internacional, já provocou grandes modificações na apresentação das informações contábeis em vários países. Dessa forma os autores ressaltam o beneficiamento da contabilidade em relação ao sistema capitalista, dando uma atenção proeminente ao atendimento das ações geradas pelas grandes entidades da atualidade.

Perante o exposto, percebe-se que os empreendimentos solidários - que também são usuários das informações contábeis devido a essa padronização e que, em sua maioria beneficia as grandes organizações - não têm todas as suas demandas atendidas em virtude de suas peculiaridades ou particularidades, e considerando que seu sistema econômico é adverso ao do sistema capitalista.

Na economia solidária o que se produz se vende, se troca não com o escopo de gerar lucro ou acúmulo de riqueza, mas de oportunizar o bem-estar dos indivíduos que estão envolvidos em tais relações. Os bens de produção são de todos que estão comprometidos no processo e o modo de gestão hegemônico, preeminente é a autogestão, onde os próprios trabalhadores de forma coletiva e democrática alcançam a gestão do empreendimento. Não existem muitas altercações de funções. Todos devem realizar o que for lacônico fazer (SINGER, 2002; BOCAYUVA 2003).

Do mesmo modo que as organizações capitalistas, os empreendimentos de economia solidária dependem muito de uma boa gestão contábil e financeira para gerenciar e dar sequência no desenvolvimento de suas atividades, sempre advertindo que os trabalhadores que fazem parte das cooperativas e/ou associação são os gestores e usuários da contabilidade, face à natureza auto gestionária. Luconi e Karling (2011) avultam que as cooperativas e/ou associações, de forma geral, têm obrigações fiscais e legais com o estado, igual à outra instituição, no qual devem ser acatadas e obedecidas para que assegurem a sua continuação legal no mercado econômico. As normas e leis acrisoladas hoje em dia colocam e igualam as cooperativas e/ou associações a outras do mesmo segmento que estão mais adiantadas e estruturalmente organizadas. Isto, por sua vez, provoca para as cooperativas ou associações certas objeções contábeis de mensuração, registro, controle e evidenciação dos valores gerados, no qual necessitam ser superados constantemente para que haja uma boa gestão financeira e contábil delas.

França Filho (2002) acrescenta estar havendo mudanças nessas organizações. As cooperativas inicialmente eram autônomas e, com o tempo, começaram a ser reconhecidas pelo estado, ganhando suas regulamentações e leis. Essas medidas provocaram uma segregação do movimento associativista em: cooperativa, mutualista e associativa. Isso foi se consolidando mais e mais, na medida em que cada movimento vai restringindo cada vez mais seus estatutos.

De acordo com Dias e Silva (2002), a maior parte dos sistemas contábeis existentes na atualidade, está voltada para receber as demandas dos grandes empreendimentos empresariais e, para serem usados em empreendimentos de menor porte que necessitam de uma determinada adaptação. A necessidade de adequação das informações contábeis das empresas capitalistas ao universo da economia solidária gera, muitas vezes, tal incompatibilidade, que pode estar associada à capacidade de os usuários, que são os trabalhadores das cooperativas e/ou associações, perceberem tais informações, o que é uma objeção, pois eles necessitam dessas informações para a gestão financeira das cooperativas e/ou associações.

Os modelos de relatórios contábeis tradicionais normalmente se baseiam em registros formais que representam fatos, sendo eles econômicos, financeiros ou sociais de uma entidade. Entretanto, Lima (2007), explana que os usuários da contabilidade nos empreendimentos solidários, em sua maior parte, não possuem um alicerce necessário para fornecer esses registros de forma apropriada; ou seja, esses usufrutuários não conseguem registrar certas informações financeiras, econômicas e sociais a respeito da cooperativa e/ou associação, isso gera uma carência de informações. Ressalta-se que nem todas as informações geradas pelos modelos contábeis vigentes atualmente conseguem gerar dados que acatem as necessidades dos empreendimentos solidários, em razão de suas peculiaridades. Assim sendo, Iudícibus e Marion (2011) evidência que não são quaisquer dados gerados pela contabilidade que são proveitosos para a tomada de decisão. A informação deve ser importante, confiante, relevante e compreensiva, para que ela seja considerada eficiente.

Diante do exposto, Luconi e Karling (2011) e Almeida (2006) advertem que a baixa escolaridade dos trabalhadores das cooperativas e/ou associações, estabelecem-se em uma das objeções encontradas pelos profissionais contábeis nos empreendimentos de economia solidária. Assim, por conta de a origem desses trabalhadores estar associada muitas vezes a um nível de baixa escolaridade, as técnicas, procedimentos e geração de informações contábeis, através das práticas convencionais, podem ser consideradas complexas às realidades desses empreendimentos solidários, tornando-se conflitantes e não acatando as necessidades deles para a gestão como controle e tomada de decisão nas cooperativas e/ou associações. Essa discrepância gera essa má reciprocidade entre os procedimentos na contabilidade originários dos modelos atuais contábeis com os empreendimentos de economia solidária, que são um dos empecilhos que as cooperativas e/ou associações vivem na atualidade com a controladoria.

Dessa forma, Lima (2007) propõe que haja a criação/adaptação de modelos contábeis que possam ser mais compreendidos pelos usuários das cooperativas e/ou associações, de forma que eles sejam capazes de fornecer e contabilizar as informações, tornando-as úteis; e Silva e Mello (2022) apontam que esses modelos são capazes de acatar/atender as necessidades e demandas dos empreendimentos solidários. Biscaro (2010) destaca a existência de possíveis modelos contábeis que poderiam ser usados e ajustados ao universo da economia solidária. Esses possíveis modelos seriam a contabilidade orçamentária e a apuração gerencial do resultado econômico. A contabilidade orçamentária, igualmente defendida por Almeida (2006), trata-se de um instrumento útil a economia solidária, pois oportuniza a socialização do controle de todo o processo de gestão, corroborando aspectos básicos tais como despesas orçamentárias; créditos orçamentários; origens e aplicações de recursos; dotações orçamentárias; entre outros. Este modelo, de acordo com Biscaro (2010), é uma contabilidade de planejamento e orçamento do empreendimento, voltado para o registro da autogestão. Dessa maneira como a contabilidade orçamentária se encontra alinhada, estruturada, visa a atender aspectos de escrituração, demonstração, análise e informações das cooperativas e/ou associações, desde a gênesis do planejamento das atividades da entidade até a concretização ou realização dessas atividades.

A contabilidade viabiliza modelos que podem ser empregados às cooperativas e/ou associações, desde que esses modelos sofram as devidas adaptações e simplificações para que eles consigam atender às demandas procedentes das peculiaridades dos empreendimentos solidários. Para Almeida e Dantas (2005), esses modelos de informações precisam contribuir para uma gestão democrática; promover a autogestão; gerar informações mais harmônicas com a realidade dos empreendimentos/empreendedores; produzir indicadores sociais; e que tenham uma linguagem mais apropriada ao tipo de empreendimento/empreendedor.

Almeida e Dantas (2005) e Biscaro (2010), apresentam que além dos aspectos metodológicos da contabilidade, se faz indispensável a reflexão sobre a necessidade de um novo perfil de contador. O contador tem um papel importante nesse processo de adaptação dos modelos contábeis a realidade dos empreendimentos solidários. Por esse motivo, Biscaro (2010, p.10) destaca que o contador deve ser “sensível aos problemas sociais, com ampla visão econômica, capacidade gerencial, articulador (boas relações humanas) e educador’’. Essas precisam ser as características devem estar no perfil do contador que se esforçará para compreender e entender as necessidades demandadas pelos empreendimentos solidários.

Assim Parra (2003) apresenta que a contabilidade existente atualmente, está arraigada na contabilidade desenvolvida na era mercantilista para suprir as necessidades das empresas comerciais. Esse enraizamento do período mercantilista ainda se encontra forte até os dias atuais, o que se torna um empecilho para o desenvolvimento de um conhecimento contábil voltado para o campo da economia solidária, que possui interesses diferentes das empresas mercantilistas. Almeida (2006) enfatiza o papel social que a contabilidade possui em relação à gestão da economia solidária. O autor argumenta que a contabilidade por estar em contato com diferentes usuários, de diferentes contextos, colaborando para que cada um alcance seus objetivos, se torna um objeto de contato com a democracia e cidadania. O mesmo autor elucida que uma entidade jurídica, depende das informações contábeis, independente se a origem da entidade seja de natureza pública ou privada. Os modelos de informações, todavia, estão estabelecidos e estruturados para o atendimento de necessidades, bem como, a compreensão dos grupos hegemônicos e não costumam levar em consideração as características dos usuários. Em razão desse fator, Almeida (2006), Costa (2011 apud Farias, 2014), enfatizam que, os empreendimentos solidários não conseguem muitas vezes utilizar os mesmos procedimentos, assim como as informações geradas pelos sistemas convencionais de contabilidade, que são utilizados pelas entidades mercantis comuns, objeto central da contabilidade tradicional.

Nesse ínterim, Santana (2008) ressalta que um dos maiores problemas de evidenciação atualmente é concatenar e interligar a dimensão das divulgações e informações contábeis com as peculiaridades, especificidades e necessidades de cada usuário. Em relação aos empreendimentos solidários, Almeida (2006) e Lima (2007) reconhecem que os modelos de demonstrativos financeiros e contábeis convencionais precisam focar na realidade social dos trabalhadores, pois eles têm aspectos diferentes dos empreendimentos convencionais, advertindo-se a baixa escolaridade, uma vez que seus associados e/ou cooperados comumente não possuem elevado grau de conhecimento formal, tampouco conhecimentos sobre contabilidade. Sendo assim, Silva e Mello (2022) e Santana (2008) evidenciam que os impedimentos e objeções contábeis relacionados aos empreendimentos de economia solidária não estão associados a apenas adaptar e simplificar as informações contábeis, mas sim passar a entender as demandas criadas pelos usuários dos dados contábeis desses empreendimentos.

Geralmente o grupo de trabalhadores que iniciam ou recuperam uma cooperativa e/ou associação são, na maioria das vezes, fruto de um processo de desemprego existente na sociedade, no qual tais trabalhadores fazem parte de uma classe trabalhadora que possui uma qualificação menor, exigindo menos competências e habilidades para exercer sua função em uma organização, o que gera certa rotatividade de trabalhadores; onde a omissão de conhecimento e qualificação colabora para a criação de um novo impedimento para a contabilidade que passa a ter a necessidade de uma maior reflexão quanto à reformulação de instrumentos e procedimentos adaptáveis a esses profissionais e empreendimento. Nesse contexto, surge-se um percalço, um desafio ou uma objeção a ser superado pela ciência contábil relacionada à educação formal, uma vez que os usuários dos empreendimentos solidários geralmente, em sua maioria, não possuem fundamentos ou embasamento algum para utilizá-la.

Não se pode menosprezar a educação básica, considerada um fator importante para que haja uma compreensão, entendimento e domínio das informações contábeis. À vista disso, muitos dos trabalhadores das cooperativas e/ou associações encontram problemas no acesso e na qualidade da educação, por viverem em lugares mais carentes e com condições mais precárias. Assim, o trabalhador de cooperativa e/ou associação passa a ter mais dificuldades para compreender a contabilidade e utilizá-la da forma mais adequada possível, o que gera uma objeção para o contador em criar informações que sejam entendidas e absorvidas pelos cooperados e/ou associados.

Iudícibus e Marion (2011) e Iudícibus et al., (2010), enfatizam que as mesmas técnicas contábeis usadas nas instituições com fins lucrativos são as mesmas que são utilizadas nas entidades sem fins lucrativos, a exemplo de muitas cooperativas e/ou associações, causando, portanto, a necessidade de uma reflexão quanto a adaptação e adequação para a realidade de empreendimentos solidários, quais sejam a escrituração; as demonstrações contábeis; a análise das demonstrações; e a auditoria. Desse modo, nas cooperativas e/ou associações essas técnicas devem ser aplicadas de forma adaptada à sua realidade. A técnica contábil de escrituração vem justamente para se registrar todas essas informações de entradas e saídas referentes ao dinheiro que pode influenciar no patrimônio da cooperativa e/ou associação. Assim, as demonstrações contábeis, no universo da economia solidária, têm um papel tão primordial quanto nas organizações empresariais com fins lucrativos. Nas cooperativas e/ou associações, as demonstrações contábeis também têm a função de evidenciar informações e dados a respeito da situação financeira delas, contribuindo dessa forma, para que todos, tanto os trabalhadores quanto a sociedade, tenham acesso à situação financeira da entidade. Quanto à análise de balanço, David e Ott (2003), apresentam que se trata da interpretação dos dados e informações apresentados nas demonstrações, tornando-se um instrumento de avaliação de desempenho.

Quando se refere a um empreendimento solidário, através da análise das demonstrações pode-se entender melhor o funcionamento financeiro e decisivo no auxílio à tomada de decisão e ao controle das cooperativas e/ou associações. Além do mais, pode demonstrar informações a respeito do seu desempenho produtivo e financeiro. Não se pode esquecer que as cooperativas e/ou associações mesmo tendo seus princípios baseado na economia solidária, ela está inserida no mercado capitalista e deve buscar alternativas de se sobreviver nesse ambiente.

Enfim, Michels (1995 apud Almeida, 2006), destaca a importância da contabilidade e da controladoria como sistema de informações no auxílio à autogestão nas cooperativas e/ou associações.

 

3 MÉTODOS

Para a obtenção do objetivo proposto nesta pesquisa, procedeu-se um estudo exploratório, de natureza bibliográfica, com uma abordagem descritiva, qualitativa. Dessa forma, foram utilizadas referências teóricas derivadas de trabalhos anteriores difundidos em livros, artigos científicos nacionais e internacionais e publicações disponíveis ao público sobre a temática. Concerne-se de um ensaio teórico, com estudo ilustrativo de caso, cujos dados primários foram coletados por meio da técnica de entrevista, por meio de um questionário semi-estruturado.

A pesquisa foi dividida em quatro etapas: a) primeira etapa versou na realização da pesquisa exploratória, propondo a construção do estado da arte e composição do aparato teórico da pesquisa. A pesquisa exploratória consistiu em harmonizar uma maior familiaridade com o problema proposto por este trabalho, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses (GIL, 2002). Nessa etapa foi formulado o problema de pesquisa, o objetivo geral, bem como a justificativa da pesquisa; b) segunda etapa procurou-se construir o roteiro semi-estruturado, a partir da fundamentação teórica e variáveis identificadas; c) a terceira etapa, sucedeu-se a aplicação do questionário com os membros da Associação das Colônias para averiguar o entendimento sobre as objeções da controladoria para a atividade que desenvolviam em seus empreendimentos solidários quanto a gestão; procurando entender quais seriam as objeções e os obstáculos que eram causados. A entrevista foi gravada e transcrita para uso nos resultados da presente pesquisa; d) a quarta e última etapa trabalhou-se na elaboração do relatório de pesquisa e considerações finais.

 

4 ANÁLISE DOS RESULTADOS

 

Conforme a revisão da literatura realizada, sabe-se que a contabilidade tem por objetivo mensurar, registrar e evidenciar os fatos que podem provocar mutações no patrimônio das entidades, através de ferramentas e técnicas próprias; e que a controladoria é responsável pelo controle orçamentário e administrativo de qualquer empresa.  Desse modo, a controladoria é uma área administrativa que emprega múltiplos conhecimentos para apoiar e monitorar as outras áreas de uma empresa no processo de gestão organizacional. Assim sendo, ela centraliza-se em um único setor a responsabilidade da geração de informações para o auxílio nas tomadas de decisões gerenciais.

Fronte aos objetivos das cooperativas e/ou associações que são diferentes dos ambientes empresariais, conforme mencionou Almeida (2006), tais empreendimentos proporcionam o que o Fernandes (2013) entende como desafios, objeções ou obstáculos contábeis. Desse modo, de acordo com os entrevistados da Associação das Colônias uma dessas objeções seria ter as informações precisas dos patrimônios da associação. Patrimônio esse entendido como bens, direitos e suas obrigações.

Para os entrevistados da Associação das Colônias; a contabilidade não consegue desempenhar sua função plena de forma adequada nas cooperativas e/ou associações que eles conhecem, visto que a sua função de registrar, guardando todos os fatos e evidenciar para um conjunto de usuários as informações contábeis e financeiras das entidades, conforme destacam Hendriksen e Van Breda (2009), não tem sido eficaz na gestão e evidenciação de informações precisas a respeito do patrimônio das cooperativas e/ou associações. Os entrevistados da Associação das Colônias ressaltaram, que isso muitas vezes não é uma tarefa fácil, analisando que as cooperativas e/ou associações não sabem ou não conseguem alcançar a contabilização das informações de forma apropriada, o que pode acarretar escassez de informações e dados confusos e incorretos a respeito da própria entidade; e nem são capazes de visualizar como realizar a controladoria como ferramenta de gestão.

Diante disso, os entrevistados afirmam que uma das objeções do uso da contabilidade em empreendimentos de economia solidária é fazer com que os associados e/ou cooperados, percebam como controlar e comprovar as mutações patrimoniais das entidades por meio das técnicas contábeis. Essa compreensão no uso das técnicas colaborará para que tanto os usuários da contabilidade, assim como os possíveis financiadores possam ter um conhecimento fiel e real daquilo que está acontecendo na cooperativa e/ou associação para que eles sejam capazes de saber se contribuem ou não, se participam ou não.

Outra objeção marcante pelos entrevistados da Associação das Colônias está pertinente a divulgação de informações com clareza, ou seja, o uso da técnica de provar, evidenciar, por meio dos demonstrativos financeiros. Essa ausência de clareza se deve ao fato de que, conforme destacam Almeida (2006); Luconi e Karling (2011), há uma unificação das informações contábeis, uma vez que os usuários das técnicas e das informações nas cooperativas e/ou associações, não compreendem ou têm dificuldades na aplicação face as peculiaridades e especificidades desse tipo de empreendimento. Portanto, algumas informações e dados desses empreendimentos, pelo fato de não serem registrados corretamente, não são confirmados o que gera falta de clareza ao mencionar as informações. Os entrevistados reconhecem que muitas vezes há uma falta de entrosamento por parte de alguns cooperados e/ou associados, quanto a importância que a controladoria tem e que ela faz parte da contabilidade para a evidenciação do patrimônio das cooperativas e/ou associações. Os cooperados e/ou associados não dão a relevância devida à contabilidade, e não percebem, de forma clara, que a partir da contabilidade é possível mensurar, controlar e evidenciar a evolução patrimonial das cooperativas e/ou associações. A falta de um conhecimento mais aprofundado acerca da controladoria por parte dos entrevistados faz com que eles não percebam a real magnitude da contabilidade. A partir dessa conscientização dos cooperados e/ou associados sobre a importância que a contabilidade tem para o desenvolvimento da gestão na cooperativa e/ou associação, a gestão se torna mais eficaz. Isso passa também pela a adaptação e/ou a customização de ferramentas e técnicas à realidade das cooperativas e/ou associações.

Logo, os entrevistados da Associação das Colônias sinalizaram que não é necessário a criação de novas ferramentas, corroborando com Dias e Silva (2002); para eles, as ferramentas e técnicas existentes precisam apenas de adaptações para serem alinhadas ao universo da economia solidária. Essas interpretações só reforçam a ideia de que as ferramentas contábeis existentes na atualidade conseguem dar conta das demandas dos empreendimentos solidários. O que é indispensável é apenas adaptar essas ferramentas a realidade das cooperativas e/ou associações, fazendo com que tais ferramentas supram suas necessidades e sejam assimiladas pelos usuários.

Esse ajuste passa também pela a construção e/ou adaptação de sistemas adequados a dinâmica das cooperativas e/ou associações. Para os entrevistados da Associação das Colônias, os sistemas contábeis atuais são voltados para as grandes organizações e suas demandas, deixando as organizações de médio e pequeno porte em segundo plano. Segundo Dias e Silva (2002); e Almeida (2006) a maior parte dos sistemas contábeis existentes para serem utilizados em empreendimentos de menor porte carecem de uma determinada adaptação.

Assim, a questão da contabilidade é muito mais preocupada com as demandas dos empreendimentos empresariais, apesar de histórica é destacado pelos entrevistados da Associação das Colônias como uma inquietação a ser discutida e debatida visando aperfeiçoar a sua aplicação em outras entidades, sem fins lucrativos.

Os entrevistados da Associação das Colônias percebem que a interpretação dos relatórios contábeis é uma outra parte que precisa ser trabalhada nas cooperativas e/ou associações. Segundo eles, isso é um trabalhado que tem que ser feito com os gestores das cooperativas e/ou associações, já que é a eles que cabe o papel de interpretar esses relatórios e utilizar essas informações em prol dos cooperados ou associados.

No que diz respeito ao aspecto igualitário das cooperativas e/ou associações, os entrevistados da Associação das Colônias afirmaram que as decisões na associação, para as quais presta serviços contábeis, são de forma democrática, da qual todos os trabalhadores participam, corroborando com as ideias mencionadas por Bocayuva (2003) na revisão da literatura.

Em relação aos instrumentos contábeis existentes nos dias atuais, os entrevistados da Associação das Colônias ressaltam que não se pode afirmar que um instrumento contábil é o suficiente para tomar decisão. Contudo, segundo eles cabe ao contador mostrar a forma hábil de utilizá-los, incumbindo o profissional contabilista de desenvolver um sistema, um método que sejam aceitos e adequados aos cooperados e/ou associados. Portanto, na visão dos entrevistados da Associação das Colônias, o contador deve aprimorar um perfil que também esteja alinhado ao universo dos empreendimentos de economia solidária. Esse entendimento reforça o ponto de vista de Almeida e Dantas (2005); Biscaro (2010) que afirmam que é necessário que haja a criação de um novo perfil de contador, que tem um papel formidável nesse processo de adaptação dos modelos contábeis a realidade dos empreendimentos solidários. Sendo assim, evidencia-se que o contador deve estar sempre se adaptando e se atualizando. Se a contabilidade atua e se encontra no universo da economia solidária, o contador, por sua vez, também deve estar adaptado e alinhado à proposta dos empreendimentos de economia solidária.

Atualmente, os profissionais da contabilidade encontram certas adversidades na gestão contábil e financeira em empreendimentos de economia solidária, a exemplo da Associação das Colônias. Em relação a esse quesito, os entrevistados destacam que há uma dificuldade no entendimento por parte dos associados quanto as informações básicas, no que se refere a cálculos, custos, estratégias, a estrutura elementar da matemática, do português, da economia atual. A grande objeção para os profissionais da contabilidade em relação aos associados encontra-se de acordo com Luconi e Karling (2011); Almeida (2006); Lima (2007) que é questão do nível de escolaridade desses membros; devido a isso, apresentam dificuldades em absorver e compreender determinadas informações, por exemplo as informações contábeis. Todavia, esse obstáculo mencionado pelos entrevistados da Associação das Colônias é mencionado por Lima (2007), onde ultrapassa a relação contabilidade – cooperativa e/ou associação, uma vez que a questão educacional é um problema público que afeta a milhares pessoas, no qual a educação brasileira atualmente se encontra em estado precário, minguado, insatisfatório. O que prejudica a formação básica de várias pessoas.

Consoante aos entrevistados da Associação das Colônias, os contadores que trabalham junto a associação necessitam realizar determinadas estratégias, artifícios para reduzir a dificuldade das informações para os associados e/ou cooperados. Uma dessas estratégias é exatamente a criação e realização de oficinas, cursos, palestras, entre outras atividades. Nessa relação de atividades, o contador pode ensinar como funciona as informações contábeis, usando sempre uma linguagem que os associados entendam. O contador da área de cooperativas e/ou associações precisa ter a sensibilidade de que os usuários da contabilidade dessas entidades não são iguais aos outros usuários, convencionais. Dentro dessa lógica, um dos fatores que podem justificar essa exiguidade é que os profissionais da área contábil, não diferentemente de outras profissões, buscam na maioria das vezes atividades que lhe tragam um bom retorno financeiro, uma boa remuneração. Pelo fato das cooperativas e/ou associações não gerarem grandes retorno financeiros ou as vezes quase nenhum para os contadores, muitos não se interessam por trabalhar na área.

Segundo os entrevistados da Associação das Colônias, no presente momento as técnicas, ferramentas e instrumentos contábeis são adequados e aplicáveis nos empreendimentos de economia solidária; o uso dos instrumentos é o grande problema. Não adianta mudar uma técnica e ela continuar não sendo empregada, compreendida e aceitada. A adequação existe, só não é formalizada. Ou você entende o que é cooperativa e/ou associação ou você não vai desenvolver o trabalho nunca.

Diante das objeções acompanhadas pelos empreendimentos de economia solidária, os entrevistados da Associação das Colônias, apontam como possibilidade complementar as técnicas e instrumentos contábeis atuais o uso do modelo de contabilidade orçamentária. Conforme Almeida (2006), a contabilidade orçamentária, é uma especialização da contabilidade gerencial que proporciona a socialização do controle de todo o processo de gestão, comprovando aspectos básicos tais como: despesas orçamentárias; créditos orçamentários; origens e aplicações de recursos; dotações orçamentárias; entre outros. Corroborando com o autor, os entrevistados da Associação das Colônias destacaram que os associados têm que saber fazer a projeção de suas receitas e das suas despesas. O modelo de contabilidade orçamentária favorece os princípios de autogestão, destacados por Singer (2002). São os próprios associados que conseguem o orçamento, o planejamento e o controle. Assim, eles se tornam mais independentes dos contadores para essas atividades, promovendo o desenvolvimento da autogestão.

Um ponto destacado pelos entrevistados é que existem dificuldades contábeis e financeiros encontrados na gestão de empreendimentos solidários na atualidade que vão além das questões contábeis: o capital de giro.

Portanto, os entrevistados da Associação das Colônias enfatizam que: [...] no que se refere aos recursos para os investimentos, a objeção que a gente tem é fazer com que a associação e/ou cooperativa garanta um financiamento por parte de terceiros. Essa é maior dificuldade. Conseguir investimentos. Nesse sentido, as cooperativas e/ou associações tendem a encontrar maior impasse quando apresentam escassez de informações contábeis, o que contribui para uma desconfiança, receio por parte dos financiadores em liberar recursos, já que o empreendimento não traz garantias a respeito das informações apresentadas.

No que repercute as demonstrações contábeis, utilizadas nas empresas convencionais, as mesmas, segundo os entrevistados da Associação das Colônias, poderiam ser ajustadas para os empreendimentos de economia solidária. Os entrevistados enfatizam que as operações que ocorrem nos empreendimentos solidários são praticamente as mesmas de uma empresa. O que precisa ser feito é adaptar, ajustar as estruturas das contas. O plano de contas apropriado a cooperativa e/ou associações contribuirá para que as demonstrações contábeis tenham uma apresentação mais próxima da realidade desses empreendimentos. E, essa interpretação mais próxima da realidade das cooperativas e/ou associações pode colaborar para que a Associação das Colônias tenha mais êxito na captação de recursos, já que agora irá fornecer informações mais claras da situação patrimonial do empreendimento.

Segundo os entrevistados da Associação das Colônias normalmente nos serviços prestados nas cooperativas e/ou associações se faz necessário a criação de instrumentos auxiliares ao processo de gestão, tais como: cartilhas, calendário de compromissos, fluxo de entradas e saídas. Esses modelos atendem de forma geral e pode ir sendo adequado para outra associação ou cooperativa.

Por fim, diante do que já foi evidenciado, pode-se verificar que as limitações inerentes a relação entre a contabilidade e controladoria nos empreendimentos de economia solidária se dá tanto no entendimento das ferramentas e procedimentos contábeis disponíveis por parte dos cooperados, quanto na compreensão dos profissionais contábeis acerca da realidade dos empreendimentos solidários, a exemplo da Associação das Colônias.

 

 

5 CONCLUSÃO

A presente pesquisa apresentou como objetivo geral analisar a controladoria e as objeções em empreendimentos de economia solidária quanto a gestão um estudo exploratório numa Associação.

Ressalta-se que dentre as principais objeções contábeis em relação aos empreendimentos de economia solidária, está a aquisição e divulgação das informações, de forma precisa e clara, dos patrimônios das cooperativas e/ou associações, uma vez que as padronizações das informações contábeis geram impedimentos para os usuários das técnicas e dos conhecimentos nas cooperativas e/ou associações, devido as peculiaridades e especificidades desse tipo de empreendimento, não compreendem e/ou têm dificuldades na aplicação dos modelos e técnicas contábeis.

Além de que, fazer com que os associados e/ou cooperados percebam como controlar e evidenciar as mutações patrimoniais das entidades por meio das técnicas contábeis, afora a carência de consultoria contábil e assessoria na área das cooperativas e/ou associações, são outros obstáculos diagnosticados que podem ser explorados por outras pesquisas.

No que se refere às objeções dos profissionais dessa área, destaca-se a questão da escolaridade desses membros. Sua limitação na base educacional é prejudicial à compreensão não só das informações contábeis, mas das mais básicas como de cálculos; custos; estratégias; a estrutura elementar da matemática e do português.

Já no tocante a relevância da contabilidade para os empreendimentos solidários, o grande impedimento é fazer com que os cooperados e/ou associados compreendam a importância que tem a contabilidade para a evidenciação do patrimônio das cooperativas e/ou associações.

No que concerne as demonstrações contábeis, as existentes e utilizadas nas empresas convencionais poderiam ser adaptadas e ajustadas para os empreendimentos de economia solidária, uma vez que as operações que ocorrem nos empreendimentos solidários são praticamente os mesmos de uma empresa. O que precisa ser feito é adequar/conciliar as estruturas das contas.

Quanto ao perfil do contador, é imprescindível que se desenvolva um novo perfil desse profissional, com senso de percepção aos problemas sociais; com ampla visão econômica e, sobretudo, que entenda de assuntos relacionados ao universo da economia solidária, desenvolvendo um entendimento de que os usuários da contabilidade a partir desses empreendimentos não são iguais aos outros usuários, convencionais. O contador deve ser alguém sempre atualizado e adaptado as novas realidades que vão surgindo.

Por fim, se faz necessário um estudo mais aprofundado das normas e procedimentos contábeis relacionadas a área da economia solidária, para que assim seja possível adequar o método contábil de forma eficiente a esse tipo de entidade; onde são inúmeras objeções a serem superadas, tanto por parte da contabilidade quanto por parte das cooperativas e/ou associações. Desse modo, se faz indispensável que ocorra uma articulação de ações entre o Conselho Federal de Contabilidade – CFC, órgãos do governo e empreendimento de economia solidária, a fim de que essas dificuldades ou obstáculo existentes na utilização da contabilidade nesses empreendimentos sejam solucionadas.

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[1]Mestrando em Administração e Ciências Contábeis pela FUCAPE Business School em São Luís - MA

[2]Pós-doutorado, Doutorado e Mestrado em Engenharia da Produção pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR – Campus Ponta Grossa.