O PATRIMÔNIO DOCUMENTAL E A PRODUÇÃO CIENTÍFICA BRASILEIRA NA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO

Daniela Eugênia Moura de Albuquerque[1]

Universidade Federal de Pernambuco

danielaeugenia@outlook.com

Murilo Artur Araújo da Silveira[2]

Universidade Federal de Pernambuco

muriloas@gmail.com

______________________________

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar como o conceito de patrimônio documental se comporta nas produções científicas brasileiras da Ciência da Informação. No que se refere aos procedimentos metodológicos, a pesquisa apresenta fins descritivos, meios bibliográficos, abordagem qualiquantitativa, por meio da criação de indicadores bibliométricos, em que foram levantados 69 artigos de autores brasileiros publicados no período de 2010 a 2020 indexados na Base de Dados Referenciais de Artigos e Periódicos em Ciência da Informação. As análises indicaram quinze autores mais produtivos, dando destaque para Daniel Flores com doze publicações sobre a temática; o predomínio da Universidade Federal de Santa Maria que representa o maior índice de autores; o valor expressivo de treze artigos publicados somente na revista Ágora e oito na Memória e Informação; e a grande quantidade de produções científicas brasileiras produzidas em 2020 dentro dos marcos teóricos do patrimônio documental. O estudo sobre o patrimônio documental vem ganhando força atualmente e sob um campo multidisciplinar, não mais exclusivo da Arquivologia, tendo em vista o valor percentual de 72,5% dos artigos publicados na área da Ciência da Informação em detrimento dos períodos destinados para a Arquivologia, o que revela, embates epistemológicos na própria Ciência da Informação.

Palavras-chave: Patrimônio Documental. Produção Científica. Análise Bibliométrica. Indicadores. BRAPCI.

THE DOCUMENTAL HERITAGE AND THE BRAZILIAN SCIENTIFIC PRODUCTION IN INFORMATION SCIENCE

 

Abstract

This article aims to analyze how the concept of documentary heritage behaves in Brazilian scientific productions of Information Science. Regarding the methodological procedures, the research presents descriptive purposes, bibliographic means, qualiquantitative approach, through the creation of bibliometric indicators, in which 69 articles of Brazilian authors published in the period from 2010 to 2020 indexed in the Reference Database of Articles and Periodicals in Information Science were surveyed. The analysis indicated fifteen more productive authors, highlighting Daniel Flores with twelve publications on the subject; the predominance of the Federal University of Santa Maria, which represents the highest index of authors; the significant value of thirteen articles published only in the journal Ágora and eight in Memória e Informação; and the large amount of Brazilian scientific production produced in 2020 within the theoretical frameworks of documentary heritage. The study on documentary heritage is currently gaining strength and under a multidisciplinary field, no longer exclusive to Archivology, in view of the percentage value of 72.5% of articles published in the area of Information Science to the detriment of the periods intended for Archivology, which reveals, epistemological clashes in Information Science itself.

Keywords: Documental Heritage. Scientific production. Bibliometric Analysis. Indicators. BRAPCI.

1  INTRODUÇÃO

O patrimônio, por ter uma construção etimológica na figura paterna (patrimonium, de pater, “pai”), acarreta questionamentos, principalmente, na tessitura dos discursos de gênero. Por que, então, não falar de um matrimônio (matrimonium, de mater, “mãe”)? Ou de um possível “fratimônio” (fraterno, fraternus, de frater “irmão”)? O levantamento dessas indagações converge para questionamentos também vividos no campo documental. O modelo erudito e marcado pelos discursos masculinos centralizados, especialmente, na figura do pai da Documentação, Paul Otlet, foram constantemente estudados e utilizados em diversos países até a segunda metade do século XIX.

A chegada do pensamento brietiano marcou a consolidação do discurso de gênero na área da Documentação no contexto pós-guerra, em que as mulheres ainda tinham espaços tímidos na ciência, e que a profissão e a pesquisa não eram vistas como coparticipantes (SALDANHA; ORTEGA, 2018). Suzanne Briet que publicou o seu manifesto Qu’est-ce que la documentation? (1951), quatorze anos após a obra de Otlet (1937), só teve o reconhecimento mundialmente na área como pesquisadora no cenário anglófono bucklandiana mediante as referências dos neodocumentalistas.

O preâmbulo da associação entre patrimônio e documento, enquanto termos contíguos, está fundamentado nas evidências textuais e nos registros das práticas socioculturais. Em decorrência dessa associação, têm-se os bens culturais, dentre eles, os monumentos, que também passaram a ser contemplados como coleções de documentos. Pensar em patrimônio e documento era trazer fortemente o materialismo advindos de uma alegação ideológica dominante pautadas nas práticas clássicas unificadoras e hegemônicas, em que a beleza, o poder e a grandeza bastavam no processo de incorporação dos valores atribuídos aos objetos materiais. Essas concepções, ainda predominam em ações e discussões na atualidade, mas também fornecem insumos, oportunidades e ferramentas para pensar e repensar a dinâmica sobre a associação entre patrimônio e documento.

Nesse sentido, o documento e o patrimônio transcendem as barreiras dantes já vistas, pois o fato de estarem integrados às discussões sobre os direitos humanos e às questões de gênero, mostram uma luta constante entre o saber e o poder, no qual esse exercício de autoridade revela a complexidade e a manipulação advindas, sobretudo, de elementos ideológicos. Ademais, esses componentes podem ser agentes de propagação de discursos que afetam sem interrupções as ações dos sujeitos, nas demarcações conceituais e nos atributos simbólicos, crítico-teóricos e sociais.

O emprego do termo patrimônio documental, em uma constatação simplista, parece óbvio. No entanto, as confusões terminológicas de natureza teórica, prática, legal e científica de sua demarcação conceitual são imperceptíveis porque os objetos que qualificam o substantivo costumam ser utilizados para aproximar, distinguir, aglutinar, em cenários e circunstâncias que destacam um desvio tipológico de suas características fundamentais.

No âmbito da produção científica, os elementos que conduzem às discussões contemporâneas sobre o patrimônio e suas distintas formas de manifestações no Brasil recaem em um conjunto de campos científicos. No caso específico da Ciência da Informação (CI) no país, uma das principais iniciativas recaem no Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ENANCIB) por meio da Associação Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação (ANCIB). As discussões sobre patrimônio no evento foram impulsionadas na década passada, a partir dos esforços de aproximação com a Museologia, no bojo de mútuos interesses epistemológicos e institucionais. De 2010 até então, o debate foi intensificado a partir da oitava edição do evento, e, na atualidade, se consolidou como um fórum importante para a Ciência da Informação brasileira.

Na 8ª edição do evento (2007), a ANCIB promoveu uma sessão intitulada de Debates sobre Museologia e Patrimônio. Somente em sua 10ª edição (2009) foi criado o Grupo de Trabalho (GT) 9 – Museologia, Patrimônio e Informação, com quinze trabalhos publicados. Na 11ª edição (2010), com um número auspicioso de artigos produzidos nesse GT, o termo Museologia foi alterado para Museu, sublinhando que na mesma edição foi constituído o GT 10 – Informação e Memória, com mais de vinte trabalhados submetidos. Embora esses debates já acontecessem em outros grupos de trabalho do ENANCIB, foi somente com a criação dos GT 9 e 10 que a produção sobre patrimônio e memória ganhou volume e visibilidade, uma vez que uma agenda de pesquisas e interesses foi fomentada.

Assim sendo, o objetivo deste trabalho é analisar como a produção científica da CI está trabalhando a conceitualização do patrimônio documental no Brasil, por meio da construção de indicadores utilizando a bibliometria como instrumento de análise, com base nos artigos indexados pela Base de Dados em Ciência da Informação (BRAPCI) durante os anos de 2010 e 2020. Buscou-se identificar o núcleo de autores e instituições mais produtivas, bem como a distribuição e temporal dos artigos e a relação dos periódicos que publicam sobre essa temática.

O trabalho é composto por mais quatro seções. A segunda discorre sobre o Patrimônio Documental. A terceira apresenta o percurso metodológico. A quarta aborda sobre os resultados e suas análises. Por fim, na quinta seção, encontram-se as considerações finais acerca do estudo.

 

2  PATRIMÔNIO DOCUMENTAL: CONCEITO EM FORMAÇÃO

O patrimônio documental “[...] ainda não se encontra bem definido, seja em âmbito científico, legal ou prático” (CRIVELLI; BIZELLO, 2019). A associação do patrimônio documental aos documentos de arquivos e históricos em sua forma física é latente, no qual encontram-se estabelecidos como “patrimônio arquivístico”, a exemplo do que consta no Dicionário de Biblioteconomia e Arquivologia; marginalizando outras tipologias documentais em sua composição e acarretando problemas conceituais ao termo, entendido em grandes proporções no âmbito arquivístico e como bens acumulados ao longo dos séculos.

A Unesco (2015) expõe uma conceituação mais robusta traçando o pertencimento identitário, a conservação para o bem da humanidade e a colaboração das instituições, incluindo as práticas culturais, que permitem inferir o patrimônio documental dentro do escopo do patrimônio cultural:

[...] documentos ou grupos de documentos de valor significativo e duradouro para uma comunidade, uma cultura, um país ou para a humanidade como um todo, e cuja deterioração ou perda seria prejudicial ao empobrecimento. O significado deste patrimônio só pode se tornar aparente com o passar do tempo. O patrimônio documental do mundo é de importância global e é responsabilidade de todos, e deve ser totalmente preservado e protegido para todos, com o devido respeito e reconhecimento pelos hábitos e práticas culturais. Deve ser acessível a todos e reutilizável de forma permanente e desimpedida. É um meio de entender a história social, política e coletiva, bem como a história pessoal, e pode ajudar a formar a base para a boa governança e o desenvolvimento sustentável. Para cada Estado, seu patrimônio documental reflete sua memória e identidade e assim ajuda a determinar seu lugar na comunidade global. (UNESCO, 2015, p. 3, tradução nossa).

 

O Programa Memória do Mundo (MOW) com o intuito de registrar as coleções que poderão integrar o patrimônio documental, desenvolveram critérios de abrangência internacional, atingindo também os registros regionais e nacionais. Os critérios são avaliativos e relativos, que proporcionam flexibilidade frente ao contexto dos elementos que compõem o patrimônio documental que elucidam categorias próximas ao patrimônio bibliográfico no que tange aos fatores de autenticidade, assunto, forma e estilo:

 

Critério 1 – tempo: A idade, em termos absolutos, não converte um documento em importante, mas cada documento é um produto de seu tempo. Alguns documentos evocam especialmente sua época, que pode ter sido de crise, ou de mudança social ou cultural significativa. Um documento pode representar um novo descobrimento ou ser o “primeiro de seu tipo”.

Critério 2 – lugar: O lugar de criação é um atributo chave de importância. Pode conter informação fundamental sobre uma localidade importante na história e na cultura mundial, ou a própria localização pode ter exercido uma influência decisiva nos acontecimentos ou fenômenos representados pelo documento. Pode descrever entornos físicos, cidades ou instituições desaparecidas desde então.

Critério 3 – pessoas: O contexto social e cultural de sua criação pode refletir aspectos significativos do comportamento humano, ou circunstâncias sociais, industriais, artísticas ou políticas. Pode captar a essência de grandes movimentos, transições, avanços ou regressões. Pode mostrar o impacto de indivíduos ou grupos chave.

Critério 4 – assunto e tema: O assunto pode referir-se a fatos históricos específicos ou desenvolvimentos intelectuais relacionados com as ciências naturais, sociais e humanas, a política, a ideologia, o esporte e a arte.

Critério 5 - forma e estilo: O elemento pode possuir um notável valor estético, estilístico ou linguístico [sic], ser um exemplar típico ou chave de um tipo de apresentação, costume ou meio, ou de um suporte ou formato desaparecido ou em vias de desaparição. (MEMÓRIA DO MUNDO, 2002, p. 24-25, grifo do autor). 

 

Em última instância, o MOW ainda considera os critérios de raridade, integridade, ameaça e plano de gestão. Diante disso, o patrimônio documental por mais que evidencie uma tessitura aos itens raros, consegue abarcar outros meios que viabilizem o contexto dos diferentes tipos de documentos, agregando valores sociais, culturais, históricos e intelectuais, e trazendo mesmo que de forma tímida, os documentos digitais. O ano de criação das Diretrizes do Programa Memória do Mundo deve ser levado em consideração, visto que não sofreu atualizações e carece de novos olhares, sobretudo, para a presença da tecnologia, na qual será possível traçar um plano que se adeque à nossa realidade e que inclua em seus registros os documentos criados, originalmente, nos ambientes digitais.

A Lei Espanhola n° 16/1985 foi um dos marcos legais pioneiros a distinguir o patrimônio documental e bibliográfico no art. 49, delimitando a tipologia documental constituinte de cada patrimônio. O fator curioso desse marco legal está no art. 48: “1. Para efeitos desta Lei, o Patrimônio Documental e Bibliográfico faz parte do Patrimônio Histórico Espanhol, constituído por quaisquer bens, reunidos ou não em Arquivos e Bibliotecas [...]” (ESPANHA, 1985, p. 20348, tradução e grifo nosso).

Em primeiro lugar, o patrimônio documental está dentro do patrimônio histórico, o que difere do MOW e dos teóricos colombianos e mexicanos, ao integrarem o patrimônio documental no escopo do patrimônio cultural e não do histórico, inferindo que os aportes culturais, antes, não eram explorados no contexto espanhol. Em segundo lugar, a Lei retira a ideia de documentos, precisamente, textuais, afirmando que qualquer bem pode ser um patrimônio documental. Em último lugar, há uma discrepância, pois no art. 48 restringe a localização – Bibliotecas e Arquivos -, mas no art. 49 outros lugares onde pode haver o patrimônio documental são mencionados, como: associações culturais e educativas, fundações e entidades nas suas diversas esferas.

Há mais de dez anos, Fernández de Zamora (2009) já questionava a problematização da relevância, do pertencimento, do reconhecimento, da revalorização e da preservação que as instituições em consonância com a sociedade precisam exercer sobre o patrimônio documental, que é fundamental para as manifestações sociais, culturais, intelectuais e artísticas.

Nesse raciocínio, Lobelle Fernández (2015) traz uma concepção de patrimônio documental vinculada a ideia de coleção, independentemente da marca de temporalidade, eliminando a exclusividade de itens antigos na composição do termo. Cabe enfatizar de que a palavra coleção, incluída na definição de patrimônio documental é recorrente, uma vez que o corpus do patrimônio detém elementos acumulativos, o que ocasiona um agrupamento genuíno de objetos patrimoniais com valores informacionais. A autora acentua o patrimônio documental como uma fonte permanente de informação e uma memória da cultura humana.

Caminhando no mesmo pensamento, Dorado Santana e Hernández Galán (2015) atribuem ao patrimônio documental os bens culturais detentores de características especiais inseparáveis da vida humana em sociedade, paralelo à produção de conhecimento para as gerações futuras. Os autores conceituam patrimônio documental como “[...] uma construção sociocultural, pois está associado à percepção da passagem do tempo e à necessidade de retê-lo materialmente através de documentos que fixam e registram eventos do passado que precisam ser lembrados pelo significado social que têm” (DORADO SANTANA; HERNÁNDEZ GALÁN, 2015, p. 33, tradução nossa). O ponto prioritário dessa definição está nos eventos do passado, visto que para os autores o documento só tem significado a partir de acontecimentos experimentados no passado que carecem de registros tangíveis.

Nessa ótica, é viável a contradição da definição quando o termo “construção sociocultural” aparece, pois a fundamentação no passado está tão enraizada que o uso excessivo acaba demarcando essa marca temporal como uma referência e não como uma crítica, perdendo, assim, o tempo presente, em que as construções sociais não estão estagnadas no passado, mas vivas e dinâmicas no presente. 

 Em outro cenário, temos Palma Peña (2011, p. 309) que consegue alinhar o patrimônio documental e bibliográfico na perspectiva da cidadania, tendo em vista o campo multidisciplinar do patrimônio cultural e o enfoque dos direitos humanos e culturais, que são: uso dos bens patrimoniais mediante a vivência em sociedade, o acesso à informação e à identificação das expressões bibliográficas e documentais. Diante disso, o autor destaca três tarefas pendentes do patrimônio bibliográfico e documental sob a ótica dos direitos culturais: 1) realizar investigações acadêmicas sobre aspectos informativos e educativos; 2) aumentar o acesso das sociedades às manifestações informativas com a finalidade de haver um conhecimento, valorização e conscientização; e 3) elaborar mecanismos normativos acadêmicos e legais para salvaguardar e conservar (PALMA PEÑA, 2013). 

A composição do patrimônio documental é exteriorizada nas expressões culturais que carregam traços subjetivos, abrangentes e complexos, e que não contam com iniciativas e mecanismos normativos satisfatórios, ocasionando problemas conceituais de natureza teórica, prática, legal e até científica.

 

3  Percurso metodológico

O corpus da pesquisa é constituído pelos artigos de periódicos de autores brasileiros indexados pela BRAPCI de 2010 a 2020, a fim de ter subsídios para analisar como a literatura científica nacional em CI está trabalhando a conceitualização do patrimônio documental. O ano 2021 foi excluído porque contempla o período de desenvolvimento deste estudo e as revistas ainda não haviam fechado todos os seus números. 

Para as buscas na BRAPCI, os dados foram coletados através do campo “todos” e com delimitação temporal de 2010 a 2020. O período de onze anos foi escolhido porque circunscreve o número acentuado de publicações e discussões recentes sobre o  patrimônio documental. Os descritores utilizados na estratégia de busca em sua respectiva ordem foram: “patrimônio documental”, “patrimonialização documental”, “patrimônio cultural documental”, “patrimônio arquivístico”, “patrimônio bibliográfico” e “patrimônio”, em que cada descritor foi consultado separadamente na BRAPCI nos dias 17, 20 a 22 de dezembro de 2021[3].     Na seleção dos registros foi realizada uma leitura técnica com base nos critérios de inclusão implementados para identificar as publicações que, de fato, descrevessem sobre o patrimônio documental. Esses critérios foram: a) autor(es) brasileiro(s); b) ano de publicação; c) título; d) resumo; e) palavras-chave; f) introdução; e g) referencial teórico. Cabe destacar que as revistas estrangeiras com autores brasileiros foram consideradas. Os artigos que só faziam a menção do ‘patrimônio documental’ sem a inferência da noção do termo foram desconsiderados, visto que não atendem aos objetivos da pesquisa.

A Tabela 1, expressa o resultado das buscas realizadas na BRAPCI que compuseram o corpus da pesquisa:

 

Tabela 1 - Distribuição quantitativa dos artigos coletados na BRAPCI de acordo com os descritores utilizados na pesquisa.

ORDEM DE

BUSCA

DESCRITOR

ARTIGOS RETORNADOS

ARTIGOS RELEVANTES

DATA DA COLETA

“patrimônio documental”

127

39

17/12/2021

“patrimonialização documental”

9

3

17/12/2021

“patrimônio cultural documental”

93

4

17/12/2021

“patrimônio arquivístico”

42

5

17/12/2021

“patrimônio bibliográfico”

31

6

20/12/2021

“patrimônio”

589

12

21, 22 e 23/12/2021

TOTAL

-

891

69

-

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

De acordo com a Tabela 1, o corpus da pesquisa configura-se em 69 artigos. Dois descritores “patrimonialização” e “patrimônio bibliográfico documental” não foram selecionados, pois os artigos retornados já tinham sido coletados dos descritores “patrimônio documental”, “patrimonialização documental” e “patrimônio bibliográfico”. A escolha dos termos foi feita através da recorrência das palavras-chave encontradas nos textos durante a construção do referencial teórico, e também após a primeira ordem de busca da BRAPCI “patrimônio documental”.

Vale ressaltar o resultado incomum dos artigos relevantes para os descritores “patrimônio cultural documental”, “patrimônio arquivístico”, “patrimônio bibliográfico” e “patrimônio” que aconteceu devido ao número de publicações duplicadas que já tinham sido contabilizadas nos descritores “patrimônio documental” e “patrimonialização documental”. Logo, o número total de artigos relevantes para os descritores: “patrimônio cultural documental” foi de 23, sendo 19 repetidos; “patrimônio arquivístico” foi de 17, sendo 12 repetidos; “patrimônio bibliográfico” foi de 9, sendo 3 repetidos; e “patrimônio” foi de 67, sendo 55 repetidos, o que explica o valor final apresentado na Tabela 1. 

Durante a coleta na BRAPCI, optou-se pelo recurso do software Microsoft Excel, na qual foram criados metadados padronizados por: identificação (ID)[4], título, autor(es), ano, revista e link de acesso, com o intuito de manipular os dados referentes ao corpus da pesquisa, para a criação de gráficos, tabelas e quadros através da relação das produções, possibilitando uma análise ilustrativa do panorama das publicações nacionais sobre os estudos do Patrimônio Documental sob a ótica da CI.

No decorrer das buscas foram encontrados: a) textos que não eram artigos, sendo desconsiderados pela pesquisa; b) duplicidade de publicações, em que se contabilizou somente um único artigo para cada repetição, respeitando a ordem das buscas; c) seis arquivos de extensão Portable Document Format (PDF) com problema no link e/ou não disponível para o download, na qual a obtenção do texto na íntegra foi realizada através do site oficial da revista, sem recusar o artigo do corpus da pesquisa; d) períodos indexados na base que não estavam de acordo com o ano de publicação da revista; e e) coautoria de autores estrangeiros[5]

 

4  RESULTADOS

            No Gráfico 1 tem-se o panorama das publicações que abordam de modo implícito e/ou explícito a conceitualização do Patrimônio Documental dos últimos dez anos, apesar da primeira aparição do termo, em sentido amplo, estar indexado na BRAPCI desde 1989. O artigo foi da autora Neuma Pinheiro Salomão Gonçalves, intitulado A conservação preventiva na guarda das publicações oficiais, pela Revista de Biblioteconomia de Brasília, que não foi refletido para a pesquisa, pois não atendeu aos objetivos propostos.

 

 

 

 

 

 

 

 

Gráfico 1 - Distribuição temporal dos artigos

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

 

Os anos 1990 a 2009 não tiveram um índice alto no que tange as discussões conceituais do patrimônio documental, sendo voltados mais aos aspectos preservacionistas da temática, além das autorias estrangeiras, no qual não foram consideradas para o escopo do trabalho. A partir de 2010, observa-se um pequeno crescimento com um único trabalho publicado em periódico com o título Histórias e memórias institucionais captadas a partir do estudo de acervos fotográficos de Luciana Souza de Brito, pela DataGramaZero. Esse artigo representa o início dos estudos conceituais do patrimônio documental no país, de forma implícita, a partir dos documentos iconográficos, saindo da ótica textual e do ambiente arquivístico.

Dando continuidade, os anos 2011 e 2012 marcaram uma linha constante de três publicações voltadas para os gêneros documentais iconográfico, audiovisual e sonoro, além de incluir o documento digital referente a um Prontuário Eletrônico de Paciente (PEP) como parte do patrimônio documental. Esses artigos revelam a forte presença dos arquivos como um dos principais espaços que abrigam o patrimônio documental. Porém, integram as bibliotecas e os museus de modo ainda tímido nessa conjuntura. Vale ressaltar a predominância dos temas sobre preservação e segurança como norteadores do conceito do patrimônio documental, em que a perda e o risco são elementos que caminham lado a lado e de grande impacto nas discussões sobre o patrimônio documental.

O ano de 2013 foi considerado um dos mais produtivos exibindo um crescimento substancial, tendo em vista o número das publicações dos anos anteriores. Os principais tópicos abordados ainda estavam fundamentados no lugar-comum “Arquivo”, mas outros lugares vão ganhando espaço como os centros históricos. Somente nesse período a revista Ágora – de cunho arquivística - disponibilizou quatro publicações e a revista Múltiplos Olhares em Ciência da Informação, ficou em segundo lugar, com três publicações. O termo “patrimonialização documental” deu seus primeiros passos como uma das manifestações conceituais do patrimônio documental, bem como a inclusão da educação patrimonial no seio do patrimônio documental. Cabe destacar a importância do artigo intitulado O bibliotecário e o patrimônio documental das autoras Ângela Silva Lopes, Jacqueline Silva Pereira e Lívia da Conceição Reis Santos pela revista Múltiplos Olhares em Ciência da Informação, que quebra a concepção de que o patrimônio documental deva ser, unicamente, uma preocupação dos arquivistas, dando voz para o início de uma visão interdisciplinar de agregação de diferentes áreas do conhecimento e formações, capazes de atuar dentro do patrimônio documental.

Os anos 2014 e 2015 apresentaram um balanço equilibrado de publicações, apesar da queda em torno de onze artigos comparado ao ano de 2013. A revista Ágora teve novamente uma acentuada repercussão com quatro publicações e dentre os autores mais produtivos está o Daniel Flores com três artigos. Os temas acerca do ambiente arquivístico retornam com mais ênfase, em que os arquivos universitários e históricos são os mais contemplados. O artigo Documento, história e memória das autoras Franciele Merlo e Glaucia Vieira Ramos Konrad pela revista Informação & Informação, discute em como a preservação do patrimônio documental pode exercer influência no acesso à informação. Em outras palavras, a conceitualização do patrimônio documental tem um índice alto sob o viés da missão patrimonial com enfoque na preservação e no paradigma pós-custodialista.

Os anos 2016 a 2019 representaram um quadro de crescimento e queda, porém mantendo o nível estável nas publicações, em que somente o ano de 2017 teve uma discrepância, em torno de dois artigos. Houve uma distribuição de diferentes revistas tanto no enfoque da Arquivologia quanto das demais áreas da Ciência da Informação. Daniel Flores permaneceu sendo um dos autores mais produtivos com cinco artigos. Dentre os tópicos que cercam o conceito do patrimônio documental, nesse período, o meio digital teve uma abertura maior, os discursos sobre o acesso, recuperação e curadoria educativa aparecem nos entornos da conceitualização, tal como a visão sobre o patrimônio documental como fruto de ações políticas, sociais e ideológicas. O artigo Patrimônio Documental Nacional de Marcia Carvalho Rodrigues publicado pela Revista Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação, é um dos textos fundamentais para compreender a construção do conceito do patrimônio documental, desde a noção do que é o patrimônio cultural, até à apresentação dos marcos legais e autores estrangeiros e nacionais que se dedicaram à temática. Cabe enfatizar a presença de cinco artigos que pertencem ao referido período em questão, sendo da mesma autoria, com títulos distintos e publicados em diferentes revistas, que evidencia um discurso sobre o conceito do patrimônio documental idêntico[6].  

O ano de 2020 deu um salto atípico de onze produções a mais do que o ano de 2019. A revista Memória e Informação foi a responsável por oito publicações, em que salienta o artigo intitulado Repensando a noção de patrimônio documental de Maria Lucia de Niemeyer Matheus Loureiro (A68), como uma das produções mais atuais que vai desde a noção do que é patrimônio até documento para tecer considerações do conceito de patrimônio documental. Nesse período, é possível notar com mais clareza a presença das obras raras e coleções especiais, e ainda o emprego do termo patrimônio bibliográfico como sinônimo de documental em boa parte das produções.

Com base nessa distribuição temporal, buscou-se identificar os periódicos que obtiveram estas publicações. A Tabela 2 mostra o número de ocorrências dos periódicos que publicaram sobre a temática e suas classificações no WebQualis da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). A busca pelo Qualis de cada periódico que compõe o corpus da pesquisa foi realizada pela Plataforma Sucupira no dia 29 de dezembro de 2021, e a classificação baseou-se em periódicos do quadriênio 2013-2016 na área de avaliação Comunicação e Informação[7].

Vale destacar que três periódicos não estavam na classificação do Qualis, sendo eles: Memória e Informação; Revista Eletrônica da Associação dos Bibliotecários e Profissionais da Ciência da Informação do Distrito Federal (ABDF); e Fontes Documentais, visto que não foram encontrados na Plataforma Sucupira. Logo, a pesquisa optou por não mencionar na Tabela 2 o Qualis desses três periódicos. As revistas Memória e Informação e Fontes Documentais[8]  têm uma exceção, pois existem desde 2017 e 2018, respectivamente, por consequência não estão indexadas dentro do quadriênio 2013-2016 na WebQualis da CAPES.  A Revista Eletrônica ABDF tem sua primeira publicação no segundo semestre de 2015[9], mas não mostra nenhuma informação sobre o Qualis.

 

Tabela 2 - Distribuição dos artigos de periódicos

PERIÓDICOS

OCORRÊNCIAS

QUALIS

Ágora: arquivologia em debate

13

B1

Memória e Informação

8

-

Em Questão

4

A2

Perspectivas em Ciência da Informação

4

A1

Acervo

3

B2

Informação & Informação

3

A2

Múltiplos Olhares em Ciência da Informação

3

B5

PontodeAcesso

3

B1

Archeion Online

2

C

Ciência da Informação

2

B1

Ibersid

2

B1

Informação & Sociedade. Estudos

2

A1

Revista Eletrônica da Associação dos Bibliotecários e Profissionais da Ciência da Informação do Distrito Federal (ABDF)

2

-

Revista Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação (RDBCI)

2

B1

Revista Ibero-Americana de Ciência da Informação (RICI)

2

B1

Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação

2

B1

Biblionline

1

B5

Biblos: Revista do Instituto de Ciências Humanas e da Informação

1

B3

DataGramaZero

1

B3

Encontros Bibli: Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciência da Informação

1

A2

Fontes Documentais

1

-

InCID: Revista de Documentação e Ciência da Informação

1

B1

Informação & Tecnologia

1

B5

Informação Arquivística

1

B5

Informação em Pauta

1

B5

LOGEION: Filosofia da Informação

1

B5

Páginas a&b: arquivos e bibliotecas

1

B4

Palavra Clave

1

A2

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.

 

            Destaque para a revista Ágora que existe desde 1985 e publicou, aproximadamente, 19% dos 69 trabalhos que compõem o corpus da pesquisa, voltada para a área da Arquivologia com classificação B1 no WebQualis da CAPES. Diante disso, é perceptível a preferência de publicações de trabalhos sobre o tema patrimônio documental no ambiente arquivístico, o que, enfaticamente, fornece indícios de que o tema é amplamente discutido na Arquivologia. A revista Memória e Informação, que tem uma visão científica interdisciplinar compreendendo as áreas da Arquivologia, Biblioteconomia, Ciência da Informação, Preservação e Conservação de documentos, Humanidades Digitais, Preservação Arquitetônica, Memória Social e Museologia; abrange, quase 12% dos trabalhos somente no ano de 2020, em que é nítida a presença dos estudos do patrimônio documental caminhando por outras áreas do conhecimento. As revistas Em Questão e Perspectivas em Ciência da Informação, abarcam 12% de publicações, o que revela o impacto do tema patrimônio documental fora de uma única área do conhecimento, a saber da Arquivologia.

Há uma concentração de 21,7% das publicações em periódicos A1 e A2; 59,5% distribuídos em periódicos B1, B2, B3, B4 e B5; 2,9% em periódicos C; e 15,9% nos periódicos sem Qualis, já que não foram encontrados na Plataforma Sucupira. À vista disso, no que concerne a estas estratificações tem-se um número significativo de publicações com boa avaliação pela CAPES, o que demonstra a qualificação da produção, das revistas e da temática nos domínios do campo da Ciência da Informação. 

De acordo com os dados obtidos, pode-se inferir que os periódicos voltados, especificamente, para a Arquivologia compreendem 27,5% e os da Ciência da Informação 72,5% dos 69 trabalhos publicados. É perceptível que essa guinada no campo da CI apresente o patrimônio documental sob o viés interdisciplinar, em que é possível tecer estudos sobre essa temática para além dos muros da Arquivologia.

No que se refere à autoria, foi executada uma análise com o propósito de identificar o ranking dos autores mais produtivos no período. A Tabela 3 apresenta os autores que publicaram o mínimo de dois trabalhos. No total foram 94 autores, em que dois não foram contabilizados, pois são coautores estrangeiros[10]. É importante salientar que, nesta análise, as relações de coautoria foram desconsideradas, na qual um artigo pode ser atribuído a mais de um autor. Dessa forma, quinze autores figuram do primeiro ao quarto lugar do ranking, conforme descrito na Tabela 3. Em termos percentuais, somente 16% dos autores mais produtivos na temática se sobressaem quando comparados com a produção analisada e que configura o corpus da pesquisa. Tal situação alimenta os preceitos conhecidos na lei do quadrado inverso, que explica que o número atenuado de autores responsáveis pela maior quantidade de produções relevantes, em detrimento do acentuado número de autores menos produtivos (SANTOS; KOBASHI, 2009). 

 

Tabela 3 - Autores mais produtivos

RANKING

AUTORES

1

Daniel Flores

12

2

Leila Adriana Baptaglin

5

2

Tatiana Costa Rosa

5

3

Eliseu dos Santos Lima

3

4

Ana Suely Pinho Lopes

2

4

Carlos Blaya Perez

2

4

Carlos Eduardo dos Reis

2

4

Fabiano Cataldo de Azevedo

2

4

Gilberto Fladimar Rodrigues Viana

2

4

Glaucia Vieira Ramos Konrad

2

4

Luciana Souza de Brito

2

4

Marcia Carvalho Rodrigues

2

4

Murilo Billig Schäfer

2

4

Rubens Ribeiro Gonçalves da Silva

2

4

Telma Campanha de Carvalho Madio

2

Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.

 

            A Tabela 3 sinaliza o autor Daniel Flores como o autor com o maior número de publicações, ocupando o primeiro lugar do ranking, no período de 2011 a 2020. Vale ressaltar a relação de autoria entre Daniel Flores e os autores Murilo Billig Schäfer, Gilberto Fladimar Rodrigues, Eliseu dos Santos Lima e Ana Suely Pinho Lopes. Em segundo lugar, as autoras Leila Adriana Braptaglin e Tatiana Costa Rosa estabelecem relação de autoria nos cinco trabalhos publicados, no período de 2017 a 2019. Em terceiro lugar, o autor Eliseu dos Santos Lima tem relação de autoria com Daniel Flores nos três trabalhos publicados e com Murilo Billig Schäfer, no período de 2015 a 2018. Em quarto lugar, onze autores são contemplados, sendo que quatro têm relação de autoria entre os autores listados na Tabela 3. Foram encontradas relações de autorias na quarta colocação entre: Ana Suely Pinho Lopes e Daniel Flores; Gilberto Fladimar Rodrigues Viana e Telma Campanha de Carvalho Madio e Daniel Flores; Murilo Billig Schäfer e Daniel Flores e Eliseu dos Santos Lima; e Telma Campanha de Carvalho Madio e Gilberto Fladimar Rodrigues Viana.

Existe ainda um total de 79 autores que possuem uma única produção, no entanto, em coautoria com os demais autores apresentados no ranking: Daniel Flores, Eliseu dos Santos Lima, Glaucia Vieira Ramos Konrad, Luciana Souza de Brito, Fabiano Cataldo de Azevedo, Ana Suely Pinho Lopes, Carlos Blaya Perez, Murilo Billig Schäfer e Telma Campanha de Carvalho Madio.

Em virtude disso, é importante destacar a área de formação abrangendo as titularidades dos quinze autores mais produtivos que foram pesquisadas na plataforma Lattes. Há uma concentração de nove autores graduados em Arquivologia, três em Biblioteconomia, quatro em História, um em Artes Plásticas e Marketing. Vale salientar que Ana Suely Pinho Lopes, Glaucia Vieira Ramos Konrad e Tatiana Costa Rosa tem duas graduações. Todos os mencionados têm o título de mestre nas áreas de: Engenharia de Produção; Educação e Patrimônio Cultural; Letras; Patrimônio Cultural; Multimeios; História; Memória Social; Letras e Cultura; História do Brasil; História da Arte; e Educação e Patrimônio Cultural. Os autores Daniel Flores e Telma Campanha de Carvalho Madio têm especialização na área de Organização de Arquivos e os autores Tatiana Costa Rosa, Eliseu dos Santos Lima e Murilo Billig Schäfer são especialistas em Gestão em Arquivos. Dos quinze autores, treze têm a titularidade de doutor, concentrando nas áreas de: Ciência da Informação; História; Educação; Jornalismo e Estudos Midiáticos; Ciências da Comunicação; Memória Social e Patrimônio; Biblioteconomia e Documentación; Formación en la Sociedad del Conocimiento.

À vista dessas informações, é possível concluir a diversidade das áreas de formação dos autores, tanto dentro quanto fora do domínio da CI que produziram sobre o patrimônio documental, mesmo ainda com a predominância de 60% dos quinze autores graduados em Arquivologia. Em outros termos, os elementos de autoria indicam que a temática patrimônio documental pode possuir vínculos com outros campos do conhecimento, permitindo uma exploração interdisciplinar do termo que perpassa os muros dos arquivos e dos documentos textuais, na qual torna a sua expressão ainda mais ambígua e imprecisa, pois somente o termo documento tem uma vasta abrangência conceitual.

De modo geral, dos 94 autores identificados nos 69 artigos, 39 são graduados em Arquivologia, 26 em Biblioteconomia, 21 em História, cinco em Letras, dentre as demais áreas de formação como: Pedagogia, Comunicação Social, Sociologia, Administração, Sistema de Informação, Marketing, Informática, Geografia, Matemática, Filosofia, Engenharia Química e Civil, Museologia, Artes Plásticas e Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis.

Dentre os que têm Mestrado, 24 são mestres em Patrimônio Cultural, onze em Ciência da Informação e História, cinco em História Social e Letras, três em Educação, dois em Memória e Acervos e Memória Social, bem como os que estão distribuídos nas demais áreas, sendo: Comunicação, Multimeios, História do Brasil, Gestão de Documentos e Arquivos, Gestão da Informação e Museologia e Patrimônio. No que se refere a proeminência dos doutores são, treze em História, doze em Ciência da Informação, quatro em Educação, três em História Social, além das áreas de: Linguística e Língua Portuguesa, Jornalismo e Estudos Midiáticos, Literatura Brasileira, Engenharia Química e Filosofia.

Para dar prosseguimento à discussão sobre as autorias dos trabalhos, traz-se o Gráfico 2 com a distribuição quantitativa das instituições mais produtivas, tendo no mínimo duas ocorrências. As análises foram feitas de acordo com a breve descrição dos autores em cada artigo. Para os trabalhos que não apresentaram esses dados, foi realizada uma busca no currículo da Plataforma Lattes, a fim de identificar a instituição de cada autor(a), correspondendo com o ano de publicação do artigo. 

 

Gráfico 2 - Número de autorias por instituição mais produtiva
 Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.

 

Da constelação das 16 instituições exibidas no Gráfico 2, todas são universidades públicas das Regiões Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste, com exceção da Fundação Casa de Rui Barbosa (FCRB), Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST)[11] e Fundação Biblioteca Nacional (FBN).

A Região Sudeste é a mais expressiva, tendo um recorte 35 autorias, sendo representada por nove instituições. A Universidade Estadual Paulista (Unesp) apresenta nove autorias, na qual pode-se mencionar Telma Campanha de Carvalho Madio descrita na Tabela 3. Em seguida, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) tem um recorte de cinco autorias e a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) com quatro autorias, dentre as quais o autor Fabiano Cataldo de Azevedo é um dos mais produtivos. Vale ressaltar a FCRB com quatro autorias, sendo uma das mais conceituadas instituições brasileiras que possui acervos inscritos no Registro Nacional do MOW da Unesco.

A Região Sul conta com três instituições distribuídas entre 32 autores, na qual destaca-se a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) com 19 autorias, em que seis dos quinze autores mais produtivos descritos na Tabela 3 fazem parte da instituição, sendo: Daniel Flores, Murilo Billig Schäfer, Eliseu dos Santos Lima, Ana Suely Pinho Lopes, Luciana Souza de Brito, Carlos Blaya Perez e Glaucia Vieira Ramos Konrad. 

A produção vinculada à Região Nordeste se concentra em três instituições com 14 autorias. A Universidade Federal do Maranhão (UFMA) sai na frente com nove autoriais, a Universidade Federal da Bahia (UFBA) com três e a Universidade Federal do Ceará (UFC) com duas. Cabe evidenciar um dos autores mais produtivos nesse escopo que é o Rubens Ribeiro Gonçalves da Silva representando a UFBA sem nenhuma coautoria. A Região Centro-Oeste conta com uma única instituição, a Universidade de Brasília (UnB) com quatro autorias.

A Região Norte não consta no Gráfico 2, pois teve um índice menor do que duas ocorrências, sendo representada por três instituições, a saber: Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Universidade Federal de Roraima (UFRR) e Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima (IFRR). As autoras mais produtivas dessa região são Tatiana Costa Rosa do IFRR e Leila Adriana Baptaglin da UFRR, ambas com relação de autoria em cinco artigos, como fora descrito na Tabela 3. 

Em vista disso, os discursos sobre o conceito de patrimônio documental caminham em todo o país, com maior representatividade nas Regiões Sudeste e Sul, mas abrangendo todo o território nacional, mesmo que na Região Centro-Oeste somente uma única instituição esteja produzindo sobre o tema. Diante dos dados expostos, é nítido observar a forte presença das universidades públicas, totalizando 18 instituições acadêmicas, configurando-se numa das características fundamentais do patrimônio documental em relação aos elementos basilares na construção do conceito (produção técnico-científica) e instituições integrantes (universidades).

 

5  Considerações finais

A pesquisa permitiu concluir que o patrimônio documental não está vinculado somente aos arquivos e documentos textuais, e que comporta o patrimônio bibliográfico e museológico. As manifestações conceituais desse termo atuam de maneira multidisciplinar, tendo em vista o valor percentual de 72,5% dos artigos publicados na área da Ciência da Informação em detrimento dos períodos destinados para a Arquivologia, o que revela, inclusive, alguns embates epistemológicos na própria CI. As áreas do conhecimento que trabalham em conjunto com o patrimônio documental encontradas na pesquisa foram inúmeras, destacando: Biblioteconomia, Museologia, História, Arquitetura, Letras, Engenharia Química, Comunicação Social.

Sob o ponto de vista metodológico, diante das análises bibliométricas que indicaram 39 autores graduados em Arquivologia, foi possível concluir a necessidade de ampliar as discussões sobre a temática, intensificando a interdisciplinaridade dentro da CI, além da distribuição dos artigos de periódicos que evidencia uma temática que mesmo sendo discutida há muito tempo, apresenta-se pequena nas publicações, sobretudo, das revistas com maior qualificação.

Um fato a ser destacado e que gerou inquietação é a ausência da Universidade Federal de Pernambuco no corpus da pesquisa, que apesar do Programa em Ciência da Informação desta universidade ter tudo a ver com a temática, não apresentou nenhuma publicação, o que faz desse trabalho ser um dos pioneiros a pesquisar sobre o patrimônio documental dentro da própria universidade. 

Como sugestão para estudos futuros, objetiva-se direcionar o estudo para os patrimônios que comportam o patrimônio documental, como os: museológicos e bibliográficos, na intenção de aprofundar as discussões conceituais acerca desses patrimônios, estabelecendo marcos teóricos mais estruturados e identificando as influências sociais, culturais, ideológicas, políticas e econômicas sofridas nas definições do patrimônio museológico e bibliográfico.

REFERÊNCIAS

CRIVELLI, R.; BIZELLO, M. L. O lugar do patrimônio documental: Brasília e Fundo NovaCap. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v. 24, n. 2, p. 35-53, abr./jun. 2019. Disponível em: https://brapci.inf.br/index.php/res/v/118889. Acesso em: 23 jul. 2021.

DORADO SANTANA, Y.; HERNÁNDEZ GALÁN, I. Patrimonio documental, memoria e identidad: una mirada desde las Ciencias de la Información. Ciencias de la Información, La Habana, v. 46, n. 2, p. 29-34, mayo/agosto 2015. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/1814/181441052006.pdf. Acesso em: 23 jul. 2022.

ESPANHA. Ley n° 16, de 25 de junio de 1985. Del Patrimonio Histórico Español. Madrid: Palacio de la Zarzuela, 1985. Disponível em: https://www.boe.es/buscar/doc.php?id=BOE-A-1985-12534. Acesso em: 23 jul. 2022.

FERNÁNDEZ DE ZAMORA, R. M. Conocer, valorar y difundir el patrimonio documental de América Latina y el Caribe. In: WORLD LIBRARY AND INFORMATION CONGRESS: IFLA GENERAL CONFERENCE AND ASSEMBLY, 75., 2009, Milão. Programme and proceedings [...]. Milão: IFLA, 2009. p. 1-8. Disponível em: http://goo.gl/99eurJ. Acesso em: 23 jul. 2022.

LOBELLE FERNÁNDEZ, G. El patrimonio documental de la nación cubana: amparo jurídico en la legislación nacional e internacional. Revista Cubana de Información en Ciencias de la Salud, La Habana, v. 26, n. 4, p. 381-393, 2015. Disponível em: http://www.rcics.sld.cu/index.php/acimed/article/view/815. Acesso em: 23 jul. 2022.

MEMÓRIA DO MUNDO. Diretrizes para a salvaguarda do patrimônio documental. Ed. rev. [S. l.]: Divisão da Sociedade da Informação: Unesco, 2002. Disponível em: https://mowlac.files.wordpress.com/2012/07/diretrizes-para-a-salvaguarda-do-patrimc3b4nio-documental.pdf. Acesso em: 23 jul. 2022.

OTLET, P. Documentos e Documentação. Introdução aos trabalhos do Congresso Mundial da Documentação Universal, realizado em Paris, 1937. Disponível em: http://www.conexaorio.com/biti/otlet/. Acesso em: 24 jul. 2022.

PALMA PEÑA, J. M. El patrimonio cultural, bibliográfico y documental de la humanidad. Revisiones conceptuales, legislativas e informativas para una educación sobre patrimonio. Cuicuilco, México, n. 58, p. 31-57, sept./dic. 2013. Disponível em: http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0185-16592013000300003. Acesso em: 23 jul. 2022.

PALMA PEÑA, J. M. La socialización del patrimonio bibliográfico y documental de la humanidade desde la perspectiva de los derechos culturales. Revista General de Información y Documentación, Madrid, v. 21, p. 291-312, 2011. Disponível em: https://revistas.ucm.es/index.php/RGID/article/view/37427. Acesso em: 23 jul. 2022.

SALDANHA, G. S.; ORTEGA, C. D. Itinerários da obra de Suzanne Briet: inflexões e tensões. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, v. 14, p. 103-134, 2018. Disponível em: https://rbbd.febab.org.br/rbbd/article/view/1173. Acesso em: 23 jul. 2022.

SANTOS, R. N. M.; KOBASHI, N. Y. Bibliometria, cientometria, infometria: conceitos e aplicações. Tendências da Pesquisa Brasileira em Ciência da Informação, Brasília, v. 2, n. 1, p. 155-172, jan./dez. 2009. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/handle/123456789/10089. Acesso em: 23 jul. 2022.

UNESCO. Recomendación de la Unesco relativa a la preservación del patrimonio documental, compreendido el patrimônio digital, y el acceso al mismo. Paris: Unesco, 17 nov. 2015.  Disponível em: https://url.gratis/y2ayi. Acesso em: 23 jul. 2022.



[1] Professora Substituta no Departamento de Ciência da Informação da UFPE. Doutoranda e Mestra no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Pernambuco (PPGCI/UFPE).

[2] Professor Adjunto na Universidade Federal de Pernambuco e Diretor do Centro de Artes e Comunicação

[3] Nos dias 18 e 19 de dezembro o site da BRAPCI estava em manutenção.

[4] A identificação foi criada com base na ordem cronológica e alfabética das publicações, em que cada texto recebeu a sinalização A (artigo), acompanhando um algarismo arábico. Ex.: A1, A2, A3... 

[5] Os coautores estrangeiros foram identificados nos A60 O acesso aos documentos com e seu o uso da tecnologia da informação e A67 Proposta de integração de recursos do patrimônio cultural científico no modelo EDM: uma perspectiva de representação de um domínio temático, sendo: Jorge Pedro Sousa da Universidade Fernando Pessoa e Maria Manuel Borges da Universidade de Coimbra, respectivamente.

[6] Os artigos identificados foram contemplados na pesquisa, pois estão dentro dos critérios propostos do trabalho, em que cada revista e título não são iguais, bem como os diferentes objetivos de pesquisa de cada publicação. A contribuição desses artigos impacta diretamente nas análises bibliométricas referente as revistas que estão difundindo temas acerca do patrimônio documental.

[7] A Plataforma Sucupira não tinha contemplado no período da pesquisa o quadriênio 2017-2020, então optamos pela classificação que estava em vigor, sendo o quadriênio 2013-2016.

[8] No período da pesquisa o site oficial da Revista Fontes Documentais consta a informação de que no sistema de Periódicos Qualis  da CAPES a revista está classificada como B3 (2019). Disponível em: https://aplicacoes.ifs.edu.br/periodicos/fontesdocumentais/about. Acesso em: 21 jan. 2022.

[9] Disponível em: https://revista.abdf.org.br/abdf/issue/archive. Acesso em: 21 jan. 2022.

[10] Os autores estrangeiros não contabilizados foram: Jorge Pedro Souza e Maria Manuel Borges, ambos de Portugal.

[11] O MAST oferece cursos de mestrado e doutorado em parceira com a UNIRIO. Os cursos são Museologia e Patrimônio (mestrado e doutorado) e História (mestrado), bem como curso de especialização em Divulgação da Ciência, da Tecnologia e da Saúde e mestrado profissional em Preservação de Acervos de Ciência e Tecnologia.