HÁBITOS DE LEITURADA GERAÇÃO BABY BOOMER
NO AMBIENTE VIRTUAL
estudo de caso da revista Campo&Cidade
Alexandre Scherrer Tome[1]
Universidade Metodista de São Paulo
Rose Ferrari[2]
Universidade Metodista de São Paulo
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Resumo
O objetivo deste artigo é apresentaruma análise sobre os hábitos de leitura da geração baby boomer no ambiente virtual, a partir da realização de uma pesquisa netnográficadurante a pandemia de Covid-19 no Brasil, no período de 1º a 30 de junho de 2020.A pesquisa foi norteada pelos conceitos e métodos desenvolvidos por Robert Kozinets, com o intuito de antecipar tendênciassobre o comportamento de leitoresnascidos entre 1946 e 1964, bem como suas preferências e dificuldades. Apresenta ainda o estudo de caso da revista Campo&Cidade, de Itu/SP, e elenca sugestões para sua transposição para o meio digital. As análisestomam como principal referencialteóricoo conceito de gerações do sociólogo húngaro Karl Mannheim.
Palavras-chave: geração baby boomer; hábitos de leitura; netnografia; estudo de caso; Mannheim.
READING HABITS OF THE BABY BOOMER GENERATIONIN THE VIRTUAL ENVIRONMENT
a case study of Campo&Cidade magazine
Abstract
The goal of this paper is to present an analysis of the reading habits of the baby boomer generation in the virtual environment, based on the realization of a netnographic survey during a Covid-19 pandemic in Brazil, with no period from June 1st to 30th, 2020. A research was approached by the concepts and methods developed by Robert Kozinets, in order to predict trends on the behavior of readers born between 1946 and 1964, as well as their difficulties and difficulties. It also presents the case study of the magazine Campo & Cidade, from Itu / SP, and other suggestions for its transposition to the digital medium. As a statistic, it takes Hungarian sociologist Karl Mannheim as the main theoretical framework or development concept.
Keywords: baby boomer generation; reading habits; netnography; case study; Mannheim.
1 INTRODUÇÃO
Desde que surgiu, em 1990, a internet – rede mundial de computadores, vem revolucionando rapidamente a comunicação ao redor do mundo, de modo que, em menos de 30 anos, segundo a pesquisa TIC Domicílios (CGI, 2019),96% dos brasileiros têm acesso à internet, especialmente depois da disseminação dos celulares.
Nesse contexto, desde a virada do milênio, osegmento editorial é assombrado por uma dúvida: livros, revistas e jornais em papel vão acabar? Nas duas décadas que transcorreram o tema chamou a atenção de livreiros, editores, escritores e leitores e foi motivo de inúmeroseventos, debates, pesquisas e inovações tecnológicasao redor do mundo, mas as publicações em papel ainda resistem (INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2016).
Até o final de 2019, quando o mundo viu surgir na China o novo Coronavírus, a geração baby boomer, mesmo com alguma dificuldade, vinha mantendo seus hábitos de informação e lazer, entre eles a leitura, transitando entre os veículos de comunicação digitais e os muitos jornais e revistas impressos aindadisponíveis no mercado.
Em menos de três meses, o novo vírus se espalhou pelo mundo e estava caracterizada a pandemia de Covid-19, nome dado à síndrome respiratória aguda grave que já matou 545.481 pessoas em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)/ World Health Organization (WHO) (WHO, 2020). Para contenção da pandemia, uma das recomendações da OMS foi o isolamento social, que alterou drasticamente o funcionamento da sociedade.
Diante desse cenário, as possibilidades de comunicação digital ganharam força em todos os segmentos, entre eles o editorial. Vários jornais e revistas rapidamente transformaram suas publicações em plataformas disponíveis na internet. No entanto, a despeito de a internet representar hoje o maior repositório de informações disponíveis do mundo, há dúvida sobre como a geração baby boomer recebeu essa mudança.
Tendo em vista a redução da taxa de natalidade registrada nos últimos 60 anos e a mudança no perfil demográfico – existe atualmente mais idosos que crianças no mundo (Duarte, 2019), tornam-se relevantes os estudos voltados à observação e compreensão das necessidades dessa nova faixa etária predominante para que seus integrantes se tornem efetivamente “imigrantes digitais”, e não excluídos. (GRUPO GLOBO, 2019)
Combase na observação de leitores da geração baby boomer e no estudo de caso da revista Campo&Cidade, o presente trabalho pretende responder àpergunta: O que aconteceu com os hábitos de leitura da população baby boomer de Itu/SP[3] durante a pandemia de Covid-19? E ainda: apresentar tendências para o comportamento da geração baby boomer para leituras na internet e sugerir estratégias de adaptação à revista Campo&Cidade, publicação temática dedicada à história e cultura da cidade de Itu.
2 Desenvolvimento
Uma série de novidades editoriais nasceu no encalço do entusiasmo pela digitalização, entre elas os livros eletrônicos, além de jornais e revistas em meio digital. Segundo a retrospectiva apresentada por Rocha e Cavalcanti (2017), vários jornais iniciaram nos anos de 1990, a transposição de seu conteúdo para a internet, entre eles o Jornal do Brasil, que estreou sua versão on-line em 28 de maio de 1995, data considerada um marco. A iniciativa foi seguida pela Folha de S.Paulo, no mesmo ano, e pelo Último Segundo, primeiro noticiário exclusivamente digital do Brasil, lançado em 1999.
Esse foi o período em que foram criados ainda os primeiros portais de notícias: o Universo Online - UOL, do Grupo Folha, em 1996; o IG, do Internet Group, em 2000; e o Terra, do Grupo Telefónica, em 2000. Essas empresas nasceram como provedores de internet, mas logo passaram a oferecer ao internauta mais que conexão na rede:
No Brasil, destacam-se dois portais como marcos históricos. O primeiro, em 1996, Universo Online (UOL), que até hoje é um dos principais portais nacionais, surgiu de uma iniciativa do Grupo Folha e fornecia acesso pago para seus assinantes. O IG (sigla para Internet Group), na virada do ano 2000, foi criado com a intenção de oferecer um provedor de internet de forma gratuita para o brasileiro. Na época de seu lançamento, o IG era vendido ao público como sendo a abreviação de Internet Grátis. (Rocha; Cavalcanti, 2017, p. 11)
Nos últimos 20 anos, a internet evoluiu em dinâmica, conectividade e interatividade. As fases dessa transformação foram nomeadas por especialistas como web 1.0, 2.0 e 3.0. A web 1.0 foi a rede em sua origem, marcada por websites estáticos; a 2.0 trouxe a possibilidade de participação do usuário, por meio de blogs, chats e redes sociais; e a web 3.0, chamada de internet semântica, foi caracterizada pela presença de algoritmos e redes neurais que possibilitaram a organização de infinitas informações a partir de palavras-chaves. Esse gigantesco banco de dados, alimentado e realimentado por meio de buscadores como o Google, atende não apenas aos humanos, mas também a uma série de robôs que entregam soluções concretas e personalizadas para todo tipo de necessidade apresentada pelos usuários.
Outra inovação no campo editorial foi o e-reader – pequeno aparelho destinado à leitura de livros em formato digital, os chamados e-books. Leves e em formatos semelhantes ao de um livro de bolso, os e-readers foram fabricados com a proposta de se tornaram verdadeiras bibliotecas a serem carregadas para qualquer lugar onde o usuário desejasse ler. Variados modelos das marcas Kindle, da Amazon; Lev, da Livraria Saraiva e Kobo, da RakutenKobo, chegaram ao mercado brasileiro a partir de 2000.
A revolução esperada pela adesão massiva dos leitores aos e-readers, no entanto, não aconteceu no Brasil, pois há um grande número deles que ainda preferem ler em papel. Segundo dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, do Instituto Pró-Livro (2016), de um universo de 105 milhões de leitores na época, apenas 4%, 421.120 brasileiros, tinham lido um livro em e-reader. Diferentes dispositivos tiveram mais sucesso na pesquisa entre os leitores digitais: celular ou smartphone, 56%; PC ou notebook, 49% e tablet ou Ipad, 18%.
Outros dados interessantes da referida pesquisa estão relacionados aos hábitos de leitura dos consumidores na internet: 52% deles leem notícias e informações em geral, 35% usam a internet para estudar, fazer trabalhos escolares ou pesquisar temas escolares, 32% aprofundam conhecimento sobre os temas do seu interesse e 19% compartilhar em blogs, fóruns ou nas redes sociais assuntos sobre literatura, temas de livros, autores, trechos de livros, etc. Já a leitura de jornais, livros e revistas em meio digital teve alcance bem menor entre os usuários consultados na pesquisa: jornais, 16%, livros, 15% e revistas, 11%.
Isso reforça o impacto revolucionário da internet semântica nos hábitos de leitura, pois ela deu ao internauta a possibilidade de encontrar informações sobre praticamente tudo o que desejar na rede. O leitor deixou a posição passiva para escolher entre inúmeras possibilidades, além de poder participar da construção do conteúdo.
Isso não significa, porém, que todos os usuários têm a mesma familiaridade com as tecnologias. As limitações geracionais diante dela proporcionaram o surgimento do que se denominou “exclusão digital”, sendo que, segundo Machado et al. (2016), pessoas da geração baby boomer, nascidas entre 1946 e 1964, integram, em grande maioria, a parcela de excluídos.
2.1 Covid-19 e o isolamento social
A pandemia de Coronavírus (SARS-CoV-2), causador da doença Covid-19, já atingiu 11.874.226 de pessoas ao redor do mundo e soma 545.481 mortes (WHO, 2020). A propagação da doença, que teve o primeiro caso registrado em Wuhan, na província de Hubei, República Popular da China, em 1º de dezembro de 2019, foi tão rápida que pouco mais de três meses depois, em 11 de março de 2020, a OMS classificou o surto como uma pandemia.
Desde então, cientistas de todo o mundo trabalham freneticamente para conhecer o vírus, as manifestações da doença e as formas de contágio, no intuito de desenvolver vacinas e tratamentos. As pesquisas, ainda que motivadas pela premência de salvar vidas e estimuladas financeiramente por diversos países, precisam seguir protocolos cientificamente seguros para a utilização dos novos medicamentos em humanos.
Diante do desafio sanitário que se apresentou, ganhou força a campanha mundial “Fique em casa”, recomendada pela OMS, que vislumbra o isolamento social como a única alternativa para redução do número de infectados e consequente proteção dos sistemas de saúde, em muitos casos já insuficientes antes mesmo da pandemia.
No Brasil, a pandemia teve a primeira confirmação de caso em 25 de fevereiro de 2020 e já registra 1.755.779 casos de Covid-19, com 69.184 mortes, segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2020). Por se tratarem de cifras oficiais e, considerados os indícios de subnotificação, há possibilidade de os dados não refletirem a realidade, que pode ser ainda mais grave.
Ficar em casa para atender às recomendações sanitárias trouxe mudanças sem precedentes na vida das pessoas, empresas, instituições e governos (FOLHA DE S.PAULO, 2020). Ir à escola, ao trabalho, fazer compras, exercícios físicos e até namorar, práticas comuns do dia a dia, tornaram-se desafios para a maioria dos seres humanos.
Nesse contexto, trabalhadores dos mais variados segmentos aprenderam rapidamente o que significa home office e até mesmo crianças de 7 ou 8 anos de idade foram obrigadas a descobrir o que é ensino à distância, sem contar seus professores, que tiveram que retirar da cartola um novo método de ensino por meio de webaulas (IstoÉ, 2020). Como pano de fundo para todas essas adaptações está a internet.
2.2 A geração baby boomer
A classificação da população em gerações é uma estratégia que, desde a Segunda Guerra Mundial (1940-1945), passou a ser utilizada por inúmeros profissionais de comunicação e marketing para compreender os padrões de comportamento das pessoas, com base nos principais acontecimentos que impactaram e modificaram seu modo de vida ao longo do tempo.
Segundo o Pew Research Center (2019) as gerações possibilitam observar as pessoas a partir de seu lugar no ciclo de vida, como jovem, adulto, pai de família ou aposentado, bem como enquanto integrante de um conjunto de pessoas nascidas em um período semelhante. O centro de pesquisas detalha os elementos que possibilitam as análises:
[...] os cortes geracionais oferecem aos pesquisadores uma ferramenta para analisar mudanças nas visualizações ao longo do tempo. Eles podem fornecer uma maneira de entender como diferentes experiências formativas (como eventos mundiais e mudanças tecnológicas, econômicas e sociais) interagem com o ciclo de vida e o processo de envelhecimento para moldar a visão das pessoas sobre o mundo. (PEW RESEARCH CENTER, 2019, tradução nossa)
Chiuzi, Peixoto e Fusari (2011) recomendam que as gerações sejam estudadas do ponto de vista sociocognitivo-cultural e entendidas como um fenômeno social, visto que são resultados de episódios históricos que influenciaram os valores e a visão do mundo de seus integrantes. Essas pesquisas geracionais referem-se a comportamentos, ações e situações observadas em determinadas sociedades, organizações e grupos em um momento ou período histórico específico.
O próprio Pew Research Center (2019), chamado de PRC, reconhece, no entanto, que os estudos geracionais não são uma ciência exata e seus limites não podem ser arbitrários. As gerações vão se delineando conforme novas análises vão sendo feitas. A única contemplada com marcos oficiais de início e fim é a geração baby boomer, que foi designada oficialmente pelo Bureau ofthe Census, dos Estados Unidos, com base no famoso “baby boom”, a explosão demográfica registradadesde o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1946, até 1964, quando estatisticamente se verificou declínio nas taxas de natalidade.
Mesmo sem limites rígidos para início e fim de cada geração, o grupos geracionais têm sido utilizados por pesquisadores e profissionais de comunicação e marketing para o desenvolvimento de estratégias de marcas e produtos dos mais diversos segmentos.
Assim, as gerações foram agrupadas pelo PRC:
a) Geração silenciosa: pessoas nascidas entre as décadas de 1920 e 1945.
b) Baby Boomers: pessoas nascidas entre 1946 e 1964.
c) Geração X: pessoas nascidas entre 1965 e 1980.
d) Millennials: nascidos entre 1981 e 1996.
e) Pós-millennials (ou Geração Z): são todos os nascidos de 1997 em diante.
Na visão do publicitário André Oliveira (GRUPO GLOBO, 2013), a geração Baby Boomer, por ter surgido num período de crescimento econômico, foi influenciada pelo entusiasmo e pelo idealismo que marcaram a reconstrução do mundo pós-guerra. Tendo recebido educação rígida, na qual se destacaram a disciplina, a ordem, a competitividade e o respeito pelos outros, os baby boomers são considerados otimistas, motivados, mas excessivamente dedicados ao trabalho.
Dois perfis básicos foram observados nos jovens dessa geração: o disciplinado e o rebelde. Os disciplinados amoldaram-se às imposições dos pais e ingressavam na vida adulta com objetivos como a busca de estabilidade financeira e a constituição de família. Já os rebeldes, transgrediram a ordem social e, movidos por um espírito crítico, adotaram cabelos compridos e roupas extravagantes, bem como estabeleceram para si a liberdade para o sexo livre, o tabagismo e até o uso de drogas ilícitas. Além disso, envolveram-se em lutas políticas por direitos civis de mulheres, negros e homossexuais (GRUPO GLOBO, 2013).
Por outro lado Gonçalves (2019) aponta que “os baby boomers se destacaram como a geração mais rica da história e devem permanecer neste posto até meados de 2030”. Ele sustenta que o protagonismo dessa geração foi responsável pela reconstrução geopolítica e econômica do mundo, o que possibilitou para alguns segmentos a acumulação de riquezas:
Segundo relatório de transferência de riqueza do Banco Real do Canadá, quando essa geração passar seus ativos aos membros mais jovens da família, analistas especulam que eles deixem US$ 4 trilhões (R$ 15 trilhões) em riqueza para a geração seguinte em lugares como Reino Unido e América do Norte. Vale destacar que mesmo diante de um consumidor com alto poder aquisitivo, o movimento varejista seguiu, de maneira global, a tendência de se comunicar principalmente com o público mais jovem. (Gonçalves, 2019)
Outra característica da população baby boomer é que seus integrantes inauguram uma nova forma de envelhecer. O médico brasileiro Alexandre Kalache (Pereira, 2017) argumenta que, em razão da longevidade maior do que a geração anterior, os baby boomers “estão revolucionando a velhice e transformando o período em uma nova fase porque são em maior número, têm um nível de saúde e vitalidade maior e melhor formação do que as gerações que envelheceram antes deles”.
2.3 O problema das gerações segundo Mannheim
As análises geracionais precisam considerar, no entanto, o conceito de gerações desenvolvido pelo sociólogo húngaro Karl Mannheim, considerado por muitos autores a mais completa tentativa de explicação do tema. Em sua análise, Weller (2010) aponta que a obra de Mannheim, que compreende seis ensaios escritos entre 1923 e 1929 e publicados em diversos idiomas entre 1928 e 1993, tem sido recortadainadvertidamente por alguns autores, que se apropriam de partes dela, especialmente das subdivisões do conceito de geração de Mannheim nas quais são consideradas aposição geracional, aconexão geracional e aunidade geracional que, mesmo representando partes importantes, só fazem sentido quando analisadas no conjunto.
Mannheim (1952 apud Weller, 2010)[4] concebe as gerações a partir de suas relações com o meio social, os sexos e a faixa etária, dentre outros, e sua análise sociológica sobre o assuntoconsidera dois fenômenos:o de “não contemporaneidade dos contemporâneos” e “enteléquia geracional”, expressões criadas pelo historiador de arte alemão Wilhelm Pinder. É com base nesses dois aspectos quechama a atenção para o fato de que diferentes grupos etários experimentam“tempos interiores diferentes” em um mesmo intervalocronológico.
A partir das ideias de Pinder (Mannheim, 1993 apud Weller, 2010) refere-se também à “enteléquia” de uma mesma geração, ou seja, sua visão de mundo e seus objetivos, que estão relacionadas à incorporação ou desconstrução do “espírito do tempo” de uma determinada época.
3 METODOLOGIA
3.1 Pesquisa netnográfica
Uma dasmodalidades utilizadasno presente estudo sobre o comportamento da geração baby boomerfoi a pesquisa netnográfica, entendendo anetnografia como uma derivação para o ambiente digital da etnografia, ramo da antropologia dedicado à descrição cultural de um povo (Kozinets, 2014).
A etnografia é umametodologia investigativa, por meio da qual o pesquisador estabelece contato com uma comunidade ou um grupo específico de pessoas para coletar dados.A netnografia, atendendo aos mesmos objetivos, estabelece seus contatos com a comunidade ou grupo pelas formas digitais, ou seja, pela internet para, assim, observar seus hábitos, linguagem, signos, preferências e dificuldades e, a partir da análise minuciosa desses dados, antecipar tendências. Conforme descrevem Chamusca e Carvalhal (2011, p. 170):
[...] o método netnográfico consiste em realizar um estudo sistemático e uma análise exaustiva dessas comunidades virtuais que, são vistas como conglomerados sociais por abarcar todas as inter-relações e interações que ocorrem em um determinado ambiente da internet, com o objetivo de identificar seus costumes e práticas vitais, tais como: onde compartilham atividades, interesses de consumo, inclinações e ideias.
Para investigação do comportamento da geração baby boomer no ambiente virtual, no que tange aos seus hábitos de leitura,o presente estudo utilizou dois métodos para coletar dados:
a) Qualitativo: 90 internautas residentes em Itu/SP ou em cidades próximas, de ambos os sexos, com idades entre 55 e 75 anos, foram convidados por meio de mensagem enviada a seus perfis no Messenger, a integrarem um grupo privado no Facebook, denominado “O Futuro da Leitura”. Os convidados foram informados sobre a duração do grupo – de 01 a 30 de junho de 2020 –, bem como sobre sua finalidade – coleta de dados para alimentação de pesquisa científica, na modalidade netnografia, voltada a conhecer os hábitos de leitura da população baby boomer da região. No citado grupo, diariamente a moderadora propôs discussões relacionadas ao tema.
b) Quantitativo: os mesmos 90 internautas acima citados foram convidados por meio de mensagem enviada a seus perfis no Messenger a responder a um questionário com 12 perguntas.
3.2 Estudo de caso
Com vistas à expectativa de aplicação prática dos resultados obtidos na pesquisa netnográfica sobre os hábitos de leitura da geração baby boomer no ambiente virtual, durante a pandemia de Covid-19 no Brasil, o presente trabalho realiza também o estudo de caso da revista Campo & Cidade, com base nos métodos apresentados por Yin (2005).
Consideradas as situações para as quais Yin (2005) indica o estudo de caso, vislumbra-se que a revista Campo&Cidade é um exemplo de caso crítico, para o qual se pretende testar uma hipótese: a transposição do veículo de comunicação, atualmente apenas disponível em papel, para o meio digital, com vistas a ampliar seu alcance e melhorar o acesso dos leitores ao seu conteúdo.
O estudo de caso – norteado pela questão: Como a internet pode ajudar a revista Campo&Cidade a atingir seu público leitor? – se baseia em duas fontes para coleta de dados:
a) Entrevistas com João José da Silva e Fátima Elaine Marqui, sócios e administradores da Unicom Unidade de Comunicação Ltda, empresa fundada em 1988, com sede à Avenida Palmeira Real nº, 740 - Itu/SP, e responsável pela publicação da revista Campo&Cidade, lançada em 1998.
b) Pesquisa quantitativa junto a 226 leitores da revista Campo&Cidade para criação de seus principais leitores persona, com base nos métodos apresentados por (ROCK CONTENT, s.d.). Os leitores responderam voluntariamente a um questionário com 20 questões, criado por meio do aplicativo Google Forms, cujo linkfoi disponibilizado na fanpage da revista – https://www.facebook.com/RevistaCampoCidade/ –, bem como enviado pelos integrantes desua equipe, por meio do Whatsapp e do Messenger, a leitores, fontes e anunciantes.
4 Conclusão
4.1 Leitores baby boomers e o meio digital
Antes de se apresentarem os resultados da presente pesquisa netnográfica, realizada entre leitores da geração baby boomer, cabe discutir quem pode ser considerado “leitor”. Este estudo busca a ampliaçãodas definições de “leitor” e “não leitor” utilizadas pelo Instituto Pró-Livro (2016) em sua última pesquisa, Retratos da Leitura no Brasil, datada de 2016, que considera “leitor” aquele que leu, inteiro ou em partes, pelo menos 1 livro nos últimos 3 meses; e “não-leitor” aquele que declarou não ter lido nenhum livro nos últimos 3 meses. Trata-se de critérios que se mantêm desde 2007.
Apesar de seu empenho em aperfeiçoar, a cada edição, sua pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, o Instituto Pró-Livro (2016) ainda não contempla as profundas mudanças proporcionadas pela internet.
O presente estudo apurou que, apesar de transitarem entre a leitura em papel e em meio digital, conforme demonstram os gráficos das Figuras 1 e 2, 79,1% dos leitores baby boomers observados adotaram a leitura na internet como uma atividade diária. Averiguou ainda que,graças ao imenso repositório de informações da web, leitores seletivos (46,5%), pesquisadores (18,6%), ávidos (16,3%), curiosos (14%) ou relaxados (4,7%) podem encontrar rapidamente o que desejam ler, sejam livros, revistas, jornais ou trabalhos científicos, em buscas muitas vezes pulverizadas entre diversos temas num único dia.
Outro aspecto ponderado nas análises foi a classificação pura e simples de um grupo de pessoas como integrantes da geração baby boomer, porque nasceram entre 1946 e 1964. Não seria lógico reduzir o processo constitutivo de todo o universo de uma geração, formada por mais de 1 bilhão de pessoas ao redor do mundo (UNITED NATIONS, 2019), a um conjunto indivíduos com comportamento padrão.
Uma rápida pesquisa cronológica na enciclopédia virtual Britannica Escola (ENCYCLOPAEDIA BRITANNICA, 2020) é capaz de apurar que o período entre 1946 e 1964 foi marcado por fatos históricos como: o fim da Ditadura Vargas no Brasil, a Revolução Cubana, a Guerra Fria, a adoção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, o início da corrida espacial, o surgimento do rock androll, o lançamento da calça jeans, a revolução sexual, entre outros.
Figura 1 – Tipos de materiais lidos no formato impresso
Fonte: autores 2023
Figura 2 – Tipos de materiais lidos no formato digital
Fonte: autores 2023
Como cada um desses episódios históricos impactou a formação sociocognitivo-cultural das pessoas consideradas baby boomers? Preferimos considerar os fenômenos “não contemporaneidade dos contemporâneos” e “enteléquia geracional” de Mannheim (1952 apud Weller, 2010) e reconhecer que não há comportamento padrão, mas uma tendência que varia conforme as relações que certos grupos de indivíduos têm com o espírito de seu tempo.
A análise dos dados coletados confirma algumas características atribuídas por André Oliveira (GRUPO GLOBO, 2013) à geração baby boomer, como o otimismo, a motivação e a dedicação ao trabalho, já que 67,4% das pessoas pesquisadas seguem trabalhando, sendo 34,9% formalmente, 25,6 em home office e 7% informalmente. Carece de aprofundamento, no entanto, se o fato de se manterem ativos economicamente se deve ao desejo ou a necessidade, tendo em vista que, dentre as pessoas pesquisadas,46,2% se dizem pertencer à classe C (renda familiar de R$ 1.892,65 a R$ 8.159,37) e 10,3%, à classe D(renda familiar abaixo de R$ 1.892,65), classificação de acordo com FGV SOCIAL (2020).
Confirmam-se também entre os entrevistados os dois perfis básicos preconizados por Oliveira (GRUPO GLOBO, 2013): o disciplinado, que buscou ao longo dos anos estabilidade financeira e a constituição de família, e o rebelde, que lutou por liberdade e direitos civis.Esses perfis podem ser observados nos posicionamentos de integrantes do grupo privado “O Futuro da Leitura” no Facebook, diante das questões de questões como:O que dá mais credibilidade às publicações digitais: a cobrança pela assinatura, seus patrocinadores ou o acesso gratuito? Que personagem você tiraria de um livro para simbolizar os tempos que vivemos? Como você reage aos anúncios comerciais que aparecem em meio às leituras na internet?
Diante dessas questões, a pesquisadora observou os posicionamentos dos participantes, que variaram da simples visualização a engajamentos como curtir e comentar. Nos comentários, verificaram-se as tendências e comportamento diante de acontecimentos históricos e do atual momento político, social e econômico do Brasil, variando entre a resignação e os posicionamentos mais críticos.
Sobre seus hábitos de leitura, os participantes da pesquisa mostraram-se adaptados às novas tecnologias, e exigentes em relação à qualidade dos conteúdos disponíveis na internet. Demonstraram, também, preferência pelos dispositivos PCs e notebook, em detrimento de celulares e e-readers. Apreciam designs leves nas publicações, com bom aproveitamento de imagens significativas para os temas e letras maiores, tendo em vista a maior facilidade de leitura. Uma pequena parcela comentou positivamente sobre a associação de podcasts e storytellings aos textos publicados na rede, o que merece melhor investigação.
4.2 Revista Campo & Cidade digital
A Campo & Cidade é uma revista bimestral, com 6.500 exemplares, de distribuição gratuita em bancas de jornais e condomínios de Itu/SP. No formato 21x28 cm, é impressa em papel couchê, com 74 páginas. Em 01 de julho de 2020 começou a ser distribuída sua 125ª edição, com o tema “Em campo a história do futebol amador de Itu”.
Com uma equipe formada por oito jornalistas, um historiador e uma professora de português, a revista Campo&Cidade realiza um intenso trabalho de apuração sobre temas históricos, a partir de entrevistas e pesquisas em fontes primárias, de modo que se tornou, ao longo de seus 22 anos de existência, uma referência para inúmeros pesquisadores de Itu e de diversas partes do Brasil, tendo sido reconhecida pela Câmara de Vereadores da Estância Turística de Itu como um Órgão de Comunicação de Utilidade Pública, conforme a Lei Municipal nº 228, de 13 de maio de 2002.
Considerados os resultados predominantes quanto a gênero, faixa etária, profissão, escolaridade, acesso às mídias digitais e interesses dos leitores pesquisados, este estudo traz ainda, os dois principais leitores persona da Revista Campo & Cidade, apresentados nas Figuras 3 e 4:
Figura 3– Leitores persona a e b
a |
b |
Fonte: autores 2023
Sem demérito da importância de sua edição impressa, os resultados deste estudo apontam para o interesse do público-leitor pela disponibilização da revista Campo&Cidade na internet, conforme demonstra o gráfico da Figura 4:
Figura 4 - Interesse do público-leitor pela disponibilização on line da revista Campo&Cidade
Fonte: autores 2023
O presente estudo demonstra que a geração baby boomer, consideradas as diferenças de vivência maior ou menor dos hábitos de leitura, conforme seu lugar social e os vínculos que estabelece, tem potencial para usufruir plenamente das leituras em meio digital.
Quanto à revista Campo & Cidade, fica demonstrado que a melhor opção para atender à demanda dos meios de acesso para seus leitores, bem como atingir outros públicos, é sua migração para o meio digital, concomitantemente à manutenção de sua revista física.
REFERÊNCIAS
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CGI. TIC Domicílios 2018: pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nos domicílios brasileiros. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2019.
CHAMUSCA, M.; CARVALHAL, M. Comunicação e Marketing Digitais: conceitos, práticas, métricas e inovações. Salvador: Edições VNI, 2011.
CHIUZI, R. M.; PEIXOTO, B. R. G.; FUSARI, G. L. Conflito de gerações nas organizações: um fenômeno social interpretado a partir da teoria de Erik Erikson. Temas psicol., Ribeirão Preto, v. 19, n. 2, p. 579-590, dez. 2011. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X2011000200018&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 11 jul. 2020.
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[1]Doutor em comunicação, Mestre em Administração, Bacharel em Administração, Pós Graduação em Gestão. Professor e orientador cursos de pós graduação mídias digitais, gestão inteligente em coaching e Finanças.
[2]Graduada em Jornalismo, pós-graduada em Português: Língua e Literatura e MBA em Gestão de Mídias Digitais
[3]Itu é um município do estado de São Paulo, no Brasil, situado na Região Metropolitana de Sorocaba, a 101 Km de São Paulo capital. Sua população em 2020 é de 170.157 (PREFEITURA DA ESTÂNCIA TURÍSTICA DE ITU, 2020).
[4] MANNHEIM, Karl. The problem of Generations. In: MANNHEIM, Karl. Essays on the Sociology of Knowledge[introdução e organização: Paul Kecskemeti]. Londres: Routledge & Kegan Paul, 1952, pp. 276-322.