O ACORDO DE PARCERIA PARA PESQUISA, DESENVOLVIMENTO E INOVAÇÃO COMO MECANISMO ESTRATÉGICO DE INTERAÇÃO ENTRE A UNIVERSIDADE E AS EMPRESAS

 

Diana Guimarães Azin[1]

Advocacia Geral da União

dianag.melo@gmail.com

Joelia Marques de Carvalho[2]

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará

joelia@ifce.edu.br

Tarique da Silveira Cavalcante[3]

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará

tarique@polodeinovacao.ifce.edu.br

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Resumo

O Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (MLCTI), composto pela EC n. 85/2015, Lei n. 13.243/2016 e Decreto n. 9.283/2018, inaugura um novo regime jurídico no âmbito da ciência, tecnologia e inovação no país, estabelecendo como princípio fundamental a promoção da colaboração e interação entre as entidades públicas, setores público e privado, e empresas, visando impulsionar o sistema nacional de inovação através de uma abordagem cooperativa e sinérgica para avanços científicos e tecnológicos conjuntos. Entre os instrumentos previstos na legislação para o alcance desse objetivo, tem-se o Acordo de Parceria para PDI, que atua como ferramenta estratégica para formalizar e regulamentar a interação entre Instituições Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) e empresas, estimulando a colaboração e a transferência de conhecimento, essenciais para o progresso da inovação no país. Apesar da importância do instrumento jurídico, há desafios na sua aplicação pelas ICT. Desta forma, o objetivo desse trabalho foi apresentar através de uma abordagem análise teórica e da observação participante a relevância do Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação no que se refere à disseminação e à transferência do conhecimento tecnológico impulsionado pelas ICT em direção às empresas. No trabalho foram apresentados os principais aspectos jurídicos e de estruturação do documento, evidenciando sua importância na efetivação da tríplice hélice da inovação.

Palavras-chave: tríplice hélice; marco legal de ciência e tecnologia; inovação.

 

 

 

 

 

THE PARTNERSHIP AGREEMENT FOR RESEARCH, DEVELOPMENT, AND INNOVATION AS A STRATEGIC MECHANISM FOR INTERACTION BETWEEN THE UNIVERSITY AND BUSINESS

 

Abstract

The Legal Framework for Science, Technology, and Innovation in Brazil, inaugurates a new legal regime in the field of science, technology, and innovation in the country, establishing as a fundamental principle the promotion of collaboration and interaction between public entities, public and private sectors, and companies, aiming to boost the national innovation system through a cooperative and synergistic approach to joint scientific and technological advances. Among the instruments provided for in the legislation to achieve this objective, there is the Partnership Agreement for PDI, which acts as a strategic tool to formalize and regulate the interaction between Scientific, Technological, and Innovation Institutions (ICT) and companies, stimulating collaboration and the transfer of knowledge, essential for the progress of innovation in the country. Despite the importance of the legal instrument, there are challenges in its application by ICT. In this way, the objective of this work was to present, through a theoretical analysis approach and participant observation, the relevance of the Partnership Agreement for Research, Development, and Innovation with regard to the dissemination and transfer of technological knowledge driven by ICT towards companies. In the work, the document's leading legal and structuring aspects were presented, highlighting its importance in implementing the triple helix of innovation.

Keywords: Triple Helix of Innovation; Legal Framework; Innovation.

 

1  INTRODUÇÃO

A transferência de tecnologia desempenha um papel fundamental na aplicação prática do conhecimento científico e tecnológico. Neste contexto, o Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI) surge como mecanismo estratégico de difusão e transferência de tecnologia ao atuar como ferramenta de interação, o Acordo de Parceria para PDI desempenha papel relevante no ecossistema de inovação, ao direcionar as pesquisas conduzidas pelas ICTs para atender às necessidades do mercado, atuando como mecanismo de transferência de tecnologia. Nesse sentido, o Acordo de Parceria para PDI se configura como uma abordagem estratégica para o fortalecimento do Sistema Nacional de Inovação, exercendo influência sobre a sociedade ao envolvê-la ativamente no processo de criação de valor econômico (CREPALDE et al., 2020).

 Nesse sentido, importa destacar que, de acordo com a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI 2016) 2022, divulgada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), a “promoção da inovação tecnológica nas empresas” é mecanismo de ampliação, fortificação e unificação do Sistema Nacional de CT&I. Dentro dessa perspectiva, o “estímulo à proteção da propriedade intelectual e à transferência de tecnologia” emerge como um dos cinco pilares fundamentais para a consecução desse propósito, sendo especialmente realçada como uma das ações prioritárias delineadas no documento.

 Com base nessa premissa, este artigo apresenta, por meio de uma análise teórica e da investigação de informações, a relevância do Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação no que se refere à disseminação e à transferência do conhecimento tecnológico impulsionado pelas ICT em direção às empresas.

O propósito deste artigo é explorar o papel desempenhado pelo Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI) como mecanismo estratégico que impulsiona a difusão e transferência de tecnologia entre Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs) e o setor produtivo.

A investigação tem como objetivo principal compreender de que forma essa modalidade de colaboração prevista no Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (MLCTI) atua de maneira eficaz na promoção do progresso inovador, estabelecendo um ambiente propício para a convergência do conhecimento científico com as dinâmicas demandas do mercado.

 

 

2 ABORDAGEM METODOLÓGICA

A presente pesquisa consolida um estudo abrangente que se baseie em recursos bibliográficos relacionados ao tema, na utilização do método de observação participante tendo em vista a experiência da autora como procuradora federal,  responsável pela consultoria e assessoria em assuntos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI) no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) no período de 2013 a 2021, e na sua atuação como facilitadora em palestras e cursos que tratam dessa temática, de modo a permitir que as Instituições Científica, Tecnológica e de Inovação públicas federais que desejam adotar esse modelo de parceria e veem a sua implementação como uma possível solução para fortalecer as interações com o setor produtivo, especialmente no âmbito regional.

A partir dessa premissa, tendo como objeto identificar os principais obstáculos jurídicos enfrentados pelas Instituições Científica, Tecnológica e de Inovação públicas para implementação de Acordos de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PDI), em conformidade com MLCTI, adotou-se para o presente estudo o método dedutivo, sendo o objetivo do estudo classificado como exploratório-descritivo, o procedimento técnico, bibliográfico, e a abordagem qualitativa (PRODANOV et al., 2013, p. 128).

De acordo com Queiroz et al. (2007) o método de observação participante consiste em uma das técnicas muito utilizada pelos pesquisadores que adotam a abordagem qualitativa e consiste na inserção do pesquisador no interior do grupo observado, tornando-se parte dele, interagindo por longos períodos com os sujeitos, buscando partilhar o seu cotidiano para sentir o que significa estar naquela situação.

Registra-se que, durante a condução da pesquisa por artigos científicos, foi notada uma escassez de produção literária abordando os desafios jurídicos relacionados à implementação de Acordos de Parceria para PDI nas ICTs. Ao realizar buscas utilizando as palavras-chave "Marco Legal de CTI, Acordo de Parceria para PDI, Interação universidade-empresa, Fatores jurídicos limitantes" na plataforma de pesquisa Research Rabbit, não foram encontrados registros relevantes. A mesma observação foi constatada ao utilizar o site de pesquisa de artigos científicos Scientific Electronic Library Online (Scielo). No Google Acadêmico, foram encontradas 4 ocorrências, no entanto, nenhuma delas se dedicava especificamente aos desafios jurídicos relacionados à implementação de tais acordos nas ICTs.

Diante dessa situação, a pesquisa foi conduzida com base em artigos científicos que tratavam de tópicos correlatos ao objeto de estudo, incluindo temas como o Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação, Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, interação entre universidades e empresas, e transferência de tecnologia. No contexto mencionado, foram obtidos os seguintes resultados: 284 registros (incluindo trabalhos similares e trabalhos posteriores) na plataforma Research Rabbit, 703 no site Scielo, com destaque para o tópico de Transferência de Tecnologia (673), e um total de 29.300 registros na plataforma Google Acadêmico.

Com base na pesquisa conduzida na plataforma Research Rabbit, embora os temas abordados fossem relacionados, é possível observar uma concentração significativa de produção literária em torno do ano de 2017. Essa tendência pode ser justificada pela aprovação do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (MLCTI) e as mudanças normativas que ocorreram nesse período.

 

3  ASPECTOS JURÍDICOS E TEÓRICOS SOBRE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NO BRASIL

A identificação da necessidade de estabelecer um novo arcabouço normativo para a Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI) para incorporar a inovação como um dever do Estado e promover a interação entre setores público e privado resultou em uma série de mudanças normativas que resultou na alteração da Constituição Federal, por meio da EC nº 85, de 2015, na publicação da Lei nº 13.243, de 16 de janeiro de 2016, que regulamentou as mudanças introduzidas pela emenda, e, no contexto federal, na publicação do Decreto nº 9.283, de 7 de fevereiro de 2018, que regulamentou a Lei nº 10.973, de 02 de dezembro de 2004.

 

3.1  EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 85 DE 26 DE FEVEREIRO DE 2015

No contexto do sistema jurídico brasileiro, a Constituição Federal (1988) é considerada a norma fundamental. As demais normas (leis complementares, leis ordinárias, decretos, regulamentos, resoluções, portarias, etc.) estão em níveis inferiores na hierarquia e devem estar em conformidade com as normas de nível superior, como condição de validade dessas normas. Assim, uma norma de nível inferior que contrarie uma norma de nível superior pode ser considerada inválida ou inconstitucional. Daí a impossibilidade de estabelecer um novo regramento normativo que estabelecesse regras que não encontrassem fundamento jurídico na Constituição Federal (1988), sem sua prévia alteração, a exemplo da permissão de transferência de recursos públicos a entidades privadas de pesquisa.

A nova legislação introduziu mudanças significativas, buscando fomentar, principalmente, a colaboração entre instituições de pesquisa, universidades, empresas e demais atores do ecossistema de inovação, criando um ambiente propício para o desenvolvimento de atividades de PDI, simplificando procedimentos burocráticos, estimulando parcerias público-privadas, promovendo a proteção da propriedade intelectual e facilitando a transferência de tecnologia.

Ainda, com a implementação desse arcabouço jurídico, as instituições de pesquisa e as empresas passaram a ter maior flexibilidade para firmar acordos e contratos, adaptando-se às necessidades específicas de cada projeto de PDI. Além disso, foram estabelecidos mecanismos de incentivo, como a possibilidade de utilização de recursos públicos para financiar projetos de inovação, o estímulo à participação do setor privado em atividades de pesquisa e a promoção da internacionalização da ciência e tecnologia brasileiras.

Esse movimento de alterações e regulamentações demonstra o esforço do Estado de criar um ambiente regulatório que permita o fortalecimento do ecossistema de inovação do país, incentivando a colaboração entre diferentes atores e aprimorando os mecanismos para o desenvolvimento científico e tecnológico. Ao estabelecer um novo marco legal, o Brasil visou aumentar a eficiência e a agilidade nas atividades de PDI, além de atrair investimentos e promover um ambiente propício à criação e à aplicação do conhecimento.

Compreender esse contexto que levou à criação de um novo marco regulatório é de extrema importância, pois permite uma visão mais clara das mudanças fundamentais introduzidas no tratamento da Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI). Essa compreensão abrange a análise dos fatores que impulsionaram a necessidade de reformulação das regulamentações existentes e a identificação das metas e objetivos que se busca alcançar com as mudanças propostas.

O advento de um novo marco regulatório reflete a necessidade de uma mudança de paradigma na forma como a CTI é abordada, que incluem a alteração nas prioridades governamentais, a compreensão mais abrangente do papel da inovação na economia e na sociedade, bem como a identificação de lacunas ou obstáculos nas regulamentações anteriores que precisam ser superados para estimular o progresso científico e tecnológico.

Ao entender a ambiência que rodeia a instauração desse novo marco regulatório, todas as partes interessadas no ecossistema de inovação devem interpretar os regulamentos de maneira mais favorável e eficaz. Isso possibilita que os atores envolvidos no processo de inovação compreendam o espírito das mudanças e como essas mudanças se alinham aos objetivos maiores da sociedade e da economia.

Essa compreensão contextual permite que empresas, instituições de pesquisa, órgãos reguladores e outras entidades relacionadas possam alinhar suas estratégias, investimentos e atividades de acordo com as novas diretrizes, maximizando o aproveitamento dos mecanismos e medidas de incentivo à inovação previstos no novo marco regulatório. Além disso, a compreensão do cenário geral possibilita a identificação de oportunidades e a formulação de parcerias mais eficazes para promover a pesquisa, o desenvolvimento tecnológico e a inovação de maneira mais eficiente e colaborativa.

A primeira alteração promovida pela EC n. 85, de 2015, foi atribuir a todos os entes federativos, União, Estados, Municípios e Distrito Federal, a competência administrativa (ou comum) relacionada à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação. Ou seja, a partir da nova redação do art. 23 da CF (1988), todos os Estados-membros devem elaborar e executar políticas públicas em matéria de CTI.

Em seguida, diante de um cenário de ausência de arcabouço normativo uniforme que favorecesse a compreensão e consolidação das normas referentes à CTI pelos diversos atores do ecossistema de inovação, resultado da diversidade de normas elaboradas pelos entes federativos, em decorrência da competência legislativa residual dos Estados e do Distrito Federal para dispor sobre  ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação (em que todos esses entes podiam legislar plenamente sobre o assunto, independentemente de lei federal), a EC nº 85, de 2015, alterou o art. 24 da CF (1988) para atribuir à União a competência legislativa para estabelecer normas gerais sobre a matéria, cabendo aos Estados e ao Distrito Federal dispor de forma complementar, ou seja, regulamentando a lei federal para atender aos interesses específicos de cada região, sem contrariar as normas  gerais (competência concorrente). A nova forma de repartição de competência para legislar em matéria de CTI proporcionou um tratamento uniforme em todo país. Há que se registrar, ainda, que, a partir da alteração constitucional, todos os Estados e o Distrito Federal devem adequar seus normativos à legislação federal. Aqueles que, em razão da superveniência da Lei nº 13.243/2006, mantiverem os textos em desconformidade com as normas gerais nela estabelecidas na lei federal, terão a eficácia suspensa, nos termos do § 4º, artigo 24, da Constituição Federal.

Importante mudança implementada pela Emenda Constitucional foi possibilitar a transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra, no âmbito das atividades de CTI, com o objetivo de viabilizar os resultados de projetos restritos a essas funções, mediante ato do Poder Executivo, sem necessidade da prévia autorização legislativa (art. 167, § 5º). Essa alteração é de extrema importância para os projetos de PDI, uma vez que eles têm como característica essencial a imprevisibilidade dos resultados, devido à incerteza científica e tecnológica que os permeia. Tal incerteza torna difícil a realização de modificações nos projetos, pois demanda novo planejamento para sua viabilização e execução, limitando a atuação da ICT (MINGHELLI, 2018).

Um exemplo prático flexibilização, ilustrado por Marcelo Minghelli (2018, p. 148), seria a situação em que recursos inicialmente designados para despesas de custeio, como bolsas para pesquisadores, são redirecionados para fins de investimento, como aquisição de equipamentos de laboratório. Esse redirecionamento aconteceria para atender as necessidades que surgem durante a execução do projeto, permitindo uma abordagem mais dinâmica e eficiente na utilização dos recursos disponíveis. Isso reflete a capacidade de adaptar os investimentos de acordo com as demandas em constante evolução na área de Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI).

A alteração promovida pela Emenda Constitucional no art. 200, inciso V, da Constituição Federal de 1988, atribuindo ao sistema único de saúde a competência para fomentar a inovação em sua área de atuação, reforça e respalda o entendimento apresentado no início deste capítulo sobre o direito fundamental à inovação. Essa mudança constitucional eleva a um nível constitucional o direito de todos a um sistema de saúde que esteja em consonância com os avanços tecnológicos, ressaltando a importância da inovação no contexto da assistência à saúde.

Outra modificação introduzida pela EC n. 85, de 2015, e, provavelmente, a mais relevante, foi a inclusão do termo "inovação" no texto constitucional, evidenciando o reconhecimento da sua importância estratégica para o desenvolvimento social, econômico e tecnológico do país. Mas antes de avançar no apontamento das alterações propriamente ditas, importa compreender o conceito de inovação e a importância da sua inclusão no texto constitucional.

Segundo Schumpeter (1934), economista austríaco e um dos principais teóricos associados ao conceito de inovação, inovação seria a combinação de recursos existentes de novas maneiras que resultam em mudanças estruturais na economia. Em seu trabalho, ele identificou cinco tipos de inovação: a introdução de um novo bem, a introdução de um novo método de produção, a abertura de um novo mercado, a conquista de uma nova fonte de suprimentos de matérias-primas ou componentes semimanufaturados, e a realização de uma nova organização de qualquer indústria.

Portanto, a inovação, como conceituada por Schumpeter, é um fenômeno multifacetado que abrange vários aspectos das atividades econômicas e organizacionais, mas que acarrete na introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social, resultando em novos produtos, serviços ou processos ou que compreenda a agregação de novas funcionalidades ou características a produto, serviço ou processo já existente que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho. Consiste, portanto, no aproveitamento econômico da conversão da produção científico-tecnológica em bens e serviços.

Nessa perspectiva, ao incorporar a noção de inovação na Constituição Federal (1988) - que pressupõe o envolvimento do setor produtivo - instituiu-se no ordenamento jurídico brasileiro um novo regime de CTI. Reforçou-se, então, o modelo da Hélice Tríplice da Inovação, fortalecendo a colaboração entre entidades públicas e privadas e, em particular, o financiamento e a transferência de recursos públicos para instituições de pesquisa privadas, proporcionando maior segurança jurídica.

Trata-se de abordagem conceitual que destaca a interação e colaboração entre universidade, iniciativa privada e governo, de modo que se entende que não é possível gerar inovação por meio de um única ente, mas necessariamente através de parceria colaborativa entre esses atores, em que cada um desempenha um papel complementar, reconhecendo a importância da colaboração e da interação entre eles como fator indispensável para impulsionar a inovação, o desenvolvimento econômico e a competitividade de um país.

A interação entre esses três atores cria um ambiente dinâmico de inovação, em que o conhecimento científico é transferido para a prática empresarial, resultando em produtos e serviços inovadores que impulsionam o crescimento econômico e social. Essas três hélices interagem de forma colaborativa e complementar, formando uma “tríplice hélice" que impulsiona a inovação.

O modelo é claramente adotado pela CF (1988), em seu art. 219, parágrafo único, ao estabelecer a interação entre o setor público e o setor privado como pressuposto fundamental para fomentar o desenvolvimento tecnológico e a inovação, impulsionada pelo Estado através de diversos estímulos. Reconhece que tanto os setores públicos quanto privados têm papéis cruciais a desempenhar no processo de inovação e que a sinergia entre esses setores pode resultar em resultados mais eficazes e impactantes.

Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.

Parágrafo único. O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015). - Grifou-se.

 

Como indicado no dispositivo, o dever do estado em estimular a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas e em outros setores, sejam eles públicos ou privados, envolve uma série de responsabilidades que contribuem para o desenvolvimento tecnológico e o progresso socioeconômico do país, que incluem a promoção da inovação nas empresas, o que envolve a criação de políticas de incentivo, como incentivos fiscais, financiamento de projetos de pesquisa e desenvolvimento, e apoio à pesquisa aplicada; a promoção e manutenção de parques e polos tecnológicos como estratégia para criar concentrações de conhecimento e inovação; o fomento à ambientes de inovação, além de parques e polos tecnológicos, como incubadoras, aceleradoras e centros de pesquisa avançada; o reconhecimento dos inventores independentes, por meio da proteção de propriedade intelectual e incentivos para que suas criações sejam reconhecidas e utilizadas; como, também, a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia, devendo o estado criar condições favoráveis para que ocorram de maneira eficiente, por meio de políticas de licenciamento de tecnologia, acordos de colaboração entre entes públicos e privados, entre outros.

Em relação à interação entre as universidades, as empresas e demais atores do ecossistema de inovação, a emenda reforçou a promoção da articulação entre esses entes para maximizar os recursos e o conhecimento disponíveis, ao estabelecer diretrizes robustas para a promoção de parcerias estratégicas e estimulando a transferência de conhecimento e tecnologia para o setor produtivo.

Nesse sentido, a EC n. 85, de 2015, introduziu alterações significativas no art. 218 da Constituição Federal, que trata do apoio à pesquisa científica, tecnológica e à inovação, ampliando e aprimorando o rol de instrumentos e mecanismos que o Estado pode utilizar para promover a CTI, de modo a propiciar maior flexibilidade e abrangência nas ações e políticas nesse campo. Essa expansão oferece uma base sólida para o desenvolvimento de ações e políticas no campo da pesquisa científica, tecnológica e inovação, possibilitando uma abordagem mais abrangente e efetiva. Esses novos instrumentos e mecanismos criam oportunidades para a diversificação das estratégias de apoio à CTI. Eles fornecem ao Estado maior flexibilidade para implementar políticas e programas específicos, direcionados às necessidades e desafios atuais, bem como às demandas futuras.

Dentre os mecanismos previstos, destaca-se a possibilidade de o Poder Público firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades públicos e com entidades privadas, inclusive para o compartilhamento de recursos humanos especializados e capacidade instalada, para a execução de projetos de PDI, mediante contrapartida financeira ou não financeira assumida pelo ente beneficiário, na forma da lei (art. 219-A).

Art. 219-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades públicos e com entidades privadas, inclusive para o compartilhamento de recursos humanos especializados e capacidade instalada, para a execução de projetos de pesquisa, de desenvolvimento científico e tecnológico e de inovação, mediante contrapartida financeira ou não financeira assumida pelo ente beneficiário, na forma da lei  (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)

 

 Importante destacar a relevância do papel do governo como garantidor do bom funcionamento do modelo, como sendo a “hélice” necessária para a promoção da pesquisa científica e tecnológica, por meio do incentivo à formação e qualificação de recursos humanos, à criação de condições para o desenvolvimento de pesquisas de qualidade, à promoção da interação entre instituições de pesquisa, universidades e empresas, e ao apoio financeiro de  projetos de inovação que, por envolverem alto risco científico e tecnológico, não seriam passíveis de execução, diante da impossibilidade de assunção desses riscos pelo setor produtivo.

Nesse aspecto, a Emenda Constitucional nº 85, de 2015, impôs ao Poder Público o dever de destinar recursos financeiros para financiamento de atividades de pesquisa científica e tecnológica. Isso inclui a previsão de orçamento específico para essas áreas, bem como a busca por parcerias e fontes de financiamento adicionais, contribuindo para assegurar um financiamento estável e previsível para a CTI e garantindo a continuidade e o crescimento das iniciativas de pesquisa e inovação no país (art. 213, § 2º).

Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:

§ 2º As atividades de pesquisa, de extensão e de estímulo e fomento à inovação realizadas por universidades e/ou por instituições de educação profissional e tecnológica poderão receber apoio financeiro do Poder Público. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015).

 

Como instrumento de financiamento para atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, o legislador criou o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), mecanismo para a captação de recursos e o estímulo à realização de projetos inovadores em diferentes áreas do conhecimento.

Outro aspecto relevante da emenda é a previsão de estímulos à formação de recursos humanos qualificados, com ênfase na educação científica e tecnológica. Essa medida visa suprir a demanda por profissionais altamente capacitados, fomentando a geração de conhecimento e a capacidade de inovação no Brasil.

A EC também incentivou a articulação entre os entes federativos na promoção da ciência, tecnologia e inovação, ao reconhecer a importância da atuação conjunta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para o desenvolvimento da CTI, incentivando a criação de políticas integradas e a alocação de recursos em âmbito regional.

No contexto internacional, a Emenda Constitucional nº 85, de 2015, também contribui para a inserção do Brasil em redes globais de inovação, impulsionando a cooperação científica e tecnológica das ICTs públicas com outros países e incentivando-as à participação em programas internacionais de pesquisa e desenvolvimento.

Portanto, com as alterações impostas no texto constitucional, reconhece-se a relevância estratégica da CTI para o desenvolvimento do país, sendo dispensada à matéria uma política de estado, não estando mais sua implementação sujeita à discricionariedade de um Governo específico, passando a vincular os representantes do Poder Executivo quanto à formulação de políticas públicas, assim como os do Poder Legislativo no que tange a futuras normas infraconstitucionais, criando-se no Brasil um ambiente seguro e propício ao impulsionamento da CTI.

Diante do exposto, verifica-se que a análise da Lei de Inovação e de outras normas relacionadas a partir do referencial constitucional se reveste de um contorno de extrema importância, pois essa abordagem possibilita que os stakeholders envolvidos no ecossistema de inovação compreendam como as mudanças legislativas afetam seus interesses e atividades, permitindo uma implementação mais informada e eficiente das medidas de estímulo à inovação.

Ainda, a interpretação desses normativos em conformidade com o que se encontra posto no texto constitucional, possibilita identificar a sua coerência e conformidade com os princípios e direitos fundamentais nela estabelecidos, garantindo que a sua aplicação não seja contraditória e conflitante com os valores e direitos protegidos. Além disso, compreender a legislação que disciplina a PDI no país à luz da Constituição Federal (1988) permite ao intérprete – e aplicador da norma - definir os limites e parâmetros para a sua aplicação e execução, fornecendo uma base sólida para os julgamentos e decisões relacionadas à CTI.

Portanto, é a partir desses pressupostos constitucionais que se passa a apontar nos subcapítulos subsequentes as alterações promovidas pelo legislador no âmbito infraconstitucional, que têm relação direta com a matéria em questão.

 

3.2 LEI Nº 10.973, DE 02 DE DEZEMBRO DE 2004

A Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, conhecida como a “Lei de Inovação”, foi criada com o propósito de estabelecer um sistema normativo que incentiva e regulamenta a interação entre universidades, institutos de pesquisa e o setor produtivo no Brasil. Seu objetivo principal era promover uma maior integração entre o conhecimento científico e tecnológico gerado pelas instituições de pesquisa e a aplicação prática desse conhecimento no setor produtivo (BRASIL, 2004a).

Antes da criação da lei, a relação entre a academia e o setor produtivo no Brasil era limitada, havendo uma lacuna entre a pesquisa científica e a inovação tecnológica efetiva nas empresas. A Lei de Inovação se propôs a preencher essa lacuna, buscando estabelecer uma conexão mais estreita entre o conhecimento gerado nas instituições de pesquisa e as necessidades e demandas do setor produtivo.

Com a lei em vigor, foram criados mecanismos regulatórios que permitiram e incentivaram a transferência de tecnologia e a colaboração entre as instituições de pesquisa e as empresas. Isso incluiu a facilitação da celebração de parcerias, acordos de cooperação, convênios e licenciamento de tecnologias.

A Lei de Inovação também tratou de questões relacionadas à propriedade intelectual, garantindo que os direitos dos inventores e inovadores fossem respeitados e que as instituições de pesquisa tivessem incentivos para proteger e comercializar suas tecnologias.

Ainda, ao incentivar a interação entre a academia e o setor produtivo, a Lei nº 10.973, de 2004, buscou criar um ambiente mais propício para o desenvolvimento tecnológico do país, estimulando a inovação nas empresas e contribuindo para o avanço da ciência e tecnologia nacional.

É importante destacar, como mencionado anteriormente, que, embora a Lei nº 10.973 tenha sido um marco importante ao estabelecer uma base normativa para a interação entre academia e setor produtivo no Brasil, ela não foi suficiente para impulsionar o desenvolvimento tecnológico e à inovação no país, tendo sido necessária a aprovação de um novo sistema normativo que, de modo efetivo, afastasse os entraves regulatórios que dificultava a realização de parcerias e transferência de tecnologia entre as instituições de pesquisa e o setor produtivo.

Diante desse panorama, a Lei de Inovação foi amplamente reformulada pelas alterações introduzidas pela Lei nº 13.243/2016, estabelecendo medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo.

Como mecanismos de estímulo à CTI, a lei previu a possibilidade de criação de ambientes promotores de inovação, a participação das ICT no processo de inovação, o incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento de produtos, serviços e processos inovadores em empresas, o apoio ao inventor independente, e a instituição de fundos mútuos de investimento em empresas cuja atividade principal seja a inovação.

Outra importante mudança de paradigma trazida pela norma é o procedimento de prestação de contas referente aos instrumentos do marco legal, quando da execução de projetos PDI, que deverá ser simplificada, com foco nos resultados, em conformidade com as diretrizes indicadas no art. 27-A, da Lei nº 10.973, de 2004, introduzido pela Lei nº 13.243, de 2016.

Art. 27-A. Os procedimentos de prestação de contas dos recursos repassados com base nesta Lei deverão seguir formas simplificadas e uniformizadas e, de forma a garantir a governança e a transparência das informações, ser realizados anualmente, preferencialmente, mediante envio eletrônico de informações, nos termos de regulamento.

 

3.3 DECRETO N. 9.823 DE 07 DE FEVEREIRO DE 2018

O Decreto nº 9.283, de 7 de fevereiro de 2018, regulamenta a Lei nº 10.973, de 2004. Esse decreto estabelece regras e diretrizes complementares para a aplicação da referida lei, buscando promover e incentivar a inovação e a pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo.

O objetivo principal é fornecer orientações sobre os procedimentos e instrumentos para a realização de parcerias entre Instituições Científica, Tecnológica e de Inovação (ICTs), empresas e governo, visando ao desenvolvimento de projetos de inovação e pesquisa.

O Decreto nº 9.283/2018 aborda diversos aspectos relacionados à implementação da Lei de Inovação, como a definição de conceitos fundamentais (como inovação, pesquisa científica e tecnológica, ICTs, empresas e outros); as regras para a celebração dos instrumentos jurídicos de parceria (acordo de parceria, convênio para PDI, contratos de transferência de tecnologia e de licenciamento de inovações e outros); os procedimentos para a criação de Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) das ICTs, que têm como objetivo gerir a política de inovação e promover a proteção e a transferência de tecnologias; as diretrizes para a concessão de incentivos fiscais e financeiros à inovação; o estabelecimento de critérios para a criação e funcionamento dos ambientes de inovação (incubadoras, Parques e Polos Científicos e Tecnológicos); entre outros temas relevantes.

 

4 O ACORDO DE PARCERIA PARA PDI NO CONTEXTO DO MARCO LEGAL DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

Dentre os instrumentos de concretude do MLCTI, destacam-se a implantação das Políticas de Inovação nas ICT Públicas, os Núcleos de Inovação Tecnológica (NIT) e os Acordos de Parceria. Neste trabalho, destaca-se a o Acordo de Parceria como ponto de discussão.

 

4. 1 O ACORDO DE PARCERIA PARA PDI NO CONTEXTO DO MARCO LEGAL DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

Dentre as diretrizes estratégicas para a ciência, tecnologia e Inovação delineadas pelo MLCT destaca-se a interação entre academia e empresas, a qual se concretiza por meio dos mecanismos de participação das ICTs no processo de inovação.

Nessa perspectiva, o Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI) se apresenta como ferramenta que tem o potencial de catalisar a criação de arranjos inovadores no país. Essa característica propicia às empresas a possibilidade de implementar seus programas de inovação aberta (open innovation), ao submeter suas demandas tecnológicas às Instituições Científica, Tecnológica e de Inovação, que, utilizando-se de seus recursos humanos e capacidade instalada, podem desenvolver as soluções esperadas. Do ponto de vista das ICTs, esses acordos servem como um meio para estimular pesquisas voltadas ao mercado, alinhando-se harmoniosamente com as orientações constitucionais previstas no artigo 219-A da Constituição Federal (Crepalde et al., 2020).

Destaca, ainda, Crepalde et al. (2023, p.9), a importância do Acordo de Parceria para PD&I no processo de inovação, ante a possibilidade de sua utilização em todas a suas etapas, desde “a concepção da solução até as fases mais próximas da sua introdução no mercado, em uma perspectiva linear. Assim, pode ser usado para as etapas iniciais de pesquisa, e assim o instrumento estará mais próximo do eixo de pesquisa (P), bem como em etapas no eixo de desenvolvimento (D), com o teste e a prototipagem de tecnologias, e em etapas mais avançadas como as de validação e escalonamento, e assim estará mais próximo ao eixo de inovação (I)”.

No âmbito da Lei nº 10.973, de 2004, e do Decreto nº 9.283, de 2018, o Acordo de Parceria é o instrumento formal de cooperação entre Instituições Científica, Tecnológica e de Inovação e empresas, com o objetivo de desenvolver projetos conjuntos de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação, podendo ser celebrado entre instituições de ciência e tecnologia e empresas, ou outras instituições públicas ou privadas. Tem como característica a conjugação de esforços mútuos para a execução de projetos de pesquisa e desenvolvimento, visando à transferência de tecnologia e conhecimento, e que pode resultar em um produto ou serviço inovador.

Desse modo, pode-se conceituar Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI) como o instrumento jurídico apto para formalizar parceria entre ICT e instituições públicas ou instituições privadas, com ou sem fins lucrativos, que tenha por objeto a realização de atividades conjuntas de pesquisa científica e tecnológica e de desenvolvimento de tecnologia, produto, serviço ou processo, sem transferência de recursos financeiros públicos para o parceiro privado, e que estejam alinhadas com as funções desempenhadas pela ICT. É o que se depreende do disposto no art. 35 do Decreto nº 9.283/2018, in verbis:

Art. 35. O acordo de parceria para pesquisa, desenvolvimento e inovação é o instrumento jurídico celebrado por ICT com instituições públicas ou privadas para realização de atividades conjuntas de pesquisa científica e tecnológica e de desenvolvimento de tecnologia, produto, serviço ou processo, sem transferência de recursos financeiros públicos para o parceiro privado, observado o disposto no art. 9º da Lei nº 10.973, de 2004.

 

Feitas essas observações acerca do instituto, passa-se a análise do instrumento como mecanismo de transferência de tecnologia, ao promover a interação entre as ICT e o setor produtivo.

 

4.2 O ACORDO DE PARCERIA PARA PDI COMO MECANISMO DE TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

No âmbito das parcerias estratégicas, dentre os mecanismos previstos pelo MLCTI para promover essa colaboração, destaca-se o acordo de parceria. Ao permitir a oportunidade de cooperação conjunta, esse instrumento possibilita que a academia obtenha benefícios ao aprimorar a formação de seus recursos humanos e enriquecer suas atividades de pesquisa por meio do acesso às demandas tecnológicas da empresa, enquanto a empresa tem acesso ao capital intelectual e à infraestrutura de pesquisa. Adicionalmente, essa colaboração possibilita às Instituições Científicas e Tecnológicas (ICTs) a captação de recursos, que por sua vez podem ser direcionados para investimentos na infraestrutura das instituições de pesquisa.

Tirone (2017, p. 435) verifica que o novo arcabouço legal em matéria de CTI estabelece um modelo institucional ancorado na importância dada à inovação no âmbito das prioridades das políticas governamentais, enfatizando o papel das empresas como força motriz da cadeia de inovação e estabelece que os incentivos da política governamental convirjam para elas. Sob essa perspectiva, redefine o papel das ICTs como fornecedoras dos recursos material e intelectual necessários para a execução das atividades de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico no país, devido à sua conexão central com o ambiente empresarial dentro do contexto do Sistema Nacional de Inovação (SNI).

 Reforça, portanto, a importância da interação entre a academia e as empresas como mecanismo de promoção da inovação, através da transferência e difusão da tecnologia produzida nas instituições de pesquisa para o ambiente produtivo, de modo a atender as demandas e possibilitar o incremento do setor.

Muraro (2023, p. 392) pontua que "a transferência de tecnologia se relaciona com a entrega o conhecimento (propriedade intelectual) de uma pessoa para outra (em geral, uma ICT pública para uma empresa ou outra ICT), enquanto a difusão da tecnologia trata da ampliação destes conhecimentos na sociedade (em especial, no mercado)”.

Trata-se de, portanto, de processo de conversão do conhecimento produzido pela academia em produtos, serviços ou processos que possibilita o desenvolvimento econômico e social do país, e que não se confunde com contratos de transferência, definidos no §1º, art. 2º da Lei n. 10.168, de 29 de dezembro de 2000, como aqueles relativos à exploração de patentes ou de uso de marcas e os de fornecimento de tecnologia e prestação de assistência técnica (BRASIL, 2000).

O entendimento de que a consolidação do processo de inovação decorre da transferência de conhecimento científico e tecnológico das Instituições Científica, Tecnológica e de Inovação para o setor produtivo aponta para a compreensão acerca do papel do acordo de parceria como mecanismo para viabilizar a disseminação da tecnologia produzida, em conjunto com outros instrumentos, como os contratos de prestação de serviços técnicos especializados em PD&I, contratos de encomenda tecnológica, contratos de cessão, licenciamento e know-how. Esse ajuste é fundamental, pois formaliza o relacionamento entre esses atores-chave, promovendo a realização de atividades conjuntas de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI), voltadas à solução de problemas tecnológicos.

Como pressuposto deste resultado esperado, destaca-se a interação entre a academia e setor produtivo como ferramenta de promoção da inovação. Dessa forma, ao se estabelecer políticas de interação entre atores do ecossistema de inovação, é imperativo compreender a natureza intrínseca de suas áreas de especialização e, secundariamente, os reais benefícios que podem ser obtidos por meio dessa colaboração.

Portanto, é a colaboração e a formação de rede, que consistem na formação de parcerias entre diferentes partes do sistema, como universidades e empresas, cada um exercendo as suas competências definidas, que efetivamente aceleram o processo de inovação, permitindo compartilhamento de conhecimento e recursos.

Acerca do subsistema científico-tecnológico, cumpre destacar o papel fundamental e multifacetado desempenhado pelas universidades e demais instituições de pesquisa no processo de inovação, o qual destacam-se a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), pesquisa aplicada para a resolução de problemas do mundo real; a formação de recursos humanos qualificados para atuarem no mercado; a transferência de tecnologia, ao converter a pesquisa acadêmica em soluções tangíveis para a indústria e a sociedade; a colaboração com o setor produtivo, na condução de projetos de pesquisa conjuntos, propostos a resolver desafios específicos do setor e desenvolver tecnologias que beneficiem ambas as partes, aplicando de forma prática as descobertas acadêmicas; a formação de ambiente de inovação, como as incubadoras de empresas, espaços de incubação e aceleração para empresas fundadas por alunos, professores ou ex-alunos, auxiliando-os a transformarem ideias empreendedoras em negócios viáveis, impulsionando a inovação no mercado; entre outros. Além da inovação tecnológica, as universidades também estão envolvidas na inovação social, abordando questões sociais, ambientais e de saúde por meio de pesquisas, projetos e ações voltadas para o bem-estar da comunidade.

Destaca-se, ainda, o capital intelectual da universidade, definido pela Lei de Inovação como conhecimento acumulado pelo pessoal da organização, passível de aplicação em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, como ativo intangível e recursos não físicos, de elevada importância, o qual contribui para sua reputação, excelência acadêmica, capacidade de pesquisa, ensino de qualidade e influência na sociedade, mas é aplicado especificamente ao ambiente acadêmico e educacional.

O conhecimento, a experiência e as competências dos professores e pesquisadores da universidade são fundamentais para sua excelência acadêmica e sua capacidade de gerar pesquisa de alta qualidade; de modo que o gerenciamento e o desenvolvimento do capital intelectual da universidade, de competência dos NITs, são essenciais para fortalecer sua posição no cenário acadêmico, atrair talentos, obter financiamento, estabelecer parcerias de pesquisa e proporcionar uma experiência educacional enriquecedora para seus alunos.

Quanto ao subsistema produtivo, cabe destacar a importância do setor para o processo de inovação, ao identificar possíveis soluções para incrementar a cadeia produtiva, frequentemente investem em pesquisa e desenvolvimento (P&D), explorando novas ideias e tecnologias para criar produtos, serviços e processos inovadores. Essa atividade de P&D resulta em avanços que não apenas beneficiam a própria empresa, mas também a sociedade como um todo.

Como decorrência, são responsáveis pela adoção e difusão de inovações, em razão da capacidade de implementar novas tecnologias em suas operações e influenciar sua adoção em toda a cadeia de valor, acelerando a expansão das inovações no mercado. Essa solução, uma vez implementada, permite que as empresas se diferenciem no mercado, criando produtos e serviços únicos que atendam às necessidades dos consumidores de maneira mais eficaz.

Através da inovação, as empresas podem otimizar processos, reduzir custos e melhorar a eficiência operacional. Isso não apenas aumenta seus lucros, mas também contribui para a sustentabilidade ambiental ao reduzir o consumo de recursos. Isso resulta em uma vantagem competitiva, posicionando as empresas de forma mais sólida em seus setores, resultando em um setor mais competitivo e autônomo. Ao se tornarem mais competitivas, elas impulsionam o crescimento econômico ao criar oportunidades de emprego e gerar riqueza. As empresas inovadoras frequentemente expandem suas operações, contratam profissionais qualificados e estimulam o desenvolvimento de ecossistemas econômicos vibrantes.

Destaca-se, ainda, a importância como agentes de mudança na abordagem de desafios sociais e ambientais por meio da inovação. Desenvolver soluções sustentáveis e socialmente responsáveis contribui para a construção de um futuro mais positivo.

A falta de estímulo necessário a efetiva interação entre esses dois importantes atores do ecossistema de inovação, tem por consequência o isolamento da academia, resultando em uma produção de pesquisas científicas desassociadas com a necessidade do ambiente produtivo, de modo a restringir o escoamento desse conhecimento para o setor por meio da transferência de tecnologia. Tal situação gera impactos significativos para a universidade, ao ter elevado gastos com a proteção dessas tecnologias, e para o mercado, que, ao não implementarem soluções tecnológicas aos seus produtos, processos ou serviços, passam a atuar em situação de desigualdade com mercados com maior autonomia tecnológica.

Essa realidade se evidencia a partir dos dados extraídos do  3º Boletim Anual do Observatório de Ciência, Tecnologia e Inovação (OCTI) 2022 - Panorama da CT&I no Brasil e no mundo, que registra “o crescimento no volume de produção das principais áreas de pesquisa do País”, assim como, segundo informações do MCTI, que indicam a posição do Brasil em 13º lugar no ranking internacional em produção científica, contrapondo-se à posição no Índice Global de Inovação, no qual ocupava o 54º  lugar, entre os 132 países observados, em 2022.

4.3 ASPECTOS RELEVANTES DO ACORDO DE PARCERIA PARA PD&I

A partir do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação foram introduzidas novidades, especialmente, em relação à possibilidade de transferência de recursos financeiros dos parceiros privados para os parceiros públicos para a execução conjunta de projetos de PDI; à prescindibilidade de processo de seleção do parceiro privado; à concessão de bolsas de estímulo aos recursos humanos envolvidos nas atividades de inovação; à titularidade da propriedade intelectual e a participação nos resultados da exploração das criações resultantes da parceria (D’AGUILA, 2022).

Medida importante introduzida pela MLCTI é a possibilidade de transferência de recursos financeiros dos parceiros privados para os parceiros públicos para a execução conjunta de projetos de PDI, que pode se dar por intermédio de fundação de apoio. Esses recursos referem-se à contrapartida do parceiro privado como forma de compensação pela utilização pelos “materiais, pelos equipamentos, pelas horas de funcionamento de laboratórios e pela consultoria de técnicos e pesquisadores empregados na realização dessas atividades” (TURCHI; ARCURI, 2017).

Cabe destacar que, em se tratando de Acordo de Parceria para PD&I celebrado por ICT com instituições privadas, o Decreto nº 9.283, de 2018, veda a transferência de recursos financeiros públicos para o parceiro privado, de modo que a contrapartida da instituição de pesquisa para a execução do projeto é econômica, mensurado a partir da valoração do capital intelectual investido, da utilização da infraestrutura da ICT, dos seus equipamentos, entre outros recursos (MATOS et. al., 2023).

Acerca da prescindibilidade de chamamento público para realização de parcerias para PDI entre ICTs públicas e instituições públicas ou privadas, o Decreto nº 9.283/2018 afasta a necessidade de realização de licitação ou outro processo de seleção equivalente, para a escolha de parceiros por ICTs públicas para a realização de atividades conjuntas de pesquisa científica e tecnológica e de desenvolvimento de tecnologia, produto, serviço ou processo. Essa ressalva do legislador, segue a lógica do novo regime jurídico instaurado pelo MLCTI, o qual estabelece como princípios norteadores da atuação do estado em matéria de CTI: (i) a promoção da cooperação e interação entre os entes públicos, entre os setores público e privado e entre empresas; e (ii) a simplificação da gestão dos processos que tenham por objeto a execução de projetos de ciência, tecnologia e inovação. Compreende-se a necessidade de desburocratizar o acesso do setor privado às instituições públicas de pesquisa, possibilitando a interação a partir do momento em que o parceiro privado identifica a necessidade de desenvolvimento de determinada solução tecnológica.

Ponto importante a ser destacado, introduzido pelo MCLTI, relaciona-se à possibilidade das ICTs, fundações de apoio ou agências de fomento concederem bolsas de estímulo à inovação aos estudantes de curso técnico, de graduação ou de pós-graduação, que estejam envolvidos nas atividades de inovação. A inovação normativa resulta da observância ao mandamento constitucional que estabelece dever estatal em promover o fortalecimento dos recursos humanos nos campos da ciência, pesquisa, tecnologia e inovação. Isso inclui o respaldo às atividades de extensão tecnológica e o oferecimento de recursos e circunstâncias propícias àqueles envolvidos nessas atividades como uma maneira de incentivar o avanço científico, a pesquisa, a aquisição de competências científicas e tecnológicas, bem como o progresso na inovação (BRASIL, 1988).

Observou-se, ainda, uma adequação do regramento acerca da titularidade da propriedade intelectual e a participação nos resultados da exploração das criações resultantes da parceria à Política Constitucional de Busca da Inovação (OLIVEIRA et al., 2019), possibilitando à cessão dos resultados envolvidos no desenvolvimento conjunto da tecnologia, mediante compensação financeira ou não financeira, desde que economicamente mensurável, assim como à concessão de licenças exclusivas ao parceiro, sem a exigência de oferta tecnológica, desde que previamente definido no instrumento, conforme disposto no art. 37 do Decreto nº 9.283, de 208, in verbis:

Art. 37. As partes deverão definir, no acordo de parceria para pesquisa, desenvolvimento e inovação, a titularidade da propriedade intelectual e a participação nos resultados da exploração das criações resultantes da parceria, de maneira a assegurar aos signatários o direito à exploração, ao licenciamento e à transferência de tecnologia, observado o disposto no § 4º ao § 7º do art. 6º da Lei nº 10.973, de 2004.

§ 1º A propriedade intelectual e a participação nos resultados referidas no caput serão asseguradas aos parceiros, nos termos estabelecidos no acordo, hipótese em que será admitido à ICT pública ceder ao parceiro privado a totalidade dos direitos de propriedade intelectual mediante compensação financeira ou não financeira, desde que economicamente mensurável, inclusive quanto ao licenciamento da criação à administração pública sem o pagamento de royalty ou de outro tipo de remuneração.

§ 2º Na hipótese de a ICT pública ceder ao parceiro privado a totalidade dos direitos de propriedade intelectual, o acordo de parceria deverá prever que o parceiro detentor do direito exclusivo de exploração de criação protegida perderá automaticamente esse direito caso não comercialize a criação no prazo e nas condições definidos no acordo, situação em que os direitos de propriedade intelectual serão revertidos em favor da ICT pública, conforme disposto em sua política de inovação.

 

Outro ponto de relevância que merece ser abordado neste contexto é a exigência (ou não) da comprovação da situação fiscal regular por parte do parceiro privado no momento da celebração do Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI). Embora essa exigência não esteja explicitamente estabelecida no marco legal, ela foi objeto de análise e discussão pela Câmara Permanente de Ciência, Tecnologia e Inovação (CP-CTI).

A controvérsia referente a essa questão envolveu a aplicabilidade do disposto no artigo 27, inciso IV, da Lei nº 8.666, de 1993, onde a apresentação da regularidade fiscal é um requisito para habilitação de empresas em processos licitatórios, no contexto dos Acordos de Parceria.

A Câmara se manifestou, por meio do Parecer nº 01/2019/CPCTI/PGF/AGU, no sentido de que não é necessário que o parceiro privado comprove sua situação fiscal regular. Essa conclusão foi baseada no argumento de que as normas legais que requerem a apresentação de regularidade fiscal como condição para a transferência de recursos públicos têm como objetivo proteger o interesse público, evitando que o parceiro privado seja incapaz de cumprir suas obrigações conforme o instrumento legal. No entanto, essa lógica não se aplica aos Acordos de Parceria, pois a transferência de recursos financeiros ocorre do parceiro privado para o público, invertendo a direção tradicional das transferências públicas.

Portanto, de acordo com essa interpretação, a comprovação da regularidade fiscal pelo parceiro privado não é necessária no contexto dos Acordos de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, uma vez que a transferência de recursos financeiros ocorre do parceiro privado para o setor público, tornando a preocupação com a incapacidade de cumprimento das obrigações menos relevante.

 

4.4 CLÁUSULAS ESSENCIAIS DO ACORDO DE PARCERIA PARA PD&I

Dada a relevância deste instrumento jurídico, da Câmara Permanente de Ciência, Tecnologia e Inovação (CP-CT&I) emitiu o Parecer nº 01/2019/CPCTI/PGF/AGU. Essa manifestação visa proporcionar uma análise jurídica aprofundada sobre o Acordo de Parceria, a fim de ajudar a autoridade administrativa no processo de tomada de decisão relacionado ao tema, auxiliando a ICT na implementação da política interna de inovação.

Além da manifestação jurídica, a CP-CT&I também disponibilizou modelo de acordo de parceria para PD&I que não envolve repasse de recursos financeiros entre os parceiros; modelo de acordo de parceria para PD&I que envolve repasse de recursos financeiros do parceiro privado para o parceiro público; e, ainda, lista de verificação que indica todos os documentos necessários para a instrução do processo administrativo, visando orientar os servidores na formalização do ajuste.

Nesse sentido, para fins de revisão literária aqui realizada, as cláusulas essenciais do Acordo de Parceria para PD&I estudadas neste tópico serão abordadas a partir daquelas sugeridas no modelo proposto pela Câmara Permanente de Ciência, Tecnologia e Inovação (CP-CTI), e que deve ser utilizado pelas ICTs públicas federais na formalização dos Acordos de Parceria para PD&I.

Conforme destacado anteriormente, o Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I) é um instrumento jurídico fundamental para regulamentar e estabelecer os termos da colaboração entre parceiros públicos e privados em atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Algumas cláusulas essenciais devem estar presentes nesse tipo de acordo, e incluem:

a)  Sujeitos: Identificação clara das partes envolvidas no acordo, seja o parceiro público (ICT pública) e o parceiro privado (empresa, organização, etc.).

b) Objeto e Escopo: Definição clara do objeto e objetivos a serem alcançados, as áreas de pesquisa e desenvolvimento abrangidas, e o escopo das atividades que serão realizadas em conjunto.

c)  Plano de Trabalho: Documento que constará como anexo do Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), e será parte, integrante e indissociável deste, no qual se fornece um roteiro claro e organizado para a execução das tarefas, permitindo que as partes envolvidas entendam suas responsabilidades e acompanhem o progresso. No conteúdo deve constar, obrigatoriamente: I - a descrição das atividades conjuntas a serem executadas, de maneira a assegurar discricionariedade aos parceiros para exercer as atividades com vistas ao atingimento dos resultados pretendidos; II - a estipulação das metas a serem atingidas e os prazos previstos para execução, além dos parâmetros a serem utilizados para a aferição do cumprimento das metas, considerados os riscos inerentes aos projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação; III - a descrição  dos meios a serem empregados pelos parceiros; e IV - a previsão da concessão de bolsas, quando couber.

d) Recursos: Detalhamento das contribuições de cada parte, incluindo recursos financeiros, materiais, equipamentos, infraestrutura e pessoal envolvidos na parceria.

e)  Propriedade Intelectual: Regulamentação sobre a propriedade intelectual dos resultados obtidos durante a colaboração, especificando quem detém os direitos sobre patentes e outras criações decorrentes da parceria.

f)  Divulgação e Publicações: Estabelecimento de diretrizes para a divulgação e publicação dos resultados da pesquisa, incluindo possíveis restrições temporais ou requisitos de compartilhamento de informações.

g) Confidencialidade: Definição das cláusulas de confidencialidade, protegendo informações sensíveis e estratégicas compartilhadas durante o desenvolvimento das atividades.

h) Responsabilidades: Especificação das funções e responsabilidades de cada parte envolvida na parceria, definindo quem é responsável por cada aspecto das atividades de PD&I.

i)   Vigência: Estabelecimento do período de validade do acordo e a possibilidade de renovação, bem como as condições para extinção antecipada.

j)   Recursos Financeiros: Detalhamento dos recursos financeiros envolvidos na parceria, incluindo o cronograma de repasses e a forma como serão gerenciados.

k)   Resolução de Conflitos: Procedimentos para a resolução de eventuais disputas ou conflitos que possam surgir durante a execução do acordo.

l)   Conformidade legal: Indicação das leis, regulamentos e normas que regem o acordo, bem como a jurisdição competente em caso de litígios.

m)   Alterações: Procedimentos para a realização de alterações ou aditamentos ao acordo, permitindo ajustes caso necessário, excetuando-se a alteração do seu objeto, sob pena de nulidade do ato e responsabilidade do agente que o praticou.

n)   Monitoramento, da avaliação e da prestação de contas: Estabelece as diretrizes e procedimentos para acompanhar o progresso das atividades, avaliar o uso dos recursos e garantir a transparência na gestão da parceria. Nela os parceiros se comprometem a fornecer relatórios de progresso regulares, conforme um cronograma acordado entre eles. Esses relatórios deverão incluir informações detalhadas sobre as atividades realizadas, marcos atingidos, resultados alcançados e despesas incorridas. Deverá prever, ainda, a obrigação de manter registros financeiros precisos e detalhados de todos os recursos fornecidos para a execução das atividades de PD&I, reservando-se o direito dos parceiros de solicitar, a qualquer momento, informações e documentos que comprovem a utilização adequada dos recursos financeiros.

o) Extinção: O ajuste deve prever, ainda, as hipóteses de extinção. Em se tratando de extinção em razão do término das atividades previstas no Acordo, os parceiros deverão realizar uma avaliação final conjunta para revisar os resultados alcançados e discutir os impactos da parceria. Nesse momento, também será feita uma análise final das despesas e recursos utilizados.

 

Essas cláusulas servem como base para estruturar o Acordo de Parceria para PD&I, mas é importante ressaltar que cada parceria pode ter particularidades específicas que requerem ajustes e detalhamentos adicionais. Nesses casos, sugere-se consultar o órgão jurídico para garantir que o acordo seja redigido de maneira adequada às necessidades das partes envolvidas. Além disso, o acordo deve estar alinhado com a Política de Inovação da ICT, de forma a garantir que o projeto atenda aos objetivos estabelecidos.

Destaque-se, ainda, que, em observância ao princípio da motivação, a celebração de acordos de parceria deve ser precedida de Parecer Técnico, emitido pela instituição de ciência e tecnologia envolvida na parceria, no qual constem os estudos de viabilidade técnica, econômica e financeira, para execução do projeto de PDI. É o que propõe o Parecer nº 01/2019/CPCTI/PGF/AGU (BRASIL, 2019, p. 10-11):

40. Desta forma, sem prejuízo de outros requisitos estabelecidos no regramento interno da Instituição Pública, esta Câmara sugere que as Procuradorias Federais junto às entidades autárquicas e fundacionais federais orientem as respectivas autoridades assessoradas no sentido de solicitar que as respectivas áreas técnicas emitam manifestação formal acerca do seguinte:

1. mérito da proposta, incluindo o interesse (oportunidade e conveniência) da Instituição Pública para a celebração do instrumento; a consecução de finalidades de interesse público e a análise da adequação do objeto à ciência, tecnologia e inovação;

2. viabilidade da execução do acordo, incluindo manifestação quanto a: a. viabilidade técnica dos meios a serem utilizados na consecução dos objetivos propostos; capacidade operacional da Instituição Pública; b. exequibilidade das metas, das etapas e das fases nos prazos propostos, além dos parâmetros a serem utilizados para a aferição do cumprimento das metas, considerados os riscos inerentes aos projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação;

3. eventual condicionante econômica, financeira ou relacionada à recursos humanos para a viabilidade da execução do objeto do acordo de parceria;

4. eventual necessidade de disponibilização pela Instituição Pública de capital intelectual, serviços, equipamentos, materiais, propriedade intelectual, laboratórios, infraestrutura entre outros;

5. eventual necessidade de participação de recursos humanos integrantes da Instituição Pública para a realização das atividades conjuntas de pesquisa, desenvolvimento e inovação, inclusive para as atividades de apoio e de suporte;

6. eventual necessidade de envolvimento de recursos humanos não-integrantes da Instituição Pública;

7. eventual necessidade de concessão de bolsa de estímulo à inovação;

8. previsão de transferência de recursos financeiros para a Instituição Pública, conforme faculta o art. 35, §6º, do Decreto nº 9.283, do 2018, no caso de acordo com Instituição Privada;

9. compatibilidade do cronograma de desembolso previsto no plano de trabalho com os prazos previstos para execução do objeto;

10. descrição das atividades conjuntas a serem executadas com vistas ao atingimento dos resultados pretendidos;

11. adoção do procedimento de monitoramento e avaliação e de prestação de contas.

41. É de relevo observar que a existência de uma análise técnica consistente atende o princípio da motivação, expressamente previsto no art. 50 da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

 

Acerca da documentação necessária à instrução do processo, juntamente com a minuta do instrumento, a CP-CTI disponibilizou uma lista de verificação (checklist) com o propósito auxiliar na confirmação da adequada preparação e documentação do processo de Acordo de Parceria para Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação, garantindo que todos os documentos essenciais estejam devidamente contemplados nos registros administrativos que conduzem à celebração do ajuste.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho analisou as principais modificações trazidas pelo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (MLCTI) na legislação que orienta a Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI). Esse processo promoveu uma compreensão mais profunda e uma aplicação mais efetiva dos mecanismos instituídos pelo MLCTI.

O papel de destaque do Acordo de Parceria para PDI como ferramenta estratégica na consolidação do modelo de inovação da Tríplice Hélice, incorporada no sistema jurídico nacional, foi evidenciada demonstrando os principais elementos de estruturação do instrumento, seus benefícios e desafios, demonstrando sua importância na promoção do avanço tecnológico e do desenvolvimento econômico.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Procuradora Federal, membra da Câmara Permanente da Ciência, Tecnologia & Inovação (CP-CTI), mestranda em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação - PROFNIT/IFCE

[2] Doutora em Ciência de Alimentos, docente do Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação - PROFNIT/IFCE.

[3] Diretor do Polo de Inovação IFCE.