FEIRA DA SABERES E SABORES DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

uma rede de economia popular e solidária ou um simples mercado consumidor

 

José Raimundo Oliveira Lima [1]

Universidade Estadual de Feira de Santana

zeraimundo@uefs.br

 

Eduardo José Fernandes Nunes[2]

Universidade do Estado da Bahia

eduardojosf2@gmail.com

Ana Regina Messias [3]

Universidade Estadual de Feira de Santana

aninamessias@gmail.com

 

Camila Menezes Souza[4]

Universidade Estadual de Feira de Santana

 camila20menezes@gmail.com

Janahína da Silva Moura[5]

Universidade Estadual de Feira de Santana

mourajanahina@gmail.com

______________________________

Resumo

A Feira de Saberes e Sabores da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) nasceu de um projeto de Economia Popular e Solidária em processo de incubação pela Incubadora de Iniciativas de Economia Popular e Solidária da UEFS. Um dos seus principais atributos tem sido pensar-se de forma coletiva e autogestionária, na perspectiva de ser uma Rede de Economia Popular e Solidária que agrega parceiros participantes, e não um simples mercado consumidor. Nesse sentido, objetivamos fazer uma reflexão sobre a Feira de Sabres e Sabores considerando que ela é uma rede que se amplia nas diversas dimensões da Economia Popular e Solidária, mas que, ao mesmo tempo, é permeada pelas possibilidades de submissão direta e simples ao mercado. Metodologicamente, utilizamos os preceitos da pesquisa-ação, e elaboramos um roteiro de entrevistas de onde foram extraídos os dados analisados.  Durante a análise, algumas categorias foram prioritariamente trabalhadas, como informações básicas sobre precificações, regras de convivência, bem como a compreensão da organicidade entre os que produzem, os que consomem e os que produzem/consomem. Concluímos que todos os envolvidos na Feira de Saberes e Sabores da UEFS são feirantes ou potenciais feirantes que têm formado uma identidade social compromissada e consciente em relação ao consumo. Esse público possibilita a experimentação de um novo formato de trocas, produção da existência e criação de valor social local que se fundamenta na utilização das atuais tecnologias livres. Dessa forma, articulam e melhoram as relações coletivas, por vezes conflitantes quanto ao mercado, mas, resistentes, associativas, comunitárias e solidárias.

Palavras-chave: Economia. Feira. Mercado. Rede. Tecnologia.

FEIRA DE SABERES E SABORES OF THE UNIVERSITY OF FEIRA DE SANTANA

a popular and solidarity economy network or a simple consumer market

Abstract

The Feira de Saberes e Sabores of the State University of Feira de Santana (UEFS) was born from a Popular and Solidarity Economy project in the process of being incubated by the UEFS Popular and Solidarity Economy Initiatives Incubator. One of its main attributes has been to think of itself in a collective and self-managed way, in the perspective of being a Popular and Solidarity Economy Network that brings together participating partners, and not a simple consumer market. In this sense, we aim to reflect on the Sabres e Sabores Fair, considering that it is a network that expands in the various dimensions of the Popular and Solidarity Economy, but that, at the same time, is permeated by the possibilities of direct and simple submission to the market. Methodologically, we used the precepts of action research, and prepared an interview script from which the analyzed data were extracted. During the analysis, some categories were worked on as a priority, such as basic information on pricing, coexistence rules, as well as understanding the organicity between those who produce, those who consume and those who produce/consume. We conclude that all those involved in the UEFS Knowledge and Flavors Fair are marketers or potential marketers who have formed a social identity that is committed and aware of consumption. This public makes it possible to experiment with a new exchange format, production of existence and creation of local social value based on the use of current free technologies. In this way, they articulate and improve collective relations, sometimes conflicting in terms of the market, but resistant, associative, community and solidary.

Keywords: Economy. Fair. Market. Network. Technology.

______________________________

1  INTRODUÇÃO

A relação entre produtor e consumidor – embora nas feiras não precise se realizar nesses termos, pois se trata de relações entre pessoas – sempre se formou por um circuito de elementos de extrema relevância para o crescimento e o desenvolvimento das economias locais, dados os conflitos e confluências inerentes à essa relação.

Os mercados, entes subjetivos que promovem o encontro entre ofertantes e demandantes sob a égide da “mão invisível”, têm dado a tônica geral das economias por escalas. Entretanto, as feiras – em especial, as agroecológicas, de orgânicos, de Economia Popular e Solidária ou as que compreendem todos esses elementos e outras da mesma natureza – estabelecem dinâmicas especificas que demarcam como pontos fundamentais as relações entre pessoas que repercutem diversas dimensões de vida.

 Embora gerem produtos, serviços, trabalho e renda que dinamizam as localidades, as feiras criam e colocam em circulação recursos que alimentam a população urbana, rural ou urbano/rural sem preconceitos. Nessa perspectiva, são iniciativas que contribuem para a soberania alimentar com a autonomia da relação entre produtores e consumidores, que se confundem nos papeis ou não precisam de diferenciação entre si pois, ao fim e ao cabo, são pessoas iguais e/ou afins em consciência e objetivos por um mundo melhor.

Quanto à alimentação, a soberania alimentar consiste em uma gradação evolutiva em termos nutricionais e de saúde. Entretanto, trata-se de uma das dimensões da vida e também uma dimensão econômica fundamental para origem ou bases de uma economia local que, necessariamente, consiste em alimentação, vestuário e moradia entre outras necesidades.

 Em que pese o fato de os processos tecnológicos (plataformas digitais, redes sociais, inteligência artificial) e industriais terem avançado amplamente nas economias de escalas globais para a produção de diversos bens e serviços de maior valor agregado – com efeito, bens e serviços “construídos com mãos claramente visíveis” – em uma racionalidade impessoal que aborda de forma fria os cidadãos, entendidos como simples unidades de consumo, as feiras têm alcançado notoriedade.

A dinâmica mercadológica difere por demais do que se observa na Feira da Sabres e Saberes da Universidade Estadual de Feira de Santana, cujas relações consubstanciam-se em uma formato de Rede de Economia Popular e Solidária jamais confundível com um simples mercado consumidor. Conforme assevera Ribeiro (2007), as feiras livres beneficiam os agricultores, o comércio urbano local e aos consumidores.

Nesse contexto, temos a seguinte problematização: como os feirantes prossumidores (consumidores/produtores) compreendem a Feira de Saberes e Sabores da UEFS no que concerne às relações mercadológicas ou das redes de feirantes? Responder a essa indagação não é tarefa fácil, principalmente em um espaço de discussão que não pretende alongar-se. Entretanto, objetivamos nesta pesquisa fazer uma reflexão sobre a Feira de Sabres e Sabores da Universidade Estadual de Feira de Santana considerando a sua atuação como Rede de Economia Popular e Solidária que, ao mesmo tempo, é permeada de possibilidades de submissão direta e simples ao mercado.

Metodologicamente, os planos de trabalho que resultaram na sistematização deste artigo foram, em um primeiro momento, unificados nas temáticas “Mercados” e “Redes/Feiras”. Os planos foram apresentados aos membros da Feira de Saberes e Sabores de forma adaptada, ou foram sendo construídos de acordo com os objetivos almejados pelos envolvidos pesquisa-ação. A partir de então, foi realizado um levantamento inicial da situação vivenciada pelos membros da feira.

O primeiro encontro com os participantes da pesquisa – os prossumidores – se deu de forma online, utilizando o Google meet. Nesse primeiro encontro, analizamos as relações dos feirantes com seus parceiros antes e depois da pandemia.  A partir daí, elaboramos um roteiro de entrevistas que, de acordo com Parasuraman, Grewal e Krishnan (1991), constitui-se de um conjunto de questões dialogáveis feitas para dar vazão aos temas geradores, com informações e dados necessários ao intuito de alcançar o objetivo proposto.

 O instrumento de pesquisa foi disponibilizado no Google forms online. A referida plataforma foi escolhida em virtude de sua facilidade de manuseio através de smarthphones, o que permitiu alcançar toda a população de feirantes constituída de 30 grupos socioprodutivos atuantes na Feira de Saberes e Sabores da UEFS, bem como simpatizantes e fregueses advindos de todo o município de Feira de Santana.

 A amostra inclui a população feirante dos 08 distritos rurais de Feira de Santana detentores de, aproximadamente, 8% da população total (624.107) habitantes, que corresponde a 50 mil habitantes, aproximadamente, segundo estimativa do Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE) para o ano de 2021. Durante a pesquisa, foram ouvidas direta e indiretamente 150 pessoas, aproximadamente.

A partir das informações levantadas sobre feirantes – consumidores e produtores – foram estabelecidas categorias relacionadas a ideias de mobilização, visita aos espaços públicos e eventos, criação de sites, mídias e comunicação mais assertiva para melhorar a relação entre participantes bem como o aumento da quantidade de participantes das feiras. 

A partir de então, foram abertos canais pela coordenação da Feira para a realização de discussões com os feirantes para a apresentação de instrumentos como sites e redes sociais a fim de explicar como tais instrumentos poderiam ser úteis e, principalmente, como ter o controle gratuito dos instrumentos que dão acesso às redes e também ao mercado sem, no entanto, deixar de oferecer a interação e a integração entre pessoas que acontece nas feiras.

Durante as discussões, foram elencados os principais produtos comercializados na Feira e seus respectivos produtores. A fim de evitar a concorrência e a competitividade, o fornecimento de produtos nas feiras passou a considerar a demanda potencial. Para isso, foram discutidas questões básicas como precificação, formação de preços e a organicidade entre os que produzem e consomem. Temas de amplo interesse como agroecologia, orgânicos, veganos, autogestão, cooperação, solidariedade, convivência harmônica e democracia também foram contemplados durante as discussões.

Assim, este artigo compõe-se, além desta introdução e das considerações finais, das seguintes seções: 2) A Feira de Saberes e Sabores e o uso sob controle das tecnologias: considerando o mercado, mas, priorizando as Feiras e 3) A Feira de Saberes e Sabores da UEFS e a perspectiva de melhorias nas relações orgânicas entre feirantes e a comunidade universitária e feirense.

 

2 A FEIRA DE SABERES E SABORES E O USO SOB CONTROLE DAS TECNOLOGIAS: CONSIDERANDO O MERCADO, MAS, PRIORIZANDO AS FEIRAS

 

A Incubadora de Economia Popular e Solidária da Universidade Estadual de Feira de Santana –   IEPS-UEFS – é constituída pelas Resoluções do Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE) 150/2010 como Programa de Extensão, e 116/2010 como Projeto de Pesquisa.  É uma iniciativa resultante da sensibilização de extencionistas e pesquisadores da Uefs para a necessidade de desenvolvimento de ações político-educativas para o  empoderamento dos sujeitos e comunidades na perspectiva do desenvolvimento local e da viabilidade socioeconômica de suas atividades produtivas.

A IEPS-UEFS vem se articulando na perspectiva de formar redes de agentes e iniciativas de Economia Popular Solidária e de Agricultores Familiares na perspectiva e proposição de um espaço profícuo para a construção, valorização e troca de saberes populares associados (BRANDÃO, 2007)  aos conhecimentos científicos produzidos pela UEFS e por outras instituições congêneres e parceiras.

Nesse sentido, nossa perspectiva de Feira/rede vem sendo trabalhada conforme as observações de Mance (2005):

 

No   final   dos   anos   90,   a   integração   solidária   em   sistemas   de   rede  de   todo   esse acúmulo   de   práticas   bem-sucedidas   converteu   a   economia   solidária   em   uma   opção   de desenvolvimento   sustentável,   centrada   na   geração  de  postos  de  trabalho   e  na  distribuição  de renda,   em  contraposição   à  lógica   estrutural   de  concentração  de  riqueza   e  de  exclusão  social, típicas do capitalismo globalizado. Os critérios básicos de participação nessas redes solidárias são os seguintes:  não   haver   exploração   do   trabalho,   expropriação   no   consumo   ou   dominação   nos empreendimentos;  preservar   o   equilíbrio   dinâmico   dos   ecossistemas   (respeitando-se   todavia   a   transição   de empreendimentos que ainda não sejam ecologicamente sustentáveis); compartilhar  parcelas dos excedentes em fundos solidários, visando a expansão da própria rede   com   a   criação   de   novos   empreendimentos,   com   o   aprimoramento   da   logística   de distribuição e comercialização etc; operar sob autogestão, em espírito de cooperação e solidariedade. (MANCE, 2005, p.4).

 

Com efeito, a Feira Permanente de Economia Popular e Solidária e Agricultura Familiar – Saberes e Sabores, gestada no Programa e no Projeto supramencionados, é um espaço que vem sendo pensado e construído ao longo dos anos por sujeitos que pretendem vivenciar uma experiência que envolva não apenas um ambiente mercadológico ou de negócios, de compra e venda de bons alimentos, mas, principalmente, um espaço de relações amplas que amparem as diversas dimensões da vida. Nesse sentido, as manifestações culturais, educativas, políticas, identitárias, econômicas, territoriais, históricas (Figura 1) demarcam a referência de sua formação, sob diversos aspectos, do município de Feira de Santana tanto como espaço socioeconômico local (LIMA,2016), quanto como espaço para o mundo do trabalho (ANTUNES, 2009).

 

Figura 1 – A Feira de Saberes e Sabores como ambiente diverso

Fonte: Elaboração dos autores.

 

Em contraposição ao que se compreende como um caminho sem volta, em que se resume toda economia ao mercado, propomos construir, junto aos setores populares, e mediante a Economia Popular e Solidária, outra perpectiva socioeconômica, conforme defendem França Filho e Laville (2004):

 

No lugar, portanto, de resumirmos a economia ao mercado, parece-nos preferível [...] admitirmos que, em relação ao conjunto das práticas que conformam a dinâmica econômica mais ampla, existem diferentes princípios de interação [...]. É exatamente esse olhar ampliado da dinâmica econômica mais geral que nos permitirá entender [...] o processo singular de uma economia solidária, que tende a reunir diferentes lógicas. (FRANÇA FILHO; LAVILLE, 2004, p. 17)

 

O mercado não nasceu mercado, mas consubstanciou-se como tal a partir de uma economia como escolha da forma de produzir, comercializar e distribuir a produção material da existencia social e histórica para uma comunidade, sociedade e, globalmente, para a humanidade. Portanto, o mercado não é a própria sociedade, tampouco a própria humanidade.

Com efeito, as Redes/Feiras são um processo político-educativo-organizativo para além do capital, mas também uma forma  de trabalho que vem se  articulando na Economia Popular e Solidária como uma outra economia (SINGER, 2002).  A dinâmica da Economia Popular e Solidária tem, desde seu início, a educação popular como um elemento fundamental de sua organização ao priorizar a construção da aprendizagem com reações ou alternativas ao que não nos interessa da economia convencional.

De acordo com Farias et al (2009), as feiras Agroecológicas e Orgânicas, de maneira geral, têm influenciado as vidas das pessoas. Nesse sentido,  a Feira de Saberes e Sabores da UEFS tornou-se o lugar de encontro e proliferação, desde o ano de 2017, das práticas educativas do associativismo, do cooperativismo, das relações solidárias,  do comércio justo e do respeito ao meio ambiente.

 Além disso, a Feira de Saberes e Sabores tem servido  para a formação de uma rede com os grupos que saem do processo de incubação dos Projetos Cantinas solidárias, que são  espaços de alimentação localizados nos módulos I e VII da UEFS. Após saírem do processo de incubação, esses grupos geralmente são selecionados para feiras de comunidades rurais, e na Feira de Saberes e Sabores  passam a interagir com outros grupos de variadas produções como plantas ornamentais, hortaliças, comidas típicas, artesanato, entre outras interações locais.

Atualmente, participam da Feira aproximadamente 30 (trinta) grupos que compreendem moradores dos 8 (oito) distritos de Feira de Santana entre feirantes e frequentadores associados a associações comunitárias ou cooperativas, entre os quais destacamos Maria Quitéria, com o Grupo Sabores do Quilombo da Comunidade de Lagoa Grande, e Delícias de Formiga, da Comunidade Olhos D’Água da Formiga. Esses grupos foram responsáveis por introduzir as feiras periódicas em suas comunidades na perspectiva da feira matriz, a Feiras de Saberes e Sabores da UEFS. A Figura 2 mostra a Feira de Economia Solidária da Comunidde Quilombola de Lagoa Grande em sua quarta edição.

Na linha dos contratempos e contradições, com o início da pandemia do Coronavírus as relações entre os comerciantes e seus fregueses sofreram reveses com o fechamento dos comércios e as medidas restritivas. Muitos comerciantes e também feirantes perderam quase que completamente o contato com seus clientes e, consequentemente, sua fonte de renda.

Nas feiras e, principalmente, no nosso espaço de pesquisa-ação, qual seja,  a incubação e a Feira de Saberes e Sabores, os impactos foram profundos, especialmente aqueles relacionados à convivialidade. A falta de interação, de diálogo,  e do aperto de mãos que sempre fizeram parte do cotidiano dos feirantes e de suas atividades foram constantemente objeto de lamentação dos feirantes durante as rodas de conversa, oficinas e reuniões.

 

Figura 2 – Feira de Economia Popular e Solidária da Comunidade Quilombola de Lagoa Grande,  Maria Quitéria

 

Fonte: Elaboração dos autores

 

O feirante conhece seus parceiros e fregueses, sabe os seus gostos e sua forma de agir, pensar, trocar, dialogar. Com as limitações impostas pela pandemia, os feirantes enfrentaram dificuldades para trazer de volta os antigos frequentadores das feiras e conquistar novos, haja vista as restrições de aproximação pessoal que comprometeram significativamente as sociabilidades típicas desses espaços.

Nesse contexto, o Projeto de pesquisa Feira Livre e Itinerante como elemento central para o processo de Desenvolvimento, Reaplicação, Aperfeiçoamento e avaliação de Tecnologias Sociais (FLIDRATS),  um dos projetos de pesquisa da IEPS/UEFS articulado por planos de trabalho desenvolvidos no período imediatamente posterior à pandemia (2021/2022), perfilou a compreensão dos participantes da Feira de Saberes e Sabores da UEFS sobre a integração, interação e a sensibilidade das relações humanas desinteressadas da exclusividade dos aspectos econômicos mercadológicos, que não asseveram a racionalidade impessoal, individualista e competitiva própria da economia de mercado.

Falas compactuadas por todos/as nas reuniões como: “ [...] o dinheiro é bom, não vou mentir, mas, eu não estou preocupada com o dinheiro que vão trazer, estou com saudades deles, do papo, dos abraços e das risadas que damos aqui nas quintas-feiras na UEFS” evidenciaram que,  nas relações entre os feirantes, há a consciência de que o que vendem e consomem não está desconectado de suas características sociais e identitárias. Nesse sentido, prevalecem, nas relações, os princípios de solidariedade, parceria e comunidade que caracterizam uma outra economia.

A parceria de diversos segmentos sociais dispostos a colaborar para que os feirantes alcancem novos públicos com a utilização de novas tecnologias livres/disponíveis gratuitamente tem permitido o controle de livre acesso de entrada e saída, bem como reformulações e compartilhamentos no uso dessas tecnologias. Dessa forma, as mídias sociais e sites são os meios de comunicação mais utilizados atualmente pelo comércio, e estão ajudando muitos comerciantes a se estabilizarem no mercado ou em outros arranjos socioeconômicos locais, em especial, nos diversos formatos de feiras.

Com efeito, a utilização desses meios para alcançar e ampliar o número de participantes, bem como para divulgar os produtos de forma personalizada/customizada é uma das formas de a Feira de Saberes e Sabores da UEFS contribuir para amenizar os impactos da crise econômica que afetou diretamente a renda das famílias dos feirantes. Isso, não significa, no entanto,  uma adesão incontestável ao mercado de natureza competitiva, individualista e de escala.

Compreender a relação entre os consumidores – principalmente, os já participantes da Feira de Saberes e Sabores –   tornando-os feirantes  potencializou a organicidade que converge para a solidariedade, que é marca do que Singer (2002) chama de uma outra economia. Nesse sentido, o diálogo entre os participantes dessa forma de rede em formato de Feira foi fundamental para contornar  as consequências do distanciamento social imposto pela pandemia de Covid-19.

O diálogo proposto a partir das diversas reuniões, oficinas e rodas de conversa, seja em comissões de organização, seja na Feira integral – inclusive com  a presença e participação dos fregueses –  ocasionou, em um primeiro momento, um cuidado maior com a divulgação das

 atividades da Feira de Saberes e Sabores para a população feirense através da utilização das tecnologias livres disponíveis, especialmente as redes sociais.

Com efeito, o desenvolvimento das ações propostas nas reuniões se  tornou viável com o apoio/acompanhamento da Incubadora de Iniciativas da Economia Popular e Solidária (IEPS-UEFS), graças aos professores orientadores, técnicos, parceiros, voluntários, bolsistas, bem como das condições infraestruturais do projeto. Além disso, considerando a situação do país, o projeto se mostrou totalmente viável e necessário como política pública. Nesse sentido, esperamos que seja delineado como uma Feira. 

O projeto de Economia Popular e Solidária contribuiu para melhorar a relação dos membros da Feira de Saberes e Sabores com a população feirense. Com base nas informações levantadas, conseguimos entender as relações comerciais envolvidas, e verificar que os feirantes já compreendem a importância de utilizar as mídias sociais para divulgar seus produtos e entrar em contato com seus clientes.

Os feirantes também já demonstram estar cientes da importância de estabelecer relações e parceiras, conforme discutiram Parasuraman, Grewal e Krishnan (1991), bem como da necessidade de não negligenciar as questões de mercado que de alguma forma envolvem e conquistam clientes em toda parte da sociedade, até mesmo da população aderente às feiras, conforme pontua Moura (2021).

 

3 A FEIRA DE SABERES E SABORES DA UEFS E A PERSPECTIVA DE MELHORIA NAS RELAÇÕES ORGÂNICAS ENTRE FEIRANTES E A COMUNIDADE UNIVERSITÁRIA E FEIRENSE

 

Os feirantes da Feira de Saberes e Sabores compreendem como se relacionar com o público, como se tornarem mais visíveis e como demonstrar uma identidade visual da Feira nas redes sociais. Nesse sentido, também é possível dizer que conseguem se apropriar da dinâmica do processo político-educativo de trabalho característico da Feira que envolve e afeta no bom sentido simpatizantes, parceiros e os próprios feirantes. Dessa forma, há pouco espaço para relações competitivas e individualistas que, ainda que persistam em alguns feirantes iniciantes no processo, são mitigados nas discussões que ocorrem nos processos de incubação de iniciativas de Economia Popular e Solidária. (LIMA, 2016).

Graças ao trabalho da IEPS-UEFS, os feirantes puderam criar alternativas para melhorar as vendas que foram afetadas diretamente pela pandemia e, ao mesmo tempo, diferenciar-se dos aspectos mercadológicos de escala consubstanciados nos objetos e artefatos invasores – mercadorias da China e outros mercados impessoais, competitivos e subjetivos – e deformadores das formas produtivas identitárias locais.

Além disso, as atividades da IEPS-UEFS proporcionaram uma melhoria nas condições de vida dos feirantes e nas relações comunitárias, seja sob os aspectos individuais (sujeitos políticos), familiares ou comunitários que culminem com a articulação de saberes, ancestralidades e outros caminhos para as tecnologias sociais (RIOS e LIMA, 2016).

 

Quadro 1 - Ações indicativas das relações solidárias em detrimento das relações de mercado

 

MODALIDADE

TEMA

REFLEXÃO

Oficina sobre Normas de Convivência.

Organizar a convivência considerando a frequência, cooperação e a autogestão nas tarefas da Feira visando avançar na melhoria das relações internas e externas.

As características de solidariedade, cooperação, associação e democracia movem os feirantes para uma união que os beneficia na identidade da feira enquanto rede, buscando superar a competição e o individualismo. Foram realizadas 4 oficinas.

Roda de Conversa temática sobre Agricultura com ênfase na Agroecologia e Educação Popular.

ALFRGARI - Projeto de alfabetização de Garis cujos formandos escolhem o espaço da feira e os feirantes para a primeira socialização da formação.

Grupo externo simpatizante da Feira de Saberes e Sabores que se aproxima como potenciais parceiros, indicando o tema da agricultura como preferência.

Reuniões Ordinárias dos participantes da Feira de Saberes e Sabores

Planejamento e organização do trabalho e produção para as feiras de cada semana do mês.

Ação orgânica de um processo educativo que identifica o grupo pelas repetidas ações conjuntas de interesse comum, vendas colaborativas, combinações de produtos, escolha dos novos grupos que integram quando da eventual saída ou ampliação do número de feirantes.

Roda de Conversa temática sobre Associativismo

Interação dos alunos do curso de direito da UEFS com os feirantes sobre Associativismo, pois na Feira existem diversos grupos socioprodutivos advindos de associações comunitárias.

Diálogo profícuo entre estudantes de Direito e feirantes sobre as práticas associativas, demonstrando a necessidade de articulação entre os saberes do cotidiano dos feirantes e as práticas, normas e marcos. regulatórios do associativismo comunitário.

Reunião aberta com o Diretório Central dos Estudantes da UEFS.

Relações entre entidades políticas organizativas

Iniciativa relevante por parte do DCE/UEFS, considerando a necessidade de ampliação da participação dos trabalhadores e trabalhadoras feirantes das comunidades diversas nos espaços da vida universitária.

Fonte: Elaboração dos autores.

 

O quadro 1 apresenta as variadas modalidades de espaços de diálogo, as abordagens consideradas pertinentes às suas relações no campus universitário e nas feiras itinerantes, bem como os assuntos de cunho educativo e político inerentes à construção de relações colaborativas, democráticas e autogestionárias solidárias conforme definidas por Singer (2000). O objetivo das atividades foi a construção de relações comunitárias de confiança conforme definidas por Putnam (1996).

Também é possível observar a relação entre os conteúdos abordados nas disciplinas de graduação e as atividades da Feira de Saberes e Sabores, conforme a Figura 3:

 

Figura 3 –  Cartaz de roda de conversa da Feira de Saberes e Sabores

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Arquivos do Projeto Feira/IEPS/UEFS, 2023.

 

A roda de conversa supramencionada (figura 3) nos meostra a interrdisciplinaridade presnte na Feira, bem como o proceso educativo em que consiste. Alunos e Profesores da Graduação desenvolvem suas atividades curriculares em consonânica com as necessidades práticas dos feirantes no que se refere às tematicas das regras de convivencia, associtivismo e coopeerativismo. Isso nos indica a Feira de Saberes e Sabores da UEFS e a perspectiva de melhoria nas relações orgânicas entre feirantes e a comunidade universitária e feirense.

 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Ao longo do período de pesquisa participante, foi possível realizar e acompanhar diversas atividades, ações e movimentos que permitiram alcançar o objetivo principal do trabalho de pesquisa. Interessa ressaltar que todo o proceso de pesquisa foi muito enriquecedor por diversas razões, mas, principalmente, pelas trocas de conhecimentos possibilitadas nas interações com os participantes. 

A escolha dos instrumentos de pesquisa, bem como a condução das atividades através de rodas de conversas, cursos, oficinas e reuniões possibilitou a todos os participantes a compreensão das relações entre a Feira Saberes e Sabores, a comunidade universitária e a população feirense. As três instâncias dialogam, e estão mutuamente implicadas nos processos de comercialização saudável e customizada dos produtos da Feira.

A feira, os feirantes e parte da população frequentadora do espaço da Feira estão propensos à interação com as comunidades acadêmica e não acadêmica interna e externa ao campus, o que mostra que a população feirense é mais aberta e diversa do que supusemos no início da pesquisa.

 Os resultados da pesquisa mostram que os feirantes e os potenciais feirantes da Feira de Saberes e Sabores da UEFS estão desenvolvendo uma identidade social compromissada com o consumo consciente, numa perspectiva não mercadológica, e fora dos termos de um mercado alheio, frio e distante das relações solidárias.

As características solidárias da Feira têm conquistado o público ao possibilitar experiências de um novo formato de trocas, de formas de produção da existência e da criação de um valor social local consubstanciando na utilização das tecnologias livres e disponíveis para articular e melhorar as relações coletivas, associativas, comunitárias e solidárias.

REFERÊNCIAS

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 2009.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A pesquisa participante: um momento da educação popular. Revista Educação Popular, Uberlândia, v. 6, p.51-62. jan./dez. 2007.

FARIAS, Jayne Saraiva; GOMES, Rafael José; LIRA, Elizabete Buonora de Souza; PEREIRA, Ana Paula da Silva; FIGUEIREDO, Marcos. Influência das feiras agroecológicas do Recife na vida de produtores e consumidores de produtos orgânicos. In: JORNADA DE ENSINO, PESQUISA E EXTESÃO DA UFRPE/SEMANA NACIONAL DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA. 9. 6, 2009, Recife. Anais [...] Recife: UFRPE, 2009, p. 2-4.

FRANÇA FILHO, Genauto; LAVILLE, Jean-Louis. A Economia Solidária: uma abordagem internacional. Porto Alegre: UFRGS, 2004.

INCUBADORA DE INICIATIVAS DA ECONOMIA POPULAR E SOLIDÁRIA - IEPS.  Carta de Princípios da IEPS-UEFS. Disponível em:  http://incubadorauefs.blogspot.com.br/. Acesso em:  20 fev. 2022.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Censo 2021. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/ba/feira-de-santana.html. Acesso em:  20 fev. 2022.

LIMA, José Raimundo Oliveira. Tecnologias Sociais e as relações de produção locais. Incubadora de Iniciativas de Economia Popular e Solidária da Universidade Estadual de Feira de Santana (IEPS/UEFS): Feira de Santana, 2016.

MANCE, Euclides André. A revolução das redes de colaboração solidária. Disponível em: https://solidarius.net/mance/biblioteca/A_Revolucao_das_Redes_de_Colaboracao_Solidaria.pdf. Acesso em: 10 fev. 2022.

MOURA, Lucivânia S.; JESUS, Erivaldo Santiago de; SILVA, Sara de S.; LIMA, José Raimundo Oliveira. Processo educativo de trabalho: protagonismo da classe trabalhadora e solidariedade sobre a crise pandêmica. Revista da Associação Brasileira de Estudo do Trabalho - ABET, João Pessoa, v.19, p.1 - 435, 2021.

PARASURAMAN, A.; GREWAL, Dhruv; KRISHNAN, R. Marketing research. San Diego: South-Western College Pub, 1991.

PUTNAM, Robert D. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996.

resposta ao desemprego. São Paulo: Contexto, 2000.

RIBEIRO, Eduardo Magalhães. (Coord). Feiras do Jequitinhonha: mercados, cultura e trabalho de famílias rurais no semiárido de Minas Gerais. Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2007.

RIOS, Dara; LIMA, José Raimundo. A prática da extensão universitária como incentivadora da tecnologia social. Revista Brasileira de Tecnologias Sociais, Niterói, v.3, n.1, p. 93-100, 2016.

SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora Fundação Perseu  Abramo, 2002.

SINGER, Paul; SOUZA, André R. de. A Economia Solidária no Brasil: A autogestão como

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA – UEFS.  Resolução do Conselho Superior de Ensino 116/2010. Feira de Santana, 2010.

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA – UEFS.  Resolução do Conselho Superior de Ensino 150/2010. Feira de Santana, 2010.



[1] Integrante da Associação Brasileira de Pesquisadores de Economia Solidária (ABPES), Coordenador da Incubadora de Estadual de Feira de Santana.

[2] Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação e Contemporaneidade da Universidade do Estado da Bahia (PPGEduC/UNEB)E-mail: eduardojosf2@gmail.com

[3] Coordenadora da Feira de Saberes e Sabores da UEFS, Técnica Universitária, Mestra em Politicas Públicas, Doutoranda em Diversidade Cultura.

[4] Bolsista PIBIC/FAPESB, Graduanda em Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Feira de Santana.

[5] Bolsista de Extensão/UEFS, Graduanda em Engenharia Agronômica da Universidade Estadual de Feira de Santana.