SEXUALIDADE EM DISPUTA

o direcionamento de anúncios nas redes da Meta sobre a comunidade LGBTQIAP+ durante as eleições de 2022

João Gabriel Haddad[1]

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

joao.haddad@netlab.eco.ufrj.br

Débora Gomes Salles[2]

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

debora.salles@netlab.eco.ufrj.br

Rose Marie Santini[3]

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

marie.santini@eco.ufrj.br

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Resumo

Apesar de medidas para diminuir a prevalência de ataques a minorias sexuais e de gênero nas plataformas digitais, anúncios discriminatórios e odiosos têm sido patrocinados por políticos durante campanhas eleitorais ao redor do mundo. Este artigo analisa as estratégias discursivas e de segmentação de anúncios sobre a população LGBTQIAP+ nas plataformas da Meta durante a campanha eleitoral de 2022 para entender como os direitos dessa população foram instrumentalizados em um cenário político polarizado. Os pesquisadores coletaram 3.703 anúncios contrários e a favor dos direitos da comunidade LGBTQIAP+ veiculados no Brasil durante o primeiro turno e sistematizaram os dados de segmentação e investimento, além de analisarem o conteúdo veiculado pelos principais anunciantes. Anúncios anti-LGBTQIAP+ foram predominantes na campanha, recebendo mais investimento e alcançando um público maior que os conteúdos pró-LGBTQIAP+. Os resultados indicam que as medidas de governança promovidas pela Meta podem não ser suficientes para impedir a circulação de anúncios discriminatórios e odiosos.

Palavras-chave: discurso de ódio; anúncios políticos; moderação de conteúdo; transparência de plataformas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DISPUTED SEXUALITY

the advertisements targeting on Meta networks towards the LGBTQIAP+ community during the 2022 elections

Abstract

Despite measures to reduce the prevalence of attacks on sexual and gender minorities on digital platforms, discriminatory and hateful advertisements have been sponsored by politicians during election campaigns around the world. This article analyzes the discursive and targeting strategies of ads about LGBTQIAP+ community that were run on Meta's platforms during the 2022 electoral campaign to understand how the rights of this population were instrumentalized in a polarized political scenario. The researchers collected 3,703 advertisements against and in favor of LGBTQIAP+ population’s rights run in Brazil during the first round and systematized the segmentation and investment data, in addition to analyzing the content sponsored by the main advertisers. Anti-LGBTQIAP+ ads were predominant in the campaign, gaining more investment and reaching a larger audience than pro-LGBTQIAP+ content. The results indicate that the governance measures promoted by Meta may not be sufficient to prevent the circulation of hateful and discriminatory advertisements.

Keywords: hate speech; political advertising; content moderation; platform transparency.

SEXUALIDAD EN DISPUTA

la orientación de la publicidad en las redes Meta hacia la comunidad LGBTQIAP+ durante las elecciones de 2022

Resumen

A pesar de las medidas para reducir la prevalencia de ataques a minorías sexuales y de género en plataformas digitales, políticos han patrocinado anuncios discriminatorios y llenos de odio durante las campañas electorales en todo el mundo. Este artículo analiza las estrategias discursivas y de targeting publicitario sobre la comunidad LGBTQIAP+ en las plataformas de Meta durante la campaña electoral de 2022 para comprender cómo se instrumentalizaron los derechos de esta población en un escenario político polarizado. Los investigadores recolectaron 3.703 anuncios en contra y a favor de los derechos de la población LGBTQIAP+ difundidos en Brasil durante la primera ronda y sistematizamos los datos de segmentación e inversión, además de analizar los contenidos difundidos por los principales anunciantes. Los anuncios anti-LGBTQIAP+ predominaron en la campaña, recibieron más inversión y llegaron a una audiencia más amplia que el contenido pro-LGBTQIAP+. Los resultados indican que las medidas de gobernanza promovidas por Meta pueden no ser suficientes para evitar la circulación de anuncios odiosos y discriminatorios.

Palabras clave: discurso del odio; anuncios políticos; moderación de contenidos.; transparencia de las plataformas.

1  INTRODUÇÃO

A infraestrutura publicitária operada por plataformas digitais, como a Meta, tornou a publicidade mais segmentada e escalável, criando novas oportunidades para campanhas políticas. Nesse contexto, empresas de tecnologia estrangeiras assumiram funções cruciais de distribuição, regulação e transparência da publicidade eleitoral, diminuindo o caráter institucional e público da comunicação eleitoral (Alves; Tavares, 2023). Apesar da crescente literatura nacional e internacional sobre publicidade eleitoral digital, ainda é necessário discutir os impactos do impulsionamento pago de conteúdos a partir de estratégias de microssegmentação do público (Ben-David, 2020).

Autores argumentam que, além da opacidade intrínseca ao modelo da publicidade microssegmentada, as políticas de moderação de conteúdos problemáticos são ineficazes (Ghosh, 2020; Park; Rohatgi, 2024). Nesse contexto, candidatos e grupos vêm proliferando narrativas nocivas, reforçando estereótipos de gênero e disseminando preconceito de forma coordenada (Ali et al., 2019; Di Meco, 2023; Popolin, 2021). No Brasil e no mundo, grupos de extrema-direita vêm capturando o debate sobre sexualidade para fins eleitorais e instrumentalizando o ódio contra minorias sexuais (Casaes; Córdova, 2019), se beneficiando de um ambiente digital desregulamentado e com pouca transparência para anunciantes e usuários.

Uma vez que pesquisas sobre as relações entre o impulsionamento de discurso de ódio e as lógicas de governança do sistema de anúncios dessas plataformas ainda são escassas, este artigo analisa como minorias sexuais foram instrumentalizadas na campanha eleitoral patrocinada na Meta, avaliando em que medida conteúdos sobre os direitos da população LGBTQIAP+[4] foram impulsionados por diferentes candidaturas nas eleições brasileiras de 2022.

Para isso, coletamos 3.703 anúncios políticos sobre o tema veiculados durante o primeiro turno das eleições e analisamos quais as estratégias de segmentação do público a partir dos dados financeiros, sociodemográficos e geográficos disponibilizados pela plataforma. Nossos resultados indicam que, ainda que as ferramentas de segmentação de público disponibilizadas pela Meta permitam que anunciantes pró e anti-LGBTQIAP+ promovam o debate sobre gênero e sexualidade de maneira distinta, anúncios que deslegitimam os direitos dessa população foram predominantes durante a campanha. Nessa perspectiva, a pesquisa evidencia limitações das políticas de governança e transparência do modelo de negócios da Meta.

 

2  REVISÃO DE LITERATURA

O modelo de negócios das plataformas digitais é essencialmente baseado em publicidade, com a venda de serviços de personalização e direcionamento de mensagens a públicos microssegmentados para anunciantes (Dobber et al., 2023). A governança algorítmica das plataformas distribui posts orgânicos e impulsionados, moldando ativamente a forma como usuários engajam e interagem com anunciantes (Gillespie, 2018). Ao realizar complexas análises e inferências de dados sobre os usuários para entregar anúncios personalizados, as plataformas se comportam como agentes ativos na promoção de conteúdo pago.

Mesmo compartilhando essa característica fundamental com empresas de comunicação, as Big Tech tentam refutar o entendimento de que seriam empresas de mídia para se esquivarem de enquadramentos regulatórios mais onerosos (Napoli; Caplan, 2018). Diferente da publicidade veiculada nos meios de comunicação tradicionais, que é passível de escrutínio público por ser exibida igualmente a toda a audiência, a distribuição algorítmica da publicidade pelas plataformas digitais é opaca. Isto é, a microssegmentação da audiência está atrelada à falta de transparência por impossibilitar a identificação de quais anúncios são exibidos para cada usuário e quais critérios de distribuição foram utilizados (Jamison et al., 2020).

Estudos têm mostrado que os critérios de entrega e de precificação de anúncios são em parte influenciados pelas características do público que o anunciante busca atingir (Ali et al., 2019). Por exemplo, o posicionamento político inferido dos usuários pode ser usado para priorizar determinados conteúdos, limitando a entrega de anúncios para eleitores ainda não convertidos. Na Índia, um estudo envolvendo 536.070 anúncios políticos constatou que a Meta cobrou valores menores para anúncios veiculados pelo partido que governava o país à época em comparação com os anúncios da oposição (Sambhav; Ranganathan, 2022). A pesquisa atribui a diferença ao algoritmo do Facebook, que determina quantas vezes o anúncio é mostrado e seu preço de forma não transparente.

A opacidade da publicidade online é sustentada, ainda, pela falta de medidas adequadas de transparência disponibilizadas a pesquisadores e jornalistas pelas plataformas (Leerssen et al., 2021). Na sequência dos escândalos na mídia e pressão social (Bossetta, 2020), a Meta lançou, em 2018, a Biblioteca de Anúncios, um repositório de conteúdos impulsionados nas plataformas da empresa — Facebook, Instagram, Audience Network e Messenger. Nesse sentido, a disponibilização de um repositório de anúncios por parte da Meta foi um primeiro passo importante para propostas de regulamentação das plataformas digitais com o objetivo de tornar o mercado digital mais transparente, seguro e competitivo, como o Digital Services Act, ou DSA (Santini et al., 2024a).

No entanto, o repositório apresenta diversas limitações e níveis de transparência distintos de acordo com o tema do anúncio e o país onde foi veiculado (Leerssen et al., 2021; Santini et al., 2024a; Santini et al., 2024b). No Brasil, para anúncios sobre temas sensíveis, eleitorais ou políticos, a Meta oferece informações como a faixa de impressões do anúncio, a faixa de valor gasto pelo anúncio, as informações demográficas e a localização do público atingido, além de arquivá-los por sete anos (Meta, [S.d.]a). É comum encontrar falhas na classificação dos anúncios, pois, como cada anunciante é responsável pela classificação temática, nem toda publicidade política é autodeclarada como tal, seja por negligência dos anunciantes e/ou pela falta de clareza das políticas da plataforma (Pochat et al., 2022). A Meta afirma realizar revisões algorítmicas e manuais para verificar se um determinado anúncio foi rotulado corretamente (Meta, [S.d.]b), porém, pesquisas no Brasil e no mundo vêm apontando para limitações da governança da plataforma na rotulagem de anúncios (Sosnovik; Goga, 2021; Pochat et al., 2022).

As políticas de segmentação de publicidade oferecidas têm sido alvo de controvérsias não só quanto à falta de transparência, mas também por causa de seu uso para campanhas de ódio e manipulação política (Jamison et al., 2020). De fato, a lógica algorítmica e o modelo de negócio de plataformas digitais, ao privilegiar conteúdos que prendem a atenção dos usuários, podem auxiliar na proliferação de narrativas nocivas e reforçar estereótipos de gênero (Ali et al., 2019). Di Meco (2023), por exemplo, afirma que mulheres têm sido alvo de campanhas de desinformação baseadas em preconceitos de gênero, disseminadas de forma coordenada e destinadas a minar suas agendas cívicas ou políticas na internet. Já Popolin (2021) atribui as novas expressões de preconceito à instrumentalização da internet pela extrema-direita, que capturou o debate sobre sexualidade para fins eleitorais. No Brasil, Casaes e Córdova (2019) demonstraram que o ódio a minorias sexuais e de gênero tem sido um tema frequentemente evocado pela extrema-direita nas redes.

Nesse contexto, determinadas expressões são empregadas estrategicamente para desconsiderar as diferentes expressões sexuais e de gênero. Por exemplo, grupos políticos conservadores e evangélicos têm se apropriado de termos como “ideologia de gênero”, que diz respeito a questões como a saúde reprodutiva das mulheres, a educação sexual e o reconhecimento de identidades não heterossexuais, com a intenção de deslegitimar direitos sexuais e reprodutivos (Miskolci; Campana, 2017). A expressão designa um instrumento de doutrinação capaz de converter pessoas, equiparando o conceito de gênero a ideologias políticas, como o comunismo e o nazismo (Machado, 2016). Ao analisar o texto de uma psicóloga brasileira denunciada por prática de reversão (ou “cura gay”), Popolin (2021) afirma que o emprego de termos como “homossexualismo”, “doença”, “implantar”, “alianças”, “ditadura gay” e “Santa Inquisição” demonstram uma tentativa de evocar um imaginário conspiratório. Ou seja, há uma escolha deliberada pelo uso desses termos em detrimento de outras expressões que defendem a perspectiva social de gênero, como “identidade de gênero” para designação de gênero e “orientação sexual” para designação da atração sexual.

Como uma tentativa de limitar a circulação de discursos tóxicos sobre sexualidade e gênero nas suas plataformas, a Meta afirma proibir qualquer tipo de anúncio que discrimina ou incentiva a discriminação de grupos baseado em atributos pessoais como raça, etnia, cor, nacionalidade, religião, idade, sexo, orientação sexual, identidade de gênero, situação familiar, deficiência, condição genética ou de saúde (Meta, [S.d.]c). Ou seja, os anunciantes não poderiam incluir conteúdo discriminatório no anúncio ou aplicar critérios de segmentação de modo a incluir ou excluir indevidamente grupos de cidadãos. A Meta também afirma proibir violência e incitação em todos os tipos de conteúdo — seja uma publicação orgânica ou impulsionada. Ela considera que ameaças de violência “são declarações ou elementos visuais que representam uma intenção, aspiração ou incitação de violência contra um alvo” (Meta, [S.d.]d, n.p.), como ameaças que podem levar à morte ou a ferimento grave.

Além disso, a empresa alega não permitir qualquer tipo de conteúdo com discurso de ódio. A Meta entende discurso de ódio como “um ataque direto a pessoas [...] baseado no que chamamos de ‘características protegidas’: raça, etnia, nacionalidade, deficiência, religião, casta, orientação sexual, sexo, identidade de gênero e doença grave” (Meta, [S.d.]e, n.p.). Nos Padrões de Comunidade do Facebook, a Meta inclui uma página detalhando práticas que seriam enquadradas como discurso de ódio em seus serviços, como comparações de pessoas a objetos e animais; indicações de inferioridade, desprezo ou repulsa; e exclusão ou segregação.

Apesar de definir discurso de ódio com exemplos, a própria Meta reconhece que seus critérios são passíveis de erros e limitações. A empresa considera que não há uma resposta universal para classificar discurso de ódio visto que, muitas vezes, as palavras usadas no conteúdo são ambíguas e as intenções do enunciador e o contexto são desconhecidos (Allan, 2017). A Meta argumenta que as dificuldades envolvidas na identificação do discurso de ódio acontecem devido ao caráter social e não técnico do fenômeno. Por isso, lança mão de denúncias feitas pelos próprios usuários durante a navegação para analisar e retirar peças com discurso de ódio, apesar de também utilizar sistemas automáticos para detectar casos explícitos de conteúdo tóxico (Allan, 2017).

Desde 2017, a empresa informa que vem melhorando seus sistemas de detecção: no último trimestre daquele ano, apenas 23,6% dos conteúdos removidos por discurso de ódio no Facebook foram detectados automaticamente, taxa que alcançou 94,7% no primeiro trimestre de 2024 (Meta, [S.d.]f). A Meta afirma que removeu 7,4 milhões de conteúdos globalmente por promoverem discurso de ódio no primeiro trimestre de 2024 (Meta, [S.d.]f). Apesar disso, a empresa não apresenta relatórios específicos para anúncios, não disponibiliza dados divididos por país, não apresenta a quantidade de denúncias totais feitas por usuários e não divulga o motivo das denúncias realizadas (Santini et al., 2024a).

Apesar de plataformas como a Meta afirmarem em seus termos de uso que investem em políticas moderadoras contra discursos de ódio e desinformação, a autorregulação não tem sido eficaz para evitar danos aos usuários (Díaz; Hecht-Felella, 2021). Nesse contexto, é importante entender em que medida a infraestrutura publicitária fornecida pela Meta tem sido usada para a disseminação de ódio contra a população LGBTQIAP+. Diante das possibilidades de segmentação e das limitações de transparência, é necessário investigar empiricamente como políticos e candidaturas vêm se aproveitando da publicidade digital para defender ou atacar os direitos dessa população em um cenário político polarizado.

 

3  METODOLOGIA

Para entender como as pautas relativas à população LGBTQIAP+ e seus direitos são instrumentalizadas diante de políticas de governança limitadas, extraímos dados dos anúncios categorizados como sensíveis, eleitorais ou políticos sobre sexualidade e gênero que foram veiculados no Brasil durante a campanha eleitoral do primeiro turno de 2022 (16 de agosto a 30 de setembro). As coletas foram realizadas na Biblioteca de Anúncios da Meta a partir de três expressões de busca sobre o tema: “identidade de gênero”, “orientação sexual” e “ideologia de gênero”.

Considerando os objetivos deste artigo e o contexto político-social brasileiro, organizamos os 3.703 anúncios coletados em dois conjuntos: 3.358 anúncios considerados contrários aos direitos da população LGBTQIAP+ (anti-LGBTQIAP+) por incluírem a expressão “ideologia de gênero” e 345 anúncios categorizados como a favor dos direitos dessa população (pró-LGBTQIAP+) por terem sido retornados pela busca por “identidade de gênero” e/ou “orientação sexual”. As expressões foram mencionadas no corpo do texto, na imagem ou no áudio de um vídeo associado ao anúncio.

Identificamos 205 anúncios que incluíam um termo pró-LGBTQIAP+ e o termo anti-LGBTQIAP+ ou que pertenciam a um anunciante que impulsionou pelo menos um anúncio de cada categoria. Para esses casos, realizamos uma análise qualitativa do conteúdo e do anunciante, respeitando a sua posição autodeclarada — se tem posicionamento pró ou anti-LGBTQIAP+. Após a análise, 183 anúncios foram classificados como anti-LGBTQIAP+ e 22, pró-LGBTQIAP+. Também classificamos como pró-LGBTQIAP+ cinco anúncios que, embora mencionem apenas “ideologia de gênero”, usaram o termo de forma crítica e mostraram argumentos favoráveis aos direitos da população LGBTQIAP+.

Além do conteúdo dos anúncios, o repositório também disponibiliza informações sobre a segmentação do público-alvo, valores investidos e impressões alcançadas. Como a Meta não informa os números exatos para essas métricas, consideramos os valores máximos disponíveis. Além disso, uma vez que a Meta não mostrou informações de segmentação de 307 anúncios, sendo oito pró-LGBTQIAP+ e 299 anti-LGBTQIAP+, eles foram desconsiderados nas agregações sobre gênero, idade e região.

Para entender as estratégias de segmentação adotadas pelos anunciantes, realizamos uma análise descritiva dos metadados dos anúncios considerando as impressões, o valor investido, o período de impulsionamento e o público impactado pelo anúncio. Além disso, realizamos uma análise de conteúdo dos anúncios publicados pelos cinco anunciantes pró e anti-LGBTQIAP+ que mais investiram no período para entender de que forma o discurso sobre gênero e sexualidade foi enquadrado em peças impulsionadas.

 

4  RESULTADOS

A coleta indica que argumentos contrários aos direitos da população LGBTQIAP+ foram preponderantes durante o primeiro turno da campanha eleitoral de 2022: foram veiculados 9,7 vezes mais anúncios anti-LGBTQIAP+ nas plataformas da Meta que anúncios pró-LGBTQIAP+. Os 3.358 anúncios de 510 anunciantes que mencionavam “ideologia de gênero” receberam cerca de R$1,6 milhão para atingir até 138,8 milhões de impressões. Já os 345 anúncios pró-LGBTQIAP+ de 120 anunciantes foram vistos até 20 milhões de vezes e receberam um investimento de aproximadamente R$177 mil. Em média, os anúncios anti-LGBTQIAP+ custaram 33,6% mais que anúncios pró-LGBTQIAP+ para atingir o mesmo número de usuários (R$11,86 por mil impressões contra R$8,88 por mil impressões).

A veiculação de anúncios sobre a pauta se intensificou no decorrer da corrida eleitoral. Como mostra o Gráfico 1, na última semana da campanha, mais de mil anúncios foram veiculados diariamente, sendo o dia 28 de setembro o maior pico do período, com 1.249 peças circulando simultaneamente sobre o tema. Os anúncios anti-LGBTQIAP+ são veiculados ininterruptamente desde o início da campanha e aumentam em um ritmo constante no decorrer do período analisado. Em contrapartida, os anúncios pró-LGBTQIAP+ ganham maior tração apenas na reta final da disputa, porém, sem fazer frente à diferença substancial no volume de anúncios anti-LGBTQIAP+. Podemos observar que a pauta anti-LGBTQIAP+ é impulsionada de forma mais sólida, reforçando resultados anteriores de que pautas conservadoras têm sido promovidas em uma campanha permanente, na qual a produção de conteúdo, o teste de mensagens e a repetição das narrativas bem-sucedidas preparam o terreno até a ativação da campanha firehose (Fitzgerald; Santini; Salles, 2020).

Gráfico 1 – Anúncios ativos por dia de campanha.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2024.

Em relação ao perfil do público atingido pelos anúncios, as mulheres foram o principal segmento na disputa entre a defesa e a deslegitimação da população LGBTQIAP+. Ao mesmo tempo que 68,6% do total de impressões em anúncios pró-LGBTQIAP+ foram feitas pelo público feminino, mulheres também foram responsáveis por 55,1% das impressões dos anúncios anti-LGBTQIAP+. Em relação à faixa etária (Gráfico 2), podemos observar estratégias distintas para os dois enquadramentos. A principal faixa etária do público dos anúncios anti-LGBTQIAP+ é de 25 a 34 anos: as publicações foram vistas até 34,3 milhões de vezes por pessoas dessa faixa etária, representando 24,8% do total de impressões. No entanto, o que mais se destaca é a importância dessa temática entre o público mais velho: 54,8% das impressões foram feitas por usuários com mais de 35 anos. Em contrapartida, os anúncios pró-LGBTQIAP+ impactaram usuários mais jovens: usuários de 18 a 24 anos visualizaram os conteúdos 6,2 milhões de vezes (30,8%). Vale destacar, também, que usuários menores de idade foram majoritariamente impactados por conteúdos em defesa da população LGBTQIAP+.

Gráfico 2 – Distribuição de anúncios por faixa etária.

Gráfico

 Fonte: Elaborado pelos autores, 2024.

No que diz respeito à segmentação geográfica a nível estadual, anúncios anti-LGBTQIAP+ foram mais vistos em 25 estados e no Distrito Federal, sendo o Mato Grosso (98,4%), o Mato Grosso do Sul (98,3%) e Roraima (98,3%) os estados com mais impressões proporcionais. Os anúncios pró-LGBTQIAP+ foram mais vistos apenas no Amapá e no Tocantins. O resultado do Amapá foi influenciado por um único anúncio impulsionado pelo então candidato a deputado estadual Pedro Filé (PDT/AP). Sozinho, Filé, com um investimento de R$499, garantiu mais da metade do número de impressões de todos os anúncios impulsionados no estado. No Tocantins, a página do mandato coletivo SOMOS (PSB/TO) investiu R$5.880 em 20 anúncios, alcançando 45,0% do total de impressões no estado. Os dados demonstram que poucos anunciantes pró-LGBTQIAP+ foram capazes de desequilibrar a disputa nos seus respectivos estados.

Para avaliar o enquadramento dado ao tema, analisamos qualitativamente o conteúdo e o perfil dos principais anunciantes no período. A Tabela 1 mostra os cinco perfis com maior investimento em anúncios anti-LGBTQIAP+, que incluem candidatos do União Brasil e do Partido Liberal, além da produtora audiovisual Brasil Paralelo, um dos principais anunciantes políticos das plataformas da Meta (Granjeia; Almeida, 2023). Segundo Santini e Salles (2024), a Brasil Paralelo promove um projeto contínuo de educação midiática, que questiona veículos midiáticos tradicionais e denuncia um “sistema enviesado, mentiroso e esquerdista”, como forma de conquistar um novo público, supostamente esclarecido. Durante a campanha de 2022, a Brasil Paralelo foi proibida de divulgar um documentário sobre o ataque sofrido pelo então candidato Jair Bolsonaro em 2018. Uma vez que a facada foi tema frequente da campanha de Bolsonaro pela reeleição, o tribunal buscou evitar que o conteúdo servisse como estratégia eleitoral com a “roupagem de documentário” (TSE…, 2022). Os anúncios[5] anti-LGBTQIAP+ impulsionados pela produtora promoviam um curso sobre Jonathan Peterson, um canadense que advoga contra a “ideologia de gênero”, que está disponível para assinantes do seu serviço de streaming. Assim, as peças promovem pautas semelhantes àquelas defendidas por políticos conservadores.

Tabela 1 – Páginas que mais investiram em anúncios anti-LGBTQIAP+.

Posição

Nome da página

Partido

Valor total máximo investido (R$)

Quantidade de anúncios

1

André Fernandes

PL/CE

61.498,00

2

2

Rosane Felix

PL/RJ

60.787,00

13

3

Filipe Barros

PL/PR

57.191,00

9

4

Brasil Paralelo

-

37.995,00

5

5

Ane Borges

UNIÃO/MT

36.087,00

13

Fonte: Elaborado pelos autores, 2024.

A defesa da família pelos “cidadãos de bem” contra a “ditadura da ideologia de gênero” está alinhada ao discurso da extrema-direita brasileira pelo menos desde 2016 (Santini; Salles; Tucci, 2021), servindo de plataforma para eleição de diversos candidatos. Esse é o caso do ex-deputado estadual André Fernandes (PL/CE), deputado federal eleito em 2022 e o anunciante que mais investiu no impulsionamento de anúncios com o termo “ideologia de gênero”. Seu anúncio[6] mais visto conta com a participação Eduardo Bolsonaro, que pede para que eleitores do Ceará votem em Fernandes por “ser uma pessoa de princípios” que “defende as pautas relativas à família, é contra a ideologia de gênero, contra o aborto, que é o nome bonitinho para ‘assassinato de bebês’ na barriga das mães”.

O anúncio[7] mais visto da então candidata a deputada federal não-eleita Ane Borges (UNIÃO/MT) mostra o ex-presidente Jair Bolsonaro em uma imagem que resume as supostas diferenças entre as pautas defendidas pelo então presidente e Lula, seu adversário. A candidata, que se apresenta como cristã, está alinhada às pautas conservadoras promovidas por lideranças religiosas que buscam produzir artificialmente controvérsias morais e demonizar inimigos políticos. No anúncio, ela se posiciona ao lado (e em defesa) de Bolsonaro, contrapondo os valores defendidos pelos conservadores, como a criminalização do aborto e a liberação do porte de armas para a população civil, à “ideologia de gênero”.

A estratégia de mostrar apoio a Bolsonaro também é adotada por Rosane Félix (PL/RJ), candidata a deputada federal que não se elegeu: todos os seus anúncios mencionam o ex-presidente. Rosane se apresenta como conservadora, defensora da família e contra a ideologia de gênero[8]. Em um anúncio[9] solicitando votos a outro candidato a deputado estadual, a candidata cita nominalmente Jair Bolsonaro: “Rogério do Salão é do meu partido e aliado aos valores do nosso presidente Bolsonaro [...]. Assim como eu, é contra o aborto, a ideologia de gênero e defende a liberdade de expressão e a liberdade religiosa”.

No anúncio[10] com maior investimento de Filipe Barros (PL/PR), visto pelo menos um milhão de vezes, o candidato a deputado federal faz uma espécie de retrospectiva do cenário político do Brasil na última década a partir de uma ótica conservadora. O candidato afirma que as eleições de 2014 e a vitória de Dilma Rousseff estariam sob suspeita de fraude. O mandato de Rousseff, então, teria levado o Brasil “à morte”, com “propina, violência, criminalidade, incompetência, mais escândalos de corrupção, prisões, aborto, crime organizado, terrorismo do MST, tráfico de drogas, milícias, ideologia de gênero e roubalheira”. Barros introduz a figura de Bolsonaro como a solução desses problemas.

Também identificamos anúncios anti-LGBTQIAP+ com discurso tóxico mais explícito impulsionados por outros políticos. O candidato não-eleito a deputado federal Douglas Garcia (REPUBLICANOS/SP) investiu R$14,1 mil para impulsionar quatro anúncios[11] com acusações contra ideais progressistas e descredibilizando entidades que defendem pautas de esquerda feitas durante suas falas na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo quando era deputado estadual. Nos anúncios, Douglas, em tom alarmista, diz que o TSE deveria cassar o registro do PSOL, defende o projeto “Escola Sem Partido”, chama jornalistas de “safados” e “comensais de satanás” e militantes do movimento LGBTQIAP+ de “insuportáveis”, além de dizer que a orientação sexual dos filhos “pertence” aos pais. Após sua derrota nas eleições de 2022, ele afirmou acumular quase R$1 milhão em empréstimos e condenações de ações judiciais; mais de 80 foram movidas contra ele, motivadas, entre outros motivos, pela conduta do parlamentar ao promover desinformação e discurso de ódio (Rodrigues; Dias, 2022).

Já o vereador de Fortaleza e então candidato a deputado estadual Jorge Pinheiro (PSDB/CE) impulsionou três anúncios[12] destacando o combate de conservadores contra “defensores da ideologia de gênero”: “eu sou e sempre serei, até a minha morte, contrário ao ensino de ideologia de gênero nas escolas. E vocês, que querem impor isso goela abaixo, vão se espatifar na muralha”. O anúncio também contrasta a crítica de ativista pró-LGBTQIAP+ ao ideal tradicional de família com a fala do político, reforçando o argumento de que conservadores estariam defendendo a família e as crianças, ameaçadas por comportamentos desviantes, esquerdistas e feministas.

A então candidata à deputada federal Cristiane Lopes (UNIÃO/RO), impulsionou mais de 100 anúncios[13] com um vídeo destinado a pais em que alega que, nos próximos anos, meninas de oito anos passariam a ser obrigadas a usar o mesmo banheiro que “um marmanjão de quinze anos”. Segundo a deputada eleita, haveria uma mobilização para aprovar leis que permitam que alunos usem os banheiros a partir de sua identidade de gênero. Apesar das normas sociais atuais já preverem a utilização de banheiros de acordo com a identificação por determinado gênero, a deputada considera que a definição de gênero — e, portanto, o critério de utilização dos banheiros — deve ser imposta biologicamente.

A Tabela 2 mostra as cinco páginas que mais investiram em anúncios pró-LGBTQIAP+. Quatro delas pertencem a candidatas femininas, incluindo duas mulheres que se identificam como LGBTQIAP+ em suas redes sociais (Ariadna Arantes e Fernanda Curti). Assim como a população LGBTQIAP+, mulheres parlamentares são alvos de violência de gênero, sendo frequentemente desacreditadas, representadas como inadequadas para a vida pública e incapazes de ocupar cargos de liderança (Tavares; Borges, 2023).

O anúncio[14] com maior número de impressões de Antonia Leite Barbosa (CIDADANIA/RJ), então candidata à deputada federal, faz referência ao Dia da Independência. Ela propõe uma reflexão sobre a independência estar condicionada à justiça e à equidade, “independentemente de etnia, credo, orientação sexual, geografia ou conta bancária”. O vídeo não possui indicações para voto, mas apresenta o rótulo indicando que faz parte da campanha eleitoral. O anúncio foi impulsionado apenas para mulheres, que viram o anúncio até 250,0 mil vezes.

Tabela 2 – Páginas que mais investiram em anúncios anti-LGBTQIAP+.

Posição

Nome da página

Partido

Valor total máximo investido (R$)

Quantidade de anúncios

1

Antonia Leite Barbosa

CIDADANIA/ RJ

26.997,00

3

2

Ariadna Arantes

PSB/SP

18.887,00

13

3

André Janones

AVANTE/MG

13.895,00

5

4

Luciana Genro

PSOL/RS

11.295,00

5

5

Fernanda Curti

PT/SP

8.496,00

4

Fonte: Elaborado pelos autores, 2024.

 No recorte pró-LGBTQIAP+, é possível observar que propostas e políticas públicas defendidas tem mais espaço: todos os anúncios de Ariadna Arantes (PSB/SP) e Luciana Genro (PSOL/RS) e dois anúncios de Fernanda Curti (PT/SP) discorrem sobre medidas pró-LGBTQIAP+ de seus mandatos ou possíveis mandatos. Em um dos anúncios[15], por exemplo, Ariadna lista propostas que pretende defender na Câmara dos Deputados; já Luciana Genro destaca suas emendas parlamentares destinadas à saúde LGBTQIAP+ do seu mandato anterior[16].

O candidato a deputado federal André Janones (AVANTE/MG) impulsionou cinco anúncios[17] entrevistando cidadãos sobre a ideologia de gênero, o projeto “Escola Sem Partido” e ataques contra o STF. Os anúncios foram vistos 1,9 milhões de vezes; Janones, portanto, recebeu quase 10% de todas as impressões de anúncios pró-LGBTQIAP+. Nos vídeos, os entrevistados alegaram que não conheciam os temas suficientemente para discorrer sobre eles. Janones, então, indica que a classe política estaria deixando de promover políticas públicas pertinentes para debater pautas morais. Diferente de outros anúncios sobre gênero e sexualidade, os anúncios de Janones foram direcionados principalmente para adolescentes: mais de 60% do público dos anúncios tem de 13 a 17 anos.

Fernanda Curti (PT/SP) é a única candidata do ranking que promove um enfrentamento direto contra políticos conservadores. Em dois anúncios[18], a candidata inclui um trecho de um vídeo de Nikolas Ferreira, então candidato a deputado federal pelo PL, afirmando que os banheiros precisam ser definidos a partir da classificação biológica. Fernanda acusa Nikolas de ser transfóbico e argumenta que o conceito de banheiro dividido entre masculino e feminino é baseado numa lógica que deveria ser superada.

Nossos dados indicam que as ferramentas de personalização de público disponibilizadas pela Meta permitem que anunciantes pró e anti-LGBTQIAP+ explorem o debate sobre gênero e sexualidade de maneiras distintas. Anúncios anti-LGBTQIAP+ são mais impulsionados na plataforma e garantem mais recursos financeiros para a Meta, criando um desbalanceamento entre os enquadramentos positivo e negativo de direitos LGBTQIAP+. Anunciantes pró-LGBTQIAP+ procuram direcionar seus anúncios para mulheres e jovens, enquanto o público dos anúncios anti-LGBTQIAP+ tende a ser mais distribuído entre homens e mulheres e as diferentes faixas etárias. Alguns anunciantes privilegiaram públicos específicos, seja usando recortes de idade, gênero ou localização geográfica, desequilibrando o alcance de mensagens pró e anti-LGBTQIAP+ em determinados segmentos da população.

 

5  DISCUSSÃO

Temas relativos à diversidade de gênero e à sexualidade são apresentados nos anúncios anti-LGBTQIAP+ como uma alarmante materialização do “comunismo”, que exige a mobilização popular em torno do projeto político-ideológico conservador. A população LGBTQIAP+ é alvo de desinformação, discurso de ódio e conspirações nos anúncios. Nessa retórica, a defesa dos direitos da população LGBTQIAP+ teria uma face oculta, com motivações escusas e perversas. O objetivo é convencer os “cidadãos de bem” de que seriam vítimas do avanço das minorias, perdendo seus direitos em prol do privilégio de poucos.

Há ainda uma tentativa de inserir a pauta de gênero e sexualidade no contexto das guerras culturais e nas disputas político-partidárias: a “ideologia de gênero” é contraposta a outras pautas da extrema-direita, em defesa de ideias como “bandido preso, cidadão de bem armado, valores cristãos, liberdade, obras no Brasil, agro forte e menos impostos”. A ideologia de gênero é apresentada como parte de uma política vil, que tem o intuito de ferir ou manipular crianças e adolescentes.

Já os anúncios pró-LGBTQIAP+ incluem propostas de campanha relacionadas à promoção dos direitos dessa população, com um enquadramento que busca humanizar e aproximar o tema para desmistificá-lo. Outro destaque entre esses anúncios é a tentativa de explorar supostas inconsistências e incoerências dos argumentos contrários à população LGBTQIAP+ para deslegitimar essas narrativas. No entanto, nossos resultados indicam que, durante a campanha eleitoral de 2022, os argumentos em defesa da diversidade e da justiça social não fizeram frente à ação robusta e permanente do campo conservador. Apesar dessa tendência, é necessário reconhecer que os usos desses termos podem ser mais complexos do que aqueles detectados pelo presente artigo, demandando pesquisas futuras que analisem sistematicamente todos os anúncios e anunciantes.

Nossos resultados corroboram pesquisas anteriores que têm evidenciado que conteúdos discriminatórios e/ou odiosos circulam nas plataformas da Meta, apesar das suas políticas de uso proibirem a circulação desse tipo de conteúdo (Cotter et al., 2021; Netlab UFRJ, 2024). No caso de anúncios, são necessárias medidas de transparência adicionais, já que políticos e a própria plataforma podem direcionar peças para segmentos vulneráveis do público. Ghosh (2020) atribui a ineficácia das políticas de gestão e moderação de conteúdo à falta de regimes de regulação que levam em consideração o modelo de negócios das Big Tech. Como possível solução, Park e Rohatgi (2024) argumentam que as regulações devem enfatizar a responsabilização das plataformas pela amplificação de conteúdo prejudicial, ainda que seja legal, considerando a capacidade de divulgação a partir dos sistemas de recomendação.

De fato, os sistemas de moderação das plataformas não conseguem detectar todos os conteúdos tóxicos por não conseguirem levar em conta o contexto das publicações adequadamente (Allan, 2017). Ainda que os critérios de autogovernança representem uma decisão política da plataforma e impactem o debate público das redes, as decisões de moderação são pouco transparentes para os usuários (Bossetta, 2020). Assim, a definição de conteúdos problemáticos a respeito do tema exige a participação de diferentes atores políticos e da sociedade civil para debatê-la. Ao determinar quais conteúdos podem ou não seguir no ar e não oferecer critérios transparentes para acompanhamento dessas medidas, a Meta fortalece ainda mais seu modelo de negócios, vendendo espaços publicitários para impulsionar conteúdos que julgue adequados, ainda que possam ser questionáveis na avaliação de determinados grupos sociais ou outras instâncias, e aumentando seus lucros.

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[1] Graduado em Publicidade e Propaganda pela Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ e Mestrando no Programa de Pós Graduação em Comunicação e Cultura (PPGCOM–ECO) da UFRJ. É assistente de pesquisa do Netlab (Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da UFRJ).

[2] Doutora em Ciência da Informação pela UFRJ e pesquisadora em estágio pós-doutoral na ECO-UFRJ. É coordenadora de pesquisa no Netlab (Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da UFRJ).

[3] Professora associada da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), atuando em cursos de graduação, mestrado e doutorado. É fundadora e diretora do Netlab (Laboratório de Estudos de Internet e Redes Sociais da UFRJ). É investigadora da Rede Europeia Vox-Pol Network of Excellence e pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico–CNPq.

[4] Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, Queer, Intersexos, Assexuais, Pansexuais e o + representa demais identidades não abrangidas na sigla.

[5] Disponível em: https://www.facebook.com/ads/library/?id=1321913544997205. Acesso em: 26 nov. 2024.

[6] Disponível em: https://www.facebook.com/ads/library/?id=573165381215988. Acesso em: 4 jul. 2024.

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[9] Disponível em: https://www.facebook.com/ads/library/?id=3316014642004769. Acesso em: 4 jul. 2024.

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[12] Disponível em: https://www.facebook.com/ads/library/?id=460708622760259. Acesso em: 4 jul. 2024.

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[17] Disponível em: https://www.facebook.com/ads/library/?id=773816753903462. Acesso em: 4 jul. 2024.

[18] Disponível em: https://www.facebook.com/ads/library/?id=398764035729100. Acesso em: 4 jul. 2024.