Paul Singer em defesa da Economia Solidária como trabalho decente

 

Maria da Penha Lage Camargo[1]

Universidade Federal de Santa Catarina

mpenhacamargo@gmail.com

 

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Resumo

O escritor Paul Singer teve uma grande contribuição para a sociedade, não só brasileira, mas para todo mundo. Não há possibilidade de citar todos os títulos que escreveu (perto de 170), todavia pretende-se neste artigo discorrer sobre alguns trechos de suas obras que tratam sobre desenvolvimento, capitalismo, globalização, desemprego, exclusão social e a apresentação da economia solidária como possibilidade de combate ao desemprego estrutural e a precarização do trabalho, para ser um modelo que tem como bandeira o trabalho decente, pois este modelo preza pelo ser humano antes do capital. Santos (2018, p.64), conta sobre a trajetória de Singer e de forma suscinta pontuamos alguns dados que ela traz. Na infância/adolescência teve seu primeiro contato com formação socialista por meio dos kibutzim[2] onde via a proximidade da prática de outra economia que mais tarde se materializa na economia solidária, teve militância no sindicato dos metalúrgicos, em partidos políticos (socialista e dos trabalhadores), na universidade, na sociedade civil, no poder público e aquela primeira experiência. O artigo ficou dividido em três blocos: O Capitalismo e os efeitos da Globalização; A Exclusão Social e Economia Solidária como uma solução para o desemprego.

Palavras chave: economia solidária; Paul Singer; globalização; desemprego; exclusão social e autogestão

PAUL SINGER IN DEFENSE OF SOLIDARITY ECONOMY AS DECENT WORK

 

Abstract

The writer Paul Singer has made a great contribution to society, not only in Brazil, but worldwide. It is not possible to quote all the titles he wrote (close to 170), however, this article intends to discuss some parts of his works that deal with development, capitalism, globalization, unemployment, social exclusion, and the presentation of the solidarity economy as a possibility to combat structural unemployment and job insecurity, to be a model that has decent work as its flag, because this model values  human beings before capital. Santos (2018, p.64), tells about Singer's trajectory and we briefly point out some of the data she brings. In his childhood/ adolescence he had his first contact with socialist formation through the kibbutzim where he saw the proximity of the practice of another economy that later materialized in the solidarity economy, he was active in the metalworkers' union, in political parties (socialist and workers'), in the university, in civil society, in public power, and in that first experience. The article was divided into three blocks: Capitalism and the effects of Globalization; Social Exclusion; and Solidarity Economy as a solution to unemployment.

Keywords: Solidarity economy; Paul Singer; globalization; unemployment; social exclusion and self-management

 

1  INTRODUÇÃO

Singer era visto pelos que os cercava como alguém positivo, que não gostava de reclamar, transitou em vários ambientes públicos, privados e filantrópicos, esse trânsito lhe permitiu observar, aprender, interagir, agir, compartilhar dando e recebendo saberes que aprofundou seus conhecimentos e que nos proporcionou beber desse fonte e disseminar seu legado.

Singer, em uma de suas entrevistas vai contar como ele apresentou pela primeira vez uma proposta sobre a organização dos trabalhadores desempregados. Esta era uma proposta para campanha de Erundina ao Município de São Paulo e consistia em criar cooperativas na qual os trabalhadores seriam chamados para discutir a criação ou não, bem como a criação de uma moeda social. Enfim, a proposta fora aceita de pronto, mas o próprio Singer, não havia dado nome a este processo no que ele relata que quem batizou-o com nome de Economia Solidária fora Aloisio Mercadante, desta feita, Singer adotou tal nome. Posterior a este acontecimento, Singer descobre que muitos outros já utilizavam tal nomenclatura e outros que a praticavam e ainda não tinham o nome para sua prática como o caso do MST com assentamentos e criação de cooperativas. A partir de então, buscou formas de dar visibilidade a esta outra economia, tornando-se seu principal promotor no Brasil e no mundo.

Para entendermos sobre a possibilidade de uma outra economia, faz-se necessário, mesmo que de maneira breve, ponderar sobre como estamos enquanto sociedade, destarte a necessidade de falarmos do capitalismo e da globalização. A economia não pode ser estudada de forma isolada, pois está intrinsicamente ligada à sociedade. Não se mede o desenvolvimento da sociedade somente com números.

Para discorrer sobre as reflexões, nos utilizaremos de algumas publicações de Paul Singer: Introdução à Economia Solidária / Paul Singer, 2002; Globalização e desemprego: diagnóstico e alternativas, 1999; Desenvolvimento e crise, 1982; Curso de Introdução à economia política, 1972, certamente o assunto não se esgotará neste artigo, todavia alguns elementos nos trará certa clareza do quão importante é pensar em outras possibilidades além do capitalismo para reduz danos, minimizar ou até mesmo dar conta de resolver o aumento da pobreza e do desemprego estrutural.

Singer dedicou cerca de 25 anos defendendo a Economia Solidária como um modelo de gestão viável, mas não se passava por ingênuo, acreditando que tudo seria fácil e rápido, ele tinha ciência de que a construção seria lenta e inclusive um provérbio africano que tanto ele quanto muitos militantes dessa política sempre utilizam que é “ muita gente pequena, em muitos lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, uma dia mudarão a face da terra”.

 

2 O Capitalismo e os efeitos da Globalização

Em 1972, fora publicada uma obra de Singer: Curso de introdução à economia política[3], já nesta época o autor buscava realizar uma leitura sobre os modos de produção, o mercado de trabalho, desenvolvimento econômico, com capítulos específicos tratando da repartição de renda, acumulação e concentração de capital, nível de emprego, desenvolvimento econômico, entre outros temas. Singer afirma que:

O capitalismo só surge como modo de produção no século XVI na Europa, sob a forma de “manufatura” ... A conquista de colônias em outros continentes abriu novos mercados à manufatura europeia, permitindo-lhe expandir-se em novos campos.

A revolução Industrial, a partir do último quartel do século XVIII, uma nova fase na história do capitalismo... (p.137-138)

Ainda nesta obra, Singer já aponta a globalização da economia, quando menciona na página 139 sobre como “o capitalismo industrial iniciou sua trajetória triunfante na Grã-Bretanha, ainda no século XIX, penetrou no continente europeu” tendo expansão com grande força nos Estados Unidos, Japão e Alemanha. A condição, segundo o autor, para a expansão desta economia mundial era a aceitação do liberalismo. O autor cita até a segunda[4] revolução industrial, que tem suas bases no campo metalúrgico e químico, ponderando que,

“[...] o capitalismo está esgotando o seu papel histórico: tendo surgido como um modo de produção que revolucionou a técnica de modo contínuo e sistemático, ele elevou os níveis de produtividade do trabalho humano a níveis nunca antes sonhados.” [...] A revolução industrial foi a grande realização histórica do capitalismo, e sua rápida difusão permitiu ao capitalismo tornar-se o primeiro modo de produção universal da história. (Singer, 1972, p.145).

Conforme Singer (1999, p.19) a primeira tentativa de globalização se deu na metade do século XIX, com a movimentação de mercadorias e capitais através das fronteiras, “afundou com a Primeira Guerra Mundial (1914-18) e pouco depois com a grande crise dos anos 30, seguida pela Segunda Guerra Mundial (1939-45)” e, que vai se reerguer após a última Grande Guerra, puxada pelos Estados Unidos.

Neste movimento, Singer ponderou dois momentos, o primeiro em que a globalização trouxe expansão e crescimento industrial e o segundo em que a globalização passou a ser a causadora da desindustrialização e empobrecimento de cidades e regiões inteiras, ou seja, ao passo que encontra-se países ou regiões onde a mão de obra, impostos, incentivos sejam melhores do que onde se está, as empresas tendem a fechar naquela localidade onde os custos estão altos e optam por outra localidade onde lhe trará maior lucratividade.

Singer em seu livro: Globalização e Desemprego – Diagnóstico e Alternativas (1999), expõe sobre os impactos que a globalização que implica diretamente sobre o desemprego, subemprego e a exclusão social. Aqui ele fala sobre a consequências que cada revolução industrial causou e em especial a terceira onde diz que ela,

[...]expulsa do emprego milhões de pessoas que cumprem tarefas rotineiras, que exigem um repertório limitado de conhecimentos e, sobretudo, nenhuma necessidade de improvisar em face de situações imprevistas. É neste tipo de tarefas que o cérebro eletrônico se mostra superior ao humano, tanto em termos de eficiência quanto de custos. Ao mesmo tempo, as aplicações da microeletrônica criam novos postos de trabalho, provavelmente em menor número, dos quais uma parte requer qualificação elevada (programadores, por exemplo) e outra reque apenas prática (digitadores, por exemplo). (Singer, 1999.p18-19)

Não só a terceira revolução industrial como também a globalização são causas do desemprego, sendo a primeira a causa do desemprego tecnológico e a segunda o desemprego estrutural e na atual conjuntura os dois se somam.

Segundo matéria no site do IBGE (Desemprego | IBGE) os dados levantados no 3o trimestre de 2022 apontam que o número de desempregados[5] (desocupados) é de 9,5 milhões; a taxa de desemprego (desocupação) e de 8,7%; desalentados[6] é de 4,3 milhões e a taxa de subutilização[7] é de 20,1%. A guisa desses dados, Singer pontua para além do desemprego, a forma do desemprego estrutural e a precarização do trabalho, que ele atribui não só à globalização, mas também ao desemprego tecnológico.

Uma grande preocupação de Singer, era sobre a questão o mercado de trabalho e para tanto se debruçou nesta obra fazendo uma análise sobre a precarização do mercado de trabalho, a exclusão social, o desemprego e a alternativa para tais questões.

Com as revoluções industrias o mercado de trabalho foi se alterando, desaparecendo e surgindo novos campos de trabalho, gerando mais desempregos do que empregos. E em meio a estas revoluções, outro processo que se desenvolveu rapidamente foi o da globalização.

Ao apontar formas de ocupação, com estes novos processos, observa-se que cada vez mais muitas empresas tem terceirizado seus serviços, tirando funções de seus quadros fixos e subcontratando profissionais em caráter provisório, por tempo determinado, bem como de forma eventual, em tempo parcial, estagiários entre outras formas. Para além das novas formas de ocupação, aponta-se ainda para a precarização do trabalho, desnudando outra face da globalização tendo o enfraquecimento dos sindicatos, os direitos trabalhistas diminuídos e a exploração do trabalhador ainda mais pujante em locais onde não existe legislações que os proteja, deixando assim que o empregador determine todas as regras.

Como não poderia deixar de ser, a contra revolução do capital teve como consequência, em todos os países, o aumento da exclusão social. Trata-se, na realidade, de um processo cumulativo: a precarização do trabalho tornou sem eleito para uma parcela crescente da força de trabalho a legislação do trabalho, inclusive a que limita a jornada a 8 horas, determinando ainda descanso semanal e férias. Essas conquistas históricas do movimento operário foram decisivas para limitar a extensão do desemprego em face do crescimento acelerado da produtividade do trabalho durante os anos dourados (1945-73). Agora todos os ocupados por conta própria, reais ou informais, perderam estes direitos. Seus ganhos em geral se pautam não pelo tempo de trabalho dado mas pelo montante de serviços prestados. (Singer, 1999.p.29- 30)

Singer (1999, p.31) vai apontar para o crescimento da pobreza e a denomina como uma “nova pobreza”, pois sua origem se dá na classe média que “perderam seus empregos para robôs ou para trabalhadores de países periféricos.” Neste aumento da pobreza, aqueles que mais irão sentir são estes novos desempregados, onde muitos tinham salários mais altos e de certa forma terão mais dificuldades em retornar ao trabalho formal, na mesma função e com o mesmo salário.

 

3 A exclusão social

O capitalismo, as revoluções industriais, a globalização, a precarização do trabalho e a flexibilização das formas de trabalho contribuíram diretamente para a exclusão social. Tal exclusão pode ser tratada ou percebida de várias formas, mas nos reportaremos a duas visões sobre tal fato conforme apontamentos de Singer (1999), a individualista e a estruturalista.

Os individualistas:

·  São contrários à proteção do trabalhador e veem tais proposições como

obstáculos para a expansão do emprego e da economia;

·  Atribuem as desigualdades devido ás interferências institucionais, sendo sua

origem nas naturais e inevitáveis diferenças entre os indivíduos;

·  Que a distribuição de renda serve para criar pobres profissionais e que tudo

dever ser feito para incentivar o pobre a ajudar a si mesmo para sair da pobreza;

·  Concebem a inclusão social como ação do próprio individuo, seja abrindo um negócio ou concorrendo a um emprego, indo para escola ou adquirindo qualificação. Ignoram a falta de capital e novamente dão ênfase para a

dedicação, vontade e persistência.

Os estruturalistas:

·  As instituições de bem estar social são indispensáveis à proteção dos excluídos,

para lhes proporcionar oportunidades para que tenham chances no mercado;

·  A desigualdade é uma decorrência natural da economia de mercado, é a favor da

redistribuição de renda, seja direta ou indiretamente, dos ricos aos pobres;

·  Querem o engajamento do governo de forma sistemática na distribuição de renda, para que ninguém corra o risco de não ver as necessidades básicas

atendidas;

·  Consideram como dever do Estado a promoção de um processo público e

inclusão social, com treinamento para os desempregados, financiamento e assistência a pequenas empresas ou comunidades de trabalho entre outros.

Ao ponderar sobre a exclusão social, Singer vai aprofundar sobre as teorias das causas de exclusão social onde ela pode ter causas tanto individuais como estruturais, e ainda a combinação de fatores condicionantes, mas que nos dias atuais os individualistas tem dominado as discussões sob a bandeira do neoliberalismo e estes afirmam que,

O único dever dos governos é equilibrar os seus próprios orçamentos, desregulamentar a economia (particularmente o mercado de trabalho) e reduzir o peso dos impostos que recaem sobre os negócios de modo a facilitar e estimular a acumulação privada de capital. (Singer, 1999, p.66-67)

Limitar o Estado para trabalhar tão somente em favor de um determinado grupo, não representa um Estado democrático que precisa cumprir com seu dever de atender a todo povo pelo qual tem governança, se assim for, um novo tipo de exclusão estará sendo criado.

A exclusão social para além da exclusão do mercado de trabalho (que provoca a exclusão econômica), também pode ser vista na exclusão por cor, região, gênero e escolaridade,

No interior das hierarquias profissionais de empresas públicas e privadas, bem como em organizações sem fins lucrativos, os critérios de admissão geralmente incluem um nível mínimo de escolaridade. Essa explicação só é suficiente para diferenças entre salários baixos e médios, e assim mesmo pode-se duvidar que a educação seja o determinante mais importante, uma vez que a influência de outros fatores, como local de moradia, gênero, raça, contatos pessoais e sorte pura também devem ser levados em consideração. (Singer, 1999, p.103-104)

Quando se fala de exclusão social, aumento da pobreza, aumento de desemprego e outras mazelas que qualquer sistema econômico social pode trazer, entramos no assunto que diz respeito à desenvolvimento e crescimento. Na obra intitulada Desenvolvimento e Crise de Singer (1982), ele traz à baila a discussão em torno de desenvolvimento e crescimento econômico, observando que muitos autores utilizam os mesmos critérios para definir os dois termos, sem distinção dos países que são considerados desenvolvidos e os que são subdesenvolvidos, uma vez que a falta de crescimento econômico é fator determinante para o subdesenvolvimento. Ele vai discorrer sobre vários autores que buscam explicar o desenvolvimento e o subdesenvolvimento sob teorias neoclássica, indutiva e estruturalista, onde cita Marshall, Barre, Gannagé e Durkheim e, conclui que,

[...]desenvolvimento é um processo histórico[...] Desenvolvimento é o processo de passagem de uma Economia Colonial para outra diferente, capitalista ou centralmente planificada, nas condições históricas do mundo contemporâneo. (Singer, 1982.p.34)

Compreender o desenvolvimento como um processo histórico e entender que o crescimento econômico não se vincula a apenas uma variável ou indicador deixa claro que, quando se propõe uma nova forma de viver a economia, precisa-se levar em consideração o que se espera alcançar com o novo modelo, qual é o crescimento almejado e como se pretende chegar a este alvo.

Pensar em pleno emprego, traz a memória que no passado a solução foi compensada pela redução da jornada de trabalho e aceleração do crescimento econômico acelerado, mas hoje esta solução não é mais viável diante do aumento de desemprego e piora considerável da relações contratuais de trabalho.

Hoje o que se oferece é qualificação e treinamento, mas não existe vagas suficientes para atender a todos, caso todos os desempregados resolvessem passar por tal qualificação. Outra proposição é a transformação do desempregado em microempreendedor ou autônomo, faltando a estes experiência profissional assim como preparo para operacionalizar seu negócio.

Outra solução que fora usada no passado foi a emigração, onde países com problemas sérios de desemprego em massa, encaminhavam seus excluídos para outros países, onde tinham a oportunidade de se estabelecerem com pequenas empresas,

certamente no Brasil podemos citar as colônias italianas e alemãs no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, mas hoje esta solução também não é viável.

E ainda pode-se citar o deslocamento das empresas para outros países que dispõe de mão de obra barata, sem regimes trabalhistas consolidados, Singer (2002, p.113-114) afirma que,

É preciso considerar que a abertura de mercados ao comércio e o deslocamento de empresas para países de trabalho barato são mudanças estruturais que tendem a se esgotar no tempo. Provavelmente, nos próximos decênios, o deslocamento de postos de trabalho industriais e de serviços do centro da economia mundial para a periferia perderá intensidade. Muito vai depender também do ritmo de crescimento das economias nacionais, estimuladas por novos padrões de consumo que decorrem dos efeitos não só da revolução microeletrônica mas também da genômica e de outras frentes da biotecnologia. E da capacidade das potências dominantes de manter alguma ordem no mercado financeiro global, para evitar que crises financeiras localizadas (que são quase ininterruptas, variando apenas de lugar a cada período) se transformem em crises globais.

Soluções outrora apontadas pela globalização podem não servir em um futuro próximo, a economia sofre mudanças rápidas e se faz necessário repensar o presente, observando o passado e planejamento as ações futuras.

 

4 Economia Solidária como uma solução para o desemprego

Diante da falta proposições capitalistas para as questões relacionadas ao desemprego estrutural e a precarização da mão de obra, Singer aponta uma solução não capitalista para o desemprego, apresentando a economia solidária como forma de geração de renda e alternativa ao liberalismo. Ele afirma que,

A economia solidária não é uma panacéia. Ela é um projeto de organização socioeconômica por princípios opostos ao laissez-faire em lugar da concorrência, a cooperação; em lugar da seleção darwiniana pelos mecanismos do mercado, a limitação – mas não eliminação! – destes mecanismos pela estruturação de relações econômicas solidárias entre produtores e consumidores. (Singer, 1999, p. 9)

Uma economia que outros autores a definem como economia popular e solidária, economia social e solidária, e que tem sua aplicação e desenvolvimento em níveis diferentes conforme o país ou região, pois um dos princípios dessa economia é o reconhecimento do conhecimento local. Singer, sempre acreditou na economia solidária como algo a superar o capitalismo, não simplesmente como um paliativo para os males do capitalismo e ele afirma que,

A maioria dos empreendimentos solidários é de caráter intersticial. Surgiram como respostas a crises nas empresas, ao desemprego e à exclusão social. Mas, em determinadas regiões, a economia solidária atingiu densidade tal que domina a vida econômica e pauta a sua expansão. Mondragón é o exemplo mais acabado, mas no mesmo contexto cabe citar Emilia-Romana na Itália, Québec no Canadá, Grande Buenos Aires na Argentina (em que prevalecem clubes de troca), o Grameen Bank em Bangladesh e, quem sabe, nos próximos anos a região de Catende, no sul da Zona da Mata pernambucana, onde a maior agroindústria açucareira da América Latina se encontra em autogestão desde 1995. (Singer, 2002, p.121)

Pontualmente sobre a palavra alternativa, muitas pessoas que debatem sobre o tema têm mudado a fala quando se diz uma alternativa ao capitalismo, dizendo um novo modo de gerar economia, da mesma forma de quando no inicio da economia solidária no país, onde tinha-se o slogan “Uma outra economia é possível!” para “Uma outra economia já acontece!”

A economia solidária se apresenta como uma nova forma de produzir, comprar, vendar, fazer trocas e, opera sobre alguns fundamentos principais que são cooperação, solidariedade, autogestão e viabilidade econômica. A economia solidária é indicada pelo autor como a alternativa mais importante em detrimento ao capitalismo, indicando o cooperativismo como a solução para grande massa de desempregados e excluídos.

É importante destacar que por ter como principio o trabalho cooperativo, para ser considerado um empreendimento solidário, tal critério deve ser seguido, o empreendimento pode ser cooperativo na venda, na produção, no consumo ou na troca. O grupo formado pode ser formal ou informal, ou seja, ter ou não personalidade jurídica. Singer (2002) expõe alguns exemplos de empreendimentos solidários:

·  1. O cooperativismo de consumo – teve inegável importância na disseminação do cooperativismo pela Europa a partir de meados do século XIX, “teve um começo claro: a famosa cooperativa dos Pioneiros Equitativos de Rochdale, considerada a mãe de todas as cooperativas”. As cooperativas de consumo também eram de crédito oferecendo serviços de guarda e aplicação de valores;

·  2. O cooperativismo de crédito surgiu logo em seguida (seis anos após o de consumo). Este tipo de cooperativa surgiu para atender as demandas daqueles mais pobres, que não conseguiam empréstimos em outras instituições financeiras, ou seja, em sua maioria, eram pequenos produtores e artesãos.

·  5. Cooperativas de compras e vendas. Os principais empreendimentos que irão participar destas cooperativas serão grupos de pequenos e médios produtores: agricultores (pequenos ou arrendatários), taxistas, caminhoneiros, comerciantes,

profissionais liberais etc. que procuram ganhos de escala mediante a unificação de suas compras e/ou de suas vendas. Elas cumprem papel importante, pois em vários ramos a melhor tecnologia exige grandes investimentos em capital fixo, que não podem ser subdivididos entre muitos estabelecimentos pequenos;

· 6. Cooperativas de produção são associações de trabalhadores, inclusive administradores, planejadores, técnicos etc., que visam produzir bens que serão comercializados.

Embora Singer não tenha citado, hoje também temos as Cooperativas de trabalho, que são formadas por trabalhadores que visam vender serviços. Para além dos grupos acima mencionados (ali denominados cooperativas), temos também grupos informais que de certa forma abarca todos os campos em que a economia solidária pode se desenvolver.

No Brasil temos uma peculiaridade relacionada ao crédito solidário, pois em alguns lugares de nosso país já existe moedas sociais, onde a comunidade a utiliza, fazendo com que os recursos possam circular no território. Existe também lugares, onde o crédito solidário não se concretiza apenas em moeda corrente, podendo ser usado animais, mão de obra entre outros.

Mas, um dos critérios que vai diferenciar a empresa capitalista da empresa solidária é a forma como ela é dirigida, se é baseada na heterogestão ou na autogestão. Outro detalhe que também vai diferenciar a economia solidária de outras economias é a autogestão.

Singer destaca a autogestão como a principal diferença na administração do empreendimento, entra a economia solidária e a capitalista, sendo que esta última aplica a heterogestão. Ele diz que,

A heterogestão, para atingir seus objetivos, tem de suscitar o máximo de cooperação entre os empregados, agrupados em seções, departamentos e sucursais. Competição e cooperação são, a rigor, incompatíveis entre si: se você coopera com seu rival, você o fortalece e ele pode vencê-lo na competição; se você não coopera com seu colega ou com o setor que depende de sua ajuda, a empresa inteira pode fracassar. Dentro dessa contradição a heterogestão funciona, sempre à procura de novas fórmulas que lhe permitam extrair o máximo de trabalho e eficiência do pessoal empregado. (Singer, 2005, p.18)

Singer diz que, a maneira como a empresa é organizada, onde a tomada de decisão não é de todos e sim de um pequeno grupo ou até mesmo somente do dono é o que o capital defende, a hierarquização e a subordinação. Para a economia solidária, a organização dos empreendimentos busca-se trabalhar de forma cooperada, solidária e autogestionária. A Autogestão implica que a tomada de decisão se dá no coletivo, no caso das cooperativas ou associações, a instância de tomada de decisões geralmente acontece em Assembleia Geral.

Existe aqui um alerta que Singer faz, que não venhamos a confundir a participação de funcionários como acionistas com uma participação autogestionária. Assim também entender que há muitas cooperativas, mas nem todas exercem a autogestão.

A autogestão é uma das características principais para a efetivação da economia solidária, ao avançarmos nas leituras não só do legado de Singer, mas lendo outros autores que debatem sobre o tema, todos vão nos indicar esta característica como basilar na organização dos empreendimentos econômicos solidários.

Vários destes autores também vão acrescentar a solidariedade e a cooperação com pilares que darão a sustentabilidade para a construção conjunta desta nova economia, mas para sua concretização Singer fala de possibilidades,

Seria imprescindível erguer um sistema de crédito cooperativo que desse suporte financeiro a esse crescimento e ao mesmo tempo incubasse os novos empreendimentos (como a Caja Laboral Popular de Mondragón tem feito sistematicamente). Outro pré-requisito seria construir um sistema de geração e difusão de conhecimento, para dar formação técnica e ideológica aos futuros integrantes da economia solidária. Esta via de crescimento da economia solidária pode desembocar em duas formas muito distintas de relacionamento com a economia inclusiva, dominada pelo capital. Uma destas formas seria o isolamento: a economia solidária tenderia a constituir um todo autossuficiente, protegido da competição das empresas capitalistas por uma demanda ideologicamente motivada – o chamado consumo solidário, que dá preferência a bens e serviços produzidos por empreendimentos solidários. Já existe um movimento nesse sentido, promotor do comércio “justo” (fair trade) que procura convencer o público de que deve comprar não em função do seu proveito individual (a melhor mercadoria em termos de preço e qualidade), mas em função do modo como bens e serviços são produzidos.

[...]que a economia solidária se transforme de paliativo dos males do capitalismo em competidor do mesmo, ela terá de alcançar níveis de eficiência na produção e distribuição de mercadorias comparáveis aos da economia capitalista e de outros modos de produção, mediante o apoio de serviços financeiro e científico-tecnológico solidários. (Singer, 1999, p.117- 118,121)

Singer, acredita que há possibilidades de mudanças, e estas não são apenas econômicas, mas também sociais, a estrutura da economia solidária hoje funciona como resposta a falhas do sistema capitalista,

Atualmente, a maioria dos empreendimentos solidários é de caráter intersticial. Surgiram como respostas a crises nas empresas, ao desemprego e à exclusão social. Mas, em determinadas regiões, a economia solidária atingiu densidade tal que domina a vida econômica e pauta a sua expansão. Mondragón é o exemplo mais acabado, mas no mesmo contexto cabe citar Emilia-Romana na Itália, Québec no Canadá, Grande Buenos Aires na Argentina (em que prevalecem clubes de troca), o Grameen Bank em Bangladesh e, quem sabe, nos próximos anos a região de Catende, no sul da Zona da Mata pernambucana, onde a maior agroindústria açucareira da América Latina se encontra em autogestão desde 1995. (Singer, 1999, p.121)

Existem várias experiências no Brasil (e em todo mundo), de cooperativas de produção, de finanças solidárias (cooperativas de crédito, bancos comunitários, fundos rotativos), cooperativas de trabalho entre outras por isso podemos afirmar “Outra economia já acontece!”, mas certamente é necessário o olhar governamental para que a Economia Solidária seja vista, reconhecida e vivenciada como uma de Estado.

Desde o Fórum Social Mundial de 2001 que ocorreu em Porto Alegre, esta pauta que envolve o bem viver vem tomando cada vez mais força, fazendo parte de mesas de debates da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da ONU (Organização das Nações Unidas), do GSEF (Fórum Global de Economia Social) do FSMET (Fórum Social de Economias Transformadoras).

 

5 Conclusão

O sistema capitalista teve grande avanço por todo mundo com as revoluções industriais e, com a junção do movimento de globalização econômica, tal sistema cresceu ainda mais. Esses fatores trouxeram consigo avanços, entretanto, também mostrou-se que o capitalismo, atualmente, não tem dado conta de resolver as questões relacionadas ao desemprego estrutural, com isso tem aumentado cada vez mais a precarização do trabalho, a pobreza e a exclusão social.

Singer, sempre foi um estudioso que atentava em expor seu ponto de vista sob diversos ângulos, sempre foi cercado de amigos e parceiros de estudos, buscando unir a teoria à prática e vice-versa, faz assim uma leitura sobre a economia, trazendo um olhar das ciências sociais, da sociologia, da filosofia e da antropologia. Ele sempre dizia que

aprendia muito em cada experiência vivenciada. É o sentimento de pertencimento que unirá o grupo.

Outro fato importante em ressaltar é que a economia solidária precisa ser construída de baixo para cima, ou seja, se aqueles que dela irão usufruir não estiverem comprometidos com a sua construção e evolução, ela não avançará, esse fato é constatado por Singer em suas leituras de Rosa Luxemburgo, quando ela afirma que a revolução deve ser feita pelas massas.

Singer, em entrevista a Santos (2018, p.74) diz em palavras similares que, não é tão simples implantar a essa nova economia, principalmente pelos limites impostos pela máquina pública, discorrendo sobre as questões orçamentária, da burocracia que viabiliza os projetos, bem como a implementação através das parcerias, “nada adianta uma política bem desenhada, bem elaborada se não for bem executada.”

Acreditamos que a base desta economia, são os empreendimentos, ou seja, aqueles que a vivenciam no dia a dia, bem como os beneficiários da mesma. Mobilizar pessoas com interesses em comum, para organizar-se em grupos, não é tão simples, mas prover condições para que este grupo permaneça junto é mais complexo, pois, falta na maior parte dos lugares, instituições ou poder público que de forma sistemática os acompanhe e lhes forneça ferramentas/recursos para se solidificarem enquanto grupo.

A Economia Solidária acontece por várias mãos, ela sempre teve três atores em sua composição: os empreendimentos, as entidades de apoio (Cáritas, Universidades, ITCPs, ONGs...) e gestores públicos. Há muito que avançar. Importa dizer que aqueles que a difundem, vivem ou convivem com ela, tem buscado sua consolidação enquanto política de Estado. Existe a necessidade de marcos legais para que isso ocorra e, mais que isso, representantes executivos e legislativos comprometidos com a classe trabalhadora, com o povo, porque Economia Solidária é uma nova concepção de bem viver.

Mello (2005), diz que,

Apesar das sucessivas vitórias do capital sobre o trabalho, foi possível ouvir que no mundo, embora com nomes e formas diversas, muitos se dispõe a levar adiante esta luta diária, às vezes miúda e humilde, aparentemente sem efeito. Porque a Economia Solidária se realiza exatamente na constância dessa luta de todos e não nos efeitos espetaculares da economia e da tecnologia que, de modo geral, beneficiam poucos e deixam de fora e órfãos aqueles que contribuíram com sua pesada labuta. (Mello, 2005, p.08)

A Economia Solidária é construída na ação, podemos assim finalizar este artigo com mais uma citação de Singer (2005, p.16):

[...] nós não sabemos exatamente o que é Economia Solidária, porque na ação nós vamos construindo esse conceito, e é na ação também que ele vai se transformando. Cada conquista é ao mesmo tempo uma lição e consequentemente uma contribuição para enriquecimento e a transformação do que nós entendemos por Economia Solidária.

ReferênciaS

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MELLO, S. L. Organizadora. Economia Solidária e autogestão: encontros internacionais. São Paulo: NESOL-USP, ITCP-USP, PW, 2005. ISBN 85-86759-02-3

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SINGER, P. Globalização e desemprego: diagnóstico e alternativas. 3.ed. – São Paulo: Contexto, 1999. ISBN 85-7244-093-3

SINGER, P.  Introdução à Economia Solidária / Paul Singer – 1a ed. – São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2002. ISBN 85-86469-51-3

SINGER, P.  Introdução. In: MELLO, S. L. (org.). Economia Solidária e autogestão: encontros internacionais. São Paulo: NESOL-USP, ITCP-USP, PW, 2005

 



[1] Mestranda da Linha de Pesquisa 1 - Direitos, sociedade civil, políticas sociais na América Latina do Mestrado em Serviço Social na UFSC.

[2] Um kibutz [quibúts][1] (hebraico: קיבוץ; plural: kibutzim: קיבוצים, "reunião" ou "juntos") é uma forma de colectividade comunitária israelita. Apesar de existirem empresas comunais (ou cooperativas) em outros países, em nenhum outro as comunidades colectivas voluntárias desempenharam papel tão importante como o dos kibutzim em Israel, onde tiveram função essencial na criação do Estado judeu. Kibutz. https://pt.wikipedia.org/wiki/Kibutz pesquisado em 31/01/2023

 

[3] Esta obra provém de aulas que foram proferidas em um curso que aconteceu em 1968, no Teatro de Arena, em São Paulo, a convite de entidades estudantis da Faculdade de Filosofia, Ciências e letras da Universidade de São Paulo.

[4] Em outras leituras pode-se observar a existência da terceira revolução, sendo considerada revolução técnico-científica e é nesta em que se destaca o uso dos computadores, a informática e a biotecnologia e, da quarta que se fala da indústria 4.0 com elementos ligados à robótica e à inteligência artificial.( As 4 Revoluções Industriais - Cola da Web)

[5] Os desempregados ou desocupados são as pessoas que não estão trabalhando, porém tomaram alguma providência efetiva para encontrar trabalho e estão disponíveis para assumi-lo, caso encontrem.

[6] Os desalentados são pessoas que gostariam de trabalhar e estariam disponíveis, porém não procuraram trabalho por acharem que não encontrariam. Vários sãos os motivos que levam as pessoas de desistirem de procurar trabalho, entre eles: não encontrar trabalho na localidade; não conseguir trabalho adequado; não conseguir trabalho por ser considerado muito jovem ou idoso, ou não ter experiência profissional ou qualificação.

[7] A subutilização da força de trabalho, que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda desde 2013 que seja medida pelos órgãos oficiais de estatística, engloba os desocupados, aqueles na força de trabalho potencial e os subocupados por insuficiência de horas. A taxa é a porcentagem que esta subutilização representa dentro da força de trabalho ampliada (pessoas na força de trabalho somadas à força de trabalho potencial).